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domingo, agosto 22, 2010

Portugal: 1415-2015

Castelo São Jorge da Mina, Gana (mandado construir por D. João II, ca.1486)

O fim de um ciclo muito longo

O impasse actual do nosso regime democrático não resulta apenas, nem sobretudo, da corrupção que alastra sem vergonha nem punição, da incompetência quase demencial dos partidos, da esfinge inútil colocada na presidência da república, da overdose alucinogénica do euro, nem sequer da tradicional indolência de um povo que sempre preferiu emigrar antes de explodir ou escolher um tirano iluminado. O que começa de facto a pesar sobre a integridade e definição do meu país é o fim dum ciclo de 600 anos de sustentação e equilíbrios de poder. O que porventura já começou é um colapso histórico sem precedentes cuja mitigação exige muito mais do que o actual regime é capaz de dar.

Este ciclo de vida nacional é, resumindo, aquele que medeia entre a consolidação da nossa fronteira ibérica e a exaustão dos recursos estratégicos que lhe deram sustentação a partir da aliança firmada entre John of Gaunt, primeiro Duke of Lancaster, e João I de Portugal (1). A formação do império colonial português, um dos mais extensos e duradouros de quantos houve, começou verdadeiramente nesta aliança que, por outro lado, viria a contribuir decisivamente para resolver, até hoje, o problema do bloqueio muçulmano do Mediterrâneo. Só as potências atlânticas, antes e depois da colonização das Américas, estavam e continuam a estar em posição de compensar os cortes de comunicações, por terra ou pelo Mediterrâneo, entre o Ocidente e o Oriente. O posicionamento de charneira do Islão, entre o Oriente e o Ocidente, foi também a sua maior fraqueza. Ficou por outro lado claro, desde a Reforma Luterana, que a Alemanha, pela sua interioridade continental, nunca foi capaz, nem poderá sê-lo no futuro, de chamar a si o centro de gravidade da força estratégica necessária à preservação da cultura greco-latina sobre a qual assenta o essencial da identidade civilizacional do Ocidente.

O império colonial português teve início na conquista de Ceuta em 1415, no ano da morte da rainha —a inglesa Filipa de Lencastre— que tudo fez para que o grande projecto atlântico europeu tivesse lugar. A falta de conhecimentos de economia e de estratégia da esmagadora maioria dos nossos historiadores tem infelizmente gerado uma cortina de enganos e ilusões sobre as origens e causas efectivas da persistência de uma nação com quase 900 anos, mas cuja sobrevivência parece agora condenada à inexorável dissolução numa união europeia de destino incerto. Portugal levou apenas 50 anos a definir as suas fronteiras, teve o primeiro grande sobressalto com Castela em 1385 (Batalha de Aljubarrota), ficou sob domínio castelhano durante 60 anos (1580-1640), e hoje, depois de se ter retirado de todas as antigas colónias e concessões, tem pela frente um novo e fundamental problema de definição e sustentação estratégica. Como travar a velha Castela, agora uma monarquia decadente à beira da desintegração, na sua incansável perseguição da preciosa porta atlântica: Lisboa? Tudo dependerá, pelo menos em parte, da nova e urgente triangulação estratégica que Portugal deverá estabelecer com o Brasil e Angola, no quadro de um posicionamento diplomático tão independente quanto possível —honest broker—, que é de nossa estrita conveniência adoptar na esfera da nova globalização que previsivelmente sucederá àquela que neste preciso momento implode com estrondo.

O problema é ainda mais sério, como se vê, do que teme Medina Carreira, e do que afirmam os recém convertidos economistas portugueses ao problema do nosso galopante endividamento —externo, público e privado. A aposta de Mário Soares na União Europeia foi seguramente o passo mais acertado da política portuguesa depois de uma inevitável, dolorosa e trapalhona descolonização. Mas se a União Europeia colapsar, por exemplo, na sequência de uma guerra nuclear no Médio Oriente, onde ficaremos perante uma Espanha que em menos de uma década ou duas poderá mergulhar num explosivo processo de desintegração? Terá Madrid, outra vez, a tentação de invadir Portugal? A Espanha detém cerca de 1/3 da nossa dívida externa (ver gráfico) e, por outro lado, Portugal encontra-se de facto em situação de pré-bancarrota. A probabilidade de até 2015 ser inevitável declará-la, ou, não a declarando (porque é humilhante), proceder-se à sua reestruturação é muito alta (2).

As guerras são sempre muito caras. Pela sua duração (1337-1453) e pelo que estava em causa, saber se a França e o Reino Unido poderiam ser um só país europeu, a Guerra dos Cem Anos foi seguramente uma das que mais custaram aos bolsos dos contribuintes de ambos os lados do Canal da Mancha. Uma das provas de que a deterioração da balança comercial inglesa foi uma coisa séria é, por um lado, a progressiva substituição da prata pelo ouro como metal financeiro, e por outro, a subida de valor deste ao longo da guerra (3).

