Das duas uma...
A trapalhada da colecção Berardo (cerca de 1500 obras de arte do século 20) parece-se cada vez mais com uma novela mexicana. Já se percebeu que a ministra da Cultura não quer nada com o capitalista madeirense. No entanto, de cada vez que soa o telefone de São Bento, Isabel Pires de Lima afirma apressada o seu afã em conseguir um bom contrato com o Comendador. O Primeiro Ministro, por sua vez, deixa que o seu nome seja, nesta matéria, sistematicamente invocado pelo Comendador, que pelos vistos lhe telefona por dá cá aquela palha, fazendo queixinhas da Sra Ministra. Por fim, não se percebe porque é que um homem tão rico, com uma colecção de arte tão importante, se presta a estas andanças caricatas.
Das duas uma, ou a colecção é mesmo excepcional, e não faltarão públicos que paguem os custos da sua conservação e exibição pública e neste caso o Senhor Comendador não precisaria do CCB para coisa nenhuma ou então, pelo contrário, a colecção fica aquém do circo intelectual e mediático que em sua volta tem vindo a ser montado e neste caso, daria muito jeito a Joe Berardo comprometer o Estado português e uma das suas principais instituições culturais nos custos e trabalhos da sua conservação, exibição e legitimação...
A verdade é que, como se sabe (ou deveriam saber os nossos agentes culturais) os públicos da chamada "arte contemporânea" têm vindo a diminuir em todo o mundo, e nada augura uma inversão desta tendência. As excepções ocorrem apenas nas grandes instituições historicamente consolidadas da cultura moderna do século passado: MoMA, Guggenheim de Nova Iorque, Tate e Centre Pompidou. E mesmo nestes casos, só à custa de grandes orçamentos e grandes investimentos em arquitectura, publicidade e merchandizing. Estamos no século 21 e a cultura que ai vem é outra. Não creio, sinceramente, que as mil e quinhentas obras de arte do Senhor Berardo fossem capazes de, por si sós, alterar o panorama deficitário do CCB (ver nota de rodapé). E daí...
Seja como for, talvez fizesse sentido o Estado português negociar com o Comendador a reabilitação de um dos muitos edifícios que possui na cidade de Lisboa, convidando para tal um jovem nome sonante da arquitectura mundial (Herzog & De Meuron, Kasuyo Sejima, François Roche, Asymptote, etc...). A zona de Santos-Alcântara seria uma excelente localização para tal operação. O Estado faria a sua parte, i.e. um novo edifício simbólico para a cidade de Lisboa, que não teria que custar mais de 6 a 10 milhões de Euros, e o Senhor Comendador comprometer-se-ia por contrato a depositar a sua colecção nas novas instalações por um período nunca inferior a 25 anos. A administração (muito tansparente) do novo espaço ficaria naturalmente a cargo de uma fundação expressamente criada para o efeito, e da qual fariam parte o Senhor Berardo e o Estado português. A direcção artística do novo museu deveria, por sua vez, ser atribuída a pessoa competente, escolhida em concurso internacional expressamente convocado para o efeito, e não a dedo, como continua a suceder no círculo endogâmico da cultura lusitana.
Com muita energia e imaginação, até poderia resultar. Como se afigura na telenovela em curso, só podemos esperar o pior. A imortalidade do Senhor Comendador está por um fio!
NOTA A petição que corre a seu favor desde Novembro passado não conseguiu até hoje mais do que umas magras 283 assinaturas, e a exposição Construir Desconstruir Habitar (realizada com base nalgumas das melhores obras da colecção) atraíu apenas o ridículo número de 8100 visitantes (contra os 24 mil que acorreram à World Press Photo). Vale a pena ler sobre este potencial fiasco os seguintes artigos: Peças de Berardo foram um "fracasso" e Não sabemos o valor das peças da Colecção Berardo
[actualização 03 AGO 2006]
ESTAREI ENGANADO?
Ouvi hoje o comendador Joe Berardo falar, pela enésima vez na SIC, sobre a excelência da sua colecção e sobre a bondade absoluta das suas intenções. Tudo a propósito das objecções do Presidente da República sobre o decreto-Lei que cria a nova Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo. O comentário, publicado no sítio web da Presidência (um bom sinal de e-government...) sublinha o seguinte sobre o citado decreto-Lei:
O referido diploma suscita dúvidas, principalmente no que se refere à distribuição de poderes entre o Estado e o coleccionador ou pessoas por ele designadas, no caso de o Estado Português efectuar a opção de compra da Colecção Berardo, a qual será feita, conforme previsto, de acordo com o valor de mercado.
