O Rapto da Europa não é uma fava contada!
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Evangelos Venizelo, Christine Lagarde e Wolfgang Schaube. Foto: ? |
Atenas está a arder, mas a matança dos inocentes está longe de chegar ao
fim. Um golpe de estado militar poderá baralhar radicalmente as contas dos especuladores, em particular se Angela Merkel e Wen Jiabao não tiverem medido bem, na cimeira UE-China de ontem, a gravidade e a urgência da situação, ou nos próximos meses um incidente militar grave no Golfo Pérsico fechar o acesso da China e do Japão ao petróleo iraniano.
A China reafirmou o seu empenho em ajudar a União Europeia a sair da sua crise de insolvência, a qual foi provocada pelo sobreendividamento público e privado, pela falta de disciplina orçamental, pela corrupção, pelo declínio industrial e criativo de boa parte dos países comunitários, e em geral pela alteração dos termos de troca mundiais associada à libertação dos povos colonizados pelo Ocidente, ao crescimento demográfico mundial, e ao declínio inexorável dos recursos energéticos, minerais e alimentares, cuja inflação de preços foi artificialmente contida pela via da criação monetária, ou seja, pelo endividamento. Mas Jiabao avisou também que:
"The debt crisis relies fundamentally on the efforts made by the EU itself. We especially expect the debt-stricken nations, according to their own situations, to strengthen fiscal consolidation, reduce their deficits and lower their debt risks,..."
"Beijing lends a hand to Europe", China Daily (15 Fev 2012).
Nenhum país, por mais rico que seja, está em condições de ajudar de forma decisiva a Eurolândia, o Reino Unido, ou os Estados Unidos, a tapar buracos sem fundo. A mesma globalização especulativa que permitiu ao Ocidente viver em permanente estado de negação da crise do seu modelo económico e social, é agora a principal causadora da crise sistémica do Capitalismo, em curso desde 2006. O dominó dos países que vão caindo na insolvência, isto é, que se tornam incapazes de gerar riqueza suficiente para pagar o serviço das suas dívidas (quanto mais crescer!) não ficará pela Grécia, Portugal, Itália, Espanha, etc. Atingirá a França, o Reino Unido, a América, e acabará por fazer um terrível ricochete na China, Índia e todos os países pobres do planeta. O buraco negro é só um, e só unidos poderemos fugir da sua órbita fatal de destruição.
"In 2011, The Depository Trust & Clearing Corporation estimated that the size of the global credit derivatives market in 2010 was $1.66 quadrillion USD"
[Wikipedia].
Este valor (mais de 26x o PIB mundial de 2010) é uma das medidas possíveis do grande buraco negro que nos conduzirá à hiperinflação, ou à guerra, ou a ambas — se a paralisia diplomática mundial persistir. Outro valor, menos grotesco, mas tão inimaginável pelos milhões de europeus depenados, é o que respeita ao valor nocional do mercados de derivados OTC (10x o PIB mundial de 2010):
"Prior to the financial crisis, the global OTC derivatives market grew
strongly and persistently. Over the ten-year period from June 1998 to
June 2008, the market’s compounded annual growth rate was 25 percent.
The total notional amount outstanding reached its peak of $673 trillion
in June 2008, but just six months later it had fallen to below $600
trillion in the wake of the financial crisis. [...] In
December 2010, the total notional amount outstanding was $601 trillion".
Jian Cai, "Has the Over-the-Counter Derivatives Market Revived Yet?", Federal Reserve Bank of Cleveland.
Uma contadora de notas, podendo contar mil notas de um dólar por minuto, levaria mais de um milhão de anos a verificar os seiscentos e um biliões de dólares que correspondem ao valor nocional do buraco de derivados não regulados (OTC), e mais de três milhões de anos a contar os mil seiscentos e sessenta biliões de dólares que traduzem a dimensão virtualmente infinita do mercado de derivados de crédito. Ou seja, se não pusermos estes contadores infernais a zeros, apenas teremos sangue, suor e lágrimas pela frente :(
Perante estes números, ou mesmo tendo presente apenas os mais de 38,89 milhões de milhões de dólares de
dívida pública mundial (mais de metade do PIB do planeta), o jogo da culpabilização nacionalista e a histeria partidária deixaram de ter sentido e apenas podem tornar as coisas mais desesperadas. A Alemanha é, aliás, o último país europeu a poder recriminar a Grécia, Portugal ou a Espanha pelas nossas desvairadas dívidas — que o são.
Think Greece's current economic malaise is the worst ever experienced in Europe? Think again. Germany, economic historian Albrecht Ritschl argues in a SPIEGEL ONLINE interview, has been the worst debtor nation of the past century. He warns the country should take a more chaste approach in the euro crisis or it could face renewed demands for World War II reparations.
'Germany Was Biggest Debt Transgressor of 20th Century', Spiegel Online.
Os algoritmos (dos finais da década de 1980, princípio da de 1990) e as equações de princípios de 1970, que nos conduziram até aqui, deixaram um número exagerado e demasiado pesado de países na insolvência. Sem escriturar mais e mais dívida, mais e mais quantidades surrealistas de liquidez digital, mais e mais moeda virtual (é tudo o mesmo!), o que aliás irá acontecer, mas não por muito tempo, nenhum dos países citados conseguirá sequer servir a sua dívida, quanto mais pagá-la. É da natureza dos buracos negros sugar toda a matéria que ande por perto!
