sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Maiorias absolutas 2

a rose is a rose

O PS a umas horas da maioria absoluta tem pela frente o terrível desafio da verdade, sobre a qual nenhum manto diáfano poderá amaciar a crua realidade das nossas dificuldades.


As últimas sondagens dão uma probabilidade altíssima à maioria absoluta do PS. Mas também dão grandes resultados ao PCP, e sobretudo ao Bloco de Esquerda, que, empatados, andarão à roda dos 7% cada um. Os partidos do Governo demissionário afundam, como se esperava, e Paulo Portas poderá muito bem avançar para uma cisão a prazo do PSD, levando consigo Pedro Santana Lopes e a sua pandilha (autarcas incluídos).
Mas como avisam Medina Carreira, Silva Lopes e Miguel Cadilhe, entre outros, a coisa não está para brincadeiras. O Estado da endogamia perdulária, da preguiça, da irresponsabilidade e da subsídio-dependência tem que dar lugar, quanto antes, a um Estado mais elegante e sobretudo mais eficiente. Os que pagam impostos não estão dispostos a suportar o descanso medíocre de quem não trabalha porque prefere a bicha dos subsídios e das bolsas sem fim. O Estado tem que se ater apenas ao que é essencial, e de forma diligente, poupada e eficaz. Temos todos que saber transformar o desemprego em desemprego criativo, i.e. em actividade e investimento. Por exemplo, um desempregado (porque perdeu o emprego, ou porque ainda não encontrou o seu primeiro posto de trabalho) poderia exercer a actividade para que está preparado a troco de um simples per diem e de um crédito de horas, cuja cobrança em tempo ulterior seria garantida por um banco de horas devidamente avalizado pelo Ministério das Finanças. As empresas, por sua vez, poderiam recorrer a empréstimos de horas de trabalho, dispondo assim de uma modalidade suplementar de financiamento das suas actividades. Em suma, tal como sucedeu na Argentina, temos que nos virar, e já! O próximo Governo, por si só, não poderá, mesmo que queira, resolver em tempo os gravíssimos problemas que temos pela frente. A herança, que dura desde a India, acabou. Precisamos, pela primeira vez, de trabalhar. E o primeiro passo a dar, da responsabilidade do futuro Governo PS, é moralizar a cidadania, acabar com as mordomias escandalosas e promover um Estado eficiente. Boa sorte Sr. Engenheiro!
PS — Só mais um aviso: a maioria absoluta é mesmo necessária à estabilidade relativa de que necessitamos para levar o nosso destino a bom porto. Está muito perto de realizar-se, mas ainda falta votar...

O-A-M #70 18 Fev 2005

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Bloco útil

simbolo IV Internacional

Debate televisivo.
Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação.


Regressei hoje de Madrid depois de uma semana algo agitada. A ETA fez explodir um engenho propagandístico a uns trezentos metros da porta principal do Recinto Ferial de Madrid, ferindo quarenta e duas pessoas com estilhaços provocados pela onda de choque. Ardeu por completo um dos arranha-céus emblemáticos da cidade (o edifício Windsor). PSOE e PP comungam argumentos e arengam picardias em volta das vantagens de votar Sim no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu, que terá lugar este Domingo. Os canais públicos e privados de televisão continuam a dedicar-se entusiasticamemte ao tele-lixo. A Gran Via tem cada vez mais putas e chulos africanos e latino-americanos. Os asiáticos, sobretudo chineses, continuam, como formiguinhas, a construir a China Town Madrid. A feira de arte continua no impasse. O El País dedicou duas páginas à crise portuguesa (adoram as nossas depressões!) Em suma, os restaurantes étnicos começam finalmente a oferecer alternativas decentes aos eternos calamares fritos andaluzes, à paelha valenciana, ao pulpo galego e à tortilha espanhola. Escutando uma conversa de Metro, fiquei a saber que, afinal, o alcoviteiro Santana não passa dum homossexual recalcado. A prova estaria nas tareias que o citado teria dado em todas as mulheres que foram ao castigo, excepto uma, que lhe partira o braço. “Está provado!” assegurava furiosamente o português pequenino à que parecia ser sua esposa, de meia-idade, bem fornecida de carnes, de peles e de muita laca, no regresso acalorado ao hotel, depois de uma peregrinação aparvalhada pelos pavilhões 7 e 9 do ARCO. Quando chego a Lisboa, naquele estado de semi-alucinação que caracteriza a última e terrível hora de uma condução nocturna depois de sete dias de trabalho, leio num cartaz do PS mais uma alusão soez à putativa homossexualidade do candidato a Primeiro-Ministro, pichada, seguramente, pela central de contra-informação e provocação da canalha santanista. Regresso à realidade. Fui dormir descansado.

