A oportunidade de Carmona
Há gente a quem não compraria um carro em segunda mão, por mais que mo aconselhassem: Fátima Felgueiras, Isaltino de Morais, Valentim Loureiro, Pinto da Costa, Jorge Coelho, Santana Lopes, Mário Lino, Mariano Gago e José Sócrates. Pelo contrário, apesar de todas as paixões negativas em volta de Manuel Maria Carrilho, comprei e li o livro que escreveu a propósito da fogueira que o consumiu nas últimas eleições autárquicas, tendo ficado convencido que é, no essencial, um homem bem formado, sério e determinado. Também creio em António Costa. E apesar do que escrevi em Janeiro, no preciso momento em que assisto à queda de Carmona Rodrigues, perante a exposição indecorosa do calculismo rasteiro de todos os partidos com assento autárquico, seria bem capaz de lhe comprar uma mota em segunda mão!
Como toda a gente sabe, as relações pouco claras com a Bragaparques (concessionária de vários estacionamentos pagos da capital) não são uma criação de Carmona Rodrigues, nem sequer de Santana Lopes, pois vêm já do tempo dos mandatos de Jorge Sampaio e João Soares. Por outro lado, o problema central da autarquia lisboeta, i.e. a sua dívida de mais de mil milhões de euros, também foi gerada sobretudo durante os mandatos de esquerda (900 milhões de euros é o montante da dívida acumulada até ao fim do mandato de João Soares), e não durante os consulados de Santana Lopes e Carmona Rodrigues. Em suma, o modelo de promiscuidade entre partidos políticos, autarquias, futebol, construtores civis e especulação imobiliária, de que são responsáveis todos os partidos do arco parlamentar, com especial responsabilidades para o PS, PSD-CDS e PCP, chegou ao fim, entre outras causas, porque o boom imobiliário já deu o que tinha a dar e nada será como dantes daqui para a frente. Por outro lado, à medida que o modelo implode e as dívidas se acumulam sem fontes de financiamento alternativas à vista, multiplicam-se os cadáveres no pântano da corrupção. O modelo partidocrata e clientelar que conduziu à actual hipertrofia orgânica das câmaras municipais terá que ser inevitavelmente discutido e revisto. Não sei se os 11 mil funcionários da CML (que custam 80 milhões de euros/ano) são demais, ou não. O que sei é que boa parte deles está sub-aproveitada, mal preparada, desempenhando funções inúteis e sem motivação para servir, como deve, a cidade. Como se isto não fosse por si só desastroso, vereações e vereadores adquirem serviços a centenas de contratados a prazo e empresas para fazerem aquilo que os funcionários não fazem, ou por não saberem fazê-lo, ou por serem pouco fiáveis nos resultados e praticamente impunes.
E no entanto, com tanto gasto e desperdício, Lisboa continua a cair aos bocados e sem serviços de qualidade. As crianças, os jovens, mas também os idosos e os doentes não encontram os necessários apoios sociais, desportivos e culturais de bairro. Os sistemas de informação, quase sempre de auto-propaganda do alcaide de turno, são miseráveis. Os transportes colectivos, que deveriam potenciar a vida diurna e nocturna da capital, não obedecem a nenhuma visão integrada. Os carros continuam em cima dos passeios e nas esquinas, como em nenhum outro país europeu. Os buracos multiplicam-se nas rodovias. Continuamos todos, enfim, à espera de uma verdadeira estrutura metropolitana que pense a Grande Lisboa e a respectiva região como um verdadeiro organismo vivo e interdependente. Só Lisboa poderá tomar uma tal iniciativa, firmemente e sem hesitações, pois só a capital dispõe dos argumentos e ferramentas necessários para desencadear esta imprescindível dinâmica.
Olhando, porém, para o comportamento dos actuais partidos representados na autarquia da capital portuguesa, dificilmente poderemos imaginar que algo possa mudar. Estão todos, sem excepção, agarrados ao décimo quarto mês. Os que se reclamam da "esquerda" (PS, PCP e BE) continuam a pensar que o dinheiro cai do céu e que portanto a solução passa sempre por aumentar taxas e impostos e ainda por deixar a especulação imobiliária à solta, sem perceberem que a suburbanização massiva um dia refluirá catastroficamente em direcção à cidade -- pensem em São Paulo e no Rio de Janeiro! Os de "direita" (PSD, PP), julgam que a única forma de contrariar a insensatez e a esclerose múltipla da "esquerda", é multiplicar e acelerar a lógica da privatização pura e dura, sem perceber que a maioria da população residente é pobre e está demasiado velha para mudar. Falta obviamente um ponto de equilíbrio, que só um terceiro actor em rede poderá proporcionar. Este terceiro protagonista tem, porém, que ser construído conscientemente. Não é uma pessoa, mas tem que começar por uma cara credível, disposta a partir a loiça, a colocar a carruagem nos eixos e a empunhar a bandeira da cidadania participativa e da defesa da cidade. Com um programa justo e que faça claramente sentido, por cujas causas os lisboetas sintam valer a pena mobilizar-se.
