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sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Portugal 159

Sócrates deverá demitir-se na próxima semana

Não é possível prever o desenlace de uma crise política como a actual. Mas é importante imaginarmos cenários. Tenho para mim, aliás há vários anos a esta parte, que o actual arranjo político-partidário está esgotado, e que por conseguinte, mais cedo ou mais tarde, mudará de figurino ou acabará por se esboroar. O momento crítico para esta metamorfose parece ter chegado!

Apesar do coro grego que ontem zurziu as orelhas de José Sócrates para se manter ao leme da governação, aguentando sozinho a tempestade financeira em curso, não creio que as mentes pensantes do PS aceitem o sacrifício. Se o fizessem, nas actuais circunstâncias, tal implicaria a curto prazo uma mais do que provável cisão do Partido Socialista. Por outro lado, é muito difícil imaginar como poderá qualquer governo minoritário fazer seja o que for diante de uma crise financeira, económica e social de tamanhas proporções. Vai ser preciso fazer uma série longa de coisas difíceis e desagradáveis durante os próximos quatro anos. Ora um governo periclitante e à beira do abismo como este não pode protagonizar tal desígnio.

Portugal não estará, de facto, pior do que a Espanha, pior do que a Irlanda e pior do que a Grécia. Mas está demasiado próximo destes países no que se refere à lógica do endividamento. O seu PIB per capita é o mais baixo dos PIIGS (1), além de estar praticamente estagnado há mais de uma década. Com um crescimento médio de 0,5% nos últimos dez anos, e um crescimento potencial do PIB de ±1%, Portugal terá as maiores dificuldades em colocar os seus vários endividamentos (défice orçamental, dívida pública, défice comercial, dívida externa, balança de transacções correntes) nos carris de umas finanças saudáveis. Até para cumprir dois dos critérios de pertença à moeda única europeia (um défice do Orçamento de Estado não superior a 3% do PIB, e uma Dívida Pública abaixo dos 60% do PIB) seria necessário (segundo Daniel Bessa) reduzir a despesa pública na ordem dos 10 mil milhões de euros/ano, até 2013 — i.e. uns dois mil euros por ano e por cada português activo no mercado de trabalho.

A receita é simples, mas quase ingerível: cortes brutais na despesa pública e aumentos de impostos!

Em 2005 sugeri neste mesmo blogue caminhos para uma racionalização drástica das funções do Estado, de onde decorreria consequentemente uma extensa poupança na despesa pública. Mas é também preciso suspender durante a presente legislatura a maioria dos grandes investimentos públicos (novas autoestradas, NAL, TTT, barragens do Tua e Fridão, etc.), bem como subir impostos. O IVA poderá ter que chegar aos valores da Dinamarca e Suécia: 25%.

Ora para adoptar semelhante programa de austeridade é preciso uma maioria parlamentar estável, e sobretudo um governo capaz de transmitir à opinião pública a ideia de que não poderemos deixar de procurar um consenso político alargado sobre o rumo a dar ao país. Portugal faliu em 1891 (ler este interessante contributo de Luís Aguiar Santos, A crise financeira de 1891: uma tentativa de explicação), daí decorrendo em boa parte a causa eficiente que provocaria o fim da monarquia. Portugal pode, apesar de estar na União Europeia, voltar a falir num prazo relativamente curto, se entretanto for incapaz de atacar com lucidez e coragem o cancro de despesismo, irresponsabilidade e corrupção que vem corroendo o actual regime democrático.

É neste contexto que não vejo como pode José Sócrates evitar a sua própria demissão como forma de provocar o aparecimento de uma verdadeira coligação parlamentar de governo, de onde estaria aliás afastado. PS, PSD e CDS são os candidatas naturais para esta emergência. Não se pode exigir ao PS que aceite uma governação parlamentar a contra gosto e por seu intermédio; tal como não pode o PS exigir a capitulação permanente da Oposição aos seus caprichos. Só uma aliança alargada de partidos poderá viabilizar uma estabilidade governativa nas actuais circunstâncias.

A demissão de Sócrates é a única maneira de co-responsabilizar tudo e todos na grande tarefa de impedir uma enorme e catastrófica humilhação nacional. Ao abandonar o cargo, o actual primeiro-ministro colocaria toda a Oposição e o próprio Presidente da República diante das responsabilidades decorrentes da actual crise sistémica do nosso modelo de crescimento, do nosso modelo de Estado e da nossa praxis político-partidária. Curiosamente, tal atitude responsável até lhe poderia trazer frutos inesperados num futuro relativamente próximo.


