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segunda-feira, maio 14, 2018

O sonho chinês

Salvando livros da biblioteca da Universidade de Blagoveshchensk durante as inundações de 2013

Amanhecer na Eurásia?


É difícil parar de ler The Dawn of Eurasia, tal é a atualidade do tema, e o estilo aventureiro, ou mesmo picante da viagem empreendida por Bruno Maçães assim que se viu livre do governo Passos Coelho. Levando na bagagem um CV invejável (doutorado por Harvard, ex-secretário de estado de um governo que teve que lidar com uma pré-bancarrota e um violento programa de austeridade), traça um retrato talvez não tão surpreendente quanto pudéssemos imaginar dessa Europa que vai da metade oriental de Chipre e dos Urais até aos confins da Eurásia.

A Europa é uma invenção, tal como a Ásia, ou mesmo África. O mesmo poderíamos dizer da Eurásia, na medida em que a verdadeira massa tectónica contínua, pelo menos à superfície, é a Afro-Eurásia. E até um dia destes, com o arrefecimento da calote polar do Ártico, a própria Afro-Eurásia se ligará ao continente americano! Outra coisa será ponderarmos a diversidade dos povos que vivem nestas regiões e lugares—as suas religiões, culturas e modos de organização social e política. Aqui as diferenças são por vezes muito vincadas e muito antigas, e prendem-se, quase sempre, com a topografia e orografia que ao longo de séculos, ou milénios, definiram fronteiras naturais entre estados, nações, povos e tribos, e as respetivas migrações. Por exemplo, não é a ideologia que explica a extensão territorial da Rússia, mas a natureza e extensão especiais do seu território que explicam a nitidez da sua soberania, nomeadamente nuclear, e a sua razoável estabilidade espacial, energética e alimentar, bem como o seu ancestral multiculturalismo e diversidade racial. A não ser assim, dificilmente explicaríamos o facto de a Rússia pós-soviética ser, do ponto de vista geo-estratégico, idêntica à ex-União Soviética, assim como idêntica é a desconfiança que sobre os russos nutrem os Estados Unidos, a Europa ocidental, ou a China.

Também a China de hoje não é muito diferente da China de Mao, ou da China imperial, quando pensamos nas suas ambições territoriais. Salvo alguns pormenores de fronteira (Bolshoi Ussuriysk Island, etc.), ninguém em Pequim pensa em projetar militarmente o país, mas apenas em negociar e defender as suas vias de acesso à energia e às matérias primas de que absolutamente precisa para garantir a segurança alimentar e tecnológica de mais de 1400 milhões de almas.

O problema que The Dawn of Eurasia pretende desembrulhar não é, pois, nem cultural, nem antropológico, e muito menos, religioso. O que está realmente em jogo é a possibilidade de uma redistribuição mais equilibrada dos recursos disponíveis, nomeadamente do petróleo e do gás natural, bem como uma divisão internacional do trabalho mais justa. Daí a oportunidade da reconstituição da Rota da Seda, vista agora como um sisitema de comunicações redundantes entre a China e os vários destinos de que depende a saúde da sua economia: a Europa ocidental, a Sibéria e o Médio Oriente, África, mas também o Canadá e toda a América do Sul.

Daí que, ao contrário do que postula Bruno Maçães no seu estimulante livro, a questão crucial que temos pela frente não é tanto a da emergência inevitável de uma Eurásia dominada pela China, coadjuvada pela Rússia, e onde o Reino Unido (pós-Brexit) se remeteria ao papel de uma espécie de Singapura europeia, mas sim a de sabermos como desenhar um novo Tratado de Tordesilhas sobre o desconhecido mundo que nos espera numa era marcada pela exaustão dos principais recursos que tornaram possível o modelo económico e cultural a que todos parecem aspirar desde finais do século 19.

