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quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

domingo, maio 06, 2007

Por Lisboa

Carmona RodriguesA oportunidade de Carmona

Há gente a quem não compraria um carro em segunda mão, por mais que mo aconselhassem: Fátima Felgueiras, Isaltino de Morais, Valentim Loureiro, Pinto da Costa, Jorge Coelho, Santana Lopes, Mário Lino, Mariano Gago e José Sócrates. Pelo contrário, apesar de todas as paixões negativas em volta de Manuel Maria Carrilho, comprei e li o livro que escreveu a propósito da fogueira que o consumiu nas últimas eleições autárquicas, tendo ficado convencido que é, no essencial, um homem bem formado, sério e determinado. Também creio em António Costa. E apesar do que escrevi em Janeiro, no preciso momento em que assisto à queda de Carmona Rodrigues, perante a exposição indecorosa do calculismo rasteiro de todos os partidos com assento autárquico, seria bem capaz de lhe comprar uma mota em segunda mão!

Como toda a gente sabe, as relações pouco claras com a Bragaparques (concessionária de vários estacionamentos pagos da capital) não são uma criação de Carmona Rodrigues, nem sequer de Santana Lopes, pois vêm já do tempo dos mandatos de Jorge Sampaio e João Soares. Por outro lado, o problema central da autarquia lisboeta, i.e. a sua dívida de mais de mil milhões de euros, também foi gerada sobretudo durante os mandatos de esquerda (900 milhões de euros é o montante da dívida acumulada até ao fim do mandato de João Soares), e não durante os consulados de Santana Lopes e Carmona Rodrigues. Em suma, o modelo de promiscuidade entre partidos políticos, autarquias, futebol, construtores civis e especulação imobiliária, de que são responsáveis todos os partidos do arco parlamentar, com especial responsabilidades para o PS, PSD-CDS e PCP, chegou ao fim, entre outras causas, porque o boom imobiliário já deu o que tinha a dar e nada será como dantes daqui para a frente. Por outro lado, à medida que o modelo implode e as dívidas se acumulam sem fontes de financiamento alternativas à vista, multiplicam-se os cadáveres no pântano da corrupção. O modelo partidocrata e clientelar que conduziu à actual hipertrofia orgânica das câmaras municipais terá que ser inevitavelmente discutido e revisto. Não sei se os 11 mil funcionários da CML (que custam 80 milhões de euros/ano) são demais, ou não. O que sei é que boa parte deles está sub-aproveitada, mal preparada, desempenhando funções inúteis e sem motivação para servir, como deve, a cidade. Como se isto não fosse por si só desastroso, vereações e vereadores adquirem serviços a centenas de contratados a prazo e empresas para fazerem aquilo que os funcionários não fazem, ou por não saberem fazê-lo, ou por serem pouco fiáveis nos resultados e praticamente impunes.

E no entanto, com tanto gasto e desperdício, Lisboa continua a cair aos bocados e sem serviços de qualidade. As crianças, os jovens, mas também os idosos e os doentes não encontram os necessários apoios sociais, desportivos e culturais de bairro. Os sistemas de informação, quase sempre de auto-propaganda do alcaide de turno, são miseráveis. Os transportes colectivos, que deveriam potenciar a vida diurna e nocturna da capital, não obedecem a nenhuma visão integrada. Os carros continuam em cima dos passeios e nas esquinas, como em nenhum outro país europeu. Os buracos multiplicam-se nas rodovias. Continuamos todos, enfim, à espera de uma verdadeira estrutura metropolitana que pense a Grande Lisboa e a respectiva região como um verdadeiro organismo vivo e interdependente. Só Lisboa poderá tomar uma tal iniciativa, firmemente e sem hesitações, pois só a capital dispõe dos argumentos e ferramentas necessários para desencadear esta imprescindível dinâmica.

Olhando, porém, para o comportamento dos actuais partidos representados na autarquia da capital portuguesa, dificilmente poderemos imaginar que algo possa mudar. Estão todos, sem excepção, agarrados ao décimo quarto mês. Os que se reclamam da "esquerda" (PS, PCP e BE) continuam a pensar que o dinheiro cai do céu e que portanto a solução passa sempre por aumentar taxas e impostos e ainda por deixar a especulação imobiliária à solta, sem perceberem que a suburbanização massiva um dia refluirá catastroficamente em direcção à cidade -- pensem em São Paulo e no Rio de Janeiro! Os de "direita" (PSD, PP), julgam que a única forma de contrariar a insensatez e a esclerose múltipla da "esquerda", é multiplicar e acelerar a lógica da privatização pura e dura, sem perceber que a maioria da população residente é pobre e está demasiado velha para mudar. Falta obviamente um ponto de equilíbrio, que só um terceiro actor em rede poderá proporcionar. Este terceiro protagonista tem, porém, que ser construído conscientemente. Não é uma pessoa, mas tem que começar por uma cara credível, disposta a partir a loiça, a colocar a carruagem nos eixos e a empunhar a bandeira da cidadania participativa e da defesa da cidade. Com um programa justo e que faça claramente sentido, por cujas causas os lisboetas sintam valer a pena mobilizar-se.

