Não estamos sós
BIS — Public debt/GDP projections
"...a decision to raise the retirement age appears a better measure than a future cut in benefits or an increase in taxes. Indeed, it may even lead to an increase in consumption..." — BIS, Março 2010.
The future of public debt: prospects and implications
Stephen G Cecchetti, M S Mohanty and Fabrizio Zampolli
© Bank for International Settlements 2010. [PDF]
"Since the start of the financial crisis, industrial country public debt levels have increased dramatically. And they are set to continue rising for the foreseeable future. A number of countries face the prospect of large and rising future costs related to the ageing of their populations. In this paper, we examine what current fiscal policy and expected future age- related spending imply for the path of debt/GDP ratios over the next several decades. Our projections of public debt ratios lead us to conclude that the path pursued by fiscal authorities in a number of industrial countries is unsustainable. Drastic measures are necessary to check the rapid growth of current and future liabilities of governments and reduce their adverse consequences for long-term growth and monetary stability."
"According to the OECD, total industrialised country public sector debt is now expected to exceed 100% of GDP in 2011."
"From this exercise, we are able to come to a number of conclusions. First, in our baseline scenario, conventionally computed deficits will rise precipitously. Unless the stance of fiscal policy changes, or age-related spending is cut, by 2020 the primary deficit/GDP ratio will rise to 13% in Ireland; 8–10% in Japan, Spain, the United Kingdom and the United States; and 3– 7% in Austria, Germany, Greece, the Netherlands and Portugal."
Educação
Ao ouvir uma vez mais Medina Carreira vociferar contra o estado do país, desta feita no reiterativo, proclamatório, mas já um pouco arrastado Plano Inclinado da SIC-N, abordando neste fim-de-semana as supostas causas da degradação do ensino, percebi duas coisas: que não podemos simplificar demasiado o que não é simples, nem devemos exagerar o alarido. Ambas as atitudes comportam uma redução do pensamento e da compreensão dos fenómenos, e por conseguinte, insistir num tal estilo de retórica acaba por estiolar a motivação primeira, porventura generosa, do aviso à navegação.
A massificação do ensino caminha desde a década de 1970 ao lado do que poderíamos chamar, para facilitar, um ensino de qualidade, diversificado, cada vez mais especializado e sujeito a critérios exigentes de avaliação, tanto do lado de quem aprende, como do lado de quem ensina. Há por conseguinte um ensino de massas orientado sobretudo para as estatísticas e para a ocupação de exércitos crescentes de indivíduos sem lugar no mercado de trabalho, nem sequer nas actividades de diversa índole, burocrática, educativa, médica, social, ambiental, etc., que os governos têm vindo a promover no rescaldo das crises estudantis ocorridas nos Estados Unidos e na Europa na década que vai sensivelmente de meados de 1960 até meados de 1970. Mas também houve, há e haverá sempre um ensino reservado à formação das elites dirigentes e à produção efectiva do saber, onde a exigência e a competição são cada vez maiores. Curiosamente, cresceram ambos a ritmos verdadeiramente exponenciais! Para entender com alguma consistência a complexidade deste fenómeno recomendo sempre a leitura do muito elucidativo The End of Work, escrito por Jeremy Rifkin.
Portugal apenas chegou tarde à educação de massas, cuja competição estatística externa estimula precisamente a substituição do ensino baseado no funil do numerus clausus, nos TPC (Trabalhos Para Casa), nos exames e nos chumbos por faltas ou mau comportamento, por um ensino tolerante, sobretudo destinado a ocupar os tempos livres da juventude enquanto cresce, proporcionando-lhe ambientes cognitivos e criativos tendencialmente imersivos. Tudo o que as mais recentes e escandalosas reformas educativas têm vindo a introduzir no nosso sistema de ensino tem que ver com esta adaptação a uma tendência pedagógica geral no Ocidente pós-industrial. A rápida expansão desta tendência no âmbito do que poderíamos chamar a reprodução pós-moderna da força de trabalho conduziu a uma degradação dos níveis de aptidão pedagógica dos milhões de professores que foi preciso preparar ao longo deste processo de massificação educativa — cujo perímetro, por sua vez, foi sendo sucessivamente alargado, desde o infantário até às universidades da terceira idade, passando pela criação de níveis sucessivos (e de acesso alargado) de pós-graduação: mestrado, doutoramento, pós-doutoramento.