NOTAS
  1. O Financial Times e o Barclays proibiram o uso editorial dos acrónimos PIGS e PIIGS, por entenderem que os mesmos podem ofender os países visados: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Esta decisão acolhe seguramente os protestos (e ameaças de represálias) que terão recebido da altos representantes políticos e económico-financeiros dos referidos países. Os porquinhos católicos da Irlanda, Itália, Portugal e Espanha, e os porquinhos ortodoxos gregos, não gostam da caricatura! Se o critério é o da sanidade das contas públicas, então o acrónimo teria que abranger muitos outros países da União Europeia (quase todos!): Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, já para não falar da Polónia, Hungria, Letónia, Estónia, Lituânia, Roménia e Bulgária! "Club Med" era um epíteto mais simpático, mas deixava a França no limbo e não previa ainda países mediterrânicos como a Croácia, a Albânia e o Montenegro. Daí o ofensa porcina tipicamente WASP. As assimetrias económicas, sociais e culturais da União Europeia são muitas, profundas e variadas, pelo que será sempre um erro e perigoso estigmatizar qualquer agrupamento de estados do seu interior. A Alemanha e a França pensaram bem e com visão de futuro quando —no rescaldo do holocausto de duas Guerras Mundiais— decidiram avançar para a criação de um Estado Europeu. Sou um claro defensor desta visão e deste desígnio. Não foi, não é, nem será uma caminhada fácil. Mas nem por isso devemos desistir. O meu sentido de humor viu até com simpatia a metáfora porcina. Considero-a gentil. Admito, porém, que outros possam ofender-se, e sobretudo insisto no facto de a mesma dar uma imagem falsa da realidade. O Prof. Mendo Henriques chamou a minha atenção para o facto. A ele devo a decisão de eliminar a partir de hoje o uso do inadequado acrónimo.


OAM 681 — 05 Fev 2010 01:47 (última actualização: 14:12)

domingo, setembro 20, 2009

Portugal 125

A governabilidade depois do Bloco Central

A alternativa ao voto útil no Bloco Central é um voto inteligente no amadurecimento partidário da democracia portuguesa, permitindo sem demora que as
representações parlamentares do PP e do Bloco de Esquerda entrem definitivamente na casa dos dois dígitos.

Apesar dos estragos provocados na Oposição pela máquina de mercar que tem levado a cabo a campanha governamental e partidária de José Sócrates, desde o início deste Verão, a verdade nua e crua é que a mensagem de Paulo Portas tem passado de forma excelente, as palavras de Louçã não param de angariar votos, e o texto de fundo da actual crise político-eleitoral foi acertadamente escrito e descrito, a tempo e horas, pela actual e futura líder do Partido Social Democrata, e provável próxima primeira-ministra, Manuela Ferreira Leite.

As sondagens realizadas pelos alfaiates do poder não chegam para contrariar um facto óbvio: a nomenclatura "socialista" está em pânico, pois teme, e com razões para isso, uma pesada derrota eleitoral, a que se seguirá um quase inevitável colapso partidário. O PSD, pelo contrário, fala de governabilidade e começa a pedir uma maioria confortável, pois teme chegar ao poder sem os votos necessários —somados aos do PP, claro está— para fazer aprovar o próximo Orçamento de Estado. E no entanto, o que está felizmente em causa é a possibilidade real de a democracia portuguesa evoluir para um patamar de maturidade onde nem as maiorias absolutas (que são sempre, nas actuais circunstâncias, absolutamente arrogantes e autoritárias), nem o rotativismo corrupto do Bloco Central, fazem qualquer falta ou sentido.

Muito dificilmente deixaremos de assistir à implosão, pelo menos parcial, e provavelmente simultânea, dos dois principais partidos do Bloco Central: PS e PSD. Se o Bloco de Esquerda chegar aos 12%-14%, e se o PP chegar aos 10%, teremos pela certa, e pela primeira vez desde o fim do período pré-revolucionário que se seguiu à rebelião de 25 de Abril de 1974, uma transformação radical do sistema partidário em que assenta a nossa democracia. Ora esta mais do que verosímil possibilidade é uma excelente notícia, que todos os democratas e patriotas devem saudar, sobretudo num momento em que as dificuldades económicas, financeiras e sociais são muito sérias e tendem, para mal da maioria de nós, piorar sem apelo nem agravo ao longo dos próximos dois ou mais anos. Só um regime democrático, capaz de melhor representar as diferenças existentes entre todos nós, será necessariamente mais responsável do que aquele que agora, exangue, busca desesperadamente evitar uma emergência presidencialista. É pois a possibilidade deste novo equilíbrio democrático que preocupa e move como nunca os eleitores portugueses. Há uma preocupação séria no ar. Como há muito não acontecia, os cidadãos querem perceber, querem fazer uma escolha certeira, querem coragem, sabedoria, equilíbrio, ponderação, justiça e... governabilidade!

