sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Censura e populismo parlamentar

Mostrem os sapatos a Sócrates — o Mubarak das Beiras!

Sócrates furioso com anúncio de moção censura do Bloco de Esquerda

É do interesse vital do PSD provocar a queda do governo da tríade de Macau ainda este ano e ganhar as subsequentes eleições legislativas antecipadas. De contrário, alguns dossiers, como o do aeroporto da Ota em Alcochete, onde o lóbi cavaquista da ex-SLN meteu o pescoço, cairão irremediavelmente. Mas poderá fazê-lo, pergunto, depois de ter viabilizado até agora a agonia de Sócrates em nome do "interesse nacional"?

O grande dilema de Passos de Coelho é, pois, este: ou segurar Sócrates até ver consumado o colapso financeiro do país, provavelmente antes do verão, e quando este ocorrer (sob a forma de um pedido de ajuda desesperado ao BCE), exigir a demissão do governo, anunciando que votará contra o próximo orçamento de Estado seja ele qual for; ou precipitar a sua queda imediatamente após a tomada de posse de Cavaco Silva, votando nas moções de censura do Bloco e do PCP, ou anunciando mesmo, em alternativa, uma moção de censura de iniciativa laranja. A perspectiva de três moções de censura consecutivas ao governo moribundo em funções —depois das quais, independentemente de virem a ser aprovadas ou não, este ficaria ferido de morte— chegaria previsivelmente para que Sócrates se demitisse, em vez de desafiar uma demissão humilhante pelo presidente da república. Esperar pela palavra de Cavaco é, no entanto, um grande risco para o actual líder do PSD!

No primeiro cenário —o cenário da hiena que espera pelo animal ferido de morte— o PSD corre o risco de receber um país em cacos, pois até ao outono haverá tempo suficiente para que uma fuga de capitais, de empresas e de massa cinzenta, sem precedentes, tenha lugar, ao mesmo tempo que a instabilidade e mesmo a revolta social poderão tonar-se explosivas de um momento para o outro, ao menor e mais inesperado incidente com estudantes e pais desesperados, doentes e reformados, ou camionistas (outra vez!) Foi isto que o PCP, primeiro, e o quadrado Louçã, depois, perceberam finalmente. Estão aliás ambos aterrados com a perspectiva de serem confundidos e engolidos com o PS pela ira que cresce entre os portugueses. Jerónimo de Sousa tem razão: para o povo (leia-se, para o eleitorado que vota à esquerda) já nada pode piorar a governação dos piratas que tomaram de assalto o PS e o país. Sócrates tornou-se uma espécie de Mubarak das Beiras. Só sairá de empurrão!

A alternativa a este cenário é Passos de Coelho aproveitar a boleia das moções de censura do Bloco e do PCP, votando-as favoravelmente, em nome, não das respectivas ideologias e verborreia populista, mas da necessidade inadiável de acorrer ao país verificada a incapacidade irreversível de o actual governo lidar com a situação económica, financeira, social e política que se degrada dia a dia. A aventura criminosa da tríade de Macau, servida pelo mitómano José Sócrates, levou o país à mais completa ruína, desde a bancarrota de 1892. É preciso correr com esta gente do Governo e do PS. E é preciso sentar alguns dos seus principais protagonistas no banco dos réus!

Mas Passos de Coelho tem ainda outra alternativa para encurtar a agonia de Sócrates: anunciar uma moção de censura do próprio PSD, ideologicamente neutra e pragmática, se verificar que as fundamentações das moções do Bloco e do PCP são, como se prevê, uma espécie de insecticida doutrinário destinado a matar no ovo a eficácia das próprias moções. Ou seja, se as moções de censura da "esquerda" não passarem de uma farsa para povo distraído ver, o PSD inviabilizará de vez o governo com a sua própria moção de censura, na medida em que, a partir da sua apresentação, o PS deixará de contar com qualquer apoio parlamentar do PSD e do CDS, ficando a sua sobrevivência ao colo do senhor Louçã, já que a posição lúcida de Jerónimo de Sousa acabará por ganhar apoio pleno no interior do PCP.

Este é o momento ideal para uma mudança radical no seio do PS. Se tal não ocorrer, podemos dizer adeus ao Partido Socialista, e pedir outro. Está na altura de António José Seguro, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto perceberem que o melhor que têm a fazer é unir-se, e unirem-se a Manuel Maria Carrilho para salvar o PS e a alternância de esquerda em Portugal. Esta terá que ser repensada de uma ponta à outra, naturalmente. Por uma nova República? Por um novo PS? Não vejo como possa ser doutro modo!

Portugal não tem nenhuma possibilidade de pagar um QREN por ano pelo serviço da sua dívida pública. É este o estado de falência do regime a que chegámos. Para sairmos de tamanho buraco negro é preciso, de facto, uma nova República!