De um ponto de vista estatístico, a base de recrutamento profissional, nomeadamente para as áreas avançadas de conhecimento, aumentou exponencialmente. Mas o resultado paradoxal desta massificação é o desemprego estrutural crescente entre licenciados, mestres, doutores e pós-doutores! Outro resultado, ainda mais nefasto para as economias, é a insustentabilidade orçamental desta fuga em frente perante os desafios da destruição tecnológica do trabalho humano. O que hoje se esconde na demagogia dos discursos políticos, corporativos e sindicais sobre a educação, é a motivação original do projecto da sua massificação. Enquanto não formos capazes de pensar numa sociedade pós-capitalista, onde a actividade humana substitua a exploração do trabalho, ou pelo menos possa caminhar a seu lado como horizonte possível de libertação, sem se ver castigada por regimes irracionais e improdutivos de sujeição disciplinar ao Estado fiscal, a discussão sobre a crise educativa será sempre um tumulto de vozes sem sentido. Olhai para os artistas livres, apreciai o perfume de um botão de rosa prestes a desabrochar, e só depois falai de educação! Não é trabalho, aquilo de que precisamos no futuro. Mas sim de arte, de partilha de bens e serviços, de festas e de um novo horizonte amoroso. É muito mais difícil do que disputar as migalhas minguantes dos orçamentos. Mas é sem dúvida muito mais estimulante para a nossa sensibilidade e para a nossa inteligência.
Economia
Quem navega pela Net, lê os jornais e vê televisão, terá reparado que os discursos sombrios sobre Portugal não param de aumentar em quantidade e intensidade. Há bons motivos para tal. Mas seria útil entendermos que a nossa crise, apesar das suas peculiaridades, não é particularmente original, e pelo contrário reflecte uma crise geral, ou sistémica, do capitalismo, com contornos aliás comuns em todos os países industrializados.
Os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Canadá estão confrontados desde o início das guerras anti-coloniais na Índia e na Indochina, e depois em África, com a perspectiva de uma dramática adaptação a um mundo efectivamente multipolar, assente no direito internacional, onde o uso da força militar para impor vantagens de um país sobre outro se foi tornando cada vez menos tolerável.
Nem por isso, no entanto, deixou a generalidade dos países desenvolvidos saídos da Segunda Guerra Mundial, de tentar dividir o mundo a seu favor. O resultado foi, como se sabe, um estado de guerra e conflito, intermitente e assimétrico, nos quatro cantos do planeta. Mas foi também, e paradoxalmente, a transferência progressiva dos centros de produção industrial para os países mais populosos do planeta, onde também existe a mão-de-obra mais barata e com menos direitos do mundo. Enquanto esta alteração da geografia económica tinha lugar, Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental tentaram manter sob mão militar pesada o controlo dos principais centros de recursos energéticos, minerais e alimentares do planeta, causando por este motivo guerras civis, golpes de Estado e uma permanente ingerência e manipulação de dezenas, para não dizer uma centena de estados soberanos, incluindo o apoio logístico, diplomático e militar a algumas das mais selváticas ditaduras que existiram no século 20.
