Manifesto pela Democratização do Regime
A tragédia social, económica e financeira a que vários governos conduziram Portugal interpela a consciência dos portugueses no sentido de porem em causa os partidos políticos que, nos últimos vinte anos, criaram uma classe que governa o País sem grandeza, sem ética e sem sentido de Estado, dificultando a participação democrática dos cidadãos e impedindo que o sistema político permita o aparecimento de verdadeiras alternativas.
Neste quadro, a rotação no poder não tem servido os interesses do Povo. Ela serve sobretudo para esconder a realidade, desperdiçando a força anímica e a capacidade de trabalho dos portugueses, bem como as diversas oportunidades de desenvolvimento que o País tem tido, como aconteceu com muitos dos apoios recebidos da União Europeia.
A obsessão do poder pelo poder, a inexperiência governativa e a impreparação das juventudes partidárias que, com inusitada facilidade e sem experiência profissional ou percurso cívico, chegam ao topo do poder político, servem essencialmente objectivos e interesses restritos, nacionais e internacionais, daqueles que utilizam o Estado para os seus próprios fins.
O factor trabalho e a prosperidade das pessoas e das famílias, base do progresso da Nação, são constantemente postos em causa pela austeridade sem desígnio e pelos sacrifícios impostos aos trabalhadores, como se fossem eles, e não os dirigentes, os responsáveis pelo desgoverno do Estado e pelo endividamento excessivo a que sucessivos governos conduziram Portugal.
Como se isso não bastasse, o poder político enveredou pela afronta de culpar os portugueses, procurando constantemente dividi-los: os mais novos contra os mais velhos, os empregados contra os desempregados, os funcionários públicos contra os trabalhadores do sector privado.
A Assembleia da República, sede da democracia, desacreditou-se, com os deputados a serem escolhidos, não pelos eleitores, mas pelas direcções partidárias, que colocam muitas vezes os seus próprios interesses acima dos interesses da Nação. A Assembleia da República representa hoje sobretudo – com honrosas excepções – um emprego garantido, conseguido por anos de subserviência às direcções partidárias e de onde desapareceu a vontade de ajuizar e de controlar os actos dos governos.
A Nação portuguesa encontra-se em desespero e sob vigilância internacional. Governos sem ideias, sem convicções, sem sabedoria nem estratégia para o progresso do País, colocaram os portugueses numa situação de falência, sem esperança, rumo ou confiança. O Estado Social está a desmoronar-se, mais do que a racionalizar-se, deixando em angústia crescente centenas de milhares de desempregados e de novos pobres.
E não é apenas o presente que está em desagregação. É simultaneamente o futuro de dezenas de milhares de jovens sem emprego ou com salários que não permitem lançar um projecto de vida.
Só por incompetência partidária e governativa se pode afirmar que os portugueses têm vivido acima das suas posses —como se as posses de milhões de famílias que recebem menos de mil euros por mês fosse o problema— ou que não existem alternativas aos sacrifícios exagerados impostos aos mais pobres e à classe média.
É urgente mudar Portugal, dando conteúdo positivo à revolta e à crescente indignação dos portugueses. As grandes manifestações já realizadas mostraram de forma inequívoca o que milhões de portugueses pensam do sistema político e da nomenclatura governativa. Há uma diferença dramática entre os políticos que pensam na próxima geração e os que pensam sobretudo na próxima eleição. A sociedade portuguesa tem naturalmente respeito pelas figuras políticas e pelos partidos que foram determinantes no regresso do País a um Estado de Direito Democrático. E pelos políticos que, com visão, souberam recolocar Portugal na Europa.
O que está hoje em causa já não é a opção pela democracia, mas torná-la efectiva e participada. Já não está em causa aderir à Europa, mas participar no relançamento do projecto europeu. Não está em causa governar, mas corrigir um rumo que nos conduziu à actual crise e realizar as mudanças que isso implica.
Todavia, nada será possível sem um processo de reformas profundas no Estado e na economia, reformas cujos obstáculos estão, em primeiro lugar, nos interesses de uma classe política instalada e na promiscuidade entre o poder político e os interesses financeiros. Impõe-se uma ruptura, que a nosso ver passa por três passos fundamentais:
— Em primeiro lugar, por leis eleitorais transparentes e democráticas que viabilizem eleições primárias abertas aos cidadãos na escolha dos candidatos a todos os cargos políticos;
— Em segundo lugar, pela abertura da possibilidade de apresentação de listas nominais, de cidadãos, em eleições para a Assembleia da República. Igualmente, tornando obrigatório o voto nominal nas listas partidárias;
— Em terceiro lugar, é fundamental garantir a igualdade de condições no financiamento das campanhas eleitorais. O actual sistema assegura, através de fundos públicos, um financiamento das campanhas eleitorais que contribui para a promoção de políticos incompetentes e a consequente perpetuação do sistema.
Esta ruptura visa um objectivo nacional, que todos os sectores da sociedade podem e devem apoiar. Alterar o sistema político elimina o pior dos males que afecta a democracia portuguesa. Se há matéria que justifica a união de todos os portugueses, dando conteúdo às manifestações de indignação que têm reclamado a mudança, é precisamente a democratização do sistema político.
É urgente reivindicar este objectivo nacional com firmeza, exigindo de todos os partidos a legislação necessária. Queremos que eles assumam este dever patriótico e tenham a coragem de —para o efeito— se entenderem. Ou então que submetam a Referendo Nacional estas reformas que propomos e que não queiram assumir. Os portugueses saberão entender o desafio e pronunciar-se responsavelmente.
Entretanto, os signatários comprometem-se a lançar um movimento, aberto a todas as correntes de opinião, que terá como objectivo fazer aprovar no Parlamento novas leis eleitorais e do financiamento das campanhas eleitorais.
A Pátria Portuguesa corre perigo. É urgente dar conteúdo político e democrático ao sentimento de revolta dos portugueses. A solução passa obrigatoriamente pelo fim da concentração de todo o poder político nos partidos e na reconstrução de um regime verdadeiramente democrático.
NOTA (22 mar 2013)
Estive em dado momento envolvido nas conversas que viriam a dar lugar ao Manifesto pela Democratização do Regime. Contribuiu para a sua redação, embora questionasse sempre alguma terminologia suscetível de convocar demónios populistas com que não me identifico. O que se seguiu ao anúncio público prematuro do Manifesto levou-me entretanto a desligar-me do processo. O blogue e a página Facebook que entretanto publicara em apoio ao manifesto perderam assim justificação, tendo por isso sido retiradas. Publico, e para memória futura, cópia do email enviado à lista de subscritores.
Caio fora :(
Caros concidadãos,
Desde que o Manifesto foi publicado tive ocasião de acompanhar mais de perto o que se está a passar. E francamente não gosto :(
Não se pode exigir mais democracia, mais representatividade, e mais transparência, e demonstrar ao mesmo tempo, por enquanto pela calada, um tão inacreditável desejo de controlo centralista do que não passa de uma mão cheia de nada.
Desvinculo-me assim, hoje mesmo, do Manifesto.
Este blogue e a página associada no Facebook ficarão no éter como testemunhos da minha passagem por mais uma ilusão momentânea, mas deixarão ambos de aceitar publicações.
Saudações democráticas,
António Cerveira Pinto