REFERÊNCIAS
  • Dívida pública portuguesa (2010): 83,2% do PIB (CIA)
    Dívida externa bruta portuguesa (2010): 201,5% do PIB
  • Os aforradores e os especuladores de dívida pública portuguesa
    (...) O Estado português, em 2011, pretende pedir emprestado 46 mil milhões de euros, cerca de 32% do total da dívida e 28% do PIB português. Quase 25% da dívida total, 35 mil milhões, para renovar dívida vencida e 11 mil milhões para colmatar o diferencial negativo entre as receitas e as despesas do Estado. A grande fatia das emissões, cerca de 25 mil milhões, está prevista até finais de Abril.
    (…) Caso se assista a uma escalada das taxas para perto dos 10% nas OT a 10 anos no mercado secundário, e das taxas de prazo mais curto – no início da curva de rendimentos, como já estamos a assistir nas de 2 a 6 anos – poderemos ter uma taxa média 6 pontos percentuais acima do normal e um acréscimo dos juros em mais 1500 milhões de euros (quase 1% do PIB) passando o serviço da dívida dos actuais 8% do total da despesa pública para quase 11% — in Paulo Rosa, Os aforradores e os especuladores de dívida pública portuguesa, Público, 16.11.2010 - 14:50.
  • Portugal de novo ameaçado pela dívida, diz Guardian
    O The Guardian salienta que, pela primeira vez em três semanas, o BCE foi obrigado a intervir no mercado e a comprar títulos da dívida soberana portugueses, pois os juros exigidos chegaram aos 7,63%, níveis que a Grécia e a Irlanda não conseguiram suportar. Portugal terá de se refinanciar em 10 mil milhões já nesta primavera e os investidores estão preocupados depois da pouca confiança demonstrada pela emissão de dívida sindicada de 3,5 mil milhões de euros, realizada esta semana, e cujas taxas elevadas (6,24%) vão obrigar o país a pagar 226 milhões de euros de juros por ano — DN.
  • Taxa a dez anos iguala pior sequência de Portugal desde a entrada na zona euro
    Até ao dia 14 de Janeiro, nunca a sequência de dias a fechar acima dos sete por cento havia sido superior a dois dias consecutivos, mas a partir de 14 de Janeiro a taxa genérica da Bloomberg ficou acima dessa barreira durante quatro dias consecutivos. Hoje, esta taxa continua acima dos 7 por cento, pelo quinto dia consecutivo, igualando nesta altura a pior sequência de dias registada desde a entrada no euro, registada na última semana de Janeiro, sendo que esta semana os juros têm sido mais altos que em Janeiro  — DN Economia.
  • Para una análise comparativa internacional: “The Future of Public Debt: Prospects and Implications,” by Stephen G. Cecchetti, M. S. Mohanty, and Fabrizio Zampolli, published by the Bank of International Settlements (BIS). PDF.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

ANA imobiliária

O Bloco Central do Betão não desiste...
Em vez de melhorar a operacionalidade e segurança da Portela e do Aeroporto Sá Carneiro, a ANA especula, a mando da tríade de Macau, suponho.
ANA aprova construção de três hotéis junto aos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro

O licenciamento das três unidades foi obtido em 2010 e as obras ficarão concluídas dentro de 12 meses, no caso do hotel junto ao aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto), e de 18 meses, em Lisboa e em Faro.

O investimento, num total de 27 milhões de euros, será realizado através de “parcerias para a construção e exploração” e totalmente suportado na totalidade pelas empresas privadas Hotti Hotéis e Tryp Média (Lisboa), Coperfiel Real Estate Group e Park Hotel (Porto) e FTP Hotels (Faro) — Público.

Até parece que os três aeroportos estão a 45Km dos centros urbanos!

Todos críamos que a ANA era uma empresa pública de gestão de aeroportos. Pelos vistos também se dedica à especulação imobiliária! A bênção parlamentar será total, creio, agora que o senhor Louçã declarou o seu eterno amor a José Sócrates!

O que a ANA deveria fazer —prolongar/corrigir os taxiway da Portela e do aeroporto Sá Carneiro, para permitir um uso mais racional, produtivo e seguro das pistas, ou colocar o ILS no aeroporto da Maia, para maior produtividade e segurança das aproximações à pista e aterragens— não faz, porque não há nenhum gabinete de consultores, nem tubarão a pressionar, e os administradores da ANA são boys&girls, como é sabido.

Os políticos, e os opinocratas da corda continuam a ignorar os detalhes essenciais dos temas pesados da nossa economia e estratégia de desenvolvimento, em nome do nevoeiro populista. É por estas e por outras que os portugueses anseiam pelo dia em que o nosso país seja mesmo um protectorado de Bruxelas e Frankfurt, e uma delegação comercial e diplomática de Madrid.

domingo, fevereiro 06, 2011

O lóbi cavaquista de Alcochete

Ferreira Leite e Marcelo no road show do NAL. Na sua santa ignorância atacam o "TGV"



Estou cada vez mais convencido que o acordo entre o PS e o PSD sobre a viabilização do orçamento de estado de 2011 teve uma cláusula secreta sobre dois assuntos muito especiais: o chamado "TGV", e o NAL — novo aeroporto de Lisboa. Publicamente, havia que reanalisar tudo. Mas no recato das negociações deixaram-se portas entreabertas para o retomar destes dois dossiers à medida que a crise financeira amainasse.

