segunda-feira, novembro 21, 2016

Um Pokémon chamado Banif


Ana Botín, Presidente do Santander
Foto: Angel Navarrete/ Bloomberg

Banif, ou Caixa, qual preferem perder?


O Estado desembolsou e irá desembolsar uma quantia superior de 3.500 milhões de euros para oferecer ao Santander um banco (Banif) expurgado de ativos tóxicos (2.255 M€) e com um valor superior a 11 mil milhões de euros. Irá ainda pagar ao Santander 433M€ pela transação (1).

Following the resolution measure applied to Banif by the Bank of Portugal at the end of December, Santander Totta acquired assets and liabilities amounting to approximately 10 billion euros, mainly composed by a credit portfolio (gross) of 6.5 billion euros (3.2 billion euros credit granted to private individuals and 3.3 billion euros to companies), a deposit portfolio amounting to 4.5 billion euros, and a commercial network comprising 177 branches and respective employees, and a customer base numbering approximately 350,000 accounts. 
in Santander, 2015 Annual Report

A história da entrega do Banif ao Santander não pode ser analisada, nem compreendida, sem a história dramática que ao mesmo tempo corria na Caixa Geral de Depósitos. E conta-se em duas penadas: ambos os bancos, Banif e Caixa, estavam em 2015 virtualmente insolventes. A prova disto mesmo é que nenhum deles esteve em condições de devolver nos prazos negociados os empréstimos públicos que haviam recebido para se restruturarem, e ambas as restruturações estavam então encalhadas no atoleiro político-partidário em que se transformara o sistema financeiro português.

De acordo com as novas regras da União Bancária Europeia esta situação colocava os dois bancos na iminência de procedimentos de resolução com vista a evitar que qualquer deles falisse, o que, a ocorrer, custaria muito dinheiro ao fundo de garantia de depósitos.

Por outro lado, na vizinha Espanha, o maior banco europeu, o Santander, precisava de aumentar o seu capital, processo que se iniciara no princípio de 2015, mas que continuava por concluir.

Botin Faces Doubts Over Santander's Capital Amid Profit Squeeze 

In the year since she became chairman, Banco Santander SA’s Ana Botin has cut the dividend, tapped shareholders for funds and replaced management in the U.S., Brazil and the bank’s home market of Spain. 
And still the stock price has foundered. Ahead of a two-day meeting with Botin and her team this week, some of Santander’s biggest investors say they’re concerned that profit pressures in key markets mean Spain’s largest bank will struggle to build capital ratios to match peers and meet regulators’ escalating demands 
[...] 
The bank’s 7.5 billion-euro stock sale in January wasn’t enough to get the capital ratio to where investors want it to be, taking into account regulatory demands, said a top-20 shareholder, who asked not to be named because the asset manager isn’t authorized to speak about individual companies. While the bank is unlikely to sell more stock in the short term it should still aim to boost its CET1 ratio to 11 percent by the end of 2016, the investor said. 
in Bloomberg, 20/09/2015

O resultado final é conhecido: poupou-se a Caixa Geral de Depósitos a um desfecho dramático, mas o preço da sua recapitalização e restruturação públicas, ainda no adro, seria a entrega apressada do Banif ao Santander, em nome, claro, do saneamento do sistema bancário europeu. Um dos personagens determinantes deste desfecho foi o holandês Geert Jan Koopman, o poderoso subdiretor-geral para as ajudas de estado da poderosa Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia.

Geert Jan Koopman
Foto: Lisbon Council

Assim se cumpriu um dos objetivos ideológicos do BCE e da Comissão Europeia —concentração bancária e eliminação de mais uma maçã podre do sistema, antes da entrada em vigor do novo Mecanismo Único de Resolução bancária, cujas regras, sobretudo durante o período de transição (oito anos) implicarão uma responsabilidade maior e um esforço particularmente pesado para os chamados compartimentos nacionais desse fundo, cuja mutualização será progressiva. Ou seja, em caso de resolução de um banco de um dado país da zona euro, será ainda sobre o sistema financeiro desse país que recairá a maior parte do custo da resolução. No caso português, porém, com o número de potenciais resoluções à vista, se tais processos fossem atirados para 2016, o mais certo seria assistirmos a um colapso completo do nosso sistema financeiro.