O simples facto de as maiores concentrações de reservas petrolíferas existentes à face da Terra se situarem no continente americano (Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela, Brasil), no Médio Oriente (Arábia Saudita, Iraque, Irão, Emiratos Árabes Unidos, Qatar, Koweit), na Ásia (Rússia, China, Cazaquistão), e ainda em África (Nigéria, Angola, Argélia, Líbia) determinará mais decisivamente o comportamento das grandes potências, e das potências emergentes, do que as meras considerações subjetivas e a propaganda de cada um dos membros da ONU.

O mapa que venho desenhado desde 2013 talvez ajude a ver melhor o que está realmente em causa.



O que dizem sobre o livro de Bruno Maçães

The Dawn of Eurasia
On the Trail of the New World Order
Penguin Books, 2018

A masterpiece. A book which combines practical experience, theoretical depth, classical literature and travel. Beautifully written. Major thumbs up. Could become a seminal work in IR (Alexander Stubb, Vice-president, European Investment Bank, Former Prime Minister of Finland 
Bruno Maçães announces a new order for the 21st century (Peter Thiel, entrepreneur, investor, and bestselling author of 'Zero to One') 
One of the strengths of The Dawn of Eurasia is that the author has chosen to leave the Davos comfort zone and to travel widely in remote areas. As a result, he mixes his academic analysis with skilful reportage drawn from his travels. This makes the book both more entertaining and more convincing. As well as being a shrewd geopolitical analyst, Maçães is a gifted travel writer, with a sharp eye and a dry wit ... The concept of Eurasia is re-emerging from the history books to become a central concern of contemporary politics. Maçães is one of the first authors to explore the significance of this development and he is a consistently interesting guide (Gideon Rachman Financial Times) 
Sharp, unprejudiced and witty (NRC) 
Filled with observations and insights gathered while travelling across Eurasia, Bruno Maçaes' account sets out why we are at the start of a new era in global affairs. An informative and perceptive guide, Maçaes introduces regions, peoples, and countries that few pay attention to. In the changing world of the 21st century, understanding Eurasia is more important than ever. This book helps prepare for the world of tomorrow, today (Peter Frankopan, bestselling author of 'The Silk Roads: A New History of the World') 
Bruno Macaes deftly navigates beyond the traditional dichotomy of the prevalent global balance of powers and, with the skill of a seasoned pundit, offers the exciting possibilities of a world readjusting to a new geopolitical architecture. An absorbing read. (Shashi Tharoor, author of 'Inglorious Empire') 
Brilliant, bold and beautifully told, The Dawn of Eurasia reveals world geopolitics like an unputdownable thriller. Seen from Brussels, Beijing, and everywhere from Istanbul to Almaty and in between, this is the extraordinary journey teeming with Russian spies, Chinese thinkers, Turkish radicals and Iranian artists. This is a profound piece of political thinking as comfortable with Russian and Chinese ideas, as it is with exposing the limits of our own (Ben Judah, author of 'This Is London: Life and Death in the World City') 
Technically this doesn't come out until January, but it is my pick for "best of the year.' It is one book that has changed how I frame 2017 and beyond' (Tyler Cowen, NYT bestselling author of 'The Great Stagnation') 
Subtle, brilliant essayistic points about the future of world politics leap off the pages of this utterly original travelogue. There are few better people to listen to than Bruno Maçães regarding our current historical juncture (Robert D. Kaplan, author of 'The Revenge of Geography' and 'The Return of Marco Polo's World') 
Bruno Maçães develops the great tradition of Portuguese travelers and adventurers by opening new countries and continents to the world, which was Europe. Maçães does that by a combination of a wealth of juicy first-hand experiences from his travels through most of Euroasia, and with an elegant analysis of historical and cultural factors, making him an original geopolitical philosopher. I agree with the idea that a new geopolitical and geoeconomic entity is in process of formation and could become the foundation of the future world order. We in Russia (and China) call it Greater Eurasian partnership and it, of course, includes the western tip of the continent - Europe. The book is a great fun to read, too (Sergey A Karaganov, Dean of the School of World Economy and International Affairs of the National Research University Higher School of Economics in Moscow)

—in Amazon

sábado, abril 26, 2014

A armadilha ucraniana

Vladimir Putin. AP

Uma nova tragédia em nome de Halford Mackinder?