A tarde anunciava-se magnífica. Depois de uma pescada com grelos e cenoura, sem sal e regada com azeite, fui dar um passeio pela praia de Carcavelos. Cães saudavelmente à solta. Temperatura primaveril. Corpos buscando o bronze fora de época. Gente linda. A companhia agradável dos surfistas esperando pelas suas ondas. O som do mar e do Sol. O horizonte cinematográfico. O decrépito Narciso ainda por demolir. O Ministério do Ambiente regularizando a orla, como que a pedir mais uns votos para Paulo Portas. Ouvir de novo a Cândida. Saudades súbitas da filha que deixara quinze horas antes em Madrid. A minha praia... Trocá-la por outro paraíso qualquer? Os 42 voos que saiem semanalmente para o Brasil bailam frequentemente no painel das opções anti-crise. Seria capaz de deixar a minha praia? Nunca se sabe...

O combate político das oito e trinta chegou finalmente. Atacado por uma afonia radical, o representante comunista viu-se obrigado abandonar o estúdio da RTP depois de balbuciar algumas palavras duras contra a hipocrisia da direita no que toca às pensões de reforma. O actual primeiro-ministro esteve igual a si próprio, e por isso não convenceu ninguém sobre as suas intenções (paz à sua alma política!) O futuro primeiro-ministro esteve francamente melhor do que nas aparições anteriores (mas só por uma unha negra conseguirá a almejada maioria absoluta). Paulo Portas, na pretensão idiota de conciliar a sua homossexualidade escondida, como um direito de privacidade indiscutível, com a devassa e o castigo que continua a pretender infligir às mulheres que se vêm forçadas à interrupção voluntária da gravidez, bem pode pregar às classes médias, que estas, cada vez mais empobrecidas e ameaçadas pela liberalização dos serviços de saúde, só se fossem completamente tontas, lhe dariam um voto sequer. Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação. Digo a um passo, porque para chegar a convencer-me a mudar a minha intenção de votar no PS teria que ter dito uma frase mágica: sim, se for preciso, o Bloco de Esquerda estará disposto a viabilizar os orçamentos propostos pelo futuro governo do PS, afastando por um razoável período de tempo a direita do poder, e garantindo um efeito moderador em todos os sacrifícios que vierem a ser pedidos aos portugueses na corrida económica que se avizinha.

Seja como for, Francisco Louçã foi o mais convincente líder político desta campanha eleitoral. Sempre teve uma formação marxista mais sólida do que a de Durão Barroso ou de António Gueterres. É um economista de formação. Já percebeu que o futuro que aí vem — no plano geo-estratégico mundial — é mesmo preocupante. Sabe que a sua voz vai ser marcante nos próximos anos da vida política portuguesa. Falta-lhe, tão só, arriscar-se a governar. Trotsky fá-lo-ia certamente nas actuais circunstâncias civilizacionais.

No boletim da IV Internacional (Trotskysta) pode ler-se, a propósito da transformação táctica do PSR em associação política: Le congrès a donc pris la décision de se transformer de parti en association, en ajustant l' intervention de la section de l' Internationale au changement de conditions qui avait eu lieu, et dans l' intention de donner à cette intervention une base plus solide et plus réaliste. Les textes votés répondent aussi à diverses questions politiques et d' organisation d'une actualité brûlante, en rejetant par exemple les tentations ministérialistes et en réaffirmant la validité du centralisme démocratique comme principe d' orientation du fonctionnement interne de l' association.

O-A-M #69 16 Fev 2005

domingo, fevereiro 06, 2005

Voto útil

Aqueles que hesitaram nestas últimas semanas sobre o acerto de votar no Partido Socialista, inclinar-se-ão proximamente para esta opção, independentemente de gostarem mais ou menos de José Sócrates.


