sábado, dezembro 17, 2005

Cavaco Silva 5

O Centro Inteligente


As sondagens vêm confirmando aquilo que toda a gente já sabia: o centro social e político do País está farto dos partidos que formam o arco do poder, e acha que os ditos são largamente responsáveis pelo actual estado de coisas. As acções, as omissões e sobretudo a irresponsabilidade do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, mas também a permanente estupidez analítica e o comodismo das oposições (do PCP ao PP, passando pelo Bloco), permitiram que alguns se servissem indecentemente das riquezas à mão de semear (Orçamento de Estado e Fundos Comunitários), sem a contrapartida de organizarem o país para os desafios que, todos sabiam, a integração europeia e a globalização iriam impôr.

O estado actual da nossa comunidade não deixa pois de ser paradoxal: temos uma democracia de pleno direito, temos partidos da situação e partidos da oposição, temos liberdade de imprensa, estamos integrados numa vasta associação de nações e Estados (seguramente a mais rica e a mais democrática do planeta), mas Portugal encontra-se à beira da falência económica, sem Justiça que funcione, com as corporações à solta, sem uma classe política comprometida com o seu País, sem lucidez, sem estratégia. O centro, o centro inteligente, faz o que pode, votando à “esquerda” (PS) e à “direita” (PSD), na busca incessante de alguém que tenha a inteligência, a vontade e a coragem de enfrentar simultaneamente a sonolência nacional e os poderes ilegítimos, em nome, já não digo de um sonho, mas tão só de uma visão realista dos nossos deveres, dos nossos interesses e das nossas reais potencialidades. O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. Poderão Cavaco Silva e José Sócrates dar uma ajuda neste transe? Creio que o sentido de voto do centro inteligente alimenta, pelo menos, essa esperança desesperada!

A aposta actual dos eleitores não é pois uma aposta na Esquerda ou na Direita (de que nos rimos todos), mas uma aposta de confiança pessoalmente depositada, outrora em António Guterres, e agora em José Sócrates e Cavaco Silva. Os portugueses esperam sobretudo decisões corajosas, transparência, uma estratégia clara para Portugal e uma autoridade sem hesitações na aplicação dos programas e das leis. Se estes dois políticos tiverem a coragem e a lucidez de seguirem este caminho, o povo não lhes faltará. Mas atenção: há que apertar desde já o freio à corrupção e ao caciquismo que campeiam impunemente pela estepe lusitana!

Ao contrário do que dizem por aí, o nosso futuro não é o Turismo, ou pelo menos não será o turismo de massas, porque este não resistirá ao colapso energético que se aproxima. O nosso futuro passa, neste aspecto particular, por oferecer aos futuros residentes fugidos das crises energéticas, climáticas e bélicas de outros países, um refúgio ecologicamente remendado, com uma relativa autonomia energética e alimentar, pacífico e capaz de vigiar as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas.

O ano de 2007 poderá trazer notícias muito más nos planos energéticos e imobiliário, com consequências inimagináveis no que se refere ao agravamento do desemprego, do ritmo das falências empresariais e do crescimento das nossas dívidas, pessoais e nacionais, internas e externas. É por isso que as aventuras da Ota e do TGV poderão afocinhar muito antes de começar. É por isso, insisto, que as nossas prioridades estratégicas passam por assegurar, doa a quem doer, segurança energética e alimentar. É por isso que o famoso plano tecnológico não poderá ser mais uma anedota política e um mero pretexto para desviar e desbaratar os fundos nacionais e comunitários. A nossa inteligência, o nosso conhecimento e os recursos financeiros disponíveis devem confluir nos três objectivos estratégicos prioritários mencionados: autonomia energética, autonomia alimentar e capacidade de vigiar e controlar as nossas fronteiras, sobretudo marítimas.
Precisamos de diminuir o desperdício energético em todos os segmentos da nossa actividade. Precisamos de reformar imediatamente o modelo de financiamento das autarquias locais (elos essenciais da sustentabilidade que teremos que adoptar mais cedo do que pensavamos). Precisamos de lançar um vasto movimento agrícola de proximidade, que inclua, entre outros objectivos imediatos, a recuperação radical das cinturas verdes de todos os aglomerados urbanos com mais de 10 mil habitantes e um vasto plano educacional dirigido a toda a população. Precisamos de recuperar e estimular os circuitos de distribuição local, apoiando-os, desta vez, contra as condenadas mega-superfícies que quase destruiram o comércio (e a produção) local e nacional deste País. Precisamos, finalmente, de atrair conhecimento e financiamentos externos, dando como contrapartidas efectivas um período de 20 anos de isenção de impostos e um quadro legislativo que aponte sem ambiguidades para um modelo de sustentabilidade ecológica à escala nacional.