Há uma teoria do mundo que tem conduzido a enormes desastres humanos. É a chamada Heartland Theory de Halford Mackinder, dogma adotado por Hitler, e mais tarde pelos Estados Unidos.

A mente cinzenta desta visão que há décadas influencia a diplomacia norte-americana é Zbigniew Brzezinski, para quem o império americano morrerá no dia em que Lisboa se ligar económica, diplomática e culturalmente a Vladivostok. Para Brzezinski um tal cenário correria o risco de colocar os caucasianos alemães e russos ao leme do mundo, sobretudo se estes conseguirem estabelecer uma aliança forte com a China, que absorveria entretanto o Japão na sua esfera de influência, e forem capazes de acomodar o Médio Oriente e o norte de África, atrair Israel, e travar os radicais islâmicos onde estejam.

A ladainha de Brzezinski retomada de Mackinder é esta:
“Who rules East Europe commands the Heartland;
who rules the Heartland commands the World-Island;
who rules the World-Island controls the world.”
(Mackinder, Democratic Ideals and Reality, p. 194)/ Wikipedia

O mapa estratégico do mundo segundo Halford Mackinder

Um Zona de Comércio Livre de Vladivostok a Lisboa?

É pelo menos isto que ingleses e americanos, ou pelo os americanos, há muito querem impedir. Mário Soares está do lado desta visão, apesar de ter sido ajudado consistentemente pela França e pela Alemanha desde que a ditadura de Salazar começou a ruir. Talvez seja esta a explicação para as manobras insistentes que tem vindo a desenvolver no sentido de reclamar o derrube violento da atual ordem constitucional. Convém a este propósito lembrar que a direita latifundiária e rendeira que suportou o Salazarismo está intacta e reclama entre dentes a saída do euro. Esta, porém, seria a via direta para a expropriação fiscal violenta e em massa dos portugueses. Mas a Mário Soares tal cenário é-lhe indiferente. Ao personagem interessa-lhe sobretudo o poder da tribo que julga todavia comandar, ainda que em nome do prolongamento, cada vez mais problemático, da Pax Americana.

As manobras de Mário Soares, nomeadamente ao envolver alguns restos indigentes do MFA, são mais finas do que parecem, na medida em que o que está em formação sob as suas declarações aparentemente desmioladas é um verdadeiro bloco de interesses de natureza nacionalista e autoritária, pronto a aproveitar qualquer deslize grave na situação financeira, económica e social do país e, ou, o colapso do euro, para desencadear uma Revolução Cor-de-Rosa amplamente financiada pelo Tesouro americano. Até agora o PCP demarcou-se desta armadilha. Vamos observar com minúcia os próximos passos do “animal político” Mário Soares.

Importante: esta dinâmica, já em curso, levará inevitavelmente a uma cisão no PSD, cuja precária unidade interna será intensamente desafiada pelo CDS de Paulo Portas, e pelo PS de Mário Soares, intelectualmente secundados por Adriano Moreira e pela filha deste, Isabel Moreira.

Russian Prime Minister Vladimir Putin would like to see a free trade agreement between the European Union and Russia. In a Thursday editorial for a German newspaper, he describes his vision of "a unified continental market with a capacity worth trillions of euros."

No more tariffs. No more visas. Vastly more economic cooperation between Russia and the European Union. That's the vision presented by Russian Prime Minister Vladimir Putin in an editorial contribution to the German daily Süddeutsche Zeitung on Thursday.

"We propose the creation of a harmonious economic community stretching from Lisbon to Vladivostok," Putin writes. "In the future, we could even consider a free trade zone or even more advanced forms of economic integration. The result would be a unified continental market with a capacity worth trillions of euros."

Spiegel online, November 25, 2010 – 11:44 AM