Foi este o dilema que o governo de Passos Coelho tentou empurrar com a barriga num ano de eleições, e que António Costa e a sua geringonça acabariam por engolir sem remédio. Koopman decidiu, o Banco de Portugal executou, e o Santander agradeceu ao homem que em 2012 foi à cidade Santander explicar como funciona o novo regime de gestão e controlo do complexo tema das ajudas de estado.

Optou-se, pois, por resolver o BES e o Banif, e restruturar a Caixa, mas com enormes custos para o contribuinte português, deixanndo os piratas banqueiros e os políticos a salvo do descalabro de que foram os principais responsáveis.

Mas pior, ainda puseram os contribuintes portugueses a pagar parte da recapitalização do maior banco europeu, o Santander, entregando-lhe um banco pelo valor simbólico, e sobretudo aparente, de 150 milhões de euros. Na realidade, os portugueses irão pagar ao Santander-Totta qualquer coisa como 433 milhões euros para que este fique com um banco cujos ativos (e responsabilidades) superam os 11 mil milhões de euros!

Se não vejamos:

  • ativos e responsabilidades: 11.000 M€ (12.788 M€ em junho de 2015), assim compostos:
    • carteira de créditos individuais: 3.200 M€
    • carteira de créditos a empresas: 3.300 M€
    • depósitos: 4.500 M€ (6.271 M€ em junho de 2015)
  • 177 balcões
  • 350 mil contas
  • 1.100 funcionários
  • 2.500 pensionistas
  • Fundo de pensões: 150 a 200 M€
  • 37% dos depósitos, 31% dos empréstimos nos Açores
  • 36% dos depósitos, 23% dos empréstimos na Madeira


NOTAS

  1. Santander emprestou em 22/2/2016 ao Estado 1.766 M€ sob a forma de uma aquisição de títulos de dívida pública — MTN (medium term notes)— com maturidade de 10 anos, e taxa de cupão de 3,3%.

O QUE ESCREVI SOBRE ESTE ESCÂNDALO

domingo, novembro 20, 2016

Uma andorinha não faz a primavera



Turismo e atividades associadas, nomeadamente em matéria de investimento imobiliário e requalificação de imóveis, a par de outros fatores, como a resiliência das exportações, o investimento chinês, a melhoria dos resultados na refinação petrolífera da GALP em Sines (depois das greves ocorridas no primeiro trimestre), o crescimento de dois dígitos no Porto de Sines (14% relativamente a 2015), a deslocação de investimentos do Reino Unido, da Rússia e alguns países da União Europeia para locais mais seguros, como Portugal e Espanha, e ainda os investimentos municipais associados às eleições municipais de 2017, serão as causas principais do bom desempenho do PIB no terceiro trimestre de 2016. Pouco têm, pois, que ver com a política macro-económica do governo.

Crescimento anual do PIB (%)

Portugal

1961-2015
  • 1961: 5,535
  • 1969: 2,121
  • 1970: 12,613
  • 1971: 6,632
  • 1973: 11,201
  • 1974: 1,143
  • 1975: -4,348
  • 1998: 4,792
  • 2000: 3,787
  • 2009: -2,798
  • 2015: 1,454

2016
  • terceiro trimestre 0,8
  • três primeiros trimestres: 1,3
  • crescimento homólogo entre setembro 2015 e setembro de 2016: 1,6

in The World Bank (consultado em 18/11/2016)


Crescimentos médios no período 1988-2015 (%)

