O sinal da vitória
Cavaco Silva, ao deixar escapar a opinião de que ainda é cedo para julgar o actual Governo (ver Expresso de hoje), está no fundo a reconhecer uma vitória antecipada, a sua, numas eleições para as quais nem sequer se candidatou! As intenções de voto a seu favor são muito nítidas e os restantes candidatos, já no terreno, ao resumirem praticamente os seus desertos de ideias à proclamação de que é necessário derrotar o candidato da Direita, mais não fazem do que acentuar esta tendência do eleitorado.
A dicotomia Esquerda vs. Direita há muito que deixou de fazer qualquer sentido (escrevi-o, se não me engano, em 1984), pelo simples motivo de se terem transformado em meros adjectivos adversariais entre os principais protagonistas das democracias parlamentares europeias. Os chamados partidos do arco do poder (o PS e o PSD; mas também o CDS, o PCP e agora o Bloco de Esquerda) são o Sistema, e o Sistema, como se sabe, faliu, chafurda na grande e na pequena corrupção, é irresponsável, cínico, arrogante e mentiroso. Já não vale nada para quem nele, apesar de tudo, vota. É verdade que não se vislumbra nenhuma alternativa credível. Daí a incerteza, o nervosismo e o cepticismo generalizados. Daí também o secreto desejo popular de encontrar um pai tirano, competente em matéria de finanças e honesto lá em casa, que ponha alguma ordem neste conjunto.
Já se viu que o Governo de Sócrates, como no fundo se esperava (a ilusão/desilusão com António Guterres vacinou-nos...), não vai remediar coisa alguma. O homem e o Governo atolam-se ao fim de quatro meses de rugidos na demagogia e na endogamia sinistra que vêm minando as bases morais deste País. Em vez de criar regras claras e transparentes na Administração do Estado e nas empresas públicas e semi-públicas, que regulem o que é e não é cargo de confiança política, Sócrates mantem uma conveniente poeira legislativa, sob a qual prossegue a famosa descadeirada, conhecida desde a era de Guterres como o bailarico dos jobs for the boys and girls. As mexidas conduzidas pela Senhora da Cultura no dia de ontem (Biblioteca Nacional, IA, IPPAR, e CCB), depois das mexidas caninas operadas na Caixa Geral de Depósitos, na GALP e em centenas ou milhares de outros lugares (tachos) sob alçada do Governo e do PS, são a face escancarada de um sistema político ideologicamente esgotado e corrompido até à medula. É preciso dar um pontapé no rabo desta hipócrita democracia. Para que venha uma ditadura, perguntarão os do costume? Não, para que venha um novo regime político, mais democrático. O actual perdeu a vergonha e já não sabe fazer outra coisa que não seja abusar do seu nome generoso para fins cada vez mais inconfessáveis. O mundo (não sei se sabiam...) caminha para o precipício da sua própria gula. Não é certo que tenhamos tempo e vontade de evitar a queda, mas vale mesmo assim a pena proclamar, aqui e agora, a necessidade imperiosa de mudar o actual estado de coisas. Precisamos todos, se não quisermos enlouquecer de vez, de uma Sociedade Sustentável. Batemos no fundo. Muitos mais 11S, Iraques e Katrinas nos esperam ao virar da esquina. Aproveitemos o facto para meditar e decidir. Como disse, a diferença entre Esquerda e Direita não é a diferença que realmente faz diferença numa perspectiva de futuro. Há outros paradigmas muitíssimo mais decisivos para compreender o que nos está a acontecer e para compreender o que nos irá acontecer se, entretanto, nada fizermos, ou fizermos tudo mal.
A eleição de Cavaco Silva tornou-se na inevitável catarse do momento. Despachemo-la sem demora! Para que depois possamos pensar nos verdadeiros problemas.
PS - As sondagens dizem que muitos votarão em Manuel Alegre e Francisco Louçã na primeira volta e que, se houver segunda, votarão em Cavaco Silva! Quer se queira quer não, Mário Soares, para além de velho e contraditório com tudo o que andou a dizer ao longo dos últimos anos sobre a sua retirada da vida política nacional, continua a identificar-se, não apenas com o bem que fez, mas sobretudo com o mal do sistema que ajudou a cultivar: desorganização social, proliferação e ineficiência da burocracia, nepotismo partidário generalizado, economia paralela, consagração ilegítima de poderes ocultos (Maçonaria, Soarismo, Opus Dai), promiscuidade generalizada entre os partidos e as pequenas e grandes mafias económicas, corrupção e sobretudo a ausência gritante de uma visão para Portugal. Não admira pois que as suas hipóteses de vir a ser o próximo Presidente da República sejam nulas. Última ironia: a vitória de Cavaco é o que, na realidade actual, mais convem a José Sócrates, a Marques Mendes e ao País.
O-A-M #87 30 Set 2005