O NAL esteve para nascer na Ota, mas a blogosfera derrotou tamanha idiotia e prova de corrupção. Agora, o poderoso lóbi partidário e financeiro do betão (que engloba figurões do PSD e do PS, construtoras e banqueiros agarrados à seca glândula orçamental do regime) teima na construção do desnecessário aeroporto de Alcochete, na forma de um três-em-um: quem ficar com a construção/exploração do novo aeroporto ganha as privatizações da ANA e da TAP para ajudar às despesas e assim erguer um monopólio! O negócio secreto pode pois resumir-se assim: o PSD deixaria passar o "TGV" agora, e o PS deixaria seguir, mais tarde, o novo aeroporto com tudo o que implica — por exemplo, a construção de uma segunda travessia ferroviária no estuário do Tejo, sem a qual o NAL se revelaria um descalabro financeiro imediato. O PSD manteve, porém, a sua linha de pressão e propaganda: atacar diariamente o "TGV". Esta espécie de insistência subliminar sobre a outra parte do possível acordo secreto negociado entre Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos ganhou esta semana um pico de propaganda, na qual foram incluídas as vozes partidárias e mediáticas de Luís Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa e Manuela Ferreira Leite. Todos repetiram uma lição ensaiada!

Enquanto a ligação ferroviária em bitola europeia entre o Poceirão e Caia é assunto de estado reiteradamente decidido em duas cimeiras ibéricas, e já com cabimento financeiro comunitário assegurado, nada foi até agora decidido, antes pelo contrário, a propósito do novo aeroporto de Lisboa e das privatizações da TAP e da ANA. Por outro lado, o fiasco do concurso público internacional para a construção da TTT acabou no adiamento oficial da iniciativa. No entanto, a reeleição presidencial de Cavaco Silva, apesar de medíocre, parece ter lançado fogo no rabo laranja do NAL (claro que Jorge Coelho e a Mota-Engil também torcem pelo festim). Marcelo defendeu a meio da semana a lição decorada sobre a interessante ideia de dar a TAP e a ANA a quem construir o futuro aeroporto —imaginem que eram os espanhóis, ou os beduínos do Qatar! No Expresso desta semana Ferreira Leite atacou uma vez mais o "TGV", exibindo completa ignorância sobre o tema, como aliás é timbre da maioria dos agentes partidários, economistas e jornalistas.

Todos, sem excepção, ignoram que a principal vantagem competitiva da nova linha em bitola europeia entre o Poceirão e o Caia não é, nem a alta velocidade, nem o transporte de passageiros (e por isso a alcunha "TGV" é mal aplicada e enganosa), mas sim o transporte de mercadorias entre os portos atlânticos portugueses de águas profundas —Lisboa, Setúbal e Sines— e toda a Europa, a começar por Espanha. Estes portos estão actualmente ligados a Espanha por vias férreas em bitola ibérica, o que está bem para ligar a rede ferroviária portuguesa à rede ferroviária espanhola, mas dificulta o transporte de mercadorias para França e resto da Europa, onde os comboios circulam, precisamente, sobre carris afastados entre si segundo uma bitola mais estreita (bitola europeia, bitola internacional ou bitola UIC).

Se no caso do transporte de passageiros esta dificuldade pode ser superada sem grande perda de tempo, recorrendo a rodados com eixos telescópicos, já no caso dos comboios de mercadorias tal expediente é impossível. Por exemplo: um comboio com 750 metros de comprimento, carregado com os novos automóveis da Volkswagen, não pode sair da Autoeuropa e chegar a Milão, Paris, Londres, Berlim ou Moscovo. E vice-versa, sem uma linha ferroviária de bitola europeia até ao Poceirão, mas também até aos portos de Setúbal e de Sines, será sempre impossível aos fabricantes alemães, italianos, franceses ou mesmo ingleses optarem pelos nossos portos atlânticos para despacharem alguns dos seus modelos automóveis para África, América do Sul ou Ásia (neste caso, através do Canal do Panamá, cujo alargamento estará pronto em 2014).

Mas mais: o próprio transporte de mercadorias em contentor, a forma dominante de transporte de objectos de um país para outro, e de uma região ou cidade para outra, sairá seriamente prejudicado se for necessário mudar os ditos contentores de comboios de bitola ibérica para comboios de bitola europeia e vice-versa (o grande negócio alfandegário que Jorge Coelho e a Mota-Engil querem montar no Poceirão), na medida em que tais manobras tomam tempo e trabalho, gerando sobre-custos na ordem dos 30%, além de uma diminuição drástica nos fluxos de mobilidade, e por conseguinte quebras brutais nos volumes totais de mercadorias transportadas.

Resumindo: se Portugal ficar desligado da rede europeia de transporte ferroviário de mercadorias, toda a vantagem económica da nossa frente atlântica sairá criminosamente diminuída. Num tal cenário os europeus desviarão o tráfego marítimo mais importante para Algeciras e Huelva, subalternizando os nossos portos de Sines, Setúbal e Lisboa.

