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segunda-feira, setembro 10, 2012

Nação rica, nação pobre

Suposto Navio do Tesouro de Zheng He (1371-1433) ao lado da caravela que levou Vasco da Gama à Índia (1497)

“Nations fail economically because of extractive institutions. These institutions keep poor countries poor and prevent them from embarking on a path to economic growth” — Acemogu, Robinson.

Sessenta e quatro anos antes de Vasco da Gama ter chegado à Índia, o almirante chinês Zheng He terá realizado a última de sete viagens pelos mares da China e pelo Índico, deslocando uma numerosa armada composta por cerca de duzentos e cinquenta barcos, alguns dos quais, os chamados "Navios do Tesouro" (Bǎo Chuán), teriam nove mastros e a dimensão mítica de um campo de futebol.

Zheng He Fez sete viagens, entre 1405 e 1433, por ordem do imperador, mas depois da que decorreu entre 1430 e 1433, as mesmas foram suspensas e a armada foi sendo paulatinamente desmantelada.

Nestas viagens os chineses chegaram a Malaca, Calecute, Lasa, Áden e Mogadishu, entre outros lugares e portos. Há relatos imprecisos e hoje mitificados que afirmam ter Zheng He chegado ao Cabo das Tormentas (posteriormente baptizado Cabo da Boa Esperança), insinuando que, a ter sido assim, os chineses poderiam ter antecipado em setenta anos a descoberta da América realizada por Colombo em 1492. 

A verdade é que enquanto a progressão dos portugueses, de Ceuta, em 1415, até à Índia, em 1497, ao Brasil, em 1500, a Malaca, em 1511, a Ternate, em 1512, ao sul da China, em 1513, às costas da Austrália em 1521, à Nova Guiné, em 1526, e à ilha Tenegashima, no Japão, em 1543, foi documentada e testemunhada em cartas de navegação, livros de bordo, colocação de padrões e construção de fortalezas e portos de abrigo, e por inúmeros acordos e tratados com os povos visitados, a história marítima do Infante Dom Henrique chinês, Zheng He, é um mito nascido já neste século, vinte e nove anos depois da morte de Mao Zedong, e 600 anos depois da primeira das sete viagens de Zhen He. Ao contrário do nacionalismo que marcou a era comunista de Mao e quase toda a história da China, o novo herói, a quem as novas autoridades chinesas atribuem uma importância simbólica crescente, representa a ambição cosmopolita da nova potência emergente. 

Ao contrário da tese de Paul Kennedy em The Rise and Fall of the Great Powers: Economic Change and Military Conflict From 1500 to 2000, e do que escreve na edição desta semana do Expresso/Economia, Luís Mah e Enrique Martinez Galán —"Internacionalização não deve negar leis da física"—, os autores de Why Nations Fail — The Origins Of Power, Prosperity, And Poverty, Daron Acemoglu e James A. Robinson, não acreditam que a China pudesse ter descoberto a América, e têm uma opinião menos entusiasta sobre a sustentabilidade do novo milagre chinês. Para estes economistas, a China, enquanto assentar em formas de propriedade e de economia, e em instituições políticas, a que chamam extrativas, será incapaz de transformar o rápido crescimento das últimas duas décadas num processo sustentado e duradouro de desenvolvimento económico, político e cultural. 

Sem acesso à propriedade privada, sem garantias legais e constitucionais claramente negociadas e formalizadas, sem instituições económicas inclusivas, e verificando-se, pelo contrário, a predominância de monopólios e de posições de domínio dependentes da arbitrariedade das oligarquias e poderes instalados, a China, tal como a Rússia e boa parte dos países africanos, parte dos asiáticos e sul americanos, ou do Médio Oriente, não poderão competir a prazo com as democracias desenvolvidas do Ocidente.

A teoria de Why Nations Fail revela algumas fragilidades, como, por exemplo, a de não explicar o que leva algumas sociedades inclusivas a, por vezes, verem degradar os seus equilíbrios dinâmicos, regressando aos patamares improdutivos tipicamente impostos e reproduzidos pelas instituições extrativas

Mas não é por falta da resposta a esta questão que o livro deixa de ser, como é, uma estimulante reflexão histórica e conceptual sobre, por um lado, as origens da riqueza partilhada, competitiva e sustentável, e por outro, sobre os estigmas que continuam a tolher a maioria das nações — incapazes de sair da pobreza, do desenvolvimento desigual, da injustiça social, da opressão e da corrupção.

Porque é que a Península da Coreia, a mesma nação e a mesma gente, que uma guerra brutal, entre 1950 e 1953, dividiu ao meio, são hoje dois países tão diferentes — uma ditadura extrema e economicamente miserável, a norte, e uma potência industrial inclusiva, desenvolvida e com evidentes graus de liberdade, a sul? Ou, como foi possível ao Botswana tornar-se numa pérola de liberdade e desenvolvimento sustentável num continente onde o pós-colonialismo deu em geral lugar a réplicas de desigualdade e prepotência por vezes ainda mais trágicas que os antigos regimes coloniais? Porque é que, pergunto eu enfim, Portugal, apesar dos enormes recursos de que dispõe, e das riquezas sem fim que devorou ao longo dos séculos, não foi capaz de se transformar num pequeno país decente e economicamente sustentável? Que nos falta que não falta à Dinamarca, à Suécia, à Suíça, à Áustria, à Holanda, ao Luxemburgo, ou à República de São Marino?