Para que tal ocorra, é necessário olhar para os residentes da capital. Só conhecendo os seus problemas e dando prioridade absoluta à sua solução, se ganhará a necessária energia eleitoral para desenhar uma visão pragmática, transparente e criativa da Lisboa sustentável e apetecível por que muitos anseiam. A minha dúvida, neste momento, chama-se Carmona Rodrigues...
Estará ele em condições de desafiar a actual nomenclatura partidária e arrancar a capital do lodaçal em que a fizeram cair? Se aquilo de que é suspeito for coisa de somenos (como consta, mas só ele, melhor do que ninguém, saberá), então, sim, creio que poderá mesmo avançar e surpreender. Muitos entrarão certamente na sua caravana. E se isso acontecer, desta vez por bons motivos, então muita coisa começará a mexer no exangue regime partidário que temos. Algo de fundamental tem que mudar, e rapidamente, sob pena de vermos a democracia portuguesa definhar entre o cabotinismo, a endogamia galopante, a mentira compulsiva e a mancha mafiosa da corrupção.
OAM #198 06 MAI 07
4 comentários:
Excelente, cerveira pinto! Reproduzido em www.somosportugueses.com
Pessoalmente creio que Carmona não vai disparar mas as plataformas de froças democráticas não partidárias nqas autarquias têm espaço para surgir. e as tomadas de posição. Aguardamos novidades.
Ola companheiros.
Gostaria de puxar para a discusão um velho tema que tem andado muito arredado de quase todas as conversas, devido talvez ao incomodo que tal situação causa, refiro-me a uma parte do territoria nacional ilegalmente ocupada por espanha,mais concretamente a nossa localidade de Olivença.
No dia 20 Maio 1801 - Num acto de agressão sem provocação, tropas espanholas de Manuel Godoy em aliança com os franceses, invadem o Alentejo e ocupam Olivença (traída pelo comandante mercenário Clemont) , e outras terras alentejanas.
Faz portanto este mês 206 anos que este povo Portugues começou a ser vitima do mais terrivel etnocidio da nossa história.
Apesar de em 9 Jun 1815 - O Tratado de Viena,na sua Acta Final 105, reconhecer os direitos e justiça de Portugal sobre os territórios de Olivença e seu termo (ainda ocupados por Espanha, estes mais de 700 km quadrados nunca foram restituidos a Portugal.
Um abraço a todos
Caro Mendo Henriques,
Em primeiro lugar, obrigado. Depois uma cunha: se puder actualize a versão do artigo, pois acabei de o burilar um pouco...
Em segundo, deverei dizer que o Carmona emite boas vibrações e as referencias q me foram chegando, sempre foram boas. Percebo q agir sob a pressão do colete de forças do PSD, ou sob as ordens do Santaninha, não terá sido nada fácil. Mas agora, se não houver acusação, ou for pueril, tem o caminho preparado para falar directamente com os lisboetas. Se tal vier a acontecer, seria excelente para que o paradigma da governabilidade democrática da cidade comece a mudar. As pessoas estão cada vez mais fartas do cabotinismo partidário dominante.
Em terceiro lugar, o essencial é pormos as formigas alfacinhas a conspirar e trabalhar para salvar a cidade da falência. Actores em rede podem e devem começar a definir uma agenda prática de mudança. Não precisamos de seduzir nenhum dos actuais partidos do exangue espectro local. Se quisermos chamar alguma coisa ao formigueiro que urge organizar, que seja, por exemplo, República Electrónica. Ou qualquer outra designação apropriada aos novos meios de acção política democrática.
Em quarto lugar: organizar uma candidatura independente para as próximas eleições parece-me uma excelente ideia! Até tenho um lindo nome:-)
Sobre Olivença: não creio que seja um problema dramático. Mas enfim, poderíamos agendá-lo como um assunto não esquecido nas relações bilaterais entre Portugal e Espanha (à semelhança da questão de Gibraltar, que opõe a Espanha ao Reino Unido.) O assunto até pode vir a tornar-se interessante à luz da plataforma logística planeada para a raia entre Badajoz e Elvas...
Mas repito: não me parece uma questão prioritária de soberania. Outras há bem mais importantes e a precisar de clarividência da nossa parte, como seja a questão da água na península ibérica, ou a penetração estratégica da banca espanhola no sistema financeiro português, sob o olhar impávido e sereno dos nossos governantes e gozando da cumplicidade cretina (ou conscientemente traidora) de alguns.
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