No momento em que a costa portuguesa e a nossa Zona Económica Exclusiva se encontram numa posição praticamente equidistante dos principais eixos do crescimento mundial (Alemanha, Brasil, China-Ásia e África ocidental), rasgar os acordos oficialmente celebrados com Espanha, que são do evidente interesse de ambos os países, em nome da obscura e néscia cobiça de uma corja de empresários e financeiros corruptos assistidos por intelectuais orgânicos, no mínimo tontos, seria provavelmente o acto mais cretino da política económica portuguesa desde a queda da ditadura.

Mas o que verdadeiramente me espanta é a gente que durante toda esta semana montou mais esta operação de propaganda agressiva contra o "TGV" ser a mesma gente serviçal, atenta e obrigada do senhor que anda há mais de um ano a defender a importância do mar para o futuro de Portugal. Mas qual é afinal a importância do mar para o presidente e fraco caudilho Aníbal Cavaco Silva? Em que pensa este senhor quando pensa no mar? Nos nossos portos, no controlo aéreo e marítimo da ZEE? Na oceanografia? Ou nos problemas do senhor Fernando Fantasia e nos quatro mil hectares que este comprou em Alcochete por 250 milhões de euros para especular com um aeroporto que não será tão cedo, se que é que algum dia será?

Por fim, o vídeo que acompanha este texto mostra como comboios de mercadorias e transporte rodoviário se articulam de modo expedito. Com o aumento imparável do preço do petróleo, e por conseguinte de todos os combustíveis líquidos, esta articulação será cada vez mais crítica para a viabilidade das economias. Ferrovia e construção naval regressarão muito em breve ao centro das prioridades estratégicas das economias. Se o senhor Aníbal, o senhor Marcelo e a senhora Manuela sabem algo que nem eu nem o resto dos portugueses sabem a este respeito, façam o favor de nos explicar.

sábado, fevereiro 05, 2011

A chave comunista da crise

Governo PS tem mesmo os dias contados!
Se me chamasse Manuel Maria Carrilho, avançaria sem hesitação contra Sócrates no próximo congresso fantasma do PS — em nome do Socialismo, claro.

Jerónimo de Sousa avança que o PCP viabilizaria uma moção de censura apresentada pela direita.
Dependendo do conteúdo apresentado, Jerónimo de Sousa assume que o PCP viabilizaria uma moção de censura apresentada pela direita. O secretário-geral do PCP, em entrevista à jornalista Maria Flor Pedroso, justifica que não concorda com a política seguida pelo atual governo — TV2, 2011-02-04 16:49:40.

A pergunta da política portuguesa que vale mil milhões de euros é esta: qual a geometria parlamentar necessária para aprovar uma moção de censura ao desgoverno do Pinóquio? Durante vários meses apostei na continuidade da actual legislatura, ao presumir que comunistas, ex-maoistas, ex-comunistas e ex-trotskistas (ou entristas), em suma o PCP e o BE, jamais votariam favoravelmente uma moção de censura promovida pelo PSD. Esta suposição foi e tem sido também, suponho, a convicção do estado-maior da tríade de piratas que capturou o PS e o país há já quase uma década. Mas Jerónimo de Sousa acaba esta noite de surpreender o país e de me dar uma lição de estratégia. Touché!

Eu presumia que nem o PCP nem o Bloco se atreveriam, nas actuais circunstâncias, a propor uma moção de censura ao governo, apesar de todas as patifarias que este continua a fazer, tal o receio de a mesma ser aprovada pelo PSD e pelo CDS! Escapou-me, porém, um facto importante: a aliança de Louçã com Alegre foi fatal ao Bloco, pelo que uma queda do actual governo e eleições antecipadas poderão fazer evaporar o albergue mao-trotskista, reforçando, por outro lado, a votação no PCP de Jerónimo de Sousa, uma personalidade inegavelmente simpática. E, como diz o líder dos comunistas, no que diz respeito ao poder, pior do que Sócrates, não há! Aliás, muito do que Paulo Portas e Passos de Coelho têm vindo a sugerir como rumo para o país nesta crise catastrófica fica bem aquém da fúria anti-social e neoliberal do actual governo. A direita tem, pelo menos, vergonha patriótica. Coisa que o parvenu Sócrates nem sonha o que seja.

Debater para agir

Insinuar agora que o que eu penso e digo se deve a qualquer ressentimento ou episódio recente, como há dias fizeram Almeida Santos e o "comité" de recandidatura de José Sócrates à chefia do PS, é, na verdade, indigno. E só refiro esse episódio porque é curioso recordar que, se o meu afastamento da UNESCO teve por motivo próximo a publicação do meu livro E agora? e a entrevista que então dei ao Expresso, o motivo de fundo foi o de eu ter argumentado até ao limite, nas eleições para a liderança daquela organização, contra o apoio do nosso país à candidatura de uma figura de proa da ditadura egípcia, cujos méritos, então muito elogiados por José Sócrates, todos temos nestes últimos dias observado em directo...