Portugal: 1,56
Espanha: 3,2
Zona Euro: 1,7
União Europeia: 1,9
Mundo: 2,466

in Trading Economics

quarta-feira, setembro 28, 2016

Jesus e Mariana

Cartaz do Bloco de Esquerda

A aporia do comunismo


A diferença entre, por um  lado, a redistribuição comunista pregada por Jesus —que, segundo Kojin Karatani (1), representa o regresso do reprimido, i.e. de um regime primordial de partilha e troca desinteressada e baseado na reciprocidade, recalcado historicamente, mas também no quotidiano de cada um de nós, sob a forma da contradição, sempre latente, entre vida privada (e familiar) e vida pública— e, por outro, a redistribuição forçada da riqueza acumulada, defendida por Mariana Mortágua (2), é que a primeira corresponde a um ato comunitário, voluntário, ou quanto muito de submissão espitirual à estratégia de uma dada religião, enquanto no segundo caso, resulta de uma expropriação violenta, própria das sociedades com Estado, a qual, no caso da teoria da ação proposta pela deputada do Bloco de Esquerda, ameaça diretamente, não só o regime de troca e acumulação capitalista, mas ainda qualquer forma de sociedade suportada por cidadãos livres—como ficou demonstrado nos destinos que tiveram as experiências marxistas-leninistas na Rússia, na China, ou em Cuba. Esta diferença é crucial para o debate que falta à renovação profunda de que a Esquerda urgentemente precisa de encetar.

O comunismo é um estado social primordial que convive em cada um de nós como um reprimido, e como tal explica a natural pulsão dos mais novos contra a violência do estado, do dinheiro e da lei. A ideologia marxista-leninista (que serviu sobretudo para promover a transição das sociedades predominantemente despóticas e agrárias para o capitalismo industrial) hipostasiou oportunisticamente a ideia de que a utopia comunitária (que Tomás Moro foi curiosamente buscar aos Impérios do Espírito Santo, oriundos das ilhas dos Açores) seria o ponto de chegada de uma sociedade socialista talhada com a foice campesina e o martelo industrial, sob a direção de uma vanguarda intelectual formada na Suíça. Erro crasso! Erro craso que, no entanto, continua a contaminar o pensamento dos nossos PCP e Bloco de Esquerda, como se tem visto no debate fiscal em curso, e no crash de que foi vítima a brilhante deputada do Bloco de Esquerda, Drª Mariana Mortágua.

Já alguém no Bloco, ou no PCP, se perguntou porque reune a Cova da Iria num ano mais peregrinos do que qualquer um destes partidos nas suas eleições e manifestações? (3) Basta pensar nesta avaliação estatística desde a existêncioa destes dois partidos até à sua virtual extinção, que ocorrerá certamente muito antes de um eventual cataclismo que arrase o Santuário de Fátima, para percebermos que a aporia do comunismo não se esgota, nem muito menos se resolve no interior da discussão marxista. Mas lá que discutir o marxismo e pulverizar o marxismo-leninismo (de que o trotskismo foi um epifenómeno cosmopolita) é um desiderato a que não podemos escapar se queremos salvar a Esquerda, lá isso é!

NOTAS

  1. KOJIN KARATANI, The Structure of World History, From Modes of Production to Modes of Exchange. 2014
  2. Mariana Mortágua critica posição do PCP sobre IMI . Antena 1/ RTP1
  3. O Santuário de Fátima recebeu 587.128 peregrinos em 2015. Votaram nas Legislativas de 2015, no Bloco, 550.892 eleitores, e no PCP-PEV, 445.980 eleitores.

Atualização: 29 set 2016 17:02 WET

terça-feira, setembro 27, 2016

Hillary vs Trump


Venha o Diabo e escolha!


(CNN) Hillary Clinton was deemed the winner of Monday night's debate by 62% of voters who tuned in to watch, while just 27% said they thought Donald Trump had the better night, according to a CNN/ORC Poll of voters who watched the debate.

Debate inconclusivo? Ouvi-o esta madrugada. Hillary pareceu, para já, melhor treinada do que Trump. Trump é fanfarrão, não paga impostos e continua a exibir um peluche em cima do crânio, Hillary é uma falcoa perigosa, propensa às pneumonias, que ajudou a meter os Estados Unidos, o Leste Europeu e o Médio Oriente num inferno. A América precisa de uma pausa para lamber as feridas, se quiser retardar ou mesmo infletir a sua manifesta decadência económica, financeira, institucional e moral. Talvez por isto ser assim, os eleitores de um grande país onde prolifera a pobreza e o crime, acabem, no fim da campanha eleitoral, por dar a vitória a Donald Trump. Quem quer que venha a ser  o próximo boss americano, sê-lo-à depois de uma vitória tangencial sobre o adversário.