Reparemos de novo nas datas:
  • em 1337 começa a guerra pela sucessão ao trono francês desencadeada pelo rei Edward III de Inglaterra, a qual duraria 23 anos (até 1360); 
  • sete anos depois, em 1344, começa a circular o Noble, a primeira moeda de ouro inglesa com efectivo valor monetário; 
  • entre 1373-1386 é estabelecida a aliança estratégica entre Inglaterra e Portugal, havendo que destacar aqui a contribuição das tropas inglesas para a derrota de Castela (que contava com tropas aliadas aragonesas, francesas e italianas) na decisiva Batalha de Aljubarrota, e o casamento de Filipa de Lencastre, irmã do futuro rei inglês Henrique IV, com o rei de Portugal, João I; 
  • em 1415, ano da morte da rainha portuguesa e mãe da chamada Ínclita Geração (Duarte, Pedro, Henrique, Isabel, João e Fernando), João I com os filhos príncipes e as suas tropas, auxiliados por soldados ingleses, galegos e biscainhos, tomam a cidade muçulmana de Ceuta, dando início, não a uma expansão pelo Mediterrâneo, como alvitraram António Sérgio e Vitorino Magalhães Godinho, mas sim pela costa ocidental de África, em demanda do ouro que comerciantes nómadas do deserto há muito faziam chegar a Marrocos e daqui à Europa (4).
Sem o ouro da Guiné (donde o nome da moeda inglesa guinéu), a sorte da Guerra dos Cem Anos teria sido provavelmente outra, bem como o destino de Portugal e da mais antiga aliança estratégica entre dois países.

1415 é não apenas a data do início da grande expansão marítima europeia, iniciada pelo estado português, e a que rapidamente se juntaram outras nações europeias, mas também, por assim dizer, o ano de colapso da grande marinha comercial e militar chinesa por ordem de um imperador assustado com a pressão mongol a Norte da China. A circum-navegação do império Otomano e o colapso da expansão chinesa no Índico permitiram a uma Europa que rapidamente se desenvolvia, alavancada pelo nascente sistema financeiro, uma acumulação de riqueza sem precedentes, entre outras razões porque lhe foi quase sempre possível impor aos outros povos os termos de troca, e nalguns casos mesmo a pilhagem pura e simples, em virtude da sua superioridade militar e sofisticação cultural. Sem o ouro, sem os escravos, sem as especiarias, sem as sedas e pedras preciosas, sem chá, nem café, nem tabaco, sem o açúcar, o milho, ou a batata, que teria sido dos europeus? Ora bem, a descolonização mundial e a OPEP vieram mudar toda esta longa e frequentemente sanguinária safra!

A mais justa redistribuição dos recursos disponíveis por uma humanidade que entrara numa curva de crescimento demográfico exponencial é uma condição irrecusável do mundo actual, sobretudo à medida que novos países emergem da sua antiga condição de menoridade e começam a impor de facto condições às velhas potências dominantes. O embaraço conjunto dos Estados Unidos e da Europa perante as exigências crescentes dos grandes detentores de recursos energéticos, minerais, alimentares e laborais do planeta, já para não sublinhar o poder financeiro extraordinário que têm hoje países como a China, são sinais evidentes de que um longo ciclo civilizacional chegou ao fim.

No caso de Portugal a equação é simples: onde estão o ouro, o algodão, as especiarias, as sedas, o café, as madeiras extraordinárias, o petróleo e os diamantes que alimentaram seis séculos de prosperidade relativa, e sobretudo um certo estilo de improvisação social e institucional? Mais, onde está a mão de obra barata que outrora permitiu disfarçar a nossa falta de organização e de ciência? Alguém se deu já ao trabalho de calcular o nosso actual potencial produtivo e de poupança tendo em conta os recursos objectivamente disponíveis. Que modelo de desenvolvimento poderemos no futuro efectivamente suportar e garantir sem cairmos numa qualquer forma de escravidão?

É por termos fechado um ciclo muito longo de modelo civilizacional que não faz qualquer sentido reduzir os desafios que temos pela frente às actuais querelas partidárias. A insanidade actual dos partidos políticos portugueses é mais um sintoma do grande colapso que se aproxima, do que a sua causa eficiente. Acantonar a discussão necessária dos problemas no pingue-pongue entre o pobre Sócrates e o atordoado Passos de Coelho sobre se é preciso subir impostos ou cortar despesas é uma criminosa perda de tempo. No imediato, é evidente que são necessárias medidas imediatas de contenção da hemorragia financeira que em breve levará o país ao prego. Terão que subir e muito alguns impostos (por exemplo, o IVA), e terão que encerrar todos os serviços públicos redundantes ou que não traduzam a realização duma missão imprescindível do Estado (surgindo daí novas oportunidades para os sectores empresarial e cooperativo.) Ao mesmo tempo que estas decisões drásticas e difíceis são tomadas, medidas claras de moralização e justiça devem igualmente ser adoptadas, a começar pela eliminação dos escandalosos privilégios de que goza a casta incompetente dos políticos.