It was the holy grail of investors. The Black-Scholes equation, brainchild of economists Fischer Black and Myron Scholes, provided a rational way to price a financial contract when it still had time to run. It was like buying or selling a bet on a horse, halfway through the race. It opened up a new world of ever more complex investments, blossoming into a gigantic global industry. But when the sub-prime mortgage market turned sour, the darling of the financial markets became the Black Hole equation, sucking money out of the universe in an unending stream.
Ian Stewart, "The mathematical equation that caused the banks to crash", The Guardian.
A dificuldade principal de toda esta calamidade financeira global reside assim num ponto: como deixar de pagar dívidas seguradas? Que parte poderá ser "perdoada"? Outra pergunta igualmente intrigante é esta: sendo o buraco nocional do mercado de derivados de crédito equivalente a tudo o que foi produzido ao longo de todo o século 20, como pensam as hienas da especulação traduzir em ativos reais (receitas comerciais garantidas, barragens, rios, portos, linhas férreas, comboios, aeroportos, aviões, ...) as suas esperadas cobranças usurárias? O sindicato de vendilhões do sombrio templo financeiro que nestes dois últimos anos tem vindo a lançar na miséria milhões de americanos, europeus, africanos e asiáticos, ainda não percebeu que a sua missão impossível é, em última instância, um desafio imperdoável às deusas do equilíbrio? E que Vénus e Balança acabarão por fazer justiça e reequilibrar a realidade?
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A corrida aos bancos está em marcha nos PIIGS desde 2010. |
Nas últimas duas semanas os alemães têm-se desmultiplicado em declarações sobre Portugal, ora elogiosas, ora apreensivas. Há duas explicações possíveis para tal agitação: ou acreditam que o próximo porco da matança somos nós, ou receiam que a estratégia de diversificação de alianças empreendida por Portugal desde (quem diria!) o governo de Sócrates, está a dar resultados positivos.
De facto, os portugueses têm vindo a preparar-se para a bancarrota, ou melhor, para o período pós-bancarrota. Como? Amealhando recursos (veja-se o reforço da
emissão de dívida pública colocada hoje no mercado) e diversificando o leque de credores, por forma a não ficar nas mãos de um só agiota. A receita da triangulação com a China e com os países de língua oficial portuguesa (1), que reiteradamente tenho sugerido, está em marcha e teve insuspeitos precursores, com bons resultados traduzidos, por exemplo, na entrada da China na EDP e na REN (que tanto tem preocupado a Alemanha...) Para quem estiver interessado em conhecer os protagonistas e uma das plataformas que estiveram na origem desta acomodação estratégica do país, recomendo uma visita atenta ao sítio de uma coisa chamada
GeoCapital, ou analisar a história recente do
Moza Banco (2).
Portugal é uma das bases estratégicas da China na sua busca de vias alternativas ao Estreito de Ormuz, por razões geográficas, mas também por razões culturais. Não é impunemente que Portugal mantém uma relação de cinco séculos com a China, e não perdeu a amizade dos povos das suas antigas possessões imperiais e coloniais. A Alemanha terá que recorrer aos seus melhores filósofos para entender esta intrigante realidade.
O texto que se segue é uma receita bem pensada para a reestruturação da dívida grega pós-bancarrota. Lendo-o, perceber-se-à melhor o alcance das manobras de sobrevivência que temos vindo a empreender, muito para além da retórica parlamentar, da desorientação partidária e das nuvens mediáticas.
…the first step to a successful default, is securing new money for after the default.
China has mentioned a desire to become involved in European bailouts, but at an asset owner level, rather than as just a lender. China wants to buy assets and wants strategic partners, it doesn’t just want to lend money.
[…]
So look to asset sales, and partnership with China. Not only should you be able to secure financing, it would be at prices far better than selling these same assets to other European entities. The Chinese desire is strong, and the EU has felt entitled. Even more important, China has the capital to spend money to improve these facilities. China can actually spend money to make sure their investments work – which means JOBS for Greeks! A deep pocketed strategic partner (not lender) with long term goals would provide not only immediate liquidity but a potential engine for GROWTH!
A Greek Default Doesn't Need To Be Chaotic For GreecePeter Tchir of TF Market Advisors (in ZeroHedge)
NOTAS
- Dados do comércio entre a China e a CPLP, em 2010:
—valor: 75,07 mil milhões de USD
—crescimento: 49,45%
— a China comprou aos CPLP bens e serviços no valor de 51,01 mil milhões de USD (+43,78%); e vendeu-lhes b&s no valor de 24,05 mil milhões de USD (mais 63,10%)
- Moza Banco is a financial institution that was launched Monday and includes Macau magnate Stanley Ho and Almeida Santos in its shareholder structure — in Club of Mozambique (18 Jun 2008).
A estrutura accionista do banco é composta pela Moçambique Capitais,
S.A., uma Empresa de Investimentos Moçambicana que detém 50.1%, o BES
África (Grupo Banco Espírito Santo) com 25.1% e a Geocapital, uma
sociedade de investimentos Luso-Macaense, que detém 24.5%.
A integração do Grupo BES Africa Holding, e do Grupo Banco Espírito
Santo para África na estrutura accionista do Moza Banco em Janeiro de
2011, veio alavancar a actividade do Banco, permitindo uma maior
aceleração no processo de expansão da rede, reforçando a infra-estrutura
tecnológica da Instituição, e beneficiando-se do know-how e
especialização do Banco Espírito Santo nas áreas de negócio Corporate,
Private e Retalho — in Auditoria de 2010 (KPMG).
Actualização: 15 Fev 2012 15:41