Aos meus concidadãos um conselho de Natal: gastem pouco (nada de telemóveis novos!) e sobretudo apostem no comércio de proximidade. Se tiverem uns dinheiritos poupados, não o desbaratem em planos de poupança cantados pelas sereias bancárias, mas antes na compra de terra, de terra agrícola, se possível perto de onde vivem. Depois vão pensando em frequentar uns workshops sobre a origem dos nossos alimentos. Por exemplo, os mini cursos de jardinagem promovidos pelo Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa (contacto: Enriqueta Coelho). Além de divertidos, ser-vos-ão muito úteis no futuro que ainda conhecereis.

Bom Natal!

Post Scriptum (24 dez 05) — Que se passa na cabecinha deste Primeiro-Ministro? Desatou a despachar compromissos irrealizáveis: Ota e TGV. Desdiz por dá cá aquela palha as posições do PS sobre uma questão energética tão sensível como a anunciada barragem do rio Sabor (depois da campanha que alimentaram contra Foz Coa). Atropela uma ministra no fim-de-semana, em nome de um acordo obscuro com um putativo benemérito das artes (algum melro lhe anda a dar muito maus conselhos...). Em suma, autoriza ou pressiona o seu ministro das obras públicas a fazer sucessivamente uma figura cabotina no dossier dos transportes (a última pessegada foi esconder do festival burlesco da Gare Marítima um estudo fundamental da ANA, realizado em 1994, sobre as alternativas possíveis para o novo Aeroporto Internacional de Lisboa). Como se isto não bastasse, o dossier tecnológico, objecto de encenações igualmente festivas, continua encalhado no jogo do empurra, afundando ministros e sucessivos responáveis que não chegam a sentar-se no lugar. O famoso plano foi agora chamado para a área de competência directa do Primeiro Ministro. Que sucederá quando voltarmos a perceber que não há nenhuma ideia decente para o mesmo? Entretanto, o essencial, i.e. a defesa imediata da nossa autonomia energética, alimentar e territorial, parece um assunto ausente da agenda de Sócrates. Grave! Muito grave, Senhor Primeiro Ministro! Talvez venha a tombar da sua cadeira por causa de tamanha distracção. E já agora, mais um aviso: não antecipe decisões cuja importância crucial para o País merecem, e sobretudo precisam, de um bom entendimento entre o Governo e o futuro Presidente da República. Quem avisa, seu amigo é...

Post Scriptum (20 dez 05) — Não gostei nada do modo obcecado como Soares atacou Cavaco no debate desta noite. Fez um triste papel de demagogo barato, de agressor indelicado e de velho senil (é preciso dizê-lo!), agitando espantalhos ridículos sobre a perigosidade de Cavaco Silva e lançando suspeitas indecentes sobre a legitimidade democrática das eleições que aí vêm. Não disse nada sobre o futuro (seguramente, porque não pensa fazer coisa alguma), enquanto o seu adversário explicou pacientemente como espera não defraudar os seus eleitores, se for eleito. Cavaco já disse que não vai cortar fitas, nem deixar os Governos, a Assembleia da República e os Tribunais descansados na doce incompetência que conduziu o País ao lamentável estado de irresponsabilidade, corrupção e indecência em que se encontra. Toda a gente percebeu há muito o que ele pretende, menos os candidatos que se lhe opõem. Repito: a sua eleição é a melhor notícia que os eleitores poderão dar a Sócrates na longa e dolorosa caminhada que o espera nos próximos três anos.

