quinta-feira, janeiro 27, 2011

Gazeta n2

Café da manhã



  • Barroso baixa expectativas para rever fundo em breve. O presidente da Comissão, Durão Barroso, foi ontem obrigado a baixar as expectativas sobre a possibilidade da cimeira de líderes no final da próxima semana, em Bruxelas, decidir flexibilizar e aumentar o fundo de resgate europeu. — Económico, 2011-01-27.

    COMENTÁRIO
    : A Alemanha só porá em marcha os tão desejados Eurobonds e a subsequente agência de gestão da dívida pública europeia quando os PIIGS colocarem nas respectivas constituições cláusulas de limitação do endividamento público e orçamental. De que está à espera a rapaziada partidária, do Louçã a Portas, para rever a Constituição Portuguesa neste ponto vital para o futuro da nossa soberania?

  • Asian investors lead massive demand for first Euro bail-out bond. Asian and Middle-East investors have thronged to buy the first issue of AAA-rated bonds by the eurozone's new bail-out fund, marking a key moment in the evolution of Europe's monetary union. — The Telegraph, 2011-01-27.

    COMENTÁRIO: Como aqui se anunciou a tempo e horas, China, Japão e Médio Oriente não vão deixar cair o euro. Mas esperam sinceramente que a Alemanha ponha alguma ordem no chiqueiro.

  • Bank of England chief Mervyn King: standard of living to plunge at fastest rate since 1920s. Households face the most dramatic squeeze in living standards since the 1920s, the Governor of the Bank of England warned, as he reacted to the shock disclosure that the economy was shrinking again. Families will see their disposable income eaten up as they “pay the inevitable price” for the financial crisis, Mervyn King warned. — The Telepgraph, 2011-01-25.

    COMENTÁRIO: A dívida pública do Reino Unido é superior à totalidade da dívida pública dos PIIGS!

  • German growth sustains eurozone. German, French and Belgian business sentiment picked up by an unexpectedly high degree at the start of the year, suggesting that Germany’s broadening economic recovery is sustaining manufacturing in other parts of the eurozone. — FT, 2011-01-21.

    COMENTÁRIO: Era de esperar. A euforia na Auto-Europa em 2010 foi já um reflexo disto mesmo. E sabem que mais? A Alemanha está a precisar de cinco mil engenheiros para ontem, de preferência católicos, apostólicos e romanos!

  • A German-led eurozone rescue. Would a higher ceiling and a wider remit constitute a solution to the crisis? The answer is that this depends on how it is done. The notional size of the entire eurozone rescue package is €750bn. This is made up of €440bn from the EFSF, €60bn from the European Commission and €250bn from the International Monetary Fund. But this is only a number for headline writers. It is not real. Greece and Portugal cannot be expected to pay for Ireland, and vice versa. To obtain a triple A rating, the EFSF has to over-collateralise its lending so that, instead of €440bn, it can lend only €250bn. That reduces the total from all three sources combined to a little over €450bn. — Wolfgang Münchau, FT, 2011-01-16.

    COMENTÁRIO
    : um artigo interessante sobre os perigos que podem resultar de um excesso de miopia por parte de Angela Merkel. Mas eu creio que a senhora chanceler tem um calendário eleitoral pela frente que não pode atropelar. Por outro lado, a questão de fundo subsiste: a Alemanha não pode continuar a alimentar porcos a pérolas, isto é, vai ter mesmo que atacar de frente a corrupção desgraçada que vem matando as democracias populistas do sul da Europa.

  • The gold price rose by 29% in 2010. By comparison the S&P Goldman Sachs Commodities Index (S&P GSCI) rose by 20%, the S&P 500 rose by 13%, the MSCI World ex US Index increased by 6% in US dollar terms, and the Barclays US Treasuries Aggregate Index rose only by 6% over the year. — Gold Investment Digesdt, 2011-01-26.

    COMENTÁRIO: apesar das descidas das duas últimas semanas, a tendência de médio e longo prazo é no sentido ascendente. A inflação dos preços da energia e da alimentação manterá os metais preciosos em ascensão.

  • EU considers tough stance on raw materials. Shortages of rare earth minerals, used in high-tech and defence production, have sent jitters around the world since dominant producer China restricted exports.
    The strategy includes examining whether to propose a stockpiling programme for the most critical raw materials.
    Fourteen such materials are already listed by the Commission, including rare earths such as germanium, which is used in military fibre-optic systems and infrared optics, and gallium, which is used in LED lighting. — Euractiv, 2011-01-24.

    COMENTÁRIO: mais cedo ou mais tarde os paladinos do liberalismo perceberão que os países possuidores de energia, matérias primas essenciais e mão-de-obra barata sem direitos, erguem uma cascata de fronteiras à nossa frente, e que se é assim, então teremos que regressar a alguma forma de proteccionismo aduaneiro.

  • Recessão de 0,8% em 2011, projecta a Católica. Para 2011, os economistas liderados por João Borges de Assunção avançam já com uma outra estimativa: "A nova previsão de variação anual do PIB para 2011 é de -0,8%, reflectindo a nova informação adicional contida no Orçamento do Estado para 2011 sobre as medidas de consolidação das contas públicas, bem como os dados sobre o desempenho económico e da Zona Euro na segunda metade de 2010", afirma a síntese do documento. — OJE, 2011-01-26.

    COMENTÁRIO
    : Se não crescemos, também não podemos pagar as dívidas. Elementar!

