Ameaças ao desenho europeu. Os "Global Balkans" segundo Zbigniew Brzezinski. |
EUA defendem que Portugal deve apostar na energia nuclear
O conselheiro da Casa Branca para o Ambiente, James Connaughton, defendeu hoje que Portugal deve apostar na energia nuclear, considerando que é um dos países com maiores capacidades para produzir energia totalmente limpa.
(...) De uma forma global, Connaughton defendeu que o nuclear deve ser usado por todos os países que tenham capacidade tecnológica e uma forma de a produzir de um modo seguro.
"A energia nuclear é a única fonte capaz de produzir energia a baixo custo e que consegue sustentar cidades inteiras sem emissões. Não conseguimos fazer progressos ao nível energético e ao nível das alterações climáticas se não usarmos muito mais energia nuclear ao nível global", sustentou.
Os dois responsáveis norte-americanos vão ter hoje encontros em Lisboa com representantes dos Ministérios do Ambiente e da Economia, a quem darão conta da conferência sobre alterações climáticas que a administração Bush está a organizar para os dias 27 e 28 de Setembro. in Jornal de Negócios Sexta, 14 Setembro 2007
A ideia faz muito pouco sentido tal como aparece, sobretudo vinda de onde vem: um governo que nunca ratificou o Protocolo de Quioto, corrupto, criminoso e em fim de mandato. Pode, porém, haver um cenário sinistro por detrás desta iniciativa: envolver Portugal na actual corrida nuclear. Este cenário aparentemente improvável passaria por dotar o nosso país de uma ou duas centrais nucleares, de tecnologia avançada no domínio do enriquecimento de urânio para produção de plutónio militar e... a militarização nuclear dos Açores!
Isto pode muito bem ser o início de uma resposta estratégica ao recuo inevitável dos EUA no Médio Oriente, depois do fiasco do Iraque, da incapacidade crescente de gerir o conflito israelo-árabe, e perante a irresistível influência do eixo Pequim-Moscovo (através da Shanghai Cooperation Organization) em toda a vasta área do que Brzezinsky começou por chamar The Eurasian Balkans (The Grand Chessboard, 1997) e que no seu último livro, The Second Chance (2007), designa por Global Balkans. Já para não falar dos efeitos do desastre iraquiano no reforço do islamismo radical em todo o Norte de África.
Enquanto a Rússia ameaça funcionar como estado tampão entre a Europa Ocidental e a Eurásia, com argumentos tão poderosos como os da sua riqueza energética e os do seu renovado poder militar estratégico, podendo a qualquer momento desencadear uma placagem dramática à evolução prevista da União Europeia, induzindo por aí um regresso catastrófico ao bicefalismo de Versailles, os Estados Unidos de Bush parecem preferir, precisamente, este cenário! Se assim for, faz todo o sentido a iniciativa ecológica caricata do senhor James Connaughton.
Entretanto, José Sócrates anda com os olhos cada vez mais em bico. Não viu o Dalai Lama. Vai à China negociar contentores. Será que entenderá o recado americano? Para onde irá pender, no ping-pong entre Washington e Pequim? Não preside actualmente à União Europeia? Não acha que esta seria uma excelente oportunidade para fazer um pouco de história a sério, em vez de andar pelo país televisivo fora armado em caixeiro-viajante da indústria informática?
A questão energética não é, de facto, o assunto desta inusitada deslocação do protector americano a Lisboa, pelo que não voltarei a deter-me, para já, na questão do nuclear para fins pacíficos. Recomendo, no entanto e a propósito, a leitura integral da resposta dada por John Busby a um recente inquérito público inglês sobre a alternativa nuclear à actual e sobretudo futura crise energética.
Response to the Government's consultative document 'The Future of Nuclear Power'
By John Busby
Sandersresearch
Sep/11/2007
"Ever wondered if the clock was ticking regarding a secure electricity supply? Could new nuclear power stations actually increase carbon emissions? Could the looming shortage of uranium represent the biggest challenge to a nuclear renaissance? These are just a few of the questions answered by John Busby in his response to the Government’s consultative document 'The Future of Nuclear Energy'".
OAM #240 12:57, 14 SET 2007 (UTC)
9 comentários:
Não estou convencido das boas intenções dos EUA quanto à energia nuclear e, principalmente, quanto à sua componente ecológica. No entanto, acho que vale a pena analisar a questão à margem dos tais preconceitos esquerdistas que, se calhar, até existem.
O petróleo está caro porquê? A resposta é óbvia: a lei da oferta e da procura já foi inventada há muito tempo. A figura do Cartel também. Ora se, até recentemente, bastava um produtor produzir mais e os preços baixavam (porque os outros não queriam ou não podiam baixar a produção), agora basta um produtor produzir menos e os preços sobem (porque os outros não podem aumentar ou estão em condições de não querer aumentar a produção).
Conclui-se que os consumidores, entre os quais nos incluímos, estão cada vez mais dependentes de personagens como Amadinejad, Chavez ou Putin. Agrada-lhe a situação? Gosta deles? Confia neles? Eu (também) não.