O-A-M #100 17 DEZ 2005

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Aeroportos 7

Governo omite relatório da ANA de 1994

No Prós e Contras de 28 de Nov assistimos a um debate mascarado sobre a Ota e o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), onde, de um lado, havia um ministro a favor, que já tinha sido contra, um esfíngico Fernando Pinto, que por razões óbvias nunca poderia estar contra o NAL, um protagonista claradamente contra, basicamente por ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e um professor universitário, José Viegas, grande especialista de transportes, que embora sentado no banco dos "contra", estava, afinal, a favor.

Se isto é um painel isento para discutir a Ota, vou ali e já venho! 

Segundo todos puderam facilmente deduzir das palavras expeditas do ministro (incluindo José Viegas, que protestou), o dito catedrático estaria na calha de previsíveis encargos governamentais sobre a matéria em litígio. Também ficámos a saber que para o ministro Lino, o NAL pretende afinal ser o NAP (i.e. o Novo Aeroporto de Portugal). Por outro lado, ninguém explicou como se farão, quanto custarão e quem pagará as novas acessibilidades (ferroviárias e rodoviárias) da Ota até Lisboa. Como não explicaram como se fará a ligação do TGV Badajoz-Lisboa ao atoleiro da Ota. Mais importante do que tudo isto, ninguém explicou qual o valor objectivo das previsões realizadas pelos estudos encomendados pelo Governo sobre o aumento de tráfego aéreo nos próximos dez a quinze anos. Eu, por mim, creio que estão completamente inflacionadas. Não se vê como possa manter-se uma tão elevada taxa de crescimento de movimento de aviões e número de passageiros com a economia portuguesa em estado pré-comatoso, com as profundas e duradouras divergências instaladas no seio da União Europeia (nomeadamente no que toca ao Fundo de Coesão), com a crise energética e de matérias primas fundamentais pré-instalada à escala mundial, com algumas pandemias letais prestes a explodir e com a crescente instabilidade militar internacional. Eu, de facto, apenas vejo um horizonte bastante negro no sector do transporte aéreo internacional. Ou seja, creio que a prudência é a melhor conselheira para os cenários que possamos adivinhar relativamente ao futuro NAL. Neste sentido, volta a estar na ordem do dia a hipótese Portela+1, que no caso de um estudo da ANA de 1994, omitido pelo actual governo e pelo impreparado Prós e Contras da RTP, aponta precisamente para a hipótese Portela +Montijo como solução mais natural e óbvia para um desenvolvimento sustentado e prudente das capacidades aeroportuárias da grande Lisboa. De facto, a localização da Ponte Vasco da Gama aponta de forma muito clara para esta solução! 

Notas finais: 

1) Alguém contabilizou o rombo ambiental e os custos da movimentação de terras necessário a dar alguma possibilidade técnica à hipótese da Ota? Pois leia-se este estudo da Parsons e meditemos...

2) Fazendo uma análise de divã ao debate do Prós e Contras sobre a Ota, chego à conclusão surpreendente que o actual Governo pretende apenas salvar a face relativamente ao seu compromisso eleitoral de avançar para a Ota. Na realidade, as suas decisões efectivas vão noutra direcção: dar prioridade ao TGV Madrid-Lisboa (e por conseguinte a uma nova travessia do Tejo) e dar, depois, prioridade ao TGV Porto-Lisboa (reforçando a função de Pedras Rubras como aeroporto do Noroeste Peninsular). Ora realizar estas duas ciclópicas tarefas (pois estamos a falar de um país em estado de recessão, que pode entrar mesmo em fase de estagnação prolongada ao longo dos próximos 4 anos ou mais) é já muito mais do que poderemos esperar deste e do próximo governos. No fundo, Sócrates, como opinei há algum tempo atrás, diz que sim à Ota, sabendo que a sua inviabilidade económica de facto se encarregará de afundar o propósito, para alívio de todos nós!