(…) A crise que o País vive deve-se em boa parte às opções do Governo nos últimos dois anos e meio. Reconhecê-lo é, por mais desconfortável que seja, um acto de responsabilidade política elementar. Essas opções não foram nunca realmente discutidas no âmbito do Partido Socialista, que tem sido dirigido numa lógica de facto consumado, por um pequeno grupo de profissionais do poder, cuja eficácia - ainda que "danosa" - não se deve desvalorizar, a julgar não só pelo modo como subjugaram o partido mas também pela maneira como fizeram do País seu refém.

(…) Sem ideias e sem debate iremos sentir até ao fim os efeitos desastrosos desse cocktail fatal de que já falava Maquiavel - a mistura da obsessão do poder com os efeitos da ignorância. E depois de um tal fim, a ressaca será à sua medida. Os militantes livres do Partido Socialista deviam começar a pensar nisto — Manuel Maria Carrilho in DN online, 2011-2-3.

Pelo que já escreveu e disse, Manuel Maria Carrilho pode muito bem vir a ser a única alternativa imediata ao fim político de José Sócrates e da sua camarilha, que se aproxima agora a passos largos. Eu se fosse pedreiro-livre começaria a pensar seriamente neste candidato. E se fosse a alma danada de Jorge Coelho, não o deixava dormir, atordoando-o todas as noites com o sussurro: "o mundo mudou! acorda!"

Vitalino Canas, curiosamente um dos figurões da tríade de Macau, desafiou Manuel Maria Carrilho a candidatar-se contra Sócrates: "Carrilho podia personificar alguma divergência interna do PS" (Público, 2011-02-2).

Podemos interpretar a iniciativa como uma provocação destinada a legitimar a farsa eleitoral do próximo congresso "socialista", numa altura em que estas farsas estão a meter água em toda a parte. Mais: a provocação pode até visar um efeito duplo: impedir que Sócrates seja visto como uma espécie de caricatura local de Mubarak, ao mesmo tempo que a prole partidária de Sócrates se encarregaria de cortar a cabeça de Carrilho durante o conclave, adiando para as calendas gregas a sucessão de Pinóquio à frente do esquizofrénico PS. Mas também é razoável pensar, em sentido contrário, que o instinto de sobrevivência tenha começado finalmente a agitar os neurónios dos mais aptos, e que neste caso, a hipótese Carrilho comece a surgir, no mínimo, como uma reserva não negligenciável do Partido Socialista. Até porque ninguém pode garantir que um próximo governo liderado por Passos de Coelho dure mais de dois anos!

Os actuais candidatos internos à sucessão de Sócrates, António José Seguro e Francisco Assis, são manifestamente imberbes e temerosos para desafiar o sem vergonha que neles manda. Outra limitação destes simpáticos turcos, é serem praticamente desconhecidos dos portugueses. Na verdade, o melhor que têm a fazer é colaborar com Manuel Maria Carrilho na busca de uma plataforma robusta para substituir rapidamente José Sócrates e a sua máquina pretoriana. O próprio Sérgio Sousa Pinto deveria fazer um risco no chão e estudar este cenário.

Quando Manuel Maria Carrilho afirma ao Público: "Precisamos de uma nova República, e se calhar de um novo PS", não poderia ser mais claro e programático.

Quer no livro há meses publicado (E Agora? Por Uma Nova República), quer no mais recente artigo publicado pelo Diário de Notícias, este antigo ministro da cultura (que muitos recordam com saudade), demonstra possuir alguns atributos essenciais a um político com ambições primo-ministeriais: experiência governativa, ideias claras, determinação, cultura e coragem. Falta-lhe o aparelho do PS? Faltam aliados entre as sensibilidades da rosa? Pois é bom que estes comecem a mexer-se e a olhar seriamente para as alternativas disponíveis no curto e médio prazo. A ausência de uma resposta ao indigente José Sócrates significará provavelmente o colapso do próprio PS. Se julgam que a história parou, olhem para o Egipto!

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

O lobista Marcelo

Lóbi SLN-NAL de Alcochete volta ao ataque
Marcelo Rebelo de Sousa: de comentador a lobista



Marcelo: "A venda da TAP deveria ser feita com o novo aeroporto"

A privatização da companhia aérea de bandeira deveria ser concretizada em simultâneo com a privatização da ANA e com o novo aeroporto, defendeu hoje Marcelo Rebelo de Sousa, à margem do o 4º Salão de Viagens e Negócios.

O professor, depois de ter discursado para uma plateia ligada ao turismo e às viagens, alertou para a importância de vender a TAP em “pacote” com o novo aeroporto. No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu ter duvidas se este é o momento certo para o fazer. “. O que eu não gostaria é que negociássemos encostados à parede”, acrescentou — Jornal de Negócios.

