Geração à Rasca — Av. Liberdade, Lisboa, 12mar2011 (Foto: ACP) |
A monumental manifestação de cidadania que por todo o país respondeu à convocatória da Geração à Rasca foi, na realidade, a certidão de óbito de uma democracia degenerada e já sem capacidade de auto-regeneração. De facto, só uma revolução constitucional poderá superar de forma realista e saudável o impasse sistémico a que chegámos. Precisamos, como escreveu Manuel Maria Carrilho, de uma nova república, mas para lá chegarmos precisamos também de uma nova constituição, e de uma nova assembleia constituinte. Esta é aliás a única via de saída pacífica e democrática para um regime que chegou miseravelmente ao fim. Resta apenas saber se o actual presidente da república tem condições para liderar um tal processo, ou se vai ser preciso um grande empurrão popular para lá chegarmos!
A manifestação de 12 de março de 2011 assinala a tomada de consciência patriótica, em sentido profundo e construtivo, de que algo muito importante e íntimo se quebrou e não pode ser reparado sem uma mudança de regime político. Refiro-me à confiança dos portugueses nas suas instituições democráticas.
Depois do avisado discurso de posse de Cavaco Silva, e dos sinais visíveis de realidades prontas a emergir —quer da alma amordaçada do PS, quer da insustentável duplicidade liberal-populista do PSD, ou ainda de múltiplos movimentos espontâneos de indignação, com o potencial de evoluírem para decisivas forças políticas de mudança—, Portugal está perante um dilema: prolongar por mais algumas semanas, meses, uma década que seja, a actual agonia, pagando o preço de entregar o país à guarda da Alemanha e da Espanha; ou então, despedir sem cerimónias o regime corrupto e inepto que deixámos imprudentemente proliferar como um cancro, substituindo-o rapidamente por uma nova república, constituída por poderes efectivamente democráticos, eticamente responsáveis, tecnicamente competentes e culturalmente ambiciosas.
O exemplo da IslândiaNa sequência da falhada tentativa de golpe estado "socialista" da passada sexta-feira, Paulo Portas fez uma intervenção oportuna, denunciando pela primeira vez, em simultâneo, o "TGV" e o novo aeroporto. Estou convencido que esta declaração, e a decisão de forçar a discussão do PEC-4 no parlamento, foram momentos decisivos para o fim do governo Sócrates. Sem esta intervenção, que sorrateiramente impediu Passos de Coelho de continuar a manobrar, estaríamos ainda suspensos da secreta e difícil negociação entre o PS e o PSD em volta da partilha dos 55 mil milhões de euros de obras públicas que ambos querem levar por diante, em nome das construtoras e bancos que neles mandam, nem que para tal tenham que expropriar toda a classe média da sua condição, e acelerar a morte dos mais idosos e mais pobres recorrendo a restrições e cargas fiscais verdadeiramente assassinas (1).
... a Islândia (ler aqui, e aqui) dispõe [desde 27 de novembro passado] de uma Assembleia Constituinte composta por 25 simples cidadãos eleitos pelos seus pares. É seu objectivo reescrever inteiramente a constituição de 1944, tirando nomeadamente as lições da crise financeira que, em 2008, atingiu em cheio o país. Desde esta crise, de que está longe de se recompor, a Islândia conheceu um certo número de mudanças espectaculares, a começar pela nacionalização dos três principais bancos, seguida pela demissão do governo de direita sob a pressão popular.
As eleições legislativas de 2009 levaram ao poder uma coligação de esquerda formada pela Aliança (agrupamento de partidos constituído por social-democratas, feministas e ex-comunistas) e pelo Movimento dos Verdes de esquerda. Foi uma estreia para a Islândia, bem como a nomeação de uma mulher, Johanna Sigurdardottir, para o lugar de Primeiro-Ministro. — De um amigo.
O instinto de sobrevivência de Portas falou mais alto. Com Rui Rio anunciando o fim do regime, Pedro Santana Lopes avisando que poderá formar um novo partido, e a Geração à Rasca inundando as principais cidades do país, só um tolo não perceberia que a crise política está instalada, e que antecipar o calendário eleitoral será o menor dos males. A Alemanha que espere!
NOTAS
- A saída de Manuel Avelino Jesus da comissão de avaliação das parcerias público-privadas (ler aqui), anunciada ontem, é apenas mais um sintoma do sinistro arquipélago de sombras disputado por grandes empresas e bancos endividados incapazes de largar as tetas do orçamento, sabendo embora que a dívida soberana portuguesa acaba de explodir. Nem que seja preciso escravizar uma nação inteira, enchendo o país de estradas, barragens, pontes e aeroportos de que não precisamos, nem podemos pagar, esta burguesia palaciana e burocrática continuará a enviar os seus testas de ferro para a frente televisiva e para os corredores e alcovas governamentais. Até que alguém lhes diga: basta!
3 comentários:
Excelente comentário.
Excelente blogue, parabéns.
Caro amigo
Já é tempo de dizer, BASTA.
Os exemplos que chegam de fora e a manifestação do dia 12 comprovam que o País está "maduro" para que se conteste este Sistema e esta classe política.
Nós estamos a caminho.
Vamos ver que vai connosco.
O Anónimo que postou o comentário antecedente tem 24 horas para dar a cara. De contrário, o seu comentário será considerado um ataque estúpido e cobarde, e por conseguinte eliminado (antes que o seu anónimo autor tenha a oportunidade de me eliminar). Este blogue não é uma porta de retrete.
Enviar um comentário