Com efeito, mesmo após o exercício daquela opção de compra, o coleccionador continuará a dispor de poderes muito amplos de intervenção na gestão de um acervo de bens do património do Estado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, a prerrogativa vitalícia relativa à nomeação do director do museu.”
Do ponto de vista dos princípios da legalidade, parece claro que, no caso de o Estado vir a comprar a totalidade ou parte da colecção de Joe Berardo, a posse lhe dá automaticamente o direito de gerir e dispor da propriedade como entender. Caso diverso seria se o comendador oferecesse as obras de arte ao Estado. Nesta hipótese, sim, seria razoável haver no contrato de doação determinadas cláusulas de garantia da vontade do doador. Mas não é este o caso, pois não? Ou será que ouvi hoje, na SIC, Joe Berardo referir-se à hipótese de uma doação? Seria bom conhecer o decreto-Lei e perceber quais são de facto as intenções do comendador, antes de a comunicação social indendiar o assunto. Por mim, se houver a intenção de doar, então Joe Berardo pode e deve impôr as suas condições (pois não estou a ver como é que uma instituição tão falida e volúvel como o CCB poderá algum dia dar conta deste recado). Se, pelo contrário, a intenção é vender as obras de arte ao Estado, então eu dria que o melhor é deixar o assunto em banho-maria, até ver o que tudo isto realmente significa.
[actualização 05 ABR 2006]
NÃO PODIA TER SIDO MAIS HILARIANTE
O anúncio bombástico do novo Museu Joe Berardo de arte moderna e contemporânea, que irá instalar-se no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, que é dele (do Joe Berardo), mas também do Estado Português, em regime de comodato, até 2016. Para o comendador, vai ser o museu mais visitado do mundo (sic!) Para o comissário político Mega Ferreira, actual administrador do CCB, basta que seja o mais visitado de Lisboa (pois já seria bom se ultrapassasse o número de visitantes do Museu dos Coches, mesmo ali ao lado...) Para o Primeiro Ministro, está tudo bem porque fez a vontade ao seu assessor cultural (que é quem sabe destas coisas). Para a antiga Presidente do Instituto Português dos Museus, o homem da Madeira entrou definitivamente no caminho da beatificação cultural e... da IMORTALIDADE!! Em suma, a Fundação que presidirá a tão esperada boda, vai dispor da exorbitante quantia de 1 milhão de euros por ano, a meias, claro, entre o Joe e a Fundação (adivinhem lá os apelidos...), para comprar postais ilustrados de arte contemporânea. Só fica uma dúvida angustiante: se se zangarem pelo caminho (dez anos é muito tempo...), e se se desfizer a tal fundação, quem irá gerir o comodato? Quem é que fica com os postais?
[actualização 04 MAR 2006]
Joe Berardo quer negócio fechado c/ José Sócrates antes de 23/3. Saiba porquê...
Os sucessivos ultimatos do Senhor Berardo ao Governo (devidamente amplificados pelo Expresso...) não só incomodam, como começam a suscitar interrogações e suspeitas sobre o que está realmente em causa nesta telenovela! Ameaçar o Governo, na pessoa do próprio Primeiro Ministro, sobre matéria tão nebulosa como os investimentos em arte de um reconhecido especulador financeiro, é um desses sound bites que dão que pensar ao mais distraído cidadão. Gostaríamos todos de saber exactamente que raio de negócio o Comendador quer fazer com o Senhor Sócrates, às custas da ministra responsável pelo assunto e, sabe-se lá, do País... Qual o papel desempenhado pelo Senhor Melo, melro do nosso Primeiro em matérias de corte & costura e outras relevantes matérias culturais, nesta intriga de pacotilha? Uma coisa é certa: excepto Raquel Henriques da Silva, estamo-nos todos nas tintas para a imortalidade do Joe Berardo e eu, pessoalmente, duvido da excelência da sua colecção de arte (aliás mal conhecida), além de ter dúvidas ainda maiores sobre a sua rentabilidade cultural... e económica. Enfim, só encontro uma explicação para o ultimato de 23 de Março, dirigido pelo Comendador ao Primeiro Ministro: ele leu o meu blogue sobre o crash global previsto para o próximo dia 26!
O-A-M #106 21 FEV 2006