  • PSD atira "estabilidade política" para "as mãos" do Governo e de José Sócrates. Direcção de Passos diz que quem quer "dispensar" o executivo socialista terá de esperar "serenamente" pelas próximas eleições. — Público, 2011-01-26.

    COMENTÁRIO
    : uma situação que, de momento, convém a todos: ao PSD, ao PS, a Cavaco, ao PCP, ao Bloco e ao CDS. Só não convém aos esfomeados, explorados e humilhados — i.e. aos Portugueses!

  • EDP emite 750 milhões de euros em obrigações. Quatro dias depois de a administração da EDP ter regressado de um ‘road-show' por países asiáticos, a eléctrica portuguesa anuncia uma emissão de obrigações de 750 milhões de euros. Estes títulos serão admitidos na bolsa de Londres com um juro de 5,875%, que será pago dentro de cinco anos. — Económico, 2011-01-26.

    COMENTÁRIO: Finalmente, o grande buraco do cabotino Mexia está à vista. Custou!

  • Estradas de Portugal teve 110 milhões de euros de lucros. A Estradas de Portugal (EP) encerrou o ano de 2010 com um lucro de 110 milhões de euros, uma subida face aos 74,5 milhões de euros registados no ano anterior, disse hoje, terça-feira, o secretário de Estado das Obras Públicas. — DN Economia 2011-01-26.

    COMENTÁRIO: a engenharia contabilística tem destas maravilhas. Eu também perguntava, cheio de curiosidade, ao meu contabilista, há uns anos atrás, como é que ele fazia o milagre dos lucros numa empresa, a minha, que não tinha um cêntimo para mandar cantar um cego. E ele respondia: "são as regras da contabilidade!"

  • Antonio --

    Tonight I addressed the American people on the future we face together.

    (…) Moving forward, America's economic growth at home is inextricably connected to our competitiveness in the global community. The more products American companies can export, the more jobs we can create at home.

    This vision for the future starts with innovation, tapping into the creativity and imagination of our people to create the jobs and industries of the future. Instead of subsidizing yesterday's energy, let's invest in tomorrow's. It's why I challenged Congress to join me in setting a new goal: By 2035, 80 percent of America's electricity will come from clean energy sources.

    It means leading the world in educating our kids, giving each of our children the best opportunity to succeed and preparing them for the jobs of tomorrow.

    We must build a 21st century infrastructure for our country, putting millions of Americans to work rebuilding roads and bridges and expanding high-speed Internet and high-speed rail.

    — Barack Obama, 2001-01-26.

    COMENTÁRIO: eu costumo receber regularmente missivas do Barack Obama, cheias de ilusão e boas intenções. No discurso da nação deste ano, ele redescobriu a pólvora keynesiana: restaurar as infraestruturas e construir infraestruturas novas. As velhas são, por exemplo, as pontes que caem como tordos! As novas são, destacou, as energias eólicas e solares (que a nossa informação social alardeou com entusiasmo), a banda larga, e a criação de uma vasta rede ferroviária de alta velocidade interurbana e suburbana (coisa que a nossa imprensa subserviente abafou, para não comprometer o plano da tropa mafiosa do BPN, que continua a comandar o PSD).

  • O vídeo que se segue, dispensa comentários.


  • BE propõe limites nos salários dos gestores. O objectivo é "credibilizar" o sector empresarial do Estado. Por isso, o BE apresenta amanhã, no Parlamento, dois projectos de lei que pretendem limitar a remuneração dos gestores públicos à atribuída ao Presidente da República. No caso dos dirigentes de institutos públicos, os bloquistas defendem que os salários dos membros do conselho directivo das empresas não devem exceder a remuneração dos secretários de Estado. — Público, 2011-01-27.

    COMENTÁRIO: enquanto iniciativa moralizadora, é boa. Porém, tem impacto diminuto na despesa pública. Seria mais útil que os populistas do BE propusessem um tecto máximo às reformas pagas pelo Estado, como fizeram, por exemplo, os suíços: 1.700 euros. Quem quiser, ou precisar de mais, que faça um ou mais PPR; ou organize a poupança pelas formas que entender mais seguras. Mas o mais importante é discutir as funções do Estado. Eu defendo que o Estado é necessário e mesmo insubstituível em muitos aspectos da nossa nossa vivência e segurança colectivas. Mas daí a termos o Estado a incomodar-nos em todas as esquinas, e a chupar-nos a seiva até ao tutano, vai a distância que existe entre uma sociedade racional, solidária e organizada, e uma democracia burocrática de partidos, funcionários públicos e salteadores organizados em tríades e máfias de todas as dimensões e feitios. E atenção: as recentes eleições presidenciais foram o prelúdio da instalação efectiva, no nosso país, de um Estado de Carraças. As declarações de algum do peixe graúdo do Bloco Central em volta do caso Penedos são de deixar os cabelos em pé!

  • João Rendeiro — sobre o aumento do capital do BPI. Em resumo, admitindo que a gestão do BPI pretende manter o seu actual rácio de solvabilidade (tier I) em 8,7, seria necessário um aumento de capital, no mínimo, de cerca de €600 milhões para cobrir os impactos mencionados. Para além disto, se houver necessidade de “hair-cut” sobre a dívida pública portuguesa, não me parece que o BPI tenha qualquer futuro enquanto entidade independente — Arma/crítica 2011-01-08.