Link (15-12-2005) - artigo de Rui Rodrigues sobre o TGV 
Última hora! O-A-M #99 01 dez 2005

quarta-feira, novembro 23, 2005

Aeroportos 6

A profecia da Ota

22 de Novembro de 2009. Primeira Ministra anuncia abandono definitivo do aeroporto da Ota depois de o barril de crude ultrapassar esta semana a barreira psicológica dos 150 Euros. Perante a situação catastrófica da economia mundial, a iminência de um conflito internacional de larga escala (devido ao alastramento das tensões e provocações militares que envolvem os Estados Unidos e Israel, de um lado, e o Iraque, Irão, Síria, Arábia Saudita e Iraque, do outro), as pandemias provocadas pelos virus H5N1 e HIV, a falência técnica iminente do nosso sistema de saúde e previdência social, e a queda súbita do tráfego aéreo mundial de pessoas e mercadorias, o Governo anunciou uma medida há muito esperada: o abandono definitivo do aeroporto da Ota. Resta agora saber se o Governo irá ou não responsabilizar os autores desta caríssima aventura política. Entretanto, estudos recentes consideram que os remodelados aeroportos da Portela e de Pedras Rubras, devidamente apoiados pelas pistas do Montijo, Tires e Alverca, são mais do que suficientes para atender à actual emergência mundial, permitindo a chegada e acolhimento das centenas de milhar de pessoas que de África, Brasil, Estados Unidos e China demandam o nosso País, seja para restabelecer as suas vidas, seja em trânsito para outros países europeus.
Alguma bibliografia de leitura obrigatória sobre este tema Maquinistas.Org: O mais sistemático repositório de informação sobre este assunto. A FAVOR: Estudos promovidos pela NAER Portela, Ota e Rio Frio. Novo aeroporto, sim ou não? por João Moutinho CONTRA Investimentos Megalómenos (.pdf) Será viável o aeroporto da Ota? (.pdf) por Rui Rodrigues Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro. por Victor Silva Fernandes A eminência do desastre técnico e económico. O parâmetro enjeitado e a pedra angular José Krus Abecasis, Major-General, Força Aérea Portuguesa Ota inviável por Antonio C-Pinto Última hora! O-A-M #98 23 Nov 2005

domingo, novembro 13, 2005

Aeroportos 5

Levianamente pró-Ota

Comentário de um Anónimo: (...) 

Onde se situa maioritariamente a população portuguesa, a Sul do Tejo ou a Norte? Se o aeroporto se situar longe do centro de gravidade populacional isso não irá obrigar a um maior número de deslocações, isto é, não perderemos todos, não teremos maiores custos de deslocação, mais gastos de combustível, maiores impactos ambientais? Sendo impensável nos dias de hoje construir um aeroporto que não seja servido por um transporte de massas de tipo ferroviário, não será rentabilizador que o shuttle do aeroporto utilize a mesma infraestrutura do TGV, o qual deverá obrigatoriamente (...) ligar as duas maiores concentrações urbanas portuguesas, Lisboa e Porto? Claro que um aeroporto situado na Ota vai tornar absurdo que se voe entre Lisboa e o Porto, mas isso não será uma vantagem decorrente da própria existência do TGV? O TGV foi criado precisamente para substituir o avião nas ligações de curta/média distância. O ambiente ganhará com isso, a comodidade dos utilizadores também (...) 

RESPOSTA 

Talvez alguém queira responder a estas objecções. Seja como for, creio que a presumível existência de um lobby pró-Rio Frio, com interesses instalados na região, não desculpa os fundos de investimento imobiliário que presumivelmente realizaram já avultadas apostas na Ota (pressionando presumivelmente os governos de turno para a consumação da prometida aventura). Aliás, o modo ligeiro como José Sócrates tem vindo ultimamente a abordar o binómio Ota TGV pode muito bem vir a custar-lhe caro no futuro. Os erros da Administração, quando se devem à teimosia irresponsável e leviana dos governantes (sobretudo quando foram atempadamente avisados), devem ser pagos por quem os comete, e não pelo consumidor anónimo. Cá estaremos para contabilizar os dividendos e as perdas — no momento próprio. 

A mim parece-me evidente que na hipótese, que todos parecem partilhar pacificamente, de o tráfego aéreo continuar a crescer de forma sustentada ao longo desta e da próxima década (do que duvido seriamente), então um novo aeroporto na margem Sul do Tejo faria todo o sentido, por contraposição à hipótese da Ota. Vejamos porquê: 

1. A opção da Ota reduzirá o aeroporto Sá Carneiro a um aeródromo local. Pelo contrário, um aeroporto na margem Sul do Tejo, permitiria elevar o aeroporto da Maia à condição de verdadeira interface aérea regional do Noroeste peninsular. 

