quinta-feira, janeiro 30, 2020

A ferrovia e as bitolas




Para mim é inconcebível como andamos há anos a discutir o sexo dos anjos em matéria de ferrovia


1) A Espanha decidiu ter um nova rede ferroviária (bitola UIC—ver mapas) compatível com o resto da Europa e do mundo (apesar de problemas de 'interoperabilidade' existentes noutros países que, também, terão que fazer mudanças, para não perderem os comboios...) Esta rede ligará progressivamente todas as principais cidades espanholas, nuns casos com linhas mistas para passageiros e mercadorias, noutros apenas para passageiros; todas são obviamente electrificadas. A sua incompatibilidade com a antiga rede de bitola ibérica, e por conseguinte com a nossa rede do século 19, é total e irredutível. Quando chegaram as locomotivas a diesel e depois as movidas a eletricidade, o carvão foi posto de parte. Pois bem, a nova rede ferroviária europeia implica, pura e simplesmente, a substituição progressiva da bitola ibérica, começando por construir as novas vias férreas do chamado Corredor do Atlântico, aprovado por Bruxelas, Madrid e Lisboa. Só Portugal não respeitou os protocolos e os acordos assinados.



2) Há muito que se sabe que assim que a nova rede UIC estiver a funcionar em Espanha, os espanhóis irão desativar paulatinamente as linhas de bitola ibérica redundantes, pois são anti-económicas, ambientalmente indesejáveis, e ficarão sem procura.

3) Esta substituição de 'standards' ferroviários irá inevitavelmente produzir roturas de carga entre Portugal e Espanha, forçando a paragem dos nossos comboios na fronteira, para transbordo de passageiros e carga para os comboios da nova rede UIC. Por isso a Espanha irá construir portos secos em Vigo, Salamanca e Badajoz. No nosso país, o lóbi rodoviário, assim como a Takargo e a Medway, que ficaram com uma parte da CP, continuam a pressionar e a corromper os governos para que protejam os seus pequenos monopólios anti-económicos e anti-ambientais.

4) Portugal até agora, isto é, enquanto a Espanha ergueu a segunda maior rede de Alta Velocidade do mundo, não fez rigorosamente nada. Mas deu milhões de euros ao próspero negócio dos estudos e assessoria.

5) Pior, deitou à rua centenas de milhões de euros do BEI e dos QCA dotados para a participação portuguesa nas redes europeias de transporte ferroviário. Em nome de quê? Em nome, obviamente, de esquemas serôdios, condenados a prazo, tal como condenados estiveram desde início a corrupção e o atavismo do PS, PSD, CDS e PCP em matéria de aeroportos e TAP. O sucesso da privatização da ANA (imposta pelos credores) demonstrou que o velho corporativismo e o sistema partidário, além de roubarem e atrasarem o país, continuam sem perceber porque foram atropelados pela realidade. A falência do sistema financeiro português é tão só a consequência da impunidade de um regime que em pouco se distingue do angolano.

6) Se o jovem ambicioso que escorregou no poço das Infraestrutura der luz verde à ligação Évora-Caia em via única, e bitola ibérica, teremos outra vez asneira, duplicação de despesas e, por fim, a humilhação de ver um dia destes a Espanha e Bruxelas dizerem a Portugal que terá mesmo construir a famosa rede TGV. Nesta andarão comboios muito rápidos, rápidos e lentos, por exemplo, de mercadorias. A rede AV/VE é uma autoestrada ferroviária. E tal como nas auto-estradas rodoviárias, tanto andam por lá os Renault Clio, como os Maserati de que o esquerdista do PS, Pedro Nuno Santos, tanto gosta.

7) Por fim (nota de rodapé para a história desta democracia falida), João Cravinho foi e é o principal responsável estratégico do isolamento ferroviário do país. As lesmas e os vigaristas que por cá se movem agradecem.

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