    COMENTÁRIO: Vamos admitir que estou totalmente errado na minha convicção de que João Rendeiro foi mais um dos muitos aventureiros do bangsterismo que conduziu o mundo à beira do precipício, e lesou quem nele confiou (eu nunca confiei!) Pois bem, a análise que acaba de fazer sobre o BPI, um dos pesos-pesados do nosso falido sistema bancário (na realidade, em ponto de rebuçado para ser deglutido por bancas maiores), é de leitura obrigatória. Escalpeliza, como a nossa tímida imprensa económica não faz, a ameaça séria que pesa sobre o futuro da chamada banca portuguesa (na realidade, é-o cada vez menos...) à medida que se aproximam dois eventos, um certo, e outro praticamente inevitável: os novos testes de stress à banca europeia, e o pedido de socorro de Portugal ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira. Qualquer destes dois eventos irá colocar a banca portuguesa perante o dilema de suicidar-se, ou entregar-se, pura e simplesmente, aos tubarões que ronda cada vez mais freneticamente a costa portuguesa. Ricardo Salgado bem prega contra o FMI. Ele lá sabe porquê! Mas voltando a Rendeiro, há ainda a hipótese de a minha intuição estar certa, e o homem ser mesmo um pirata cheio de lata. Nesta segunda hipótese, a sua análise sobre o BPI não perde um grão que seja da sua objectividade. É a vida!

terça-feira, janeiro 25, 2011

Gazeta n1

Café da manhã
  • Brasil pondera criar hub para a Europa em Sines (Cargo Edições)
    Comentário: Este é um dos caminhos! Mas para isto há que apostar na interoperabilidade das redes de transporte, coisa que os néscios do Bloco Central não têm feito, nem pensam fazer, até que alguém de fora, um dia destes, lhes ensine o caminho. 
  • Barões do PSD já admitem eleições antecipadas (i)
    Comentário: Os barões do PSD deveriam ser exportados para o Iémen!
  • Presidenciais. Alegre volta a dividir o PS no pós-eleições (i)
    Comentário: Tríade de Macau começa a cobrar. A "ala esquerda" do PS vai ser varrida para debaixo do tapete de onde nunca deveria ter saído. Se não fosse composta por oportunistas sem coragem (e pelo menos um suspeito de pedofilia não totalmente ilibado), há muito que teria criado outro partido, com o tal Alegre, e parte do Bloco. Prognóstico? Reservado!
  • Un comité secret ouvre la voie pour une réforme touchant à l'euro (Euractiv)
     "If member states want to increase the size or scope of the fund, then the German government will expect them to imitate the German brake (...), which writes deficit limits into the country's constitution, according to an EU diplomat."
    Comentário: concordo!
  • Parlamento Europeu ressuscita Eurobonds (Económico)
    Comentário: A contrapartida exigível às burocracias partidárias europeias é que façam como a Alemanha: inscrevam nas respectivas Constituições cláusulas estritas sobre o endividamento público! Já alguém se lembrou de discutir o tema entre nós? Tanto deputado, tanto político, tanto comentador encartado... não é Je sais tout Marcelo?!
  • Fundo para indemnizações obrigatório suportado pelas empresas (DN)
    Comentário
    : Esta ideia não é má. Trata-se de criar um equivalente ao Fundo de Desemprego para as indemnizações por despedimento. Falta conhecer os pormenores, que é onde o diabo da vigarice normalmente se esconde!
  • Salários podem cair por causa das novas regras das indemnizações — ameaça a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (Público)
    Comentário: Os salários estão a cair e continuarão a cair, nomeadamente por efeito da inflação. Ou seja, as falências de empresas e os despedimento vão continuar a ser um flagelo social. Daí que uma medida como a proposta agora pelo governo (e que já deveria existir há décadas) contribua objectivamente para criar mais um pequeno para-quedas social. As empresas, sobretudo as micro e pequena-médias empresas, quando despedem, estão aflitas, ou mesmo falidas — donde a dificuldade de indemnizar quem despedem, de acordo com a lei. Se houver um seguro, ou um fundo gerido por uma administração público-privada, transparente e com uma estrutura administrativa não dispendiosa e fora do controlo partidário, os benefícios serão maiores que os inconvenientes. Trata-se de um imposto, ou taxa, escondida? Não! E não confundamos os planos: uma coisa é criar uma nova rede de segurança social tipificada, outra é combater o terrorismo fiscal em curso, e outra ainda é fazer um revolução social contra a burocracia e a partidocracia que há décadas vêm afundando o país. Uma coisa de cada vez...

Minocracia

A terra foge debaixo dos calcanhares do sistema

O condottiero Marcelo Rebelo de Sousa, segundo o ouvi ao fim da noite eleitoral, na TVI, quer apagar do mapa democrático português 5 153 660 abstencionistas. Até aqui chega a venalidade dum Je sais tout que não sabe nada! Será que o avençado mediático da anestesiada TVI não percebe que algo vai muito mal numa democracia quando o presidente eleito apenas consegue reunir o voto de 23% do eleitorado?

O senhor Cavaco Silva não tem maioria, não senhor! Os 52,94% que obteve, são uma mistificação. Não valem mais, mas menos do que 23% do país eleitoral — pois muitos houve que votaram nele com um encolher de ombros, só para equilibrar o descalabro "socialista", ou para garantir a humilhação do incapaz Alegre e do quadrado Bloco do eterno seminarista Louçã, tapando mesmo as narinas para não apanhar com o fedor de decomposição de alguns dos indefectíveis amigalhaços do próximo presidente.