Como é que se diminui a nossa dependência desses senhores? Consumir menos é uma via que vai sendo explorada mas só dá resultado (em termos de posição dominante de consumidores / produtores) se for global. Neste sentido, é uma miragem e, ainda por cima, temporária. O que não quer dizer que não deva ser seguida, muito pelo contrário. Outra via é desenvolver a produção local, renovável ou não. É o que, por exemplo, a China está a fazer com o carvão e que se dane o ambiente. É o que os europeus vão tentando fazer, não com o carvão porque, literalmente, o que tinham já ardeu…
Em Portugal, a energia de origem hídrica, com albufeiras de regularização e grupos reversíveis, deve ser desenvolvida. Os aerogeradores, além de caros, só produzem quando há vento. E, que se saiba, não há forma de armazenar vento para gastar às horas a que há consumo.
Neste ambiente, dizer não ao nuclear civil ‘porque não’ é um disparate que continua na moda. Também há sempre protestos quando se quer fazer um novo aproveitamento hídrico, e não só. Discuta-se o balanço económico, ecológico, estratégico da fileira nuclear mas não se diga ‘não obrigado, porque não’. É certamente mais útil estudar o que se vai passando por outros países da Europa.
Do ponto de vista dos EUA é natural que queiram que o nuclear civil se desenvolva em países europeus seguros (com democracias sólidas) porque aliviariam a pressão sobre as energias fósseis, de que eles também são grandes consumidores. Já quanto a dizer que o desenvolvimento do nuclear civil em Portugal seja vantajoso para nós…
Em conclusão, o interesse manifestado pelos EUA justifica-se muito bem sem ser preciso inventar teorias conspirativas mais ou menos retorcidas como as que sugere o autor do blog. Se calhar, os tais preconceitos esquerdistas existem mesmo!
Caro anónimo,
as suas perguntas são oportunas; o ideal seria mesmo fazer-se, à margem dos governos (porque nunca fazem os TPC), um levantamento energético do país, que respondesse a estas questões muito simples:
1) qual é o consumo anual em energia de Portugal?
2) quanta desta energia é importada?
3) que percentagem desta energia tem origem nos hidrocarbonetos (petróleo, gás natural e carvão)?
4) qual é a proporção da energia eléctrica no total da energia consumida?
5) qual é a proporção dos combustíveis líquidos no total da energia consumida?
6) quanta energia hídrica produzimos actualmente; em valor absoluto e em percentagem da energia total consumida anualmente?
7) se se construíssem as 10 novas barragens anunciadas pelo governo Sócrates, que acréscimo no valor total da produção se obteria anualmente?
8) quantas barragens poderiam teoricamente funcionar com albufeiras de regularização e grupos reversíveis; e qual seria o acréscimo do potencial energético acrescido?
9) qual o impacto ecológico da retenção das águas e respectiva massa biológca nas ditas albufeiras?
10) que impacto estratégico poderia ter no País a alienação de todos estes complexos hídricos (territórios e equipamentos) aos conglomerados multinacionais de produção/distribuição energética? Como cuidaríamos das questões críticas de soberania que este tipo de aventuras pode implicar?
Depois de respondidas estas 10 perguntas, voltarei ao tema nuclear e da sua insustentabilidade geral, pelo menos enquanto estivermos a falar de fissão nuclear.
O último livro de Brzezinsky - Global Balkans, do qual eu não tinha ainda ouvido falar (thanks, by the way), era bom para enfiar pelo cu acima de alguns gajos que eu conheço.
Quanto ao «Isto pode muito bem ser o início de uma resposta estratégica ao recuo inevitável dos EUA no Médio Oriente, depois do fiasco do Iraque, da incapacidade crescente de gerir o conflito israelo-árabe, e perante a irresistível influência do eixo Pequim-Moscovo (através da Shanghai Cooperation Organization)», - não existe nenhum recuo de Washington. Eles construíram 14 super-bases militares no Iraque, dominam o Afeganistão, armaram até aos dentes o «seu aliado» Arábia Saudita e acabam de reforçar Israel (o porta-aviões insubmersível). Já para não falar do Paquistão.
Mas que irá existir um confronto entre os neocons e o STO (Shanghai Cooperation Organization) não tenho dúvidas. Torço paro que os vencedores sejam apreciadores de arroz chau chau , crepes, vodka e Balalaicas.
Diogo, o último livro do Brzezinsky chama-se "Second Chance". É demolidor para Bush e para o maior e mais efémero império da história. O estatuto dos EUA como única super-potência global durou, nas palavras do democrata americano, 15 anos!
É verdade que Bush e Cheney construiram novas bases na região. Mas só servirão para segurar Israel, a Arábia Saudita e algum do petróleo do Médio Oriente, e não, como no plano inicial que presidiu à decisão de as construir, para entalar a Rússia, proteger as novas democracias do arco íris e controlar o Mar Cáspio. De qualquer modo, as tais bases dão muito jeito à União Europeia, que sem gastos (!) vai garantindo a segurança da Polónia e da Ucrânia. O Báltico e o Cazaquistão, entre outras regiões dos Novos Balcãs, ou Global Balkans, também agradecem, "just in case".