Os cenários que podemos esperar depois do dia 27 de Setembro são basicamente quatro:
  1. o PSD ganha as eleições com uma maioria confortável, ficando dependente apenas do apoio de um dos partidos da Oposição;
  2. o PSD ganha as eleições com maioria escassa, i.e. sem garantias de poder fazer passar o próximo Orçamento de Estado, ficando assim na dependência quase certa do PP;
  3. o PS consegue ganhar as eleições por um voto, ficando inevitavelmente na dependência extrema das vozes e dos votos da Oposição;
  4. o PS surpreende e tem uma maioria relativa confortável, ficando pendente apenas do apoio de um dos partidos da Oposição.
O primeiro cenário, desejável, permitirá experimentar uma forte convergência estratégica entre dois políticos economistas, situados agora no topo do poder de Estado e da governança. Terão uma oportunidade única de acção, ainda mais substancial daquela que José Sócrates desbaratou em nome do fortalecimento estratégico do lóbi financeiro dos "socialistas". Porém, se Manuela e Cavaco falharem, o PSD poderá desaparecer do mapa!

O segundo cenário, muito instável, provocará agitação interna no PSD, a que se seguirá uma provável exclusão dos agitadores a soldo de Santana Lopes (que entretanto perderá Lisboa para António Costa e Helena Roseta). Esta cisão poderá espevitar uma outra cisão: a do próprio PS, então a braços com o processo de excisão de José Sócrates e da Tríade de Macau...

O terceiro cenário, muito instável (mas mais favorável ao PSD do que parece), levará o Partido Socialista a uma cisão quase imediata, com parte importante dos militantes ideologicamente mais convictos e eticamente exigentes a passarem-se com armas e bagagens (mas sem Alegre, claro!) para o Bloco e Esquerda. O governo do insuportável papagaio das Beiras sucumbirá em menos de um ano à sua própria pequenez mental e desorientação organizativa — dando então lugar a uma maioria confortável de Manuela Ferreira Leite, a qual, antes que seja tarde e por via das dúvidas, empurrará para fora do seu partido os agitadores neoliberais Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas, capitaneados pelo desamparado teddy boy populista, Santana Lopes.

O quarto cenário, pouco provável, forçará contudo o PS de Sócrates a negociar permanentemente com um Paulo Portas absorto então numa nova grande estratégia pessoal e partidária. Apoiar-se no Bloco de Esquerda, seria o mesmo que fuzilar o partido que Francisco Louçã tão pacientemente tricotou — ou seja, uma impossibilidade teórica e prática, por mais que alguns deslumbrados bloquistas mal consigam dormir de frenesim face às expectativas sedutoras de acesso ao poder. Se o Bloco recusar, como deve, qualquer caução a José Sócrates, apressará inexoravelmente a cisão do PS a seu favor, pois um Sócrates ao colo de Portas será uma autêntica via rápida para o surgimento dum novo partido socialista, com matriz bloquista, mas expandido muito para além do previsto e num tempo fulminante, graças à afluência em massa de socialistas cansados de esperar pelo empata Alegre. Mendigar votos a Manuela Ferreira Leite está também, obviamente, fora de causa. Q.E.D.

O desejo de governabilidade é legítimo e sensato. Neste caso, porém, tal desiderato implica uma profunda alteração do nosso panorama partidário. Até que este processo de verdadeira reforma orgânica da democracia se conclua, não vejo como possa haver uma saída airosa para o bloqueio evidente do socratintismo, que não passe, desejavelmente durante toda uma legislatura, por Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas.


Post scriptum — Francisco Louçã deveria declarar quanto antes que o BE irá promover a governabilidade dinâmica do país se os eleitores e os demais partidos com assento parlamentar assim o desejarem. Esta governabilidade dinâmica deverá, no entanto, assentar numa redistribuição mais justa e qualificada da riqueza, do trabalho disponível e das dificuldades. Esta governabilidade dinâmica exige, por outro lado, um Estado e uma Administração Pública respeitadas e com meios de acção suficientes nos domínios cruciais para a mitigação e superação da gravíssima crise em curso: Economia&Finanças, Justiça, Saúde, Segurança Social e Educação. Isto é tudo menos, claro está, um cheque em branco ao PS de Sócrates!


Declaração pessoal de interesses

Já escrevi neste blogue mais de uma vez, e repito, que tenciono votar no Bloco de Esquerda para a Assembleia da República, no próximo dia 27 de Setembro; em António Capucho (PSD), para a Câmara Municipal de Cascais; e que me candidato pelo PS+Helena Roseta à Assembleia de Freguesia de São João de Brito. Contradição? Incoerência? Nem por isso!

Há certamente muita gente por este país fora que é capaz de fazer o mesmo. O que não é vulgar é assumir a coisa. Há um tabu, que os partidos políticos alimentam como se fossemos todos imbecis e não soubéssemos distinguir as subtilezas de uma votação com os seus contornos de classe mais ou menos oportunistas e diferenças ideológicas cada vez menos claras. Em vez de cair na armadilha do "voto útil" —suplicado pateticamente pelo PS e pelo PSD—, os portugueses estão rapidamente a adoptar a praxis alternativa do que resolvi chamar "voto inteligente". Esta é certamente uma arma poderosa para mudar positivamente o rumo da democracia portuguesa. Usemo-la, pois, com a determinação estratégica que merece.


OAM 623 20-09-2009 02:08 (última actualização: 10:24)