Para que tal ocorra, é necessário olhar para os residentes da capital. Só conhecendo os seus problemas e dando prioridade absoluta à sua solução, se ganhará a necessária energia eleitoral para desenhar uma visão pragmática, transparente e criativa da Lisboa sustentável e apetecível por que muitos anseiam. A minha dúvida, neste momento, chama-se Carmona Rodrigues...

Estará ele em condições de desafiar a actual nomenclatura partidária e arrancar a capital do lodaçal em que a fizeram cair? Se aquilo de que é suspeito for coisa de somenos (como consta, mas só ele, melhor do que ninguém, saberá), então, sim, creio que poderá mesmo avançar e surpreender. Muitos entrarão certamente na sua caravana. E se isso acontecer, desta vez por bons motivos, então muita coisa começará a mexer no exangue regime partidário que temos. Algo de fundamental tem que mudar, e rapidamente, sob pena de vermos a democracia portuguesa definhar entre o cabotinismo, a endogamia galopante, a mentira compulsiva e a mancha mafiosa da corrupção.

OAM #198 06 MAI 07

domingo, janeiro 28, 2007

Lisboa

Carmona a prazo

Carmona a prazo na capital

Uma só pessoa pode fazer a diferença. E José Sá Fernandes fê-la. A sua eleição nas listas do Bloco de Esquerda colocou a Câmara Municipal de Lisboa a dançar em cima de um tapete de brasas. De repente, o business as usual de um município como tantos outros por esse país fora, mas neste caso, a capital do país, habituado a alimentar-se da simbiose oportunista entre empreiteiros, clubes de futebol e políticos, tornou-se mais difícil, se não mesmo demasiado arriscado para os respectivos intervenientes. Encontrar uma mesa discreta para os almocinhos em volta dos planos directores municipais, permutas sem transparência, adjudicações ilegais e autorizações por baixo da mesa começou a ser ainda mais difícil e comprometedor. Por outro lado, como ninguém neste país parece ser capaz de resistir ao novo confessionário tecnológico em que se transformou o telemóvel, cada vez mais incautos morrem, como o peixe, pela boca! Presume-se que as escutas policiais e os discos duros dos computadores, também neste caso, possam comprometer dezenas de insuspeitos.

A história é conhecida: uma empresa privada de construção de Braga envolveu-se com a autarquia lisboeta num negócio obscuro de compra e permutas de terrenos municipais, estando ainda envolvida noutros negócios urbanísticos igualmente duvidosos com a dita entidade municipal. Tudo parece remontar ao tempo em que Santana Lopes foi presidente da autarquia alfacinha e houve aquelas sangrias desatadas a propósito do novo casino de Lisboa e da recuperação do Parque Mayer pelo traço mágico de Frank Gehry. Entretanto, Santana esvaíu-se na sua própria projecção mediática, primeiro, no reality show camarário, depois, no reality show governamental, e para fim de espectáculo, no remake do primeiro reality show camarário. O país ficou aliviado e Marques Mendes, ou alguém por ele, mostrou-lhe o caminho para algum conselho de administração tranquilizante e inócuo. Ao longo de toda esta telenovela mexicana emerge um professor universitário com ar simpático e boas referências: Carmona Rodrigues. Não é militante do PSD, mas independente que vota PSD. Segue como um escuteiro imberbe todas as tropelias do menineiro Pedro Santa Lopes e acaba por ser candidato sacrificial do dito PSD às últimas eleições para Câmara Muncipal de Lisboa. Contra todas as expectativas, ganha a autarquia! Pergunta-se: aproveitou tal resultado surpreendente para finalmente se impôr como principal responsável pelos destinos da capital? Não, preferiu continuar como pau doce e mandado dos mandarins de turno do PSD. Os resultados estão à vista: como autarca e como político o seu destino chegou ao fim. Não lhe resta outro caminho que não seja a demissão e o regresso à universidade. Se ainda não percebeu o que é evidente, melhor será que faça um esforço e se permita uma saída digna de um palco que não foi manifestamente feito à sua medida. As sereias do PSD, do PS e do CDS, que pretendem seduzi-lo a ficar, contra a evidência da sua própria ruína como primeiro responsável da primeira cidade do país, não estão a pensar no seu bem, mas apenas nas suas, deles, próprias conveniências de aparelho.