Já todos percebemos que a situação económica e social é muito difícil. Que não há milagres ao virar da esquina eleitoral. E que são pouco credíveis as mensagens que apregoam facilidades (diminuição do Imposto Automóvel e outras barbaridades). Por outro lado, parece cada vez mais evidente a necessidade de uma solução governativa estável para os próximos quatro anos. Sobretudo, se pensarmos na evidente necessidade de assegurar alguns programas de acção governativa a médio prazo, tais como a redução dos efectivos da Função Pública, a redução da Burocracia, a reforma do Sistema Educativo, o aumento dos níveis de eficiência do Sistema Nacional de Saúde, o controlo estratégico da Dívida Pública, a Regionalização (ainda que sob a forma gradual de uma descentralização profunda e efectiva das competências, meios e responsabilidades actualmente sediados em Lisboa), a reordenação do território e a transição dos actuais paradigmas energético e de crescimento para um sistema de referências radicalmente novo (energias pós-carbónicas, criação de Regiões Metropolitanas dotadas de poderes supra-municipais efectivos e Desenvolvimento Sustentável.)

Seria desejável que uma coligação de esquerda (PS-BE), pontualmente apoiada pelo PCP, pudesse garantir a maioria política e social necessária ao difícil caminho que temos pela frente. Uma tal coligação poderia arrefecer o entusiasmo voraz das clientelas pró-socialistas (as partidárias de sempre, as oportunistas de sempre e ainda as que sempre brotam de novo nestas ocasiões), evitando assim a repetição do triste enredo dos “jobs for the boys”. Ultrapassando-se, deste modo, a caldeirada morna do Bloco Central, teríamos seguramente e pela primeira vez uma oportunidade de ouro para quebrar a espinha à endogamia promíscua e corrupta que há muito apodrece a eficácia e competitividade das nossas elites. Por outro lado, devido ao seu peso parlamentar, uma tal maioria permitiria ganhar balanço suficiente até às próximas eleições presidenciais, por forma a garantir, já agora, a eleição de António Guterres ou Freitas do Amaral (em vez de Cavaco, ou Rebelo de Sousa), reforçando desta forma um poderoso bloco político de mudança. Seria uma solução bem mais sólida do que a de uma simples maioria absoluta do PS. Mas para isso era preciso que o Bloco de Esquerda fosse mais ágil na percepção das rápidas mudanças actualmente em curso na sociologia eleitoral do País. O que não aconteceu até agora...

Aqueles que hesitaram nestas últimas semanas sobre o acerto de votar no Partido Socialista, inclinar-se-ão proximamente para esta opção, independentemente de gostarem mais ou menos de José Sócrates. Trata-se de um problema de voto útil. E também da confiança possível entre dois protagonistas: o líder do Partido Socialista e o patético Santana.

Ao contrário, na banda direita do espectro eleitoral, o voto útil pode muito bem repartir-se entre o PS e o PP. Se tal suceder, o PSD (vítima de um demagogo desastrado e imprevisível) mergulhará numa séria crise de sobrevivência. Paulo Portas, esse, seguirá um auspicioso destino. Estava escrito!


O-A-M #68 06 Fev 2005

domingo, janeiro 23, 2005

Socrates 5


Poderemos, desta vez, desfazer o bloco central que há 30 anos nos governa? Duvido. Os pequenos partidos, quando menos se esperava, continuam a decepcionar.


O Sapo e os principais partidos da actual disputa eleitoral (à excepção do Bloco, que recusou, e bem, aceitar o convite palhaçada do pior portal do mundo) anunciaram com pompa e circunstância que, desta vez, a batalha política se estenderá, qual virose entusiasta, à blogosfera. Uma visita relâmpago aos ditos blogues deu-me a pura imagem do analfabetismo tecnológico e comunicacional do nosso espectro partidário. O blogue de Santana Lopes, coitadinho, continua na incubadora e em branco, 48 horas depois de posto no ar. Os do PS, PCP e PP exibem umas notinhas de circunstância, supostamente assinadas pelos respectivos líderes, e ainda, para já apenas no blogue do PS, alguns despachos noticiosos cinzentos da respectiva máquina eleitoral. Como alguém já escreveu, isto não são blogues. De facto, são apenas sintomas de uma enorme indigência cultural. Não, não vos passo os links para coisa tão vergonhosa. Alguém terá um dia que acabar com a absurda protecção dada ao cartel PT-Telepac-NetCabo-Sapo-Diário de Notícias-e-quejandos... de que iniciativas mentecaptas como esta são exemplo.