2. A opção da Ota é tecnicamente arriscada devido às características climáticas da zona (nevoeiros intensos e quase permanentes nos períodos de maior tráfego aéreo). Implica correções topográficas de grande envergadura, caríssimas e obviamente atentatórias do ambiente. A margem Sul, de Lisboa a Setúbal, pelo contrário, oferece alternativas mais amenas, menos caras e menos conflituosas com o meio ambiente. 

3. A opção da Ota inviabiliza uma ligação ferroviária rápida e limpa (bitola europeia) entre Lisboa e Madrid. Hoje em dia continuamos a precisar de oito horas para chegar a Madrid por via férrea, e as mesmas oito horas, se optarmos pelos autocarros que saiem da Gare do Oriente! Ora nada poderá acelerar melhor as sinergias económicas entre os dois países do que o fortalecimento da conectividade entre as duas capitais ibéricas. Mas para tal precisamos de garantir uma ligação ferroviária rápida entre as duas cidades, quer dizer, entre a Atocha (ou a Estación del Norte) e a Gare do Oriente. Uma ligação que transporte de hora a hora pessoas e mercadorias entre uma Comunidad de Madrid, com cinco milhões de habitantes, e a Grande Área Metropolitana de Lisboa, a caminho dos três milhões. O TGV entre Lisboa e Madrid, e uma linha férrea para transporte de petróleo (cada vez mais caro) de Sines para a nova refinaria da Extremadura espanhola (já decidida pelo Governo Espanhol e aceite pela Junta de Extremadura), são duas condições básicas para o desenvolvimento fluído das novas relações entre Portugal e Espanha. E seguramente também um bom seguro de vida para a ameaçada unidade interna do Estado Espanhol. 

4. O fortalecimento do eixo Porto-Vigo, como espinha dorsal do projecto perfeitamente alcançável, de elevar o Grande Porto à condição de capital estratégica do Noroeste Peninsular, só poderá ter pernas para andar se, entretanto, for claramente fortalecida a ligação entre as duas capitais ibéricas. 

5. Finalmente, por ser cada vez mais evidente a aproximação de um cenário global de crise económica, política e militar, provocado sobretudo pelo pico da produção petrolífera mundial, parece-me que a própria hipótese de se vir a construir um novo aeroporto internacional com as ambições da Ota (ou de Rio Frio) está, irremediavelmente, em causa. Uma ligação ferroviária rápida entre Lisboa e Madrid, para passageiros e carga, e uma linha férrea eficiente entre Sines e a futura refinaria na Extremadura espanhola, associadas a uma estratégia de ampliação/actualização dos aeroportos da Portela, Alverca, Montijo e Tires, são opções mais do que suficientes para as nossas reais necessidades num horizonte de 20-30 anos. 

O País terá que se adaptar rapidamente a uma estratégia de mitigação dos efeitos catastróficos do encarecimento exponencial das energias fósseis como o petróleo, o gás natural e o carvão. As boas ligações a Espanha e à Europa são importantes. Mas ainda mais importante, será lançarmos ao longo da presente década um verdadeiro plano de emergência energética e alimentar, e acautelarmos sem hesitações o controlo apertado das nossas águas territoriais e espaços aéreos, protegendo os respectivos recursos marítimos, monitorizando rigorosamente o tráfego civil e militar. Por estas razões, que são fortes, a opção da Ota não passa de uma imbecilidade estratégica, contra a qual esperemos que não seja necessário organizar um levantamento cívico nacional! 

