Voltar a dividir o país entre esquerda e direita é um suicídio político
Parlamento não comemora 25 de Novembro
TSF, 19 novembro 2015
Os partidos da esquerda (PS, PCP, BE e PEV) faltaram hoje à reunião do grupo de trabalho proposto pelo presidente da Assembleia da República para discutir uma eventual evocação parlamentar do 25 de Novembro de 1975, data que marcou o final do Processo Revolucionário em Curso (PREC).
...
Nuno Magalhães, do CDS disse que os partidos da oposição "desertaram e fugiram" da reunião e receou poder estar a acontecer "um processo revolucionário em curso se não reagirmos a tempo", numa referência ao PREC.
Porque está Costa tão nervoso e há tanto ódio no PS?
José Manuel Fernandes. Observador, 18/11/2015
Na crise de 2013 Cavaco Silva disse a Passos Coelho que não daria posse a um governo do PSD apoiado no parlamento pelo PP – a coligação tinha de se traduzir não só na existência de ministros do PP, como na presença do seu líder à mesa do Conselho de Ministros. Porque há-de ser diferente agora?
Vivi por dentro o PREC—Processo Revolucionário Em Curso. Não passei à clandestinidade na semana decisiva da crise do verão-outono de 1975. O poder estava então praticamente na rua. Uma parte da esquerda à esquerda do PCP defendia que a situação pré-revolucionária caminhava inexoravelmente para um confronto militar. De um lado, o PS, o PSD, o CDS e uma parte do chamado MFA—Movimento das Forças Armadas, que então constituía uma espécie de motor, tampão e amortecedor do colapso da ditadura e das dinâmicas sociais e políticas que se lhe seguiram. Do outro, o chamado COPCON—Comando Operacional do Continente, que representava a parte mais radical do dito MFA— e uma série de partidos à esquerda do PS que chegaram a confluir numa aliança esporádica a que chamaram FUR—Frente de Unidade Revolucionária: FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP, PRP/BR. A FUR, de que o PCP rapidamente se desvinculou (deixando lá uma antena chamada MDP/CDE), contava com Otelo, e este contava com o então presidente da república, General Costa Gomes. O resultado é conhecido: Ramalho Eanes assumiu com sucesso o comando da contra-insurreição militar. O PCP comunicou a Costa Gomes que não poria os seus militantes na rua, e este decidiu então travar Otelo, acabando por declarar o estado de sítio. Desde este famoso 25N, o Partido Socialista, que acusou o PCP de envolvimento na tentativa de golpe, mas que travou a tentativa de o ilegalizar proposta por Sá Carneiro (PPD), marcou uma fronteira clara entre o chamado socialismo democrático e as forças à sua esquerda, vistas como autoritárias, revolucionárias e potencialmente golpistas.
Foi este o muro, levantado por Mário Soares, que António Costa decidiu derrubar no dia 4 de outubro, depois de uma clara derrota eleitoral. Quando todos previam a demissão do intempestivo secretário-geral do PS, eis que a criatura é salva in extremis por Jerónimo de Sousa, que lhe estende uma bóia de salvação inesperada: um governo PS apoiado pelos partidos à sua esquerda.
Invocando décadas de integração do PCP e até do Bloco de Esquerda no regime democrático vigente, António Costa volta a dividir verbalmente o país entre esquerda e direita, e acaba, na prática, com o chamado Bloco Central. O resultado desta manobra é incerto.
A evolução política do PCP e do Bloco em direção ao pragmatismo exige tempo. Dificilmente escapará a uma usura grave de credibilidade se embarcar no esbracejar do náufrago Costa.
Aníbal Cavaco Silva exigiu a Passos Coelho uma coligação PSD-CDS/PP, não aceitando um governo minoritário do PSD apoiado apenas no parlamento. Porque decidirá agora de modo distinto?
Aníbal Cavaco Silva exigiu duas coisas impossíveis a António Costa: que formasse uma coligação, ou seja, que apresentasse uma solução consistente, e que tal solução respeitasse as alianças e os tratados internacionais, o euro, o tratado orçamental, o programa de estabilidade e a supervisão orçamental de Bruxelas e financeira do BCE.
Previsivelmente, nada disto foi até hoje conseguido por António Costa junto do PCP e do Bloco de Esquerda.
Q.E.D.: ficaria muito surpreendido se o presidente da república exonerasse o governo demissionário e indigitasse o líder que perdeu as eleições de 4 de outubro para formar um governo minoritário sem nenhuma garantia formal de sustentação parlamentar.
Sem comentários:
Enviar um comentário