Gráfico do Deutsche Bank Research |
The big picture ou o que realmente preocupa a Alemanha
Deve notar-se uma mudança de posicionamento no que venho publicando desde que a crise grega entrou na sua terceira e última temporada. Uma coisa é a ilusão e a vontade, outra, a dura realidade. E a dura realidade aponta, neste caso, para um possível colapso do euro, e para uma possível nova desagregação da Europa, sobretudo se a miopia alemã persistir, seja relativamente à Grécia, seja, com maior gravidade ainda, no atoleiro ucraniano.
A ascensão eleitoral dos movimentos anti-austeridade e anti-euro, para já à extrema esquerda e à extrema direita, mas que rapidamente se propagará aos centros, espalha-se nas ruas e nas redes sociais como uma espécie de grito unânime que não podemos continuar a ignorar.
Por mais que os povos europeus desejem a união, a livre circulação de pessoas, bens e capitais, e o euro, nada disto pode custar o empobrecimento generalizado dos seus habitantes, nem a destruição das suas classes médias, nem a morte forçada dos seus idosos, nem muito menos a submissão das democracias europeias a turmas de burocratas arrogantes, incompetentes e sem legitimidade outorgada pelos povos.
Passou mais de uma década, na realidade, passaram mais de dezasseis anos, desde a criação do euro.
Depois da queda do Muro de Berlim os franceses entraram em pânico e convieram com os alemães que era imprescindível acelerar o calendário da moeda única — certamente por receio dum marco excessivamente forte numa Alemanha acrescida, e depois numa Eurásia sem sovietes. Sabiam, desde que tomaram a decisão de apressar a Eurolândia, que as economias, as instituições, as moedas, as línguas, as culturas e as afinidades ultramarinas dos vários países europeus eram muito diversas e desiguais. Ou seja, sabiam, ou deveriam saber, que a decisão de acelerar a União Europeia teria sempre um enorme custo a suportar pelas maiores economias europeias.
No entanto, que fizeram as grandes economias, e nomeadamente a Alemanha?
Aprovisionaram a massa suficiente para pagar a convergência? Investiram desde o início na convergência, de forma racional e ponderada? Não!
O que fizeram foi simplesmente isto: inundaram as periferias de dinheiro fácil. Basta observar, a este respeito, o portefólio de derivados do Deutsche Bank, ou os quadros recentemente divulgados pelo Eurostat sobre as responsabilidades contingentes da dívida pública alemã (1). Este aluvião de euros destinou-se a potenciar o seu desenvolvimento produtivo e a expandir as suas exportações. O caso dos automóveis e das autoestradas é paradigmático. Do outro lado, isto é, do lado das periferias, houve sobretudo uma acumulação virtualmemnte improdutiva de dívidas públicas e privadas, que alfuiram sob a forma de gigantescas doses de fundos comunitários e investimento, boa parte do mesmo, especulativo, que os credores —hedge funds, bancos e governos— entretanto reclamaram com juros farisaicos.
Só depois do rebentamento de bolha imobiliária e financeira americana é que Frankfurt, Berlim, Paris e Bruxelas acordaram. E acordaram mal, assumindo uma arrogância retórica sem precedentes. O acrónimo PIGS (2) nasceu por volta de 1996, nos corredores da bem paga e privilegiada eurocracia sediada em Bruxelas, mas foi a partir de 2008 que se tornou um acrónimo de moda.
Se bem que os ditos PIIGS tenham feito quase tudo para merecer o epíteto, o ponto é outro: à volta de uma aceleração institucional trapalhona e oportunista, à volta de uma moeda mal concebida (3), e à volta de uma tentativa de moldar a Europa ao figurino prussiano que continua a marcar o código genético, o autoritarismo e a falta de sentido de humor das elites alemãs, a Europa foi de novo apanhada numa encruzilhada extremamente perigosa. Não existe autoridade moral, as economias estão desfeitas, a deflação come as poupanças de centenas de milhões de europeus, e a velha aliança entre vendilhões do templo, burocratas e militares ameaça de novo a prosperidade e a paz europeias.
Isto sim é uma porcaria!
NOTAS
- “Germanexit?” — in O António Maria.
- “So, when in 1995 Italy — along with the other southern countries of Portugal, Greece and Spain — finally made it to the borderless Europe, signs of elation were palpable ... The euphoria, however, did not last long. European clerks in Brussels soon started referring to the Giovannios-come-lately with an unflattering acronym: Portugal, Italy, Greece, and Spain — the PIGS, no less, as Linday Waters reported.” — in Wikipedia.
- “Grécia poderá repudiar legitimamente a sua dívida...” — in O António Maria.
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