A honestidade fiscal também não mora na Alemanha. |
A fuga ao fisco é um problema, mas não é o maior de todos
Os paraísos fiscais em todo o mundo, e de todo o tipo, uns permitdos, outros perseguidos, incluindo as ilhas-pirata da Coroa Britânica, a City londrina, a Irlanda, a Holanda, o Luxemburgo ou a Suíça, poderão albergar entre 6 (Think Progress) e 32 (BBC) biliões de dólares—ou seja, entre 6E12 e 32E12 USD.
Para termos uma ideia da enormidade destas estimativas, basta pensar que o PIB mundial é da ordem dos 74 biliões de dólares—74E12 USD. Ou seja, a riqueza que foge, total ou parcialmente, às responsabilidades fiscais de origem, é da ordem de metade do PIB mundial.
Só em impostos não pagos por ano podemos estar a falar de 190 a 280 mil milhões de dólares. O PIB português em 2013 foi da ordem dos 220 mil milhões de dólares.
Tudo isto é verdade e deve ser denunciado e combatido. Mas não tenhamos ilusões: isto é apenas a ponta de um icebergue bem maior e mais perigoso.
Por exemplo, só a exposição do Deutsche Bank ao gigantesco mercado de derivados financeiros é da ordem dos 54,7 biliões de dólares—$54,7E12. Basta que 10% destes contratos (CDS, etc.) não sejam cumpridos, para que o DB tenha que assumir perdas na ordem dos 5,4 biliões de dólares, o dobro do PIB alemão!
Por sua vez, o 'valor nocional' do mercado mundial de derivados financeiros OTC (especulativos), era, segundo o BIS, na primeira metade de 2014, da ordem dos 691 biliões de dólares, mais de 9x o PIB mundial. Se apenas 10% destes contratos fossem ao ar, o buraco seria da ordem dos 69 biliões de dólares—próximo, portanto, do valor do PIB mundial...
Quero
dizer com isto que a responsabilidade do Grande Buraco Negro que está a
engolir as sociedades de consumo (e também as outras!) não é só do
dinheiro que foge aos impostos, mas também do endividamento privado e
público baseado em expetativas de crescimento que estão a
desaparecer, e sobretudo ainda do jogo bolsista, boa parte
do qual é investimento puramente especulativo.
Diria,
em síntese, que é preciso menos impostos e mais repressão fiscal sobre
os infratores, nomeadamente sobre os paraísos fiscais. Mas ao mesmo
tempo é urgente suprimir a concorrência
fiscal dentro duma mesma zona monetária, como hoje ocorre na Europa.
É
mais urgente, factível e frutuoso, implementar imediatamente uma
verdadeira união fiscal na Zona Euro, incluindo países associados ou com
moedas atreladas à moeda única, do que insistir apenas no ataque
já em curso contra os paraísos fiscais, nomeadamente por parte dos Estados Unidos, ou da China..
A denúncia cega dos paraísos fiscais pode ocultar sem querer a questão muito grave da concorrência fiscal entre países da zona euro, e a questão gravíssima da especulação financeira, nomeadamente com os célebres Credit Default Swaps, associados a PPPs, ao financiamento dos défices e das dívidas públicas, ou à especulação com taxas de juro e de câmbio.
A denúncia cega dos paraísos fiscais pode ocultar sem querer a questão muito grave da concorrência fiscal entre países da zona euro, e a questão gravíssima da especulação financeira, nomeadamente com os célebres Credit Default Swaps, associados a PPPs, ao financiamento dos défices e das dívidas públicas, ou à especulação com taxas de juro e de câmbio.
Mas o que, do meu
ponto de vista, temos que perceber de vez é que o paradigma do
crescimento mundial mudou, seja porque o mix energético está em plena
metamorfose, seja porque a redistribuição da riqueza mundial sofreu e
continuará a sofrer um ajustamento brutal com a entrada dos países
emergentes na equação de acesso e usufruto dos recursos finitos
disponíveis, seja porque o modelo consumista, privado e público, morreu.
O perigo maior, neste momento, não são
os paraísos fiscais, nem sequer a fuga aos impostos, mas a bolha de
derivados especulativos, e o endividamento brutal, privado e público, que continuará a
aumentar durante mais algum tempo.Os maniqueísmos de que a comunicação social e os políticos gostam não são bons conselheiros.
Sem comentários:
Enviar um comentário