Armas e brazão dos Pintos (Torre do Tombo) |
A discussão mais apaixonada e pueril do meu país
A guerrilha em volta do Acordo Ortográfico é a prova do grau zero a que chegámos. Num país onde a maioria dos indígenas não sabe falar, quanto mais escrever, poetas, escritores, artistas e intelectuais, de toda a espécie e feitio, que, na sua maioria, também dão pontapés, a torto e a direito, na gramática, agitam-se com a orthographia!
Há alguns meses, durante uma das minhas estadias no Porto —o terroir gentílico— dei-me ao trabalho de transcrever um pergaminho herdado, escrito em 1669. Trata-se de uma certidão real atestando que um antepassado meu era mesmo Pinto de gema!
Ora leiam lá o que e como se escrevia em Portugal a meados do século 17, e concluam depois se há algum motivo que me leve a emendar a minha opinião sobre a natureza desmiolada do desacordo ortográfico.
NOTA
Basta ter atenção a algumas pequenas diferenças letristas (o s escreve-se frequentemente com f, o v é u, o u é v, o j, i, e o Í, J, o til é por vezes assinalado por um apóstrofo, o símbolo < usado nesta transcrição deveria ser sobrescrito, etc.) e todo o texto poderia ter saído do Diário da República!
PORTVGAL . REY - DARMAS . PRINCIPAL
NESTES REYNOS E SENHORÍOS DE PORTVGAL
pello mujto alto, & mujto poderofo Príncepe Dom Pedro noffo Senhor, per graça de Devs, Príncepe de Portugal, & dos Algarues, da Quem, & da Lem Mâr em Africa, & de Guíne, & da Conquífta, Nauegaça’o, & Comercío da Ethiopía, Arabia, Perfía, & da Índía & El< Faço faber aos que efta mínha Carta de Certída’o & Braza’o de Armas de Nobreza & fídalguía de línhagem dígna de fee, & Crença vjrem; que por parte de I<oa’o Campello da Cofta Pínto Capita’o môr no Confelho de Ferreíros de Tendaís, & nelle mor da Comarca de Lamego, me foj feíta petíça’o per efcrípto¶ Dízendo que pellas juftífícacoe˜s, & documentos juntos, fe moftraua fer fílho legítímo de Manoel Campello da Cofta, & de fua legítíma molher María de Barros Pinto, & netto pella parte materna de Íorge Pínto da fonfeca, & bífnetto de outro Íorge Pinto, moradores q’ fora’o no Confelho de Aregos, & 3º netto de Íoa’o Pinto, ao qual o Sor Rey Dom Íoa’o o 3º no An< de 1538, mandou paffar Brazão de Armas da geração dos Píntos, pello Rey de Armas Portugal, q’anta’o era o Bacharel Antonio Roíz, por moftrar fer filho de Gonçalo Euchefe, & de fua molher Briolanja Pínto fa legítima de Ajres Pínto, q’ foj fidalgo mto honrrado do verdadeiro tronco da ditta geraça’o, quartos, & 5º Auôs do Supe, o qual ferue a Sua Mage no d’ Cargo de Capita’o [já ha mtos annos} c’o toda afatíffaça’o, & q’ a dítta fua May María de Barros Pínto, era jrm’a jnteira de Mel Pínto da fonfeca Capam môr no d^ Confo de Aregos, & de Antº Pínto da fonfeca [aos] quais fe paffou a cada hú feu Braza’o de Armas da d’ famílía por mdo do d^ Sor, & Requerendo elle Supe feu Braza’o na meza do Tribunal do Dezo do Paço, fe mandou dar [uista] ao procurador da Coroa, & do q’ de fuas Repoftas Refoltou, fe mandou paffar’ o d’ Braza’o de Armas ao Supe, pera dellas poder vzar, & gozar dos preuílêgíos a ella concedidos. Pello q’ me pediu, que pellas memorias dos dittos feus progínítores fe na’o perderem, & conferuaça’o de fua Nobreza, lhe deffe hú Efcudo com as Armas, q’ãd [linhagem] de direito pertencem, como eftaua mandado, & como fe paffara aos dittos feus 3º Auô, & Tios, pa dellas vzar nos actos em q’a Nobreza dellas lhe deffe lugar & Receberia merce [da] qual petiça’o fendome aprezentada com os documentos, & juftificações de q nella faz mença’o, fe mostraua, mandarffe pello Dezº do Paço dâr uifta ao precurador da Coroa & [finalmte] fe Refolueo q’ fe paffaffe ao Supe feu Braza’o como fo, netto, bifneto, 3º, 4º & 5º netto das peffoas nomeadas em fua petiça’o, & como fobrinho dos Referidos nella, a quem {???