Uma companhia de aviação falida não se salva metendo-a num pacote dois-em-um (1), como o lóbi cavaquista da SLN quer impor, ajudado agora pelo Professor Pardal do PSD —um personagem que em qualquer democracia decente há muito teria sido obrigado a optar na sua carreira, entre putativa gelatina política, professor, consultor, jornalista, coscuvilheiro, ou pequeno golpista de televisão, a sua inclinação mais recente...

O que os lobistas capitaneados pelo amigo de infância de Cavaco Silva, Fernando Fantasia (2), querem é muito simples: imputar os custos da falência técnica da TAP ao felizardo que ficar com a construção do novo, desnecessário, e fruto de crime económico descarado, aeroporto de Alcochete.

Mas perguntar-se-à: e haverá quem esteja interessado? Sim, se, como está previsto no estratagema dos piratas e banksters que estão por trás deste crime estratégico, económico e ambiental, conseguirem empolar o custo total do futuro aeroporto, o que já fizeram! Aumenta-se artificialmente o custo do aeroporto, e com a marosca compra-se a TAP!

Portanto: o que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa acaba de fazer ao dizer o que disse, onde disse, e como disse, faz dele um lóbista do NAL em Alcochete, com tudo o que isso implica de apoio a um projecto não apenas desnecessário, mas sobretudo ruinoso e ferido de potenciais crimes económicos, financeiros e ambientais.

É evidente que o lóbi cavaquista da ex-SLN iniciou uma manobra desesperada para "salvar" o dinheiro (sabe-se lá vindo de onde) que enterrou nos terrenos de Alcochete. Temem duas coisas que vão ocorrer inevitavelmente:
  1. a entrada da Alemanha, Reino Unido e Espanha nas rotas Europa-Brasil, pondo em cheque a actual posição dominante ilegal que a TAP ocupa neste tráfego (o gaúcho Fernando Pinto já deve estar muito activo no mercado de transferências!);
  2. e a demonstração plena de que a Portela não está saturada em nenhum dos pontos de bloqueio que poderiam contribuir para tal:
    • há e haverá cada vez mais slots disponíveis no aeroporto (3); 
    • o fecho da CRIL, em abril deste ano, retirará dezenas de milhar de automóveis da 2ª Circular, colocando a Portela ainda mais perto de qualquer ponto da cidade; 
    • a inauguração da estação de metro do aeroporto (sobre cujo atraso de mais de seis meses a administração do Metro deve explicações ao país!) fará da Portela um aeroporto ainda mais competitivo e pontual, muito à frente da maioria dos aeroportos europeus!
Novo aeroporto não estará pronto a tempo de evitar perdas (Económico)

    O aeroporto da Portela está a apenas quatro anos de atingir o ponto de saturação, apontado para os 17 milhões de passageiros por ano. A manter o ritmo de crescimento registado em 2010, o aeroporto da capital irá, assim, começar a perder eficiência e qualidade de serviço antes de estar pronto o novo aeroporto, previsto para o Campo de Tiro de Alcochete, com a entrada em funcionamento inicialmente agendada para 2017 — Económico.

O embuste escondido nesta propaganda é completo: a Portela não vai esgotar, nem em 2017, nem em 2030. E o mau serviço já existe há anos, por intenção criminosa do Bloco Central do Betão e da Corrupção, que apostou na degradação dos serviços para assim justificar a corrupção da Ota, e agora a corrupção de Alcochete.

A prova do algodão da sustentabilidade da Portela existe (3) e é bom que os dirigentes partidários e políticos com ambições comecem a estudar este dossier explosivo. Não nos esqueçamos que um dos buracos que levou ao colapso da Grécia foi precisamente o pacote viciado dos Jogos Olímpicos mais novo aeroporto de Atenas. A companhia grega de aviação foi imediatamente à falência em consequência desta enormidade!

A Portela não está esgotada, nem vai esgotar nunca, sobretudo se o petróleo continuar a subir, como será inexoravelmente o caso. Em 2030, o mais provável é o tráfego aéreo regressar aos níveis da década de 1960!

NOTAS
  1.  Na realidade, o que este lóbi quer é um três-em-um: privatização da ANA (com venda dos terrenos da Portela incluída)+novo aeroporto de Alcochete+TAP!
  2. Foi ele quem comprou 250 milhões de euros de terrenos em Alcochete quinze dias antes de Sócrates ter anunciado que desistia da Ota.
  3. Prova do algodão sobre a mentira do lóbi SLN-NAL de Alcochete
    • consultar o sítio internacional de Slots aeroportuários em www.online-coordination.com
    • entrar em "Runway Availability" e seleccionar "Week"
    • na caixa "Country" escolher "Portugal" 
    • em "Airport" escolher LIS
    • em "Week containing" escolher a data, por exemplo correspondente a esta semana: "31JAN"
    • ver slots na Portela e comparar com Heathrow que é LHR  (London Heathrow). Os rectângulos mostram os SLOTS disponíveis; os rectângulos verdes mostram situações de máxima disponibilidade de SLOTS (VAZIOS!); os rectângulos vermelhos mostram SLOTS saturados, i.e. sem intervalos disponíveis para descolagem/aterragem.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Tempos de ira

O Egipto não está assim tão longe.... 