Mas vamos ao resto da campanha. Depois de um exasperante silêncio PS (para já não falar do tristíssimo episódio Paulo Pedroso — uma vergonha!), eis que finalmente as Novas Fronteiras anunciam as principais intenções do partido melhor posicionado para formar Governo depois das eleições: crescer; reduzir a dependência energética dos combustíveis fósseis (e importados); emagrecer e aumentar a eficiência e transparência da Administração Pública, com base em regras declaradamente razoáveis, criar os famosos 150 mil postos de trabalho durante a próxima legislatura, rever os critérios de privatização da Saúde, reorientar as prioridades estratégicas da Educação (domínio generalizado de um segundo idioma e insistência nas disciplinas tecnológicas), avançar com a co-incineração dos resíduos perigosos, retomar o programa Pólis, e... convocar um referendo sobre o Aborto. Creio que os destaques ficaram por aqui. Temas, para já, intocados: a Justiça (uma ferida que continua a sangrar), a Burocracia, os Impostos, a Corrupção e aquilo a que chamaria problemas de Cidadania (carros em cima dos passeios, cartazes publicitários e partidários colados à toa e em toda a parte, pandemia futebolística, despolitização massiva das gentes, consumismo desmiolado, persistência da promiscuidade entre o Estado e meios de comunicação, reprodução endogâmica das elites e persistência das redes clandestinas de partilha do poder, etc.) Subscrevo, em abstracto, todos os destaques. Não creio, porém, que sem uma reforma drástica do sistema da Justiça e um ataque em força à inércia burocrática deste País, qualquer reforma possa avançar.

Devemos, no entanto, reconhecer que a descida das intenções de voto no PS, nomeadamente por causa da trapalhada Paulo Pedroso e da grande falta de à-vontade, rigidez e contradições exibidas pelo candidato a Primeiro Ministro, pode, depois do dia de hoje, iniciar uma esforçada corrida para retomar o tão desejado patamar da maioria absoluta de um só partido. A melhor ajuda vem, aliás, da mais completa falta de ideias exibida pelos restantes competidores, começando pela tourada eleitoral em que se transformou a campanha do PSD, e acabando na completa desilusão causada pelas campanhas de Francisco Louçã e Paulo Portas. O debate entre eles, na SIC, foi confrangedor!

Creio que faria bem ao sistema político português que estes dois pequenos partidos crescessem. Evitar-se-ia, finalmente, os malefícios evidentes do consistente e efectivo bloco central que há demasiado tempo nos governa (mal). Mas para isso, é essencial que estes partidos trabalhem. Isto é, que sejam capazes de desenhar modelos programáticos alternativos, originais, com substância, credíveis (mesmo quando são radicais). Ora disto, nada vimos até ao momento. Paulo Portas regressou inesperadamente aos trocadilhos e às graçolas jactantes. E Francisco Louçã, por sua vez, parece apavorado com a possibilidade de vir a ser Ministro, e faz tudo para desmerecer tal hipótese. Agarrado ideologicamente aos temas do aborto, do emprego e da guerra, para já não falar da manifesta alergia do Bloco ao Tratado Constitucional da União Europeia, esqueceu-se do principal: gizar uma visão própria do Mundo, definir um programa mínimo de actuação política para os próximos 10 anos, e estabelecer os limites de uma possível colaboração institucional com o Partido Socialista no caso de este vencer as próximas eleições sem maioria absoluta. Deixando-se ficar atolado na maré dos princípios e das divergências, o Bloco poderá crescer um bocadinho, mas acaba, no fundo, por abrir caminho à maioria absoluta do PS. O bloco central, agora na modalidade já experimentada pelo PSD, irá, como se vê, continuar.