} paffado feus Brazo~es, como confta do Liuro do Regifto da Nobreza, & finalmente pellos dittos Auttos, fe moftraua juridicamte prouado todo o contheudo em fua petiça’o [aos quais] Auttos me Reporto em todo, & por todo, & fica’o no Cartorio da Nobreza do Efcriua’o della, q’efta fobefcreueo, Em virtude, & cumprimto do d^ defpo, & mandado do Dez. do Paço, & do q dos dittos Auttos conftaua, & se moftraua pertencerem ao Supe as dittas Armas, como ditto he_< Proui, {?} bufquei os Liuros da Nobreza da nobre, & antigua fidalguía deftes Rnos, & nelles achei affentadas, & Regiftadas as Armas, da mto nobre, & antígua familia dos Píntos, q nefte Rno fa’o fidalgos de geraça’o, & Cotta Darmas, & nefta lhas dou diuizadas, & jluminadas co’ o Metal, & Côr, q’a ellas pertencem comforme Regras de Armaria pla manra feguinte: [e a] faber hú Efcudo pofto aobalon com o Campo de prata, & nelle fínquo Crefcentes de Lua fanguínhos apontados poftos em afpa com as pontas pera fíma, & por dífferença húa Bríca Azul carregada de hua Eftrela de prata < Elmo de prata aberto guarnído douro, Paquífê de prata & Vermelho, & por Timbre hú Leo pardo de prata armado de Vermelho, com hú dos Crefcentes das Armas na Efpadua < E porq~ eftas fáo as Armas, q~ a ditta linhagem pertencem lhas dej, & ordenei do mejo defta cõ o poder & authoridade, q~ de meu mto nobre, & Real Offício pera ifto tenho, pera dellas uzar, & gozar, como acto, & perrogatiua de fua Nobreza, & fidalguía, & co’ ellas poderá entrar em Batalhas, Campos, Duelos, Reptos, Defafios, Íuftas, & Torneos, & exercitar todos os mais actos de guerra, & pax, q~licitos, & honeftos forem, & trazelas em os feus Repofteiros, Firmais, Aneis, Sinetes, & mais couzas de feu feruiffo donde conuementemente efteião, fegdo a Nobreza dellas he diuido, & mandalas pôr nas portadas de fuas Cazas, Quintas, & Edifíçios, & dexalas fobre fua propria Sepultura, & finalmte fe podera feruir, honrrar, & aproueitar dellas em todo, & por todo, como fuas, q´fáo, & a fua Nobreza, & fidalguia conuem < Pello q Requeiro â todos os Dezembargadores, Corregedores, Prouedores, Ouuidores, Juízes, & a todas as mais juftiças de Sua Mge da parte do ditto Snõr, & da minha peço por bem do Offício da Nobreza, que tnho deixem trazer, lograr, & poffuir ao Supe, o Capitaó môr Îoão Campello da Cofta Pínto as dittas Armas & com ellas gozar de todos os preuilegios, graças, honrras, favores, merçes, perrogatíuas, jzenço~es, & mais liberdades â ellas comcedidas pellos Snor~s Reys deftes Reynos, & de q’ vza’o, & goza’o, & deuem vzar, & gozar os nobres, & antigos fidalgos de geraça’o, & Cotta Darmas, & em efpecial os da ditta geração, & affy mando a todos os Officiaes da Nobreza, cmo Îuiz, que fou defta, [W]Reys de Armas, [w]Arautos, & Paffauanies o cumprão, & guardem, como fe nefta conchem, & he declarado, fem duuida nem embargo algum, que a ello lhe feja pofto < Em fee do que lhe mandei paffar a prezente por my’ affinada, como o Sinal publico do Nome de meu Offício de que vzo < Dada nefta Corte, & mo nobre, & sempre leal Cidade de Lifboa aos Quinze de Mayo do Año do Nafcimento de Noffo Senhor Iesu Chrifto de Mil feis Centos feffenta & Noue Franco Mendes a fez pello Capita’o Franco Luis Ferreira Efcriva’o da Nobreza pello Princepe Noffo Sno’r, como Regente, & Gouernador deftes dittos Reynos, & Senhorios de Portugal < {assinatura} Rey d’Armas .P.
E para que toda esta tempestade num copo d'água possa ser ainda mais relativizada, recomendo este excelente vídeo sobre o drama histórico dos galegos em volta do idioma outrora comum.
Se gostou do que leu apoie a continuidade deste blogue com uma pequena doação
Sem comentários:
Enviar um comentário