Depois de ler o livro de Daron Acemoglu e James A. Robinson, ficamos a saber muito claramente porquê!

segunda-feira, setembro 03, 2012

O erro de Adriano Moreira

Se não mudarmos o regime, este será mais um Mapa Cor-de-Rosa perdido :(

Adriano Moreira está profundamente errado

Adriano Moreira diz que “o país foi sempre dependente de factores externos”, tendo “pouco a pouco evoluído para um estado exíguo, com uma deficiência de relação entre objectivos e capacidades do Estado”, até chegar a uma “submissão que é traduzida por uma imagem de protectorado” — in Jornal de Negócios, 3 set 2012.

A bondade da análise de Adriano Moreira morre de um erro fatal: a total falta de curiosidade sobre o que nos leva a ser um país pobre.

Porque é que somos pobres, com tanto mar, com um património ex-colonial tão vasto, duradouro e entranhado, com uma diáspora emigrante tão numerosa e economicamente relevante, e com a situação geográfica que continua a ser tão privilegiada e estratégica hoje, como à data da fundação do reino, se países, nomeadamente europeus, sem nenhuma das nossas vantagens, são tão mais ricos: a Dinamarca, a Suécia, a Finlândia, a Áustria, a Suíça, o Luxemburgo, ou até a velhíssima República de São Marino?

Que acha que ocorreria se houvesse petróleo, gás natural e metais raros no fundo da Plataforma Marítima Portuguesa alargada?

Sabe perfeitamente o que as nossas elites fizeram da expoliação colonial, não sabe? Sabe o que Cavaco Silva, as araras parlamentares e os sindicatos fizeram às nossas pescas, não sabe? E já agora, sabe o que ocorreu em Macau depois de os portugueses saírem? Pois bem, acabou o monopólio do jogo, e a economia local disparou para mais de 21% ao ano! A solução da Árvore das Patacas morreu, e nós ou aprendemos a lição, ou morreremos com ela.

Do que nós precisamos, em primeiro lugar, é de arrumar de vez a nossa casa, começando por acabar com a mania dos monopólios, públicos, ou concedidos por um Estado secularmente corrupto, eliminando consequentemente as próprias condições genéticas que deram origem e permitem reproduzir as elites rendeiras que desde sempre apostaram no atraso cultural das populações e na repressão da liberdade empresarial e criativa.

A democracia fundada no rescaldo do golpe de estado militar que derrubou a anterior ditadura limitou-se, até agora, a instalar uma partidocracia de cariz endogâmico, apoiada nas velhas redes de caciquismo local, e financiada pelas mesmas elites de sempre, que, como é sabido, recuperaram quase todo o poder que perderam entre março e novembro de 1975, retomando depois, paulatinamente, contra o próprio texto constitucional (por isso precisa de ser inteiramente revisto), não só o que seria legitimamente seu, mas muito mais do que isso: o mesmíssimo poder de corromper estruturalmente o Estado e as suas instituições, e agora também a democracia populista que entretanto se instalou para viver, como a elite corrupta e preguiçosa que há séculos temos, das rendas ilegítimas e da expropriação fiscal crescente da larga maioria dos portugueses.

Não deixa de ser irónico que o texto do célebre memorando de capitulação orçamental do país face aos nossos credores, representados pela famigerada Troika, seja, no essencial, um libelo contra o abuso das elites e o excesso de rendas extraídas à produtividade potencial do país. Talvez por isso o documento precisasse de duas semanas para ser traduzido, apesar de ter sido a principal arena da retórica partidocrata durante essas mesmas duas semanas. Nenhum jornal teve a coragem e o bom senso de publicar e distribuir o dito Memorando, para que alguns milhares, já não digo milhões, de portugueses o pudessem ler e discutir na praça pública e quotidiana da democracia que temos.

A nossa salvação enquanto nação e estado depende largamente da concretização da União Europeia, mas depende, antes de mais e sobretudo, de nós mesmos. Depende, para já, de sabermos se teremos ou não a coragem para proceder a uma profunda alteração de regime, que a tal Revolução de Abril não logrou. A Constituição que temos é uma fraude. Uma fraude porque anuncia o impossível, uma fraude porque determina o que ninguém cumpre —a começar pelo sistema partidário e instituições constitucionalmente desenhados e instituídos—, e uma fraude ainda porque não obteve algo de tão elementar como seja libertar a sociedade e a economia das elites, antigas e novas, que vivem literalmente à custa de monopólios, rendas e privilégios corporativos, prejudicando gravemente a saúde económica e cultural do país.

A bancarrota em que voltámos a cair demonstra que o essencial não mudou, apesar de toda a retórica oportunista.

Eu recomendaria ao senador Adriano Moreira a leitura de um livro que acabo de devorar: Why Nations Fail, de Daron Acemoglu e James A. Robinson.