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Catarina Martins por Nelson Garrido, in Público (07-05-2012) |
Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas conseguirá o Bloco de Esquerda deixar de ser uma frente de tontos (perdão, "de massas"), da UDP e do PSR?
Ninguém pode esperar que a UDP se demita do núcleo dirigente mais importante do Bloco de Esquerda. Qualquer solução de liderança que garanta a matriz deste projecto terá de englobar no centro pessoas afectas à UDP. Essa é a nossa responsabilidade — Joana Mortágua, UDP, Encerramento da VII Conferência, 07-Jun-2012.
Foi porventura Miguel Portas quem preparou, a tempo e horas, a metamorfose do Bloco de Esquerda, pedindo, na sequência do desaire eleitoral das últimas Legislativas, que os velhos dirigentes dessem lugar aos mais novos.
Na realidade, o que o Miguel propôs ao "povo do Bloco" (designação ridícula e pouco inspirada do álgido Louçã), foi algo bem mais estratégico, e que agora, depois da iniciativa do ainda grande Coordenador do Bloco, estará criticamente à prova: libertar o Bloco das suas sombras marxistas-leninistas. Será ou não o Bloco de Esquerda, pós-Louçã e pós-Fazenda, capaz de libertar-se da ortodoxia que criou esta frente partidária como uma clássica marioneta eleitoral de quem pensa ainda ter consigo as chaves da revolução socialista?
Ao contrário de Louçã e de Fazenda, o Miguel não era um partido dentro de um "bloco", mas um dissidente entre dissidentes do cadáver hirto que ainda é o estalinista PCP. Como deputado europeu aprendeu rapidamente a ver o mundo da política e do poder com outros olhos. Percebeu então que, ou o Bloco de Esquerda caminhava rapidamente para uma força política com peso eleitoral específico, e para isso teria que abandonar o cadavérico lastro esquizofrénico do modelo autoritário de Estado e de Praxis a que Lenine chamou centralismo democrático, mas que nunca passou da imagem vermelha no espelho do absolutismo czarista, ou estaria condenado a breve trecho à nulidade eleitoral, histórica, política e cultural.
Conheci Miguel Portas, e conheci melhor, muito melhor mesmo, Francisco Louçã. Como ex-trotskysta que sou, dos idos anos 70 do século passado, sempre olhei para os sociais-democratas do PS como um rebanho de Mário Soares, para os "comunistas" do PCP como um remake impossível de José Estaline, mas acima de tudo, sempre tive as maiores desconfianças de toda a genética maoísta. Ou seja, o senhor Fazenda da UDP sempre me foi indiferente e me pareceu ser um grande pedregulho destinado a entorpecer qualquer viabilidade mais do que conjuntural à nuvem de esperança que rodeou o nascimento do Bloco de Esquerda. Como se pode comprovar pelas palavras ditas por Joana Mortágua em junho passado, o Bloco é um filho da UDP e assim deverá continuar!
O apoio dado por Louçã e Pureza a João Semedo e a Catarina Martins na corrida à substituição da esgotada liderança histórica do Bloco é uma solução de compromisso, podre e que ruirá sob o impacto das próximas eleições autárquicas, se não antes. Por sua vez, o bloqueio imposto pela UDP à hipótese de Ana Drago suceder a Luís Fazenda na chefia do grupo parlamentar do Bloco é a prova provada de que esta força eleitoral está condenada a regressar às catacumbas do maoísmo e do trotsquismo se, entretanto, ninguém ousar o óbvio: convocar o eleitorado do Bloco a pronunciar-se livremente e por voto secreto sobre o seu futuro e sobre quem prefere ver a liderar o partido depois de Francisco Louçã.
O processo seria simples e expedito: os futuros eleitores da próxima mesa eleitoral do Bloco teriam que declarar sob palavra de honra que eram eleitores do Bloco, que acreditavam neste partido e que desejavam que o mesmo se transformasse num grande protagonista político, cívico e cultural da vida portuguesa, em disputa leal e livre com os demais partidos que aceitam as regras básicas da democracia.
Os diversos candidatos deveriam apresentar-se, pois, não perante um colégio eleitoral manipulado (como os que existiam no tempo de Salazar e Caetano), mas diante de todos os militantes, simpatizantes e eleitores do Bloco de Esquerda, defendendo as suas ideias e pedindo o apoio eleitoral necessário à eleição.
Só assim o Bloco poderá transformar-se rapidamente num aliado natural do PS com capacidade de empurrar este volúvel e corrompido partido para a margem esquerda do espectro eleitoral. Só assim, também, o PP de Portas definirá melhor a sua posição face ao PSD, formando com este partido, de uma vez por todas, um bloco eleitoral estável, em vez de continuar a piscar o olho à "esquerda" e à "direita", como uma puta vulgar.
Eu se fosse a Joana Amaral Dias juntava-me à Ana Drago e punha-me ao caminho, sem pestanejar, falando abertamente com o eleitorado do Bloco. A UDP e o PSR já não existem!