A minha equação é esta: quando os avós virem as suas reformas perder 30, 40, 50% do poder compra que tinham em 2007 e os pais entrarem no exército do desemprego de longa duração, os netos que hoje vivem em casa dos pais ou dos avós, sairão à rua... e aí creio que os avós, pais e netos expoliados, desiludidos e furiosos deste país farão uma nova revolução. Os que hoje monopolizam a cena pública irresponsavelmente, sem uma réstia de ética, nem ponta de coragem —do parlamento às televisões, rádios e jornais; das secretarias de estado aos municípios e agências governamentais; dos bancos e oligopólios públicos e privados encostados à democracia burocrática e populista que se foi instalando nos últimos trinta anos— não digam, quando este tempo de ira chegar, que não sabiam, nem foram avisados. Estão avisados!



Paulo Portas é um homem inteligente agarrado a uma causa serôdia. Não percebeu, durante muitos anos (lembro-me do tempo em que eu escrevia no Independente e nos mantínhamos a uma cordial distância), que ser conservador em Portugal meio século depois de um regime defensivo, anti-democrático e culturalmente reaccionário que acabaria por cair de podre no momento em que julgou poder "liberalizar-se", não implica abraçar os fantasmas da segurança e do moralismo reaccionário e hipócrita dos tempos clericais e monárquicos. Bastava olhar para a Holanda, ou para o Reino Unido, digo para os partidos conservadores desses lugares, para perceber que não só é possível, como aliás é vital para a sobrevivência da democracia, a existência de uma direita laica e arejada no nosso país. Sem uma direita pragmática, ideológica por razões de estratégia e não por empenhos de conveniência, construtiva e aberta à sociedade, o resultado foi o que está à vista: a ocupação burocrática da democracia por um bloco central de interesses, estúpido e ganancioso, apoiado nos cadáveres surrealistas de Marx.

Mas depois do que Paulo Portas disse a Mário Crespo no dia 31 de Janeiro, o debate político vai necessariamente mudar. Por um lado, o buraco do nosso endividamento é pela primeira vez reconhecido sem subterfúgios por um líder partidário. Por outro, Portas reconhece, também pela primeira vez, que sem uma abertura dos partidos à sociedade democrática que vive e sofre fora do círculo protegido pela nomenclatura partidária (65% do eleitorado!), o regime corre sérios riscos de explodir — e não num horizonte demasiado longínquo. Quando fala de uma "sociedade pós-partidária", Paulo Portas revela sensibilidade política. Resta-lhe daqui em diante arrumar as ideias num programa claro, realizável e sem teias no sótão cultural, impeditivas, como está completamente provado, de uma maior adesão popular ao crescimento deste partido.

Mas o mais importante desta entrevista é a sua proposta da reforma do regime. Que pensam Manuel Maria Carrilho, António José Seguro ou Francisco Assis, disto? Que pensa Pedro Santana Lopes desta ideia? Será aceitável, do ponto de vista democrático, assistirmos à entronização do senhor Sócrates no próximo congresso do PS? Que autoridade poderá depois invocar qualquer socialista que agora nada faça para desafiar o pedestal de onde inevitavelmente cairá o actual e imprestável líder "socialista"? E poderá o PP crescer rapidamente sem o PPD de Santana Lopes?

Quando vejo o Mubarak resistir à sua saída do poleiro, o fantasma da política portuguesa e sobretudo a figura cada vez mais caricata de Sócrates surgem inevitavelmente como sombras projectadas de um futuro mais previsível do que queremos e tememos.

domingo, janeiro 30, 2011

Jovens de todo o mundo, uni-vos!

First we take Cairo...



Al Jazeera acompanha de perto a evolução dos acontecimentos. LINK

Podemos enganar alguns jovens durante algum tempo. Mas não podemos enganar todos os jovens ao mesmo tempo, todo o tempo. A revolução em curso na margem sul do Mediterrâneo é sobretudo uma revolta da juventude letrada e sem emprego contra o cinismo egoísta da meia idade. Não tem nada que ver com o fundamentalismo islâmico, nem com o terrorismo, nem com o fantasma de Bin Laden. E por isto mesmo é um aviso muito mais sério à Europa, aos Estados Unidos, à Rússia e à China — regiões em acelerado processo de envelhecimento e cercados de povos jovens, letrados e munidos de tecnologia inteligente suficiente para colocar em causa países inteiros em menos de uma semana.