Os "neocons", entretanto, estão arrumados. Curiosamente, nem a Rússia, nem a China precisam de nada que esteja realmente nos EUA. E quanto aos Global Balkans, à África, à América Latina, ou à Passagem do Noroeste, tanto a Rússia, como a China, apenas querem fazer "comércio justo" ;-)
Citações de Zbigniew Brzezinski no seu livro «The Grand Chessboard»
"For America, the chief geopolitical prize is Eurasia... Now a non-Eurasian power is preeminent in Eurasia - and America's global primacy is directly dependent on how long and how effectively its preponderance on the Eurasian continent is sustained.”
"In that context, how America 'manages' Eurasia is critical. Eurasia is the globe's largest continent and is geopolitically axial. A power that dominates Eurasia would control two of the world's three most advanced and economically productive regions. (…) Eurasia accounts for 60 per cent of the world's GNP and about three-fourths of the world's known energy resources."
"America is now the only global superpower, and Eurasia is the globe's central arena. Hence, what happens to the distribution of power on the Eurasian continent will be of decisive importance to America's global primacy and to America's historical legacy."
"The most immediate task is to make certain that no state or combination of states gains the capacity to expel the United States from Eurasia or even to diminish significantly its decisive arbitration role."
"Moreover, as America becomes an increasingly multi-cultural society, it may find it more difficult to fashion a consensus on foreign policy issues, except in the circumstance of a truly massive and widely perceived direct external threat. "
O livro "Second Chance" de Brzezinski será um manual para um controlo da Eurásia de forma menos abrutalhada? Second Chance para quê? Será uma estratégia de pezinhos de lã?
in Second Chance, Zbigniew Brzezinsky escreveu:
"Because of Bush's self-righteously unilateral conduct of U.S. foreign policy after 9/11, the evocative symbol of America in the eyes of much of the world ceased to be the Statue of Liberty and instead became the Guantanamo prison camp."
"Arnold Toynbee, in his classic study of history, ascribed the fall of empires ultimately to 'suicidal statecraft' by their leaders. The saving grace for America may be that, unlike emperors, U.S. presidents, including catastrophic ones, are limited to eight years in office."
Último parágrafo:
"It is essential that America's second chance after 2008 be more successful than the first for there will be no third chance. America urgently needs to fashion a truly post-Cold War globalist foreign policy. It still can do so, provided the next president, aware that "the strength of a great power is diminished if it ceases to serve an idea," tangibly relates American power to the aspirations of politially awakened humanity."
A questão volta a colocar-se. Segunda oportunidade para que objectivo? No «The Grand Chessboard», Brzezinsky foi muito assertivo:
"America is now the only global superpower, and Eurasia is the globe's central arena. Hence, what happens to the distribution of power on the Eurasian continent will be of decisive importance to America's global primacy and to America's historical legacy."
"The most immediate task is to make certain that no state or combination of states gains the capacity to expel the United States from Eurasia or even to diminish significantly its decisive arbitration role."
Brzezinsky ainda quer controlar a Eurasia. Foi ele o principal responsável pela organização dos «freedom fighters» que correram com a URSS do Afeganistão. Foi ele o responsável pela desestabilização e independência das repúblicas islâmicas da ex-URSS.
Este livro delicodoce «Second Chance» é somente para acalmar os ânimos de uma população americana revoltada. O objectivo mantém-se: controlo do petróleo e controlo estratégico militar do Cáspio e do Médio Oriente. Mais, Brzezinsky foi um dos principais visionários do 11 de Setembro e da «guerra ao terrorismo»:
"Moreover, as America becomes an increasingly multi-cultural society, it may find it more difficult to fashion a consensus on foreign policy issues, except in the circumstance of a truly massive and widely perceived direct external threat."
Diogo,
Tudo certo (não defendo o democrata americano, mas leio-o com interesse.) A questão, porém, subsiste: terá a Europa, ou os estados que pretendem formá-la, alguma estratégia de médio-longo prazo destinada a enfrentar a questão energética? Havendo, por outro lado, uma movimentação tectónica das placas de poder mundial, qual a estratégia europeia, se é que se pode falar de Europa a este nível de visão e decisão?
António,
Já há tempos que deixei de ver os grandes conflitos mundiais como conflitos entre nações (considerando a UE uma «nação»).
Quase já tudo se joga a nível de grandes conglomerados económicos privados. Seja a nível financeiro, seja a nível militar, seja a nível energético, seja a nível de matérias-primas, seja a nível de mercados. Quem são os verdadeiros donos? Não serão seguramente nações nem os respectivos povos.
No petróleo, as sete irmãs passaram a quatro: ExxonMobil, Chevron, Shell, e BP. Entretanto petrolíferas «russas» e empresas «chinesas» meteram-se ao barulho. O que é certo é que o preço do petróleo continua a subir:
Since George Bush became President in 2001, the top five oil companies in the United States have recorded profits of $464 billion through the first quarter of 2007.
Qual é a questão energética afinal? Lembra-me o «problema inflacionário» que tanto aflige o BCE.
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