Sexo, Mentiras e Propaganda




Os cães de Pavlov


Recebi, como é habitual, um email propondo os temas da Política Sueca da semana. Entre estes era impossível escapar ao que se anunciava por toda a imprensa escrita e audiovisual, mesmo antes da coisa aparecer, como o escândalo literário do ano. Tem um título: Eu e os Políticos—o que não pude (ou não quis) escrever até hoje. Tem autor: José António Saraiva, filho de um prestigiado historiador de literatura portuguesa que fora dos primeiros intelectuais a dissidir do PCP. Além de arquiteto, o Saraiva, como também é conhecido, foi diretor do Expresso durante vinte anos (1985-2006), fundador e diretor do semanário Sol durante uma década (2006-2016) e pretende agora, ao que parece, instaurar um novo estilo de retratística política, de pendor essencialmente literário, para não dizer mesmo, libertário. Curiosamente, a biografia de José António Saraiva que podemos ler na Wikipédia não menciona a sua inglória criação do semanário Sol. Tal como Paulo Portas, pretendeu matar o pai, perdão, o Expresso, e também falhou o desígnio.

A propaganda demolidora sobre o livro Eu e os Políticos, ou melhor dito, sobre o seu autor, começara numa bem conhecida orquestra mediática de nome Global Media, dona das publicações de referência, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Açoriano Oriental e TSF, e de mais uma dúzia de publicações menores, como o Dinheiro Vivo, Notícias Magazine, Evasões, ou O Jogo. O que era e é um livro razoavelmente bem escrito e divertido, composto por quarenta e dois incisivos retratos de personalidades conhecidas dos portugueses tornou-se, em menos de 48 horas, num escândalo supostamente erótico cuja velocidade de propagação me fez lembrar os episódios tabloidescos em volta dos videos pornográficos de Tomás Taveira, ou do famoso boato sobre a entrada nas Urgências do Hospital Santa Maria da cantora de uma então famosa 'girl band' depois de uma noite de sexo anal com um jogador de futebol guineense.

Mas como foi possível tamanho embuste sobre uma crónica de costumes que tão bem retrata alguma da gente que há décadas entra diariamente, e por vezes várias vezes ao dia, em nossa casa? Quem montou este circo de pulgas amestradas da opinião mediática? (1)

Não sou leitor de José António Saraiva, até porque deixei de ler regularmente jornais portugueses há uma boa quinzena de anos. Li-o muitas vezes quando ainda comprava semanalmente o Expresso, e sempre gostei da sua prosa enxuta, sintética e assertiva, apesar de nunca me ter interessado muito pela vidinha dos nossos políticos, as suas manias e gritantes limitações intelectuais, resistindo assim, instintivamente, à armadilha telenovelística de tentar perceber o nosso presente e o nosso futuro a partir das intrigas diariamente tecidas pela partidocracia que nos conduziu a um cada vez mais evidente abismo. Prefiro olhar para as tendências que movem as coisas apesar do que dizem fazer os seus declarados, mas quase nunca determinantes, atores e figurantes. “Descobri que a maior parte dos problemas se resolvem por si próprios. Sem ser preciso fazer nada”, terá dito um dia António Guterres a José António Saraiva, encostado a um balcão do Pabe. Frase certamente extraordinária, corroborada, aliás, por algo parecido que outro ex-ministro socialista me confidenciou um dia sobre a impreparação dos governantes portugueses horas antes de qualquer reunião importante em Bruxelas, e que define tão bem, lapidarmente mesmo, a Política à Portuguesa. Se for verdade, como penso que é, esta indolência aparentemente congénita dos nossos políticos nascidos do colapso da ditadura salazarista não deixa de ser um grave obstáculo ao nosso futuro coletivo. Acreditar, praticar e promover este género de indigência abre caminho a que os problemas, por vezes, acabem por resolver-se da pior maneira possível, com trágicas consequências para as suas vítimas, ironicamente as mesmas que elegem regularmente esta espécie de políticos.

Tinha que comentar o livro...