Em suma, à medida que o poder puro e duro das armas foi sendo obrigado a ceder à força diplomática, o império dos Estados Unidos da América imporia a circulação da sua nota verde como uma espécie de sistema de vasos comunicantes da sua supremacia económico-financeira, bem como do seu famoso Soft power. Hollywood, a Coca-Cola e o Dólar tornaram-se assim os grandes embaixadores da Propaganda (Edward Bernays) do American Way of Life, cujo financiamento assentou, ao longo de 60 anos, na supremacia da moeda americana, imposta em Bretton Woods como meio de pagamento internacional para todos os indígenas do planeta. A ameaça a este predomínio viria precisamente dos países que primeiro repudiaram e acabaram por afastar norte-americanos, ingleses e holandeses da verdadeira espoliação dos recursos petrolíferos do Médio Oriente. À medida que as Sete Irmãs do Petróleo (as célebres Seven Sisters) foram sendo progressivamente substituídas por um novo cartel de companhias petrolíferas soberanas, o declínio ocidental seria uma questão de tempo. Não demorou, de facto, mais de 50 anos a transição de poderes iniciada pela constituição da OPEP (1960) até à consolidação das chamadas Novas Sete Irmãs: Saudi Aramco (Arábia Saudita), JSC Gazprom (Rússia), CNPC (China), NIOC (Irão), PDVSA (Venezuela), Petrobrás (Brazil), Petronas (Malásia).
Esta alteração profunda dos termos de troca internacionais, que se caracteriza sobretudo pelo controlo nacional das principais reservas energéticas e recursos minerais e alimentares do planeta, acompanhada por uma migração em larga escala dos centros de produção industrial do Ocidente para a Ásia e para o México e América do Sul (embora em muito menor escala), viria a provocar um processo de endividamento progressivo dos principais países industrializados: Estados Unidos, Canadá, Europa Ocidental e Japão. A globalização acabou pois por conduzir os países ricos e desenvolvidos a este resultado paradoxal: como o seu crescimento assentava cada vez mais no consumo de serviços e bens importados, e cada vez menos na produção de bens transaccionáveis e portanto exportáveis, só a imposição de moedas fortes e o domínio do sistema financeiro mundial poderiam compensar os desequilíbrios crescentes nas balanças comerciais entre consumidores compulsivos e produtores diligentes. Daqui à criação inflacionista de moeda, e à invenção de uma economia financeira cada vez mais virtual, foi um passo. O passo que vai do conforto económico aparente ao colapso das contas públicas e privadas de países inteiros!
Europe's Web of Debt, New York Times, May 1, 2010
Vale a pena ler o estudo publicado pelo Bank for International Settlements —essa espécie de banco central dos bancos centrais, como lhe chama John Mauldin—, para compreender até que ponto Portugal é apenas uma roda encalhada do casino avariado da especulação internacional. Este casino, conhecido por mercado de derivados financeiros, é um incomensurável buraco negro para onde boa parte da economia mundial se precipita como um verdadeiro suicida. Se a Alemanha se mantiver no euro, as medidas de rigor orçamental, que passarão sobretudo por uma diminuição efectiva da dimensão dos aparelhos e responsabilidades dos estados, acabarão por se impor de um modo mais ou menos uniforme, embora em doses variáveis, à generalidade dos países afectados pelo endividamento excessivo. Se, pelo contrário, a Alemanha regressar ao marco, a agitação europeia será imprevisível. Teremos, em todo o caso, uma década muito difícil pela frente.
Voar para outras paragens
Completo hoje 700 artigos, escritos regularmente desde 30 de Julho de 2003. Foi, por assim dizer, uma obra de arte conceptual que levou sete anos a realizar (a Gioconda levou oito!) Procurei nestes anos fazer um ponto da situação geral do mundo, e ler o futuro do meu país. Se consegui ou não, compete a outros avaliar. Tudo o que escrevi continuará à disposição de todos os muitos leitores, alguns deles fieis colaboradores que por aqui passaram, às vezes diariamente. Se aparecer um editor interessado, haverá, quem sabe, um livro. Mas o mais importante foi feito: parar algum tempo para ler o espaço e o tempo onde me encontro, contribuindo, se possível, para o tornar mais interessante, dialogando com os meus semelhantes. Obrigado.
OAM 700 — 3 Maio 2010 19:43