A idade da revolução: este mapa vale mais do que mil palavras (ampliar)

Mubarak teve trinta anos para fazer algo pelo seu povo, e não fez — respondia à Al Jazeera um dos muitos milhões de manifestantes que há dias exigem uma mudança democrática no Egipto. Agora, só lhe resta uma opção: sair. Esta mesma frase, mudando o que há a mudar, começa a fazer sentido em relação à caldeirada parlamentar e presidencial que governa Portugal desde 1976. Como filosofava David Li (director do Center for China in the World Economy), durante um dos debates públicos promovidos pelo World Economic Forum, em Davos (Suíça), a noção ocidental de democracia é porventura mais ilusória do que parece, e certamente mal preparada para lidar com a complexidade e urgência da evolução humana actual. Mais do que inocentar a acção política através da introdução de formalismos eleitorais aparentemente democráticos, Li sugeriu subtilmente que talvez seja mais prudente, pelo menos em países com uma longa história, os sistemas de poder existentes assumirem a responsabilidade de estabelecer uma governação inclusiva, especialmente atenta às modulações das expectativas, dificuldades, reclamações e direitos das populações. O laivo paternalista da proposta, na medida em que supõe um poder supra-democrático, é difícil de engolir, pelo menos na ponta ocidental da Eurásia. Mas nem por isso o seu argumento sobre a falácia democrática militantemente promovida pela Europa e pelos Estados Unidos, deixa de ter sentido. Foi seguramente este género de soft-power supra-democrático, mas que não rejeita os sinais telúricos da soberania popular, que levou as autoridades de Pequim a vedarem o acesso ao termo "Egipto" no popular micro-blogue Sina — espécie de Twitter chinês. A China não censura as notícias sobre o "caos no Egipto" (Xinhua News), apenas evita a dispersão perigosa da sua iconografia junto da igualmente inquieta juventude chinesa...

Um número crescente de democracias ocidentais ouve cada vez menos a voz do povo, e obedece cada vez mais às exigências dos especuladores, das nomenclaturas e dos burocratas pendurados no endividamento e envelhecimento imparável destes regimes. À medida que envelhecem e vêem subir as remunerações pelo trabalho, mas também pelo não-trabalho, das suas bases sociais de apoio, as democracias burocráticas europeias tendem a apostar cada vez mais na automação tecnológica, na exportação das indústrias para países sem grandes protecções sociais e com trabalho barato, ao mesmo tempo que vão enredando as suas juventudes no logro da educação permanente e da cultura popular urbana, ou seja, naquilo a que Guy Débord (em 1967) chamou, com grande precisão, a sociedade do espectáculo. Pão e circo, diziam os romanos — Panem et circenses [ludos].



No Egipto que nestes momentos passa pela adrenalina épica de uma verdadeira revolução democrática, quarenta por cento da sua população tem menos de trinta anos, e de toda esta gente jovem, cinquenta por cento não tem nem emprego, nem perspectivas de arranjar emprego. No entanto, dezenas ou centenas de milhar destes jovens têm estudos secundários e universitários, e sobretudo incorporaram já no seu dia a dia cultural o paradigma das novas redes sociais electrónicas. Era uma questão de tempo até que a improvável rebelião democrática e laica das massas muçulmanas controladas pelas ditaduras da margem sul do Mediterrâneo, do Magrebe ao Suez, irrompesse como um vulcão adormecido.

Também nas democracias europeias e norte-americana o egoísmo dos baby boomers atirou para um limbo sem futuro milhões e milhões de jovens. Em Espanha, o peso do desemprego de longa duração entre os jovens desempregados da mesma faixa etária —entre os 15 e os 30 anos— é de 42% para os desempregados sem o ensino secundário e 39% para os diplomados universitários. E entre os jovens dos 14 aos 24 anos de idade a taxa de desemprego é de 43%. Em Portugal, por exemplo, a falta de emprego de longa duração afecta 51% dos jovens portugueses com "canudo" e idades entre os 25 e os 34 anos. E na média dos países da OCDE, esta taxa é de 42%. Curiosamente, a esmagadora maioria dos países da OCDE encontra-se num processo de estagnação demográfica por envelhecimento e menor fertilidade (Wikipedia), ao contrário da Tunísia, do Egipto, do Iémene ou do Afeganistão...

As razões da revolta em curso no norte de África —desemprego eterno entre os jovens com formação escolar básica, média ou superior, e queda do rendimento per capita por efeito da inflação mundial induzida pela subida imparável dos preços da energia— são as mesmas que afectam hoje a juventude europeia. Por que motivo, então, esta não se revolta? Uma das explicações possíveis estará nas margens de conforto ainda disponíveis nos orçamentos sociais dos estados e das famílias para subsidiar a falta de emprego dos jovens. Esta vantagem encontra-se, porém, seriamente ameaçada pelas explosões sucessivas das dívidas públicas, empresariais e pessoais acumuladas ao longo das duas últimas duas décadas. Ou seja, esta válvula de segurança tem um prazo de validade que expirará em breve: 2012, 2015, 2020? Outra explicação para a impotência aparente das gerações X e Y face ao flagelo que as atinge advém da sua declinante proporção relativamente à população total. No entanto, quando as duas pontas da crise demográfica se unirem, dando lugar a um tríptico socialmente explosivo —avós com reformas comidas pela inflação, pais no desemprego de longa duração e filhos sem emprego à vista—, aí, ou me engano muito, ou teremos uma fusão revolucionária entre os democratas muçulmanos e os democratas católicos e laicos de ambas as margens do Mediterrâneo.