Mas como uma só voz de pânico (a de Marcelo) não chega, o rebanho do Bloco Central da Corrupção começou a soprar em uníssono nas trombetas da miserável e cooptada comunicação social que temos: são os "candidatos anti-sistema"! São só 20% — murmuraram. Calma — balbuciaram nervosamente.

A tropa partidária crê que se for capaz de entupir os canais mediáticos com as suas doutas "análises" sobre o acto eleitoral, apontando o dedo acusador aos candidatos "anti-sistema", o anti-sistema, que incha como uma bolha de irritação, indignação, desespero e revolta, por enquanto contida, desaparece como que por milagre. E nesta doce ilusão, a canalha partidária, a canalha financeira, e a canalha burocrática acreditam que poderão voltar a dormir descansadas, sem receio de perderem a gamela orçamental, nem medo de levarem um sopapo na rua.

Nunca como agora foi tão evidente a solidariedade oportunista e a corrupção endémica que atravessam o promíscuo falanstério partidário do regime minocrata que conduziu Portugal à falência. Divergem para inglês ver, ao mesmo tempo que pilham as últimas migalhas de um país que já só come e bebe o que os seus credores deixam. É simples de constatar. E não há outra forma de o dizer.

Olhando para os resultados da farsa eleitoral que acaba de decorrer (digo farsa, porque num regime democrático a sério, dois políticos que cometam ilegalidades, por acção ou omissão, e mintam sobre factos ocorridos, não têm lugar em corridas presidenciais), verificamos que a mole anti-sistema que cresce é bem maior do que os tais 20% a que mais um imbecil do PSD, Marques Mendes, esta noite aludia numa entrevista à TVI.

Na realidade, para avaliarmos sem subterfúgios a vaga de fundo que se está formando, legitimamente, contra a actual democracia burocrática, néscia e corrupta, que conduziu Portugal à bancarrota, teremos que somar não apenas os votos nos tais "candidatos anti-sistema", mas também juntar-lhes as abstenções, os votos brancos e os votos nulos, pois é a soma de todos este votos e não votos que traduz a real dimensão da rejeição crescente que o "povo" vota à corja que tomou de assalto o espaço público de decisão.

E aqui as contas, que os opinocratas escondem, são fáceis de fazer:
  • eleitores registados: 9 656 474
  • votos no futuro presidente da república: 2 230 240, ou seja, 23% do eleitorado!
  • abstenções+votos brancos+votos nulos+votos em Nobre, Coelho e Moura: 6 280 701 (65% do eleitorado!)
É caso para dizer que bastará um próximo José Manuel Coelho, mais novo e um pouco mais sofisticado, para conduzir a confortável maioria anti-sistema, mas nem por isso menos democrata, que já existe, embora sem liderança, contra a degenerada democracia que nos conduziu até ao beco sem saída onde estamos, abrindo oportunidades mais racionais e justas para colocar Portugal no caminho de uma nova república, adulta, exigente, generosa e criativa.

Do actual regime já nada podemos esperar. O matrimónio oportunista entre Cavaco e Sócrates, que anunciei a tempo e horas, está para lavar e durar. É um casamento com convenção antenupcial, no interesse de ambos, no interesse das tropas partidárias do regime, no interesse das tríades e máfias do Bloco Central, no interesse das famílias financeiras sentadas à mesa do orçamento, no interesse das corporações burocráticas. Só não é no interesse da mole anti-sistema que cresce. Um dia destes, provavelmente mais cedo do que se pensa, uma qualquer forma de revolução voltará a passar por aqui.

sábado, janeiro 22, 2011

Não voto

Para quê eleger mentirosos?
Estas eleições estão viciadas e são um insulto à inteligência democrática

A imprensa tradicional que ainda não se livrou das teias políticas do dinheiro continuam a dar amplo espaço de propaganda aos políticos e respectivos comentadores, para estes defenderem, como o pão que comem, o presente e arruinado status quo da democracia.

Só que a democracia, ou pelo menos boa parte das democracias ocidentais, envelheceu, burocratizou-se, corrompeu-se, deixou de ter uma base eleitoral maioritária e, em muitos casos, transformou-se numa espécie de película anti-conceptual cuja função primordial, mas inconfessável, é legitimar as minocracias que nas últimas décadas têm vindo a colonizar e arrasar os princípios elementares e fundadores da democracia.

Quando tomamos conhecimento da corrupção entranhada, e já considerada normal, das nomenclaturas político-partidárias que governam uma larga maioria dos estados europeus, sobra a pergunta: a que distância estão estas democracias dos regimes cleptocratas conhecidos em tantas partes do mundo?

Se as democracias degeneram em minocracias capturadas por partidos intelectualmente miseráveis e corruptos e pela mais escandalosa promiscuidade entre interesse público e especulação privada, que obrigação temos nós de alimentar semelhante caricatura civilizacional?

E se ainda por cima as democracias europeias, e a nossa também, se perverteram ao ponto de substituir a transparência e variedade democráticas por uma monocultura rotativista, de que os micro partidos com assento parlamentar são a mais insidiosa e castradora ilusão, de que valerá ao futuro dos nossos filhos e filhas legitimar pelo voto o que não pode deixar de ser uma tragédia anunciada?

Não. Tem que existir outro caminho!

As eleições presidenciais em curso são o exemplo descarado de uma falsificação democrática.