A promiscuidade entre políticos e empreiteiros (veja-se o caso da Ota) não é um exclusivo do PSD. Longe disso! Daí que a derrocada da actual vereação municipal possa transformar-se rapidamente numa Caixa da Pandora, que qualquer tentativa de esvaziamento pela via inter-partidária, ou governamental, só tornaria ainda mais explosiva. Depois do fiasco socialista em volta das propostas de João Cravinho para a criação de mecanismos e estratégias suplementares de combate à corrupção, no estado de irritação provocado pela actual maioria em muitos dos corpos da administração pública envolvidos no tratamento destas questões, e tendo na presidência da república quem temos, seria de uma grande imprudência tentar salvar quem não tiver salvação.

Desde logo, é urgente proceder a uma limpeza e a uma renovação do pessoal partidário com responsabilidades futuras nos destinos da cidade de Lisboa. Na banda PS ouvi há dias na SIC um jovem professor universitário e militante do PS, chamado Nuno Gaioso Ribeiro, que me pareceu brilhante, conhecedor dos problemas da cidade e ambicioso. Haverá seguramente gente igualmente interessante e promissora no PSD e nos outros partidos para a necessária renovação geracional de que a Câmara Municipal de Lisboa precisa. Quando João Soares pede a cabeça do aparatchic Miguel Coelho -- ilegitimamente ao comando dos destinos PS Lisboa (e que tudo fez para torpedear o caminho de Carrilho na sua estratégia municipal) --, exigindo ao mesmo tempo eleições intercalares, está no fundo a dizer a todos os partidos que nenhuma solução credível existe para o actual imbróglio que não passe por um novo processo de legitimação democrática. É uma posição avisada...

Além do mais uma nova refrega eleitoral vai ser seguramente muito mais exigente em termos programáticos. Os lisboetas querem, por exemplo, saber o que pensam os vários candidatos sobre o rapto anunciado do aeroporto Portela, ou o que pensa cada um deles fazer para a sustentabilidade da capital num cenário de crise energética, climática e económica global, ou ainda, que modelo económico poderá suceder à actual simbiose ilegítima entre vereações municipais, construtores civis e dirigentes de futebol.

O actual governo municipal da capital do país, com uma dívida aos ombros de mais de mil milhões de euros, uma cidade a cair aos bocados, sem estratégia que se veja e prisioneira, ao que parece, de hábitos sicilianos de gestão, face à gravidade das suspeições e à amplitude das investigações policiais em curso, não pode prosseguir, pois perdeu objectivamente a sua legitimidade democrática.

Para resolver o caos institucional instalado só há uma solução democrática: convocar eleições intercalares, mantendo-se a actual vereação em funções de mera gestão corrente. E nesta matéria, como noutras, as conveniências particulares dos partidos não devem sobrepor-se ao interesse público. São pagos para pensar nas soluções, não para se encolherem nos problemas!


Notas:
1. 29/01/07. No Bloco de Notas de Manuel Maria Carrilho de hoje pode ler-se um comentário sobre a situação da CML, que denota bem o grau de putrefação a que chegou o principal governo municpal do país, e que de certo modo explica a razão (diria de partido, no sentido nobre do termo) que terá levado este tão vilipendiado político a abandonar um navio sem comando, no interior do qual a maioria dos protagonistas partidários continua a dançar alegremente no deck como se o embate no imenso bloco de gelo da sua dívida e da teia negra de interesses não tivesse, de facto, ocorrido. João Soares apareceu hoje na SIC Notícias a explicar os méritos inquestionáveis da sua passagem pela autarquia, perfilando-se, creio, para nova dose de governança! Sempre gostaria de saber qual foi a sua parte da culpa nos mil milhões de euros que a CML deve aos bancos, e que só em juros acarreta um fardo para os lisboetas de quase 3 milhões de euros por mês.

Carrilho escreve, nomeadamente, o seguinte:
" (...) muitos dos que agora falam, com surpreendente desenvoltura, da "malta do betão" e de outras coisas do género, ficaram então bem calados, atrás do conveniente biombo, entretidos com o "feeding frenzy" do costume.
Eu assinalava os "limiares da corrupção" que se estava a tocar, e eles espantavam-se; eu apontava "indícios" de negócios inexplicáveis, e eles distraíam-se; eu diagnosticava a existência de um "polvo de interesses ocultos", e eles escandalizavam-se!"

O BCP diz que o Banco de Portugal quer vender (ou deixar vender) mais um banco aos espanhois. Eu digo que este governo, possuído por um voluntarismo irresponsável, pretende acabar com a TAP e enterrar o país na Ota (vendendo o país aos espanhois!). Carrilho alerta para os limiares da corrupção e para o polvo dos interesses ocultos no município da capital. E agora? Que fazer? Talvez uma boa varridela popular, não? - OAM


OAM #167 28 JAN 2007