Procurei-o. Primeira tentativa, umas dez livrarias depois, nada. Em desespero de causa telefonei na quinta-feira passada à editora. O livro estava esgotado. Nova edição sairia esta semana. Mas eu precisava de o ler até sábado! Já no Porto, voltei à rua depois de umas dicas da Gradiva. Dirigi-me à FNAC da Rua Santa Catarina. Nada. Apressei-me em direção à Leya, na mesma rua. Nada! Havia ainda naquela zona uma derradeira hipótese: a Bertrand do CC La Vie, na Rua Fernandes Tomás. Deambulei pela livraria à caça do exemplar. Comecei pelas novidades, e nada. Dirigi-me à caixa do estabelecimento para a derradeira pergunta. Uma pessoa na minha frente está a ser atendida. Nervoso, volto a olhar para trás, escrutinando as prateleiras. Mesmo diante do meu joelho, o que não vira antes lá estava: três exemplares da quarta edição do “livro proibido” esperando por leitores tão apressados quanto eu. Paguei o exemplar e comecei de imediato a lê-lo, enquanto me afastava do La Vie em direção a casa (2).

Devorei, enquanto caminhava, os três capítulos mais referidos como prova de que tinha nas mãos o fruto proibido de um ogro literário capaz de violentar sem qualquer pudor a confiança e a intimidade alheias: os retratos dedicados a Miguel e Paulo Portas, e o dramático capítulo sobre Margarida Marante. Não há nada nestes três textos que não seja público e objeto de inúmeras referências e descrições na nossa imprensa, incluindo a imprensa cor-de-rosa, e a de escândalos.

Mas se é assim, que incomodou então tanto a aldeia saloia do nosso jornalismo?

Li o livro de uma ponta à outra. As anedotas e indiscrições que pontuam de cor a escrita minimal de José António Saraiva revelam tão só aparências caleidoscópicas comuns à maioria dos humanos. Nós somos uma espécie de cebolas caracteriológicas e comportamentais. O que damos a ver de nós próprios a toda a hora é sempre uma construção de geometria variável, mais ou menos desnudada, mais ou menos mascarada, ou cuidada, e sempre estratégica, por mais que pensemos o contrário e nos julguemos espontâneos. Isabel Moreira tem tatuado no braço esquerdo o número 080110? Estou a revelar uma inconfidência, ou a devassar a privacidade de alguém? Não, porque a dita cicatriz é pública e frequentemente exibida pela ilustre deputada da esquerda socialista pós-moderna. Apreciei, em suma, a escrita na primeira pessoa, ao mesmo tempo honesta, literariamente cristalina, por vezes cáustica, outras roçando a brejeirice, mas sobretudo com momentos de inesperado humor.

Nada do que li justificaria o alvoroço, salvo... talvez, a incomodidade que o livro terá porventura provocado em Daniel Proença de Carvalho, advogado de José Sócrates, e Presidente do Conselho de Administração da Global Media (ex-Controlinveste), conglomerado empresarial do regime cujas dificuldades financeiras parecem ser óbvias, a avaliar pelas sucessivas e recentes entradas de capital angolano (dezembro de 2014) e chinês (em 2017?) no mesmo. A relação de Proença de Carvalho com o suspeito de corrupção José Sócrates, o papel que este advogado sibilino do regime obviamente desempenha no empório de propaganda que dirige, e as pulgas jornalísticas que mordem à voz do dono, formam uma espécie de orquestra de manipulação do inconsciente coletivo, que é preciso denunciar. O Photomaton de José António Saraiva, ao inscrever esta realidade lamentável em livro, subindo o patamar da sua escrita para as prateleiras das livrarias e bibliotecas, fá-lo certamente, e assim se produziu o mesmo efeito que as campainhas de Pavlov.