Mas uma verdadeira resposta à crise exige o enquadramento das análises, dos cenários e das soluções, à luz duma visão global dos problemas. Porque é de globalização que estamos efectivamente a falar, desde 1415!

NOTAS
  1.  Em 1373 foi assinado o Pacto de Tagilde, e em 1386 celebrou-se o Tratado de Windsor, ambos fazendo parte daquilo que se chama a Aliança Luso-Britânica. A última vez que a Aliança foi invocada ocorreu em 1982, durante a Guerra das Malvinas (ou Falklands), para uso das facilidades aeroportuárias dos Açores, por sua vez obtidas pelos aliados anglo-americanos por iniciativa de Winston Churchill, em 1942.
    "I have an announcement", I said, "to make to the House arising out the treaty signed between this country and Portugal in the year 1373 between His Majesty King Edward III and King Ferdinand and Queen Eleanor of Portugal." I spoke in a level voice, and made a pause to allow the House to take in the date, 1373. As this soaked in there was something like a gasp. I do not suppose any such continuity of relations between two Powers has ever been, or will ever be, set forth in the ordinary day-to-day work of British diplomacy — Winston Churchill, Second World War, pp 146-7. Wikipedia.
  2. "O grupo de países designados pejorativamente por PIIGS (acrónimo humorístico para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) viu as probabilidades de incumprimento da dívida soberana dos seus membros num horizonte de cinco anos aumentar significativamente esta semana, de acordo com o monitor da CMA DataVision." — in Expresso, 28 Ago 2010.
  3. O esforço de guerra britânico em compra de alianças, custos da interdição de exportações de lã para a Flandres, e outros desequilíbrios na balança comercial, pressionaria a necessidade de cobrir os défices com pagamentos em moeda metálica. Quanto mais valiosa fosse a moeda metálica, menos metal teria que ser exportado e menos caras seriam também as operações de transporte do metal precioso. Daí a necessidade de substituir a prata pelo ouro. Foi isso que os monarcas ingleses começaram a fazer, apesar das várias tentativas falhadas e resistência interna pouco depois de iniciado o ciclo de guerras que viria a ser conhecida por Guerra dos Cem Anos. Por causa dos óbvios efeitos inflacionistas causados por uma nova moeda forte —o mesmíssimo fenómeno que ocorreu entre nós com a introdução do euro— os preços subiram, incluindo, claro está, o preço do ouro! Datam de 1252 as primeiras tentativas (Gold penny) de introduzir moedas de ouro em Inglaterra, mas foi em 1334, isto é, três anos antes da primeira guerra entre ingleses e franceses, a chamada Edwardian War (1337-1360), que a primeira moeda de ouro começou efectivamente a circular em terras britânicas. Chamava-se Noble, teve 4 cunhagens e durou até ser substituído em 1465 pelo famoso Angel (1465-1663), que por sua vez daria lugar ao Guinea (1663-1813). Um Noble pesava 138,5 gr, entre 1344 e 1346; 128,5 gr, entre 1346 e 1351; 120 gr., entre 1351 e 1377. O impacto da guerra na necessidade de obter ouro não poderia ser mais evidente.
  4. Dois motivos principais aconselharam em 1373-1386 a aliança entre ingleses e portugueses: um foi o facto de o acesso ao ouro do Oriente e de África, essencial para suportar os custos da Guerra dos Cem Anos, depender do acesso ao Mediterrâneo, fosse para chegar ao Norte de África, fosse para caminhar em direcção ao Oriente por terra, o que implicaria a impossível autorização da França, com quem a Grã Bretanha iniciara uma grande guerra; o outro, foi o conhecimento de que o Golfo da Guiné, sobretudo no actual Gana, dispunha de grandes recursos em ouro e escravos —duas componentes imprescindíveis ao modelo de crescimento económico que se perfilava no horizonte. Ceuta fica em frente a Gibraltar, então sob soberania castelhana, pelo que são posicionamentos estratégicos no controlo das entradas e saídas do Mediterrâneo. Hoje Espanha controla (vamos a ver por mais quantos anos) a outrora praça forte portuguesa de Ceuta. Não é pois por acaso que o Reino Unido não larga Gibraltar desde que teve oportunidade de deitar-lhe mão, em 1704, no decurso da Guerra de Sucessão Espanhola. Poder-se-à perguntar porque é que os povos mediterrânicos se não aventuraram há mais tempo na exploração da costa atlântica de África, tendo deixado aos portugueses o privilégio da iniciativa. Por incrível que pareça há uma razão geológica de fundo: as correntes superficiais do Atlântico entram pelo Mediterrâneo adentro a uma velocidade de 3 nós, causando inúmeros perigos à navegação entre os dois mares, precisamente no socalco submarino existente ao longo de todo o estreito de Gibraltar. O Mediterrâneo é um mar quente que evapora mais depressa do que o Atlântico, ficando por isso e ciclicamente abaixo do nível deste. Pelo princípio dos vasos comunicantes o Atlântico é assim levado a invadir o Mediterrâneo com gigantescas massa de água deslocando-se a três milhas náuticas por hora — o que é muito, se considerarmos que as caravelas atingiam então velocidades médias inferiores a 12 milhas náuticas por hora.