Última hora! O-A-M #97 12 Nov 2005

quarta-feira, novembro 09, 2005

Paris a arder

Recolher obrigatório para os adolescentes

Paris, Nov 2005. Christopher Ena/APNão tardará que as demais comunidades encurraladas pela estupidez capitalista -- a célebre mão invisível do mercado global -- sigam o exemplo dos arrabaldes de Paris e dos demais subúrbios franceses. A situação é explosiva em todos os países capitalistas que abriram oportunisticamente as suas portas a uma imigração sem regras e quase sempre clandestina, e que se vêm agora perante um arquipélago de becos sem saída. No fundo, os imigrantes, explorados e olhados de soslaio durante trinta anos por essa Europa fora, voltam agora a ser os primeiros a sofrer os efeitos da deslocalização massiva de capitais e mercados para a China, para a India e para outros mercados de mão de obra barata (quando não mesmo de semi-escravatura) emergentes. O neo-colonialismo não subsiste apenas nas ex-colónias europeias, mas como ficou agora demonstrado, no interior dos próprios países europeus, onde alguns milhões de imigrantes começam a descobrir até que ponto o beco sem saída onde se encontram é uma consequência indesmentível do próprio colonialismo, que julgavam desaparecido.
Só depois de percebermos o cerne desta questão, poderemos partir para as interpretações mais maniqueístas, que vêm a mão tenebrosa de Bin Laden e o fundamentalismo islâmico como causas de todas as crescentes dificuldades do Ocidente. Não são. O que não quer dizer que não aproveitem as oportunidades que vão surgindo. E o rastilho que pegou nos subúrbios de Paris, podendo alastar a toda a Europa (e não só) mais cedo e rapidamente do que a tão temida pandemia gripal causada pelo virus H5N1, é provavelmente a maior ameaça à estabilidade das democracias ocidentais surgida depois do 11 de Setembro e da entrada da China na Organização Mundial de Comércio (WTO). A guerra do Iraque, precipitada calculisticamente pelos estrategas dos EUA, foi, por outro lado, uma terrível acha para esta fogueira civilizacional
As democracias do bem-estar social estão irremediavelmente ameaçadas pelo fim dos combustíveis fósseis baratos, pelas guerras que lhe estão e estarão associadas ao longo das próximas décadas, pelas deslocações massivas de capitais para as regiões mais populosas, miseráveis e autoritárias do planeta (sem nenhum pudor pelos atentados aos direitos humanos), pela concentração sem precendentes da riqueza mundial nas mãos de um punhado de imbecis, pelas tensões raciais e étnicas que tenderão a espalhar-se como gasolina ateada, pelo congelamento preventivo de um número crescente de liberdades e garantias duramente conquistadas ao longo dos últimos 250 anos, pelo esgotamento dos actuais modelos de representação e exercício do poder democrático e ainda pela corrupção que atinge zonas impensáveis da chamada classe política.
Não sei se ainda iremos a tempo de salvar a utopia. Sei, em todo o caso, que tal possibilidade implicaria sempre sermos capazes de levar a cabo uma nova revolução, desta vez em nome da pura sobrevivência da dignidade humana. Chamemos-lhe, para já, a Revolução da Sustentabilidade.

O-A-M #96 09 Nov 2005

domingo, outubro 30, 2005

Propriedade e roubo

Corruptus Lusitanus

Enquanto não virmos um político, um banqueiro, dois ou três presidentes de câmara e um ou outro alto dirigente do futebol na cadeia, o nosso País não acredita que a Justiça seja igual para todos. Foi também assim em Espanha, até que os casos Filesa, Rumasa, Banesto, com o rol de personalidades a contas com a Justiça —Jesús Gil y Gil (alcaide de Marbella e dirigente do Atlético de Madrid), Luís Roldán (antigo chefe máximo da Guardia Civil), Mario Conde (o mais famoso banqueiro e yuppy da España durante a primeira era PSOE) e Mariano Rubio (nada mais nada menos do que o governador do Banco de Espanha, apanhado nas malhas do caso Iberdrola)— mudaram a percepção pública da efectividade da Lei na monarquia espanhola.

Eu vivia na Corunha quando um famoso humorista e uma não menos famosa cantante, ambos adorados pelos respectivos públicos, foram entalados publicamente pela Hacienda, por causa dos milhões de pesetas devidos ao fisco. E também assisti ao diz que diz sobre a intocabilidade de gente tão rica e poderosa como era então Mario Conde (que acabaria por ver a sua pena de prisão agravada de 10 para 20 anos). As coisas mudaram de facto. O que não significa que a corrupção e as facilidades fiscais se tenham esfumado de vez no país vizinho. Mas que o cutelo da Justiça pode mesmo cair sobre o pescoço de qualquer cidadão (salvo o Rei, creio) independentemente da sua notoriedade institucional, pode, pode!

