terça-feira, dezembro 24, 2013

Boa Nova, Má Nova



Empires decline – revisited from Pedro Miguel Cruz on Vimeo.
Ampliar a janela para melhor apreciar.


2013 está no fim, mas a nossa desgraça não

Portugal is broke, unemployed, Spain’s Mini Me.

"Would you keep your money in Luxembourg, Portugal, Spain, Italy, or Greece? I didn’t think so. Dmitry Medvedev caught many people’s sentiments with the cryptic but unambiguous suggestion that you should “Get all money out of western banks now!”

2013 Year in Review: Austerity is not a policy. David B. Collum // Zero Hedge.

Deixar de trabalhar aos 55 anos e querer viver até aos 90 anos é uma utopia. Castigar socialmente a procriação é uma forma de suicídio coletivo. Qualquer miúda que tenha completado o ensino básico percebe isto.

O Japão enveredou por este caminho. Tentou mitigar o desastre demográfico anunciado substituindo o trabalho por autómatos e robôs. Desprezou a juventude, transformando a parte mais apta em escravos da tecnologia e da produtividade, e a maioria em consumidores compulsivos e deprimidos. O resultado foi a maior dívida pública do planeta e uma dívida externa que disparou a partir do momento que o valor do dólar começou o seu lento eclipse e as principais economias mundiais (Estados Unidos e Europa) entraram no jogo da destruição das taxas de juro. Até com a China a desvalorização competitiva da moeda japonesa perdeu a sua magia assim que Pequim percebeu o mecanismo do yen carry-trade. Em suma, nenhum artifício financeiro, por mais sofisticado que seja, pode esconder eternamente limitações estruturais na economia quando estas se instalam, seja no domínio da energia (peak oil), das alterações climáticas, ou da explosão demográfica que conduz a um desequilíbrio entre a procura agregada mundial (que ainda não deixou de crescer) e a oferta agregada mundial (que atingiu ou está muito perto de atingir limites inultrapassáveis).

1415-2015.

Acresce a tudo isto uma redistribuição geográfica da produção e do consumo para fora dos impérios onde esteve concentrada nos últimos seiscentos anos: Europa e Estados Unidos-Canadá. Esta mudança de padrão geográfico na distribuição da riqueza, maioritariamente a favor da região Ásia-Pacífico, onde há mais gente do que no resto do planeta, terá (está a ter) como consequência inexorável, numa primeira fase, o empobrecimento das populações da América do Norte e da Europa, a degradação dos respetivos sistemas de proteção social, e uma crise económica e demográfica sem precedentes. O eixo deste colapso passa pela extinção de grande parte do setor de serviços.

Os camponeses emigraram para as cidades, nos séculos 19 e 20, para alimentar de trabalho a indústria e depois os serviços. Hoje são centenas de milhões de seres humanos sem um palmo de terra a que se agarrarem, frequentemente endividados, e para quem o desemprego só não significará miséria imediata enquanto os estados tiverem eles próprios poupança suficiente para acudir à desgraça crescente. Na realidade, já deixaram de ter tal poupança. Por isso começaram a tomar de assalto os contribuintes indefesos e a negar os contratos sociais. Até já nos serviços financeiros mais sofisticados, onde predominou até há um ou dois anos o conforto e as remunerações altas, a ordem é para reduzir os custos com pessoal e evitar gastos que não sejam plenamente justificados. A avaliação de desempenho e a auto-avaliação são constantes, assim como a rotação dos recursos humanos, por mais experientes e bem preparados que sejam.

É este o palco da crise das dívidas pessoais, empresariais e soberanas.

A crise sistémica em curso desde 2006-2008, que só terá fim quando todo o sistema monetário colapsar, dando lugar a uma nova ordem monetária mundial, depois de uma violentíssima transferência das poupanças e bens materiais das classes médias para as elites financeiras, a par da destruição de boa parte da riqueza virtual acumulada pelos especuladores, é sobretudo fruto de um excesso de dinheiro criado a partir do nada com a finalidade de manter vivo por mais algum tempo o crescimento fictício de sociedades que praticamente deixaram de produzir e apenas consomem. Nem produzem, nem se reproduzem. Vivem apenas na ansiedade do consumo e do envelhecimento, cada vez mais aflitas e desorientadas, agarradas aos telemóveis, como se fossem amuletos.

Jesus expulsando os banqueiros judeus do templo.

