Era uma vez o dólar...
The demise of the dollar
In a graphic illustration of the new world order, Arab states have launched secret moves with China, Russia and France to stop using the US currency for oil trading
By Robert Fisk
Tuesday, 6 October 2009 (The Independent)
In the most profound financial change in recent Middle East history, Gulf Arabs are planning – along with China, Russia, Japan and France – to end dollar dealings for oil, moving instead to a basket of currencies including the Japanese yen and Chinese yuan, the euro, gold and a new, unified currency planned for nations in the Gulf Co-operation Council, including Saudi Arabia, Abu Dhabi, Kuwait and Qatar.
Secret meetings have already been held by finance ministers and central bank governors in Russia, China, Japan and Brazil to work on the scheme, which will mean that oil will no longer be priced in dollars.
The plans, confirmed to The Independent by both Gulf Arab and Chinese banking sources in Hong Kong, may help to explain the sudden rise in gold prices, but it also augurs an extraordinary transition from dollar markets within nine years.
O Iraque foi invadido duas vezes depois de Saddam Hussein ter balbuciado a sua intenção de substituir o depauperado dólar americano por outra moeda qualquer nas transacções petrolíferas. A campanha contra o Irão tem a mesma origem, i.e. no facto de o Irão ter decidido vender petróleo a troco de euros e ienes (
Global Research). Só que aqui a coisa tem-se tornado cada vez mais difícil para as intenções agressivas dos EUA, pois precisamente a China, o Japão e a Índia, já para não mencionar a França, Itália, Holanda, Grécia, Espanha e África do Sul, principais clientes do Irão (
Iran Energy Data), não estão nada interessados em repetir na terra dos persas os desastres em curso no Iraque e no Afeganistão.
Daí que, ao que parece secretamente, alguns países importantes e/ou emergentes começaram a conspirar sobre uma maneira de acabar simpaticamente com a hegemonia da moeda americana nas trocas internacionais. Este abcesso criado em 1971, quando Richard Nixon rasgou abruptamente os
acordos de Bretton Woods, que vinculavam as moedas de todo o mundo à moeda americana, mas na condição de esta ter uma paridade fixa com o ouro (1 onça de ouro fino valia então 35USD, hoje vale mais de 1000USD!), acabaria por rebentar por efeito das prolongadas e sucessivas crises financeiras e de endividamento do Japão (1990-2010?) e Estados Unidos (2001-2020?)
Ao contrário do que a propaganda político-financeira tem querido fazer crer, a crise de endividamento encadeado dos EUA, da Europa e do Japão não terminará tão cedo. Pelo contrário, poderá agravar-se de um momento para o outro, e de forma rápida e exponencial!
Os factores puramente financeiros que continuam a pesar sobre a actual crise são essencialmente quatro:
- a desvalorização constante da moeda americana,
- o endividamento profundo das economias mais desenvolvidas e a sua entrega irresponsável ao mundo onírico e puramente artificial do crédito barato e ilimitado,
- o insondável buraco negro dos produtos derivados,
- a falta de uma nova bolha especulativa credível, pois a das energias renováveis começou a esvaziar, e a do hipermercado dos futuros créditos de carbono poderá nem sequer levantar voo.
Nada, neste lado do problema pode sarar-se espontânea e rapidamente — como se vê. Quanto mais se endividam as economias maior será o peso das dívidas, do serviço das dívidas, e mais escasso e caro será o dinheiro no futuro. Se a resposta dos caloteiros for imprimir mais papel-moeda, ou digitar cifras num contador electrónico sem fim, as suas moedas desvalorizarão inexoravelmente (veja-se o que tem sucedido ao dólar americano e à libra inglesa.)
Por sua vez, os principais factores económicos que permanecem na origem profunda da crise, que não tem solução à vista, são os seguintes:
- a migração das indústrias para Oriente em busca de trabalho árduo e barato, com direitos sociais escassos e sem constrangimentos de segurança nem ambientais relevantes;
- a extinção e desmaterialização progressivas do trabalho, por efeito da incorporação crescente de novas tecnologias, nomeadamente electrónicas e de automação, com a consequente expansão do desemprego permanente e da falta de emprego;
- a substituição da lógica de acumulação/poupança por uma lógica de especulação/consumo, a qual só pode subsistir se assentar em formas de domínio imperial e/ou colonial (que tanto os EUA, como a Europa, deixaram de poder assegurar);
- o envelhecimento populacional, associado ao colapso anunciado dos sistemas de segurança social;
- a crise energética, para o que tardou, porventura irremediavelmente, a investigação e desenvolvimento atempados de novos paradigmas e/ou soluções de transição;
- a exaustão dos principais recursos em que assentou o desenvolvimento humano nos últimos 200 anos: água, carvão, petróleo, gás natural, terra arável, fauna, flora e biodiversidade;
- alterações climáticas provocadas por uma lógica de crescimento insustentável, cujos contornos foram precisamente detalhados em 1972 num célebre à época, mas rapidamente esquecido relatório do Clube de Roma, intitulado The Limits to Growth.
Finalmente, há uma conjuntura política internacional explosiva pairando em surdina sobre a Humanidade. A batalha mundial pelos recursos financeiros (i.e. fiduciários), energéticos, económicos e naturais já começou, ainda que sob a forma, aliás, clássica, dos conflitos periféricos e/ou vicariantes. Sabemos já que qualquer manobra militar, ou mesmo diplomática, corre o risco de fazer disparar os preços do petróleo, do gás natural e do ouro, a que se seguirão depois as subidas dos recursos alimentares. As perspectivas são muito preocupantes. Só não vê quem não quer.
As pessoas e os países devem pois preparar-se para o pior, e não adormecer nas cantigas de embalar dos especuladores de toda a espécie que inundam os canais de comunicação de massas. Antes de investir pense muito bem no que vai fazer. Persistir na lógica consumista e/ou especuladora do endividamento fácil, berrando por taxas de juros negativas, como fazem os populistas de todos os quadrantes, é pior do que dar um tiro na cabeça. Porque é convocar a tortura e a morte lenta da nossa civilização e da nossa cultura.
As fronteiras estarão de volta mais cedo do que agora conseguimos imaginar. Preparemos pois esse dia, e até lá, apliquemos parte das nossas poupanças nalgum ouro fino e em quintas e quintinhas com água potável e terra fértil.
OAM 634 07-10-2009 01:12