Alegre é um aborto político sem nome nem futuro, que nenhum rasto deixou da sua passagem de trinta anos pelo regime saído da queda da ditadura, e que à boca destas urnas, por causa do recebimento duns direitos de autor a que deveria ter renunciado (ainda por cima vindos de onde vinham — o covil de piratas financeiros chamado BPP), negou a realidade e os seus actos três vezes num só dia, qual Pedro renunciando Cristo. Serve para presidente da república? Não serve!

Cavaco é um falso economista e um falso político, mas quer ser presidente, precisamente, em nome destas duas qualidades. Como primeiro ministro que foi, depois de despedir um bom economista, Miguel Cadilhe, arquitectou e foi o inegável autor do monstro burocrático em que se transformou o Estado português. Com o vento comunitário e a inércia económica positiva a favor, apareceu aos olhos dos distraídos como um bom economista. Mas mal os ventos mudaram, tivemos todos que assistir àquela cena lamentável do Bolo Rei, às cenas indecorosas na Ponte 25 de Abril, ao colapso eleitoral, e ao ataque epiléptico que lhe percorreu o corpo ao passar a António Guterres o testemunho de um cargo de governação afinal falhado. Depois foi presidente, vencendo os improváveis candidatos do PS, e até eu (pasme-se!) defendi a sua utilidade como contra-peso ao novo e perigoso regime "socialista" entretanto instalado e que tomara o freio da corrupção nos dentes. Qual rainha de Inglaterra (neste caso, de Boliquieme), o presidente que tivemos nos últimos cinco anos, salvo os episódios em volta do estatuto de autonomia dos Açores (onde lhe dei razão), e o caricato tema das escutas em Belém, esteve literalmente a dormir na formatura. Como ex-primeiro ministro ("experiente", disse ele) não pressentiu nada; e como economista, nada previu, nem viu, até que Portugal se revelou, ao contrário do que afirmara repetidamente, um buraco negro de dívidas comparável ao da Grécia, da Irlanda e da Espanha. Leu certamente o Financial Times de 1 de Setembro de 2008 ("Pigs in muck"), que apontou os PIGS como elo fraco da cadeia do euro, mas preferiu olhar para o chão, e ouvir como um qualquer adolescente, ou mau aluno, o puxão de orelhas do seu colega economista, e presidente da República Checa, sobre o descalabro das contas públicas portuguesas, durante uma visita presidencial àquele país. Fez alguma coisa quando a crise escancarou a bancarrota do país? Não, ou melhor, preferiu continuar a elogiar a excelência do nosso sistema financeiro. Et pour cause! Quando o caso BPN surgiu, revelando ser a maior fraude financeira desde Alves dos Reis, Cavaco ficou em estado de choque, emudeceu, e, na minha opinião, degenerou numa espécie de vivo-morto presidencial comandado por uma difusa conspiração negra de vontades e interesses criminosos dissimulados. Deste sinistro caso de polícia, até aos pecadilhos indecorosos e inaceitáveis num ex-primeiro ministro com ambições presidenciais (refiro-me à mágica metamorfose da Vivenda Mariani em Vivenda Gaivota Azul), sobram sinais mais do que evidentes da nódoa, não apenas política, mas também ética, que Cavaco Silva é para uma qualquer verdadeira democracia.

Em conclusão, os dois principais candidatos presidenciais espelham bem a condição terminal do actual regime minocrático. Votar em qualquer deles significaria apenas um acto de masoquismo político, e um clamoroso erro de cidadania democrática. Se a democracia foi capturada por piratas, a nossa obrigação é resgatá-la, e não atirar-lhe pérolas.

Por fim, os candidatos "anti-sistema", censurados ou vituperados pela generalidade dos opinocratas pagos, directa (RTP,1 RTP-N, RTP2) ou indirectamente (TVI, SIC, TSF, DN, JN, etc.), com os nossos impostos, embora configurando soluções improváveis, terão certamente o mérito de expor as feridas da nossa aprisionada democracia. Se chegarem aos dez, ou mesmo aos quinze por cento da votação, num cenário fortemente marcado pela abstenção, o sinal de partida para uma refundação do regime ficará dado. Outros protestantes lhes seguirão os passos. Se forem um pouco mais jovens, e conseguirem arrastar para a causa pública os jovens que num futuro próximo deixarão de ter lugar para onde emigrar, a esperança de uma democracia mais representativa, ágil, transparente e menos corrupta do que a actual ganhará força. De momento impera o desânimo — e isso é a maior derrota que um regime pode sofrer.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Estado e liberdade

Alemanha, um exemplo a seguir...

Francisco de Goya - "Saturno devorando a un hijo", 1819-1823.

 Os países emergentes não são neoliberais, e os países governados por elites neoliberais são, aparentemente, responsáveis pela decadência do Ocidente, pela maior crise financeira desde 1929, e por uma vaga de destruição de riqueza (de empresas e de empregos) sem precedentes.

Esta é uma constatação a que não se consegue escapar. O mundo anglo-saxónico do dólar e da libra procuram resolver a actual crise financeira mundial insistindo estupidamente no abuso das práticas especulativas (Subprime; mais recentemente, a tentativa de criar um mercado mundial especulativo de emissões de carbono, etc.) e inflacionistas (Quantitative Easing; desvalorização competitiva das taxas de juro dos bancos centrais —Japão, EUA, UE; emissão imoderada de dívida pública; criação de moeda sob a forma de activos ficcionais, i.e. dívida pública, etc.) A Alemanha de centro-direita, pelo contrário, insiste na necessidade inadiável de impor uma maior disciplina orçamental aos governos e suas clientelas, e uma maior racionalidade nos negócios, insistindo também na necessidade de manter e potenciar elevados níveis de criação e produção efectiva de bens transaccionáveis, renovando as indústrias, com melhores tecnologias, mas também mais eficientes métodos de gestão e partilha social dos benefícios da produtividade e da competitividade. São duas visões que, curiosamente, continuam por debater — nos adequados termos que suscitam e merecem.