Alguém terá que ter a coragem de propor uma nova agenda de prioridades civilizacionais para o futuro (de espanto e pavor) que nos espera no horizonte temporal de uma, duas ou, no máximo, três décadas. Não sei se já repararam que o maior jogo de guerra da história humana já começou. Não sei se já repararam que o motivo dessa guerra é muito sério (trata-se de dominar as principais reservas de petróleo e de gás natural do planeta, num quadro de ruptura eminente do actual paradigma energético nas sociedades industriais). Não sei se já repararam que a actual Administração americana pode muito bem protagonizar a transformação decisiva dos Estados Unidos no mais perigoso agressor mundial. Não sei se já repararam que a população portuguesa e europeia parou de crescer e envelhece a um ritmo insustentável. Não sei se já repararam que há centenas de milhar de casas vazias por essa Europa fora, incluindo obviamente Portugal, e que, portanto, se esgotou de vez o modelo do desenvolvimento derivado da construção civil. Não sei se já repararam nas consequências nefastas que o apetite de recursos energéticos e de matérias primas e alimentares, por parte dos EUA, da China e da India, tem actualmente, não apenas em África, México, América Central e do Sul, mas também no Canadá e na Europa! Já pensaram o que nos sucederá a todos no dia (provavelmente azul e completamente inesperado) em que se verificar o grande crash energético? Multipliquem-se, primeiro por 2, depois por 4, e depois ainda por 10, os actuais gastos mensais em gasolina e começaremos a ter uma pequena ideia do pesadelo que se avizinha. Se fizermos uma lista da quantidade e variedade de produtos, de que dependemos diariamente, oriundos da transformação do crude e do gás natural, então a sensação de desespero tornar-se-à quase inevitável. Proteger todos os recursos, mudar de economia e mudar de vida são as únicas e inevitáveis agendas políticas que poderão mitigar a dolorosa metamorfose que se avizinha, sorrateira mas inexoravelmente, como um maremoto bem mais terrrível do que aquele a que assistimos no mês passado. Os pequenos partidos bem podiam começar a discutir serenamente estes assuntos.

Notas

— Começa a ser descarado o apoio da SIC ao PSD; ao menos, assumam-no sem falsos objectivismos!
Margens de Erro, de Pedro Magalhães, um blogue a não perder sobre análise comparativa de sondagens.
— A reacção supostamente homofóbica de Francisco Louçã à hipocrisia vitalista de Paulo Portas, quando este se proclamou defensor da supremacia fetal sobre a vida humana constituída (como se o seu opositor fosse defensor da morte), tem causado algum espanto entre uma parte da comunidade homossexual. No entanto, a comunidade gay deveria perceber duas coisas muito simples: que a indignação de Louçã foi genuína e politicamente ajustada à provocação de Portas; e que a hipocrisia de Portas não merece qualquer solidariedade cor-de-rosa. Primeiro, saia do armário, e depois faça política coerentemente!

O-A-M #67 23 Jan 2005 [actualizado 24 jan 05]

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Cavaco Silva 1

Cavaco Silva

Os pedófilos continuam à solta, arrogantes e, pelos vistos com poder. Dos fracos não reza a história e parece que um destes irá parar a Primeiro Ministro sem saber ler nem escrever. O naciturno demitido continua a levar estaladas e a delirar. Teremos mesmo que votar no Bloco? Que venha o Cavaco, porra!


Depois do terramoto de 1755 a Europa nunca mais foi a mesma. Se Deus tratava assim os seus mais dedicados e submissos servos, ficava provada à evidência que, das duas uma, ou aquela enteléquia não passava de espuma metafísica, ou seria um ente sádico consumado. Como de nenhuma destas alternativas poderia decorrer a prova da existência divina, o melhor seria mesmo enterrar o respectivo dogma e começar a reduzir os vendilhões do templo à sua expressão mais simples. Napoleão, e antes dele Henrique VIII, compreenderam-no perfeitamente, e começaram assim a heroica tarefa de dar a César o que é de César (e depois ao Povo o que é do Povo), limitando com clareza os latifúndios, até aí escandalosamente vastos e laicos, dos vários cleros em exercício. A ironia permaneceu: enquanto isto se passava na Europa além Pirinaica, permitindo a essa Europa desemburrar e preparar-se para a liberdade democrática, pelas Espanhas, ao contrário, persistiram o poder, as mordomias e o atavismo cultural dos anafados vigários do Senhor. O resultado está bem à vista na pantomima em que se transformou a chamada política à portuguesa: continuação da interferência indevida da hierarquia católica na vida laica do País; endogamia persistente no seio das castas dominantes (onde continuam a predominar Ordens, Irmandades e Obras clandestinas); subsidiodependência; analfabetismo (literal e funcional); autoritarismo estatal e burocracia; corrupção; bloqueio mental generalizado; pequenez e, osso realmente duro de roer, uma incurável pandemia de social-porreirismo, irresponsabilidade cívica, laxismo e estupidez.

