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segunda-feira, junho 11, 2018

O direito à habitação


Os devoristas do sistema apropriaram-se da democracia e transformaram-na num regime populista, habitado por demagogos profissionais, e milhares de corruptos à rédea solta.


Há mais lisboetas a alugar quartos e segundas casas (por vezes herdadas) do que a serem despejados de alojamentos que não podem pagar. Para muitos, o alojamento local e os alugueres clandestinos são a única forma de enfrentar o desemprego, o emprego precário e mal pago, a degradação dos salários ao longo de uma década, pensões miseráveis de reforma e o proto-fascista acosso fiscal.

Os idosos e os mais pobres que vivem em casas, quase sempre a cair de podres e imundas, sem elevadores, etc., em caso de despejo, devem contar com o apoio dos municípios (que têm a obrigação e os recursos para acudirem a estas situações), e do ministério da segurança social. Para isso pagamos mais impostos que o resto dos europeus!

Por enquanto há milho para todos: alojamento local e hoteis. Só em Lisboa foram criados em 2016 mais de 14 mil empregos no ramo imobiliário: construção, renovação e mediação. Uma casa vendida em Alfama significou quase sempre uma casa comprada na Margem Sul, ou na periferia de Lisboa. Ou seja, mais ainda do que o turismo, foi o investimento externo no imobiliário quem nos tirou da crise aguda em que estávamos.

Por enquanto o Medina e o Moreira protegem a recuperação do património degradado por décadas de populismo partidário (apesar do populismo barato da demagoga-mor da nossa democracia, a senhora Helena Roseta).

O direito à habitação é, como o direito ao pão, um bem a cargo da sociedade no seu conjunto, através das suas instituições, e através de políticas fiscais justas. Assim como não se obriga uma mercearia, ou a cadeia de supermercados Pingo Doce a oferecer pão a quem não tem, ou mesmo a vendê-lo mais barato por decreto, também as rendas das casas não devem ser uma propriedade política dos demagogos que nos desgovernam há décadas.

Uma mole partidária que cresce como uma nódoa de azeite falsificado (nem os deputados do Bloco escapam!), tal como arranja empregos para os filhos, netos, noras, sobrinhos, primos e amantes, também se especializou em fazer chegar as melhores casas camarárias a quem menos precisa...

sábado, junho 03, 2017

Arte 'contemporânea' e corrupção

Guttguff, Making waves out of nothing..., 2017


Uma elite mal frequentada


Recordo o que pensei e escrevi há umas semanas sobre a feira espanhola de arte em Lisboa, a sua má performance em dois anos consecutivos, a arrogância dos pequenos ditadores palacianos do gosto (que sobretudo protegem negócios sem transparência), o isolamento crescente da chamada arte contemporânea, e os subsídios (perdão, as compras) generosas da EDP, da Fundação de Serralves e da CML:

— por serem todas estas instituições, entidades públicas, i.e. que vivem com o dinheiro dos contribuintes nacionais e europeus, ou com o investimento de acionistas em mercado bolsista aberto, devem-nos, a todos nós, relatórios sobre como, porquê, quando e quanto gastam do dinheiro que lhes é confiado.

A feira de arte ARCO 2017 teve menos 3000 visitas do que a de 2016 (a qual já tinha sido uma decepção: 13 mil visitantes), apesar de a eleitoral CML ter 'investido' este ano, 100.000 euros em compras de obras de arte (e o resto). Quanto investiu o ano passado, e em quê?

E em 2018, como vai ser?

Quem decide os critérios de avaliação de eventos que fracassam, por exemplo, na Câmara Municipal de Lisboa, ou no Governo?

Quantas obras de ‘arte contemporânea’ compraram a Fundação de Serralves e a Câmara de Lisboa este ano? E no ano passado? E a quem?

Quantas obras comprou a CML e a Fundação de Serralves, e a quem, nas sucessivas edições da desgraçada Feira de Arte de Lisboa, que viria a soçobrar por falta óbvia de estrutura e ‘know-how’?

Os DDT da massa estão falidos, ou a caminho da prisão. Serão os que com eles coabitaram durante décadas alguma vez capazes de extrair ilações morais e estratégicas de tão ruinosa parceria? Continuará a corte palaciana da ‘arte contemporânea’, ao comando da marcha lenta, medíocre e invisível da arte portuguesa? Só respondendo a esta pergunta, se perceberá como a dita chegou aos nossos dias com tamanha má fama, afastando do seu convívio tanta gente normal.

Sem gente normal, os políticos ficam sem pé para pôr os pés em sítios mal frequentados. Foi, por acaso, António Costa, à ARCO 2017?

E ainda, que direito assiste ao Museu de Serralves e à Fundação EDP de não revelarem o dinheiro despendido na ARCO, e a quem compraram obras de arte? Não são ambas instituições públicas? Não auferem ambas benefícios fiscais por esta mesma condição? Não são ambas subsidiadas pelos contribuintes, e pelos consumidores (no caso da EDP, na forma de rendas excessivas e imorais garantidas por todos nós)? Quem lhes confere a prerrogativa de faltar ao dever de transparência, comum a qualquer serviço público ou empresa cotada em bolsa?

Este post estava à espera de publicação no meu computador, até que a escandalosa notícia de ontem (constituição de arguidos, suspeitos de corrupção ativa e passiva, de executivos de topo da EDP e da REN) me lembrou o atraso.

Precisamos de fazer uma reflexão séria sobre a ética da arte contemporânea. Confundir a arte com o cortejo fúnebre da corrupção seria a melhor maneira de deitar o bébé fora com a água suja da banheira.