Em Portugal, a abundância de casos que, tresandando a corrupção e impunidade, dizem respeito a políticos profissionais, ou agora, a poderes fácticos só aparentemente acima de toda a suspeita (a banca e os seus impenetráveis fundos de investimento), está, de facto, a apodrecer o país. Sucede que quem tem as polícias e os juízes nas mãos é o Partido Socialista, ou melhor dito, algumas pessoas desse partido respeitável. No caso da Justiça, o chamado episódio de Macau seria suficiente, em qualquer democracia digna desse nome (por exemplo, e apesar de tudo, nos Estados Unidos), para levar o respectivo ministro a demitir-se. Temo bem que entre nós o caso seja abafado por uma série de cortinas de fumo acenadas com muita determinação pelo nosso Primeiro. É pena, e um sinal preocupante de que afinal os juízes sempre têm razões de sobra para afirmar que a sua greve é uma forma de defender o prestígio e a independência da sua função de soberania.

O nosso Estado caminha a passos largos para a insolvência. Em breve, depois de ter vendido não apenas as jóias, mas boa parte da propriedade pública mais inalienável (os baldios municipais, a água e a luz), entregar-se-à, como qualquer vulgar toxicodependente, à espiral dos impostos directos e indirectos. Tudo isto acontecerá no meio de uma balbúrdia crescente de casos e contra-casos policiais, fogos postos, raptos, chantagens e o mais que se verá. Não é demais lembrar, antes de chegarmos a este previsível coma terminal, o que sucedeu um dia aos habitantes da ilha de Páscoa, ou o que está neste momento a suceder aos pobres habitantes do Zimbabué do Sr Mugabe. Talvez seja mesmo o momento de saber com que políticos podemos contar.

O-A-M #95 30 Out 2005

Aeroportos 4

A antecipação criminosa da estratégia da Ota

No Expresso (Economia & Internacional) desta semana podem ler-se quatro linhas tão enigmáticas quanto preocupantes: "TGV perde para OTA. O Governo decidiu atrasar o projecto do TGV de forma a dar prioridade à construção do aeroporto da OTA". Nem mais uma letra! Segundo um SMS enviado por Rui Rodrigues, a descodificação da notícia é a seguinte: Governo quer adiar TGV por 5 anos ou mais, para adjudicar a OTA, pois dar prioridade ao TGV Lisboa-Badajoz seria um check-mate à OTA.

Numa palavra, Sócrates, fintado pela escumalha partidária na questão das reformas dos autarcas, parece agora inclinado para outra ingenuidade (que lhe irá sair muito cara): boicotar a próxima cimeira luso-espanhola em benefício do omnipresente lobi da Ota (o polvo tem já seguramente alguns tentáculos a mexer em Bruxelas.) Se o Primeiro-Ministro se der ao trabalho de perder uma hora da sua pesada agenda para ler as críticas fundamentadas que têm sido feitas ao erro da Ota, sem filtros, com os seus próprios olhos, perceberá que o único argumento actualmente existente a favor do inviável aeroporto internacional da Ota é a rede de interesses que em seu redor foi sendo tecida ao longo da última década (1). Não há nenhum argumento técnico sólido. Não há nenhum estudo de viabilidade económica minimamente decente. Não há nenhum relatório sobre impactos ambientais que resista a dez minutos de contraditório. E sobretudo, Senhor Primeiro Ministro, em nenhum caso se teve ou está a ter em conta os efeitos catastróficos que a chegada iminente (2006-2025) do pico mundial da produção petrolífera --e, por conseguinte o início do declínio irreversível e insubstituível da sua exploração comercial--, irá ter na economia global, começando pela hecatombe que provocará no sector dos transportes, o qual consome, grosso modo, 2/3 do petróleo necessário à economia dos países industrializados.