A democracia foi uma choldra durante a Primeira República. A democracia continua a ser uma choldra na Segunda República. No intervalo entre ambas ocorreu um espirro de ditadura de aldeia, isolacionista e fervorosamenmte católica (apesar da Concordata). Os condes de Abranhos dominaram sempre e continuaram a dominar enquanto houve mesadas generosas para gastar, longe da ralé de pé descalço, ranho no nariz e massa cinzenta atrofiada. O pior agora é que Papá faliu, as árvores das patacas secaram e parece que o Além vai deixar de subsidiar a nossa proverbial pacatez. Vêm aí os Espanhois?! Não, vem aí toda a gente!

Vamos ter novas eleições. E a pergunta pertinente é: servirão para algo? O PSD, entregue como está, a uma pandilha de “teddy boys” corre o risco de ser partido ao meio depois das eleições, indo uma das metades parar ao cesto de Paulo Portas, e a outra, ao regaço de Manuela Ferreira Leite. O PP de Paulo Portas tem aqui a sua grande chance de crescer até aos 10-15%, sobretudo se souber apoiar Cavaco Silva. O Bloco, cujo líder teve entretanto o cuidado de extinguir o PSR, pode igualmente crescer em movimento simétrico ao do PP, bastando para tal manter um discurso político europeu actualizado, por contraposição aos tiques primitivos de que enfermam boa parte dos restantes políticos em todo o restante espectro político. O Partido Socialista, se não conseguir derrotar a manobra provocatória de Paulo Pedroso, acusado uma vez mais de pedofilia, só que desta vez, em tribunal, pelo confesso Bibi..., bem pode começar a descontar da sua contabilidade eleitoral umas boas dezenas de milhar de votos, a começar pelo meu. O PCP já não conta, ou contará cada vez menos. E o pseudo partido dos salamaleques, capitaneado por esse indescritível pedaço de asno chamado Manuel Monteiro, não passa de um erro de casting televisivo. Resumindo, somos bem capazes de ter pela frente o cenário seguinte: um PS de novo em minoria, i.e. maioria relativa [20.02.2005], na Assembleia da República, dilacerado pelas suas actuais contradições internas (que a avaliar pelo caso Paulo Pedroso, têm que ser muito sérias e preocupantes); Santana, completamente estirado no tapete da noite eleitoral, murmurarndo umas frases astrológicas indecifráveis; e dois inesperados vencedores: Paulo Portas e Francisco Louçã. Deste último dependerá, muito provavelmente, a estabilidade governativa até ao fim do novo e curto ciclo governativo do Partido Socialista.

Alguém sugeriu que eu estava a delirar. É bem possível. Mas também é possível que os meus raciocínios façam algum sentido, e nesse caso, esperam-nos tempos muito curiosos. Se assim for, que mil novos partidos e organizações políticas floresçam por esse País fora. Precisamos todos de uma grande varridela cultural e de sangue novo à frente das engrenagens que fazem mexer esta praia solarenha e preguiçosa. Seria bem bom que isto, em vez dos pactos podres sugeridos por Jorge Sampaio, e das miragens de Salvação Nacional estremunhadas por Mários Soares, acontecesse antes do desejado Cavaco Silva ascender ao poder.
O-A-M #66 04 Janeiro 2005

sexta-feira, dezembro 31, 2004

Europa

Rapto de Europa, fresco, Palacio de Cnossos, 1700 AC

Lisboa está bem mais perto de Istambul do que parece.