As duas citações que se seguem são bem sintomáticas do universo traçado por Christoph Schwennicke no excelente artigo publicado pelo Spiegel online. Que grande parte das pressões neoliberais na Alemanha tenha sido fruto, entretanto apodrecido, do SPD de Gerhard Schröder, é toda uma ironia política que o senhor Manuel Alegre, mas sobretudo quem no PS estuda a possibilidade de suceder a José Sócrates, deveriam estudar a fundo. Pois desse estudo poderá nascer um programa eleitoral que faça sentido e possa realmente prometer futuro a Portugal.

Tomás Correia: suspende pagamento
O Montepio (...) cessou as modalidade de reforma com juros de 4 a 6% por causa da crise e do aumento da esperança de vida. Já registava prejuízo de 30 milhões. — Correio da Manhã, 2011-01-19.

Central Bank steps up its cash support to Irish banks financed by institution printing own money

The Irish Independent learnt last night that the Central Bank of Ireland is financing €51bn of an emergency loan programme by printing its own money.
(…)
However, the figures also provide the latest evidence that responsibility for funding Ireland's broken banks is being pushed increasingly back on to Irish taxpayers. The loans are recorded by the Irish Central Bank under the heading "other assets". — Independent 2011-01-15.
 Germany and Europe Must Defy Political Trends
A commentary by Christoph Schwennicke

Germany's economy is in good shape because it resisted the fashion of neoliberalism. Europe should show the same defiance in the face of self-serving predictions that the euro is doomed. The financial and debt crises have highlighted the need for strong governments -- and for more Europe, not less.

(…)

The term "capital cover" was misleading in three ways. First, it covered up the fact that contributors must contribute fresh money of their own. Second, there was the risk inherent in the capital market. Finally, there was the question of who consistently benefits from this new system.

The risks have since caught up with the new system and, in the course of the financial crisis, brought down its apologists along with the economy. Hans Martin Bury, after serving as Schröder's right-hand man at the Chancellery, worked as an investment banker at Lehman Brothers, the firm whose bankruptcy triggered the financial crisis. Private health insurance companies face precisely the same problems -- obsolescence and financial difficulties -- as their competitors in the statutory health insurance system because, on the one hand, their hand-picked, young, healthy and dynamic clientele has become older and more susceptible to illness and, on the other hand, the return on their reserves is stagnating.

(…)
The Right Investment

The lesson to be drawn from the current experience should be not less Europe, but more Europe, a more integrated Europe, with weatherproof institutions like a European monetary fund, a common economic and social policy and -- if need be -- common bonds. Europe has more to offer and more to lose than just a common currency. It is more than a large trading zone. Continental Europe is a cultural zone with the world's most exemplary political value system. Anyone who attacks it or derides it is pursuing an interest, one that is economic or hegemonic. We should be aware of this. Even if Germany always supposedly pays more than everyone else, it's the right investment. — SPIEGEL online, 2011-01-18.
O nosso regime está no fim de um longuíssimo ciclo histórico. Um ciclo de seiscentos anos! Desde 1415, ano que levou Portugal a Ceuta, e daí a uma expansão marítima colonial sem precedentes, que duraria até à devolução de Macau à China, em 1999, vivemos uma situação privilegiada, apesar dos muitos que nunca lucraram nada com isso. Para esta reflexão, porém, importa reter um facto: o Estado foi sempre o centro do nosso universo económico e cultural. Todos dependemos dele até ao momento em que as suas inúmeras tetas coloniais secaram. À medida que foram secando, fomos caindo aos trambolhões, do Brasil para uma guerra civil e mais endividamento; do Mapa Cor-de-rosa para a ditadura de João Franco, o regicídio e a balbúrdia republicana que nos conduziria às ditaduras de Sidónio Pais e de Salazar; do 25 de Abril, aos solavancos de um regime cuja bancarrota só não foi ainda declarada porque a União Europeia nos tem posto a mão por baixo. As três últimas grandes tetas —emigração, turismo e fundos comunitários— estão em fim de ciclo, e vão provavelmente mirrar de vez até 2015. E depois de 2015, como vai ser? Ou melhor, e agora, que será feito de nós? O Estado? Qual Estado? Que novo Estado vamos querer e poder? O Estado alemão, que nunca foi outra coisa que não um think tank estratégico; ou o Estado português, tradicionalmente cabotino, arrogante, manhoso, preguiçoso, pejado de clientelas e carraças orçamentais, autoritário com os fracos e corrupto com os ricos e poderosos, em suma, faustoso, paquiderme, ignorante e cobarde? Só de ouvir o Pinóquio arranhar o seu inglês de fax, todo o meu patriotismo vacila!

Vamos precisar de Estado, dum Estado. Mas qual? Esta é a discussão de que dependerá a nossa continuidade histórica, ou o nosso desaparecimento (sim, as nações e os países aparecem e desaparecem.) Não percamos, pois, mais tempo com a tragicomédia mediática que entra pelas nossas casas dentro à hora de jantar!

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Bolha fatal

Comissão Europeia aposta no gás de xisto
Shale gas is the subprime mortgage of the energy sector” — Jeff Rubin.