Se as obras de terraplanagem algum dia vierem a ter início, de uma coisa deveremos desde já estar seguros: o dito Aeroporto Internacional da Ota jamais será concluído. Muito antes das datas previstas, nos cenários pró-Ota, para a sua inauguração --2017-2018--, Portugal ver-se-à na contingência de ter que redesenhar dramaticamente as suas prioridades de desenvolvimento (ou melhor dito, de sobrevivência). A brutal crise energética chegará muito mais cedo do que se prevê. E antes dela (ainda na vigência do actual governo) chegará também um mais do que provável "crash" imobiliário. Sem precisar de consultar cartas astrológicas, um número crescente de especialistas vem advertindo os governos de todo o mundo para o que se poderá passar num planeta subitamente consciente do declínio acelerado e irreversível das suas duas principais fontes energéticas: o petróleo e o gás natural. Mitigar este cenário mais do que certo exigirá avultados investimentos públicos e privados, que serão tanto maiores quanto mais próximos estivermos do colapso energético global.

A prioridade das prioridades, em Portugal, como em toda a Europa, é criar uma rede capilar de transportes rodoviários, ferroviários, marítimos e aéreos altamente sustentáveis, divergindo rapidamente da dependência exclusiva dos combustíveis fósseis. Os Estados deverão concentrar-se na construção muito dispendiosa destas infraestruturas (e no apoio à investigação científica e tecnológica apropriada), deixando aos privados o papel de explorar, em regime de concorrência vigiada, o correspondente material circulante: camiões, comboios, barcos e aviões. O transporte individual tal como o conhecemos hoje desaparecerá muito rapidamente, devido aos custos insuportáveis de veículos e combustíveis, mas também devido à insolvência de milhões famílias por essa Europa fora.

A segunda prioridade inadiável é a autonomia alimentar local. Temos que reconstruir rapidamente as cinturas verdes das cidades com mais de 100 mil habitantes, tendo como objectivo inegociável a criação de capacidades básicas de auto-abastecimento alimentar.

A terceira prioridade é parar imediatamente com a actividade imobiliária especulativa, interrompendo pura e simplesmente toda a actividade de construção civil desnecessária. Os recursos técnicos, logísticos e humanos até agora empregues nesta actividade inútil e tonta deverão ser desviados para a consecução das grandes obras de infra-estruturas prioritárias a serem lançadas imediatamente como vértice fundamental de uma estratégia de mitigação da aproximação do "crash" energético.

A quarta prioridade é reorganizar radicalmente o actual aparelho de Estado, eliminando tudo o que for dispensável. Precisamos de um Estado de Emergência. Mais vale perceber isto agora, do que esperar por uma metamorfose repentina, anárquica, tumultuosa e violenta.

A quinta prioridade é relançar a Democracia. Precisamos, como condição de sobrevivência, de uma democracia participativa, muito bem informada e responsável. A endogamia, essa espécie de degenerescência genética que atacou precocemente a República, tem que ser rapidamente superada. Limitação de mandatos, regras anti-compadrio muito claras, avaliação sistemática das carreiras públicas, limitação estrita dos cargos de confiança partidária no aparelho de Estado e empresas públicas, transparência fiscal, transparência administrativa e transparência política são as adaptações culturais do sistema que todos esperamos ver implementadas nos próximos 4-5 anos.

Com tanto que fazer, não dá para tolerar um governo adormecido na sua própria incompetência e vaidade. Senhor Sócrates, no dia em que tiver que voltar atrás na palavra agora dada sobre a idiotia da Ota, o seu Governo cairá, esteja Cavaco ou Manuel Alegre na Presidência da República.


NOTAS
  1. "JORGE Coelho deverá levar a Conselho de Ministros, já em Janeiro, as propostas para abertura dos concursos internacionais que permitirão construir o aeroporto da Ota e o TGV entre Lisboa e Porto. O ministro já começou a efectuar contactos no sentido de «reunir o maior consenso possível à volta destes projectos», nomeadamente de João Soares e de outros defensores da manutenção do aeroporto da Portela, bem como dos sectores empresariais do Norte." --in Expresso, 27-11-1999

Sobre a actual crise energética e o caos que se avizinha.
Estado de Emergência
The Hirsch Report
Limits to Growth, The 30-Year Update
Última hora!

O-A-M #94 30 Out 2005