NOTAS

  1. A menção reiterada ao estado mental duvidoso de José António Saraiva é um dos principais diapasões porque afinaram várias das crónitas escritas e audiovisuais sobre o livro maldito e o seu autor. Atendendo a que alguns dos escribas e papagaios estabeleceram esta conexão psiquiátrica sem terem declaradamente lido o livro demonstra sem margem para dúvidas o grau de indigência a que chegou uma parte da corporação jornalística indígena. Felizmente que nem todos afinam por este cânone autodestrutivo.
  2. Eu e os Políticos—o que não pude (ou não quis) escrever até hoje compõe-se de 42 retratos de outras tantas personalidades conhecidas da vida política (37), dos negócios (3), da advocacia (1) e dos média (2). Apenas três mulheres constam como personagens desta pequena história (o que dá bem ideia do machismo dominante na vida pública indígena): Margarida Marante, Leonor Beleza e Manuela Ferreira Leite. Há quem tenha direito apenas a duas ou três despiciendas páginas de atenção (Nuno Morais Sarmento e José Pacheco Pereira), e há quem tenha direito a mais: Álvaro Cunhal (um extraordinário retrato realizado em seis páginas), Marcelo Rebelo de Sousa (a radiografia dum presidente traquina), Mário Soares (nove páginas cheias como o personagem), José Manuel Durão Barroso (doze páginas necessárias sobre um transmontano urbanizado em calda maoista), Aníbal Cavaco Silva (a mais longa descrição do político com mais horas de função nas duas mais poderosas posições do poder constitucional), José Sócrates (retrato fatal em 10 pp.), Jorge Sampaio (o 'hipócrita', como o designou Guterres, em 12 páginas), Manuel Maria Carrilho (dos seus hábitos gastronómicos espartanos, à ascensão e queda dum político embrulhado pela imprensa cor-de-rosa— 7 pp.),  António Costa (o Babouche em quatro páginas), e mais alguns...
Atualização: 28/09/2016 10:39 WET

segunda-feira, setembro 12, 2016

No esgoto do jornalismo

Brasão dos Cavacos, por Toyze

Na sombra de Belém, ou do império desfeito de José Sócrates? 

A escrita pavloviana de Miguel Sousa Tavares é um retrato triste da miséria intelectual indígena.


E, enfim, a pergunta que qualquer ser decente se fará ao ler esta longa recriminação: por que razão alguém, assim distratado e publicamente humilhado por quem serviu tanto anos, se mantém em funções, em lugar de se demitir imediatamente?" — Miguel Sousa Tavares, Expresso 10/8/2016

O artiguinho de MIGUEL SOUSA TAVARES sobre o livro de Fernando Lima, Na Sombra da Presidência, Relato de 10 Anos em Belém, termina de forma grandiloquente com uma pergunta supostamente fatal para o autor do livro, mas que, espanto, é respondida logo na Introdução do mesmo.

Ou seja, o Miguel nem sequer folheou o dito!

O artigo é, aliás, um retrato instantâneo disso mesmo: nem uma citação, nem uma observação ou crítica ao texto, ou conteúdo do livro, apenas mais um exercício de demolição de caráter ecoando os latidos do rebanho que ainda não perdeu o hábito da subserviência indigente (parece mesmo que recidiu em todo o seu triste esplendor).

A pena deste marialva da opinião embevecida com a ortografia Salazarista, jornalista de ouvido, populista de meia tijela, herdeiro presumido de genes literários que não lhe foram adequadamente transmitidos, pariu, assim, mais uma peça bimba e pimba de opinião à medida do regime cuja crítica está reservada, acredita a pobre criatura, aos eleitos da sua laia. É caso para sublinhar: leiam o livro de Fernando Lima e coloquem, como sempre, esta página do Expresso por baixo dos pitéus que dão ao vosso tareco.

O ato falhado da notícia do Expresso sobre o lançamento do livro de Fernando Lima diz tudo: em vez de citar o verdadeiro título do livro —Na Sombra da Presidência, ....—, escreveu: "A Sombra da Presidência...".

domingo, setembro 11, 2016

Código de Conduta e corrupção passiva

7 of the most expensive flowers in the world/ Juliet Rose (mnn)

Em caso de dúvida cumpra-se a lei


Se o primeiro ministro António Costa receber um grande ramo de Rosas Julieta quem poderá dizer se houve ou não recebimento ilegítimo de vantagem? O novo Código de Conduta do Conselho de Ministros é omisso. No entanto, a resposta é evidente: o Artigo 372.ª do Código Penal cuja redação em vigor foi publicada em Diário da República a 2 de setembro de 2010.

Já me referi a esta polémica num outro post (aqui), e o essencial é isto:

Existe uma lei do Código Penal que regula claramente este tema:
CAPÍTULO IV
Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas
SECÇÃO I
Da corrupção
  Artigo 372.º
Recebimento indevido de vantagem
1 - O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.