Protests spread over first European shale gas well

While the EU is looking at ways to diversify its energy supply, a new report has called for a moratorium on shale gas operations in the UK, just a month before mining company Cuadrilla hopes to launch its first “flare”.

(…) “With shale gas exploration you need to crack the rock underground using special chemicals and drill horizontally and continuously. Parts of the chemicals could get into underground drinking water sources,” he said.

(…) A European Commission representative gave a broadly positive reaction to the news.

“We believe that shale gas is an opportunity,” Marlene Holzner, spokesperson for EU Energy Commissioner Günther Oettinger, told EurActiv. “We need gas and gas demand will increase over the years so if we’re able to extract this gas, it will help us to rely less on imports.” — in EurActiv, 2011-01-18.

Compreende-se o desespero do Reino Unido e da Noruega depois de se ter tornado público e notório o declínio rápido das suas reservas de petróleo. Compreende-se o desespero dos países frios da União Europeia à medida que vão percebendo a sua dramática dependência do gás natural russo para se aquecerem em Invernos cada vez mais gélidos e intempestivos. O petróleo de Brent chegou hoje aos 97,09 USD.

Os países e as pessoas estão cada vez mais endividados, numa conjuntura de crise sistémica do Capitalismo, numa conjuntura de verdadeiro saque fiscal das populações europeias, e numa conjuntura de destruição de emprego e empobrecimento como não se via na Europa há décadas. Como se isto não bastasse, os grandes piratas da economia ocidental, que atraíram milhões de pessoas, centenas de milhar de empresas, centenas de cidades e dezenas de estados para falência, tentam agora desesperadamente colocar em marcha mais uma bolha especulativa.

A primeira tentativa falhada, depois do colapso imobiliário, foi a do nado-morto mercado mundial de créditos de carbono, que se havia pendurado habilmente nos movimentos anti aquecimento global. A segunda, foi e continua a ser a especulação em volta das dívidas soberanas, colocadas “no mercado” (para citar as palavras do nosso Pinóquio das arábias), como mais um produto de especulação financeira. Esta bolha vai esvaziar em breve, seja pela acção preventiva e ajuizada de Angela Merkel, seja pelo abandono progressivo do dólar, por parte dos principais países produtores de matérias primas e produtos manufacturados. Perante horizonte tão negro, o especulador dos especuladores, e criador do veneno chamado Credit Default Swap, J. P. Morgan & Co., acaba de fazer ressuscitar uma história com barbas, de que já se ouvira falar por cá em 2009: a suposta riqueza da Europa em gás de xisto (ou shale gas). Este milagre da especulação que algum corrupto lobby de Bruxelas acaba de lançar para o ar, além de consumir quantidades criminosas de água, de ameaçar com infiltrações potencialmente fatais terrenos, aquíferos e as próprias instalações urbanas existentes, sabe-se de ciência feita que é uma não solução, economicamente ruinosa, e com uma taxa de declínio duas vezes mais rápida do que a do gás natural convencional. Tal como o petróleo betuminoso, e o petróleo de profundidade, das ditas camadas pré-sal (com que a GALP e a Petrobras gostam de empolar as suas cotações em bolsa), o gás de xisto não dá para o que custa produzi-lo. Logo, é mais uma lebre para nos distrair, enquanto o Titanic da prosperidade económica, social e cultural do Ocidente caminha para uma irremediável decadência.
Unconventional Gas in Europe - Opportunities and Risks
By Alexandros Petersen, 6th January 2011

Bullish predictions are being made about a revolution in unconventional gas in Europe; yet, Europe’s threshold for larger-scale shale gas development still remains uncertain, with a range of obstacles – from environmental concerns to economic viability - balancing out the various incentives to move forward.  Unconventional gas, such as shale and tight gas, has had a dramatic impact on the US gas market, increasing energy security and steering prices downward as production and resources have headed in the opposite direction.  By 2008, shale alone accounted for 9.5% of all US gas production and by 2009, according to some estimates, 20% of US gas supply came from this source. Following these successes, Europe is now being aggressively explored for its suitability in terms of unconventional gas production as it hopes to follow in the footsteps of its transatlantic partner.  There has been a significant uptick in activity and dealmaking focusing on European shale in just the last six months. However, the picture in Europe is very different from the United States and, from an economic perspective, the play may not bear fruit.

É o gás de xisto a tal bala de prata que levará os Estados Unidos e a Europa a superar a profunda e longa crise em que se encontra? “If shale gas is a game changer, then why are all the major producers looking for oil??” — pergunta e responde Jeff Rubin. Vale a pena ouvi-lo na entrevista que deu no passado dia 13 de Janeiro ao canal BNN video.


POST SCRIPTUM
Para quem estiver interessado em colocar este tema na agenda da cidadania pró-activa, recomendo o portal web Gasland, de Josh Fox. E ainda a consulta deste insidioso PDF da Statoil (companhia norueguesa estatal de petróleos) sobre o futuro radiante do shale gas.

segunda-feira, janeiro 17, 2011

Tunísia, Argélia... Irlanda?

A Europa que abra os olhos!



Tunísia: O desempregado que derrubou um ditador

Na Tunísia, como em outros tantos países, não são as qualificações ou o mérito que determinam o sucesso. É antes o nome, o casamento ou a filiação partidária.