Religião e autoritarismo caminharam de mãos dadas em ambas as culturas ao longo dos séculos. O nosso Catolicismo contra-Reformista e o Islamismo deles não são assim tão diferentes. O sangue Fenício e o sangue mourisco correm há muito nas nossas veias (e nas deles). A predominância cultural céltica que marca, ao longo dos tempos, o desenho da identidade Lusitana, Galega e finalmente Portuguesa, nomeadamente contra a expansão Maometana, não ignora nem renega a brisa de civilização e poesia trazida até à Península pelo Islão. Cairíamos, infelizmente, num grande logro, se não víssemos as semelhanças que há entre uma boa parte da Turquia e Portugal. Espero que o PS, o PSD, o PP e o Bloco de Esquerda entendam estes factos elementares, e não percamos todos, enquanto País, a oportunidade de patrocinar a lógica e necessária integração da Turquia na Comunidade Europeia.
Faço igualmente votos para que venhamos a ter brevemente uma Constituição Europeia, cuja redacção e conteúdo se devem restringir ao essencial. E o essencial é: definir a Europa como uma poderosa comunidade de cidadania livre e democrática, racional, sustentável, solidária e defensora da utopia humana.

O-A-M #65 31 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Embaixador arredio

Ilha Phuket

Quem já alguma vez passou pela desagrável experiência de precisar do seu Embaixador, Encarregado de Negócios ou simples Cônsul, sabe que eles nunca estão... Nem sei mesmo para que lhes pagamos. Não seria melhor acabar de vez com mais esta fantasia de Estado?


A SIC já lá está, a TVI e a RTP também, tal como a AMI e outras organizações de apoio e solidariedade, mas o Embaixador Português na Tailândia, que dá pelo nome de João Lima de Pimentel, não. Pior ainda, ouvimo-lo fazer declarações radiofónicas (não sei se televisivas também), sobre a evolução da tragédia provocada pelo maremoto que atingiu mais de sete países asiáticos, entre os quais a Tailândia, onde por sinal, se registavam já informações sobre turistas portugueses mortos e desaparecidos. O senhor embaixador estava, ao que parece, de férias. Mas não é precisamente nas épocas de maior afluência de portugueses à Tailândia que o diplomata lá deve estar?! Pelos vistos, não. E além do mais, ao senhor Embaixador não lhe apetecia passar o ano novo em Banguequoque, no meio daquela trapalhada toda.

Fiquei estupefacto com a displicência do homem. E mais ainda com a eufórica “célula de crise” capitaneada, muito tu cá tu lá, pelo jornalista assessor Carneiro Jacinto (enquanto o atendedor de chamadas em Banguecoque revelava em litania atroz a incompetência do próprio serviço). A fantástica “máquina” do MNE, anunciada em prime time televisivo pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros poderia ter sido uma ideia hilariante dos plagiaristas do Herman, mas infelizmente foi apenas mais uma demonstração da imbecilidade terminal do actual Governo. Seria difícil uma encenação mais caricata em volta de um Embaixador tão imprudente (preguiçoso e inconsciente!). Será que o intocável ouviu alguma vez falar da dimensão simbólica das representações e dos gestos diplomáticos? Passar-lhe-à pela mente vaga que os portugueses atingidos pela catástrofe, os seus familiares em Portugal e todos nós que vivemos vicariamente a tragédia alheia, esperavamos algo mais dos diplomatas — e sobretudo do seu sentido de Estado — do que um pequenino encolher de ombros?

Foram precisas 48 longas horas, ou mais, para que alguém deste Governo indigesto acordasse do turpor em que se encontra e, abanado insistentemente pelos média, lá tomasse a decisão de despachar o diplomata temeroso para a região. Que vergonha! Que inépcia! E as palavrinhas do PM! Coitado, também ele ficou sem férias... como se alguém tivesse direito a férias antes de cumprir um ano de contrato!

Nestes tempos de penúria orçamental, visto e revisto o panorama das nossas Embaixadas e Consulados por esse planeta fora, talvez não fosse má ideia privatizar o MNE, abrindo às leis da concorrência a prestação do inestimável serviço público implícito na necessária representação diplomática do nosso País. Os nossos impostos não podem ser desperdiçados com a decadente e inepta aristocracia que há tempo demais se acantona no Palácio das Necessidades.

O-A-M #64 29 Dezembro 2004