Sobre a latitude de interpretação do ponto 3 do Artigo 372.º posso deduzir da afirmação do constitucionalista Jorge Miranda que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, deveria ter recusado o convite da GALP para viajar por duas vezes a França e aí assistir a jogos do Campeonato Europeu de Futebol. Gostaria, por outro lado, que jurisconsultos iminentes como Paulo Pinto de Albuquerque e Germano Marques da Silva se pronunciassem sobre o que se deve entender por "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes".

Há uma pista que nos permite conhecer antecipadamente o que pensam abstratamente sobre o que parece vago ou ambíguo no já famoso Artigo sobre a corrupção passiva.

Assim, e sobre o Novo Regime Punitivo da Corrupção, na tese de mestrado forense da autoria de Inês Isabel Lopes Nunes, de Março de 2012, orientada pelo Professor Doutor Germano Marques da Silva, lê-se a propósito do famoso 3º parágrafo do Artigo 372º o seguinte:
Este exclui da incriminação dos números antecedentes as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes. 
Quando o legislador previu esta “válvula de escape” pretendeu excluir as ofertas que são costume e tradição no nosso país, aqueles pequenos presentes ou gratificações oferecidos em épocas ou momentos especiais. 
Um exemplo dado pelo Professor Paulo Pinto de Albuquerque é o caso da prenda de Natal oferecida à professora de uma escola primária pública [...]. Esta é uma conduta socialmente aceite, é costume que as crianças naquela época gostem de oferecer uma caixa de bombons ou um perfume à Professora que os acompanha durante todo o ano lectivo. No entanto, o valor deverá ser diminuto, isto é, não excedente a uma unidade de conta* no momento da prática do acto*, pois se oferecer uma jóia cujo valor exceda a unidade de conta já poderá ser considerada a vantagem indevida prevista nos dois primeiros números e consubstanciar, assim, o ilícito.
* 102 euros, em 2016.

Já sobre o novo Código de Conduta aprovado em Resolução do Conselho de Ministros de 8 de setembro de 2016 (PDF), destaco:

— os artigos que definem o valor anual admissível das prendas: 150 euros;
—a quem incumbe ajuizar os eventuais infratores: o primero ministro avalia 'politicamente' o comportamento dos membros do seu governo, os ministros e secretários de estado avaliam os demais (faltando porém saber segundo que poderes, pois não serão certamente políticos);
— a explicitação, enfim, de que existe lei para além do código...

Artigo 5.º
Responsabilidade
1 - O incumprimento das orientações fixadas pelo presente Código implica:
a) Responsabilidade política perante o Primeiro-Ministro, no caso dos membros do Governo;
b) Responsabilidade perante o membro do Governo respetivo, no caso de membros de gabinetes ou de dirigentes sujeitos ao respetivo poder de direção ou superintendência.
2 - O disposto no presente Código não afasta nem prejudica outras formas de responsabilidade, designadamente criminal, disciplinar ou financeira, que ao caso caibam, nos termos da lei.
[...] 
Artigo 8º
Ofertas
2 - Para os efeitos do presente Código, entende-se que existe um condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de bens de valor estimado igual ou superior a € 150.
3 - O valor das ofertas é contabilizado no cômputo de todas as ofertas de uma mesma pessoa, singular ou coletiva, no decurso de um ano civil.
[...] 
Artigo 10º
1 - Os membros do Governo e os membros dos gabinetes do Governo abstêm-se de aceitar, a qualquer título, convites de pessoas singulares e coletivas privadas, nacionais ou estrangeiras, e de pessoas coletivas públicas estrangeiras, para assistência a eventos sociais, institucionais ou culturais, ou outros benefícios similares, que possam condicionar a imparcialidade e a integridade do exercício das suas funções.
2 - Entende-se que existe um condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de convites ou outros benefícios similares com valor estimado superior a € 150.

A publicação deste Código de Conduta peca por tardia. Se já existisse, como devia, ter-se-ia evitado a trapalhada em que se viram envolvidos três secretários de estado. A precipitada resolução do Conselho de Ministros não apaga nem pode desvalorizar os factos que pela sua materialidade poderão, uma vez investigados, suscitar processos-crime contra os membros do governo envolvidos nas viagens pagas pela GALP.

As famosas deslocações e estadias futebolísticas de membros do governo de António Costa estão, para já, protegidas por uma espécie de silêncio pesado. Se morrer desta forma não deixará ser uma facada mais na honorabilidade do regime.