No desemprego, Bouazizi viu-se forçado a vender frutas e legumes nas ruas da sua cidade natal do centro-oeste, Sidi Bouzid, para alimentar a família. Mas não tinha a necessária licença de comércio, difícil de obter no labirinto da burocracia e corrupção tunisina. A 17 de Dezembro de 2010, a polícia confiscou-lhe a banca e a balança. Segundo testemunhos locais, terá sido agredido e humilhado pelas autoridades.

Nessa mesma sexta-feira, Bouazizi deslocou-se à autarquia de Sidi Bouzid para tentar regularizar a situação. Não conseguiu. Com o dinheiro que restava, comprou um litro de gasolina. Despejou o combustível sobre a cabeça e imolou-se pelo fogo.  — pedro.guerreiro{arroba}sol{ponto}pt . Sol, 2011-01-15.

Feliz ou infelizmente, a Europa envelheceu muito nas últimas décadas, e por esta única razão é altamente improvável que as suas crises venham a ser resolvidas por meio de revoluções sociais violentas. Com a possível excepção da Irlanda, onde a juventude poderia assumir ainda algum protagonismo (se não emigrasse tanto...), o resto da Europa, e mais ainda a Rússia, mas também a China, o Canadá e os Estados Unidos, ou a Austrália e a África do Sul, a Namíbia, o Botswana e o Zimbabué, exibem demografias praticamente estagnadas ou a caminho da estagnação. Pelo contrário, países como a Índia, Paquistão, Afeganistão e repúblicas do Mar Cáspio, à excepção do Casaquistão, o Sudeste Asiático e quase todo o continente africano, e ainda o México e toda a América Central e do Sul, à excepção de Cuba, da Guiana Francesa e do Uruguai, apresentam demografias pujantes, apesar da miséria material da esmagadora maioria das suas populações. Sem olharmos bem para este mapa demográfico da humanidade, dificilmente perceberemos as tendências de longo prazo, e até as modalidades prováveis de evolução histórica dos acontecimentos.

O que está neste momento a desenrolar-se na solarenga Tunísia, e que alastrou já à Argélia, Marrocos, Jordânia, Líbano e Egipto, e em breve poderá chegar à Arábia Saudita, é uma resposta social à crise energética mundial e suas consequências nefastas em toda a cadeia económica. Mas é também um despertar de energias revolucionárias que poderá deixar para trás o programa ideológico limitado e as tácticas terroristas de Bin Laden. A Al Jazeera escreve: “Tunisians have sent a message to the Arab world, warning leaders they are no longer immune to popular anger” — inTo the tyrants of the Arab world...” E no boletim deste mês do GEAB lê-se:
The downfall of pro-Western Arab regimes

Tunisia and Algeria were rocked by riots and Jordan, Egypt and Lebanon are experiencing serious problems. Beyond the reactions to higher prices for basic necessities, it is the first political shock of the "fall of the Dollar Wall". The regimes in question are typically powers supported at arm's length by Western money, that’s to say basically the US Dollar. The rapid erosion of Western credibility and financial resources especially US is already beginning to make itself felt, just like European impotence outside its borders. These countries’ elite are accustomed to feel "untouchable" thanks to their US and European protectors: their fall will be brutal as they realize only now that the "West" can’t really protect them. At least Mikhail Gorbachev warned Eastern European leaders that the Red Army would no longer intervene to support them! 2011 will, therefore, be the year when the "Western-Arab dominoes" start to fall. — in GEAB nr 51 - January 16, 2011.

De cada vez que é mais caro extrair um barril de petróleo, e de cada vez que a procura mundial de petróleo aumenta, por efeito do crescimento demográfico exponencial da humanidade, da expansão económica mundial, ainda que abaixo dos 4% (como se prevê para 2011), ou de um mero ciclo expansivo da produção industrial (como o que actualmente regista a Alemanha), acontece uma coisa inevitável: o preço real da alimentação sobe! E porquê?

Porque só é possível alimentar os actuais 6.900 milhões de seres humanos recorrendo ao auxílio de fertilizantes, pesticidas e sistemas de transporte dependentes do petróleo e do gás natural. Sem estes dois hidrocarbonetos, mesmo juntando ao carvão e ao nuclear todas as outras formas de energia em uso, incluindo todas as renováveis existentes e por existir, não há pão, nem água para todos. O pão que houver, e a água potável que houver, à medida que formos tendo consciência do fim do petróleo barato, serão cada vez mais caros e racionados.

O que está a suceder na Tunísia é o resultado de uma crise de recursos global. Subida insustentável dos preços do pão, água e energia, falta de dinheiro, falência das actividades empresariais, das cidades e dos governos, desemprego em larga escala, e uma corrupção cada vez mais descarada e insultuosa, são os mesmíssimos fenómenos que actualmente afligem as sociedades portuguesa, espanhola, grega, ou norte-americana. Há, porém, duas diferenças importantes: por um lado, as moedas fortes europeia e americana disfarçam, por enquanto, a especial gravidade da situação nos respectivos territórios económicos; por outro, a probabilidade revolucionária é mais elevada em países com demografias expansivas, onde corre o sangue jovem da rebelião, do que nos países envelhecidos (onde o tempo dos golpes palacianos, como na antiga Roma decadente, voltará a estar na moda.)

A guerra contra o Afeganistão, levada a cabo pela decadente civilização ocidental, é uma guerra de velhos, tecnologicamente assistidos por próteses sofisticadas e traiçoeiras, contra populações jovens que aspiram, como todos nós, ao bem-estar e à felicidade. O desfecho parece inexorável. Acabaremos por perder!

ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO : 2011-01-18 0:56