O fascismo fiscal e o assalto puro e simples à riqueza dos povos, perpetrado pelas elites governamentais e partidárias corrompidas a mando das elites financeiras, está em marcha, é o corolário da crise sistémica escancarada, e passa nomeadamente por:

  • fechar a torneira dos empréstimos (impedindo assim que a diarreia monetária canalizada para os bancos gere inflação)
  • colocar a salvo as elites financeiras
  • resgatar os bancos, numa primeira fase, com dinheiro público
  • resgatar os bancos, numa segunda fase, assaltando descaradamente os depósitos dos clientes
  • resgatar os bancos, controlando os movimentos de capitais (aconteceu em Chipre, e o JP Morgan já começou a fazê-lo...)
  • resgatar os bancos atolados em dívida soberana, classificada como lixo, através de dinheiro público resultante da aplicação de taxas sobre depósitos bancários em toda a zona euro (para começar, 10%, propõe o FMI)
  • resgatar os bancos, numa terceira fase, deixando subir as taxas de juro e a inflação
  • diminuir a despesa pública, nacionalizando as pensões privadas
  • diminuir a despesa pública, convertendo as pensões em dívida pública
  • diminuir a despesa pública, acabando com a indexação das pensões à inflação
  • trocar os direitos económicos e as poupanças da maioria por bens tangíveis (energia, água, terra agrícola e florestal, propriedade imobiliária e metais preciosos/ jóias) através de execuções fiscais e judiciais de todo o tipo, a favor das elites.

O grande drama desta crise é que a mesma não é portuguesa, nem europeia, nem americana, mas sim, verdadeiramente, uma crise malthusiana global, ou de fim de uma longa era de crescimento, acelerada pela transferência da riqueza real produzida do Ocidente para o Oriente. Depois de tudo o que li nestes últimos dez anos, a última coisa que um povo habituado ao medievalismo, ao cesarismo (como me escrevia um amigo há dias) e a partir quando não pode mais, será capaz de fazer é uma revolução capitalista burguesa indígena, ou uma revolução cultural burguesa indígena. Vivemos dos ecos destas duas revoluções, que sempre vimos como estrangeirismos.

Seremos arrastados na onda seja ela qual for, e se for como a que apanhou os pescadores afoitos de robalos na Costa da Caparica, pior para todos nós :(

Não há alternativa a uma quebra consistente da oferta agregada global com a consequente destruição da procura, com tudo o que isto implica: desemprego, implosão financeira, falência e colapso dos regimes, quebra abrupta da demografia, conflitos sociais e guerras de grandes proporções. O travão do Quantitativa Easing (diarreia financeira) nos Estados Unidos (Tapering) poderá ser o princípio do default do último império da Era Moderna e Contemporânea (1415-2015) e, se assim for, a destruição da dívida americana induzida pela própria destruição do dólar (por exemplo, desvalorizando abruptamente, ou dando mesmo passo a um novo dólar...) será uma maremoto de proporções inimagináveis que chegará às praias lusitanas e europeias num instante.

Se houver muita confusão na Europa, se a Alemanha e o euro tremerem mesmo, mais de um golpe de estado ocorrerão na Europa, desde logo em Espanha e... em Portugal.

Os partidos políticos portugueses, na sua confrangedora ignorância intelectual, mediocridade cultural, irresponsabilidade política e egoísmo corporativo atroz, não serão os principais causadores da tragédia que se aproxima, mas serão duramente responsabilizados por tudo o que já deveriam ter feito, por tudo que têm que fazer e continuam a não fazer, em suma, por tudo o que não fizerem para defender Portugal, como estado, como nação e como povo, das consequências mais trágicas de uma metamorfose inexorável.

Formular votos de um Bom Natal com este desastre à porta prova que não perdemos o sentido de humor e que nos resta algum amor para dar.

Oxalá estivera completamente equivocado nas palavras que escrevi!

O bacalhau demolha no frigorífico. Amanha de manhã vou comprar uma pescada, couves e pão fresco. Depois de um passeio pela praia, passarei umas horas a ler. Alguns telefonemas depois, quando forem dez da noite, a consoada será servida com pompa e circunstância. O resto da história já conhecem.

Um Bom Natal, meus queridos leitores!

Última atualização: 24/12/2013 11:40 WET

2 comentários:

joshua disse...

Parabéns pelo post, sempre profiláctico no sentido de um acordar geral.

Santo Natal deste leitor de anos. Abraço.

António Maria disse...

Joaquim,

Obrigado e um Bom Ano!