Última actualização: 29 Agosto 2010

    segunda-feira, junho 23, 2008

    PPD-PSD-11

    Casamento de D. João I com Phillipa of Lancaster
    Chronique de France et d' Angleterre
    (Jean Wavrin, 15th century)

    Uma mulher na frente política

    De Filipa de Lencastre à vitória de Manuela Ferreira Leite

    Quando vi Manuela Ferreira Leite subir ao palco de onde proferiria o seu discurso de posse, num tom calmo, firme e pedagógico, reparei quão masculina era a composição da generalidade dos órgãos partidários do PSD. Vi a sempre sorridente mas nem por isso menos determinada deputada europeísta Assunção Esteves, descortinei por junto mais três ou quatro personagens femininas, cujos nomes ignoro, e foi tudo! Como é possível que tamanho sexismo persista ainda em organizações cuja razão de ser é a promoção e a garantia da própria essência política da democracia?

    O PS e o Bloco de Esquerda fizeram ultimamente um esforço, eu sei. Mas que dizer do partido que pretende governar o país em 2009? Será possível que até lá nada mude nesta composição troglodita do segundo maior partido português? Então o PSD quer ser o primeiro partido de Portugal sem antes proceder à necessária metamorfose de género na composição das suas principais instâncias de poder? Acha que alguma vez chegará a São Bento de novo sem substituir algumas dezenas dos seus caricatos machos alfa? Estes Chicos espertos são, como toda a gente sabe, incultos, subservientes, ciosos de mordomias e preocupados acima de tudo com a sua medíocre vidinha, futebolística. Não servem rigorosamente para nada a não ser para arrebanhar pontualmente alguns votos para quem mais benesses lhes prometer em cada momento. Será que as elites da Quinta da Marinha, da Foz e de Matosinhos ainda não sabem que o país, em matéria de competência e mérito, mudou de sexo?

    Os resultados de trinta anos de marialvismo político-partidário estão à vista de todos! É tempo de deixar Manuela Ferreira Leite e mais algumas centenas de mulheres competentes e politicamente sábias assumirem uma partilha efectiva na condução dos destinos de Portugal. Voltarei ao tema no fim deste postal de saudação à nova Secretária-Geral do PSD. Mas antes quero sublinhar o que para mim pareceu essencial no discurso de vitória da antiga ministra das finanças, ao encerrar o premonitório congresso de Guimarães.

    Em primeiro lugar, o estilo: em vez de demagogia pura, apontou prioridades e metas que devem ter deixado aterrados muitos cus de aparelho da actual nomenclatura. Em segundo lugar, o modo consistente como reafirmou a sua estratégia de encostar o PS à direita, onde efectivamente se encontra em resultado de ter sido comido pela tríade de Macau. Em terceiro lugar, a decisão de enfrentar o grande capital subsidio-dependente que, incapaz de inovar e de trabalhar, se agarra, como um qualquer desgraçado tóxico-dependente, ao endividamento criminoso do país, clamando pelas fatídicas Parcerias Público Privadas, através das quais o Estado tem protagonizado um inacreditável papel de corruptor activo. O betão vai deixar de ser uma prioridade (1), por razões óbvias e ainda porque as responsabilidades e dívidas por ele criadas para as gerações futuras são uma das mais negativas e criminosas heranças deixadas ao país por toda uma geração de políticos que deviam estar na cadeia, em vez de alegremente engordarem os nossos serões televisivos!

    A hipótese de um novo Bloco Central, sugerido em tom provocador por Marcelo Rebelo de Sousa, não é totalmente disparatada, ainda que inoportuna na circunstância. O problema é este: se o PSD ganhar em 2009, mas sem maioria absoluta, como vai ser? Bom, o melhor mesmo seria ganhar com maioria absoluta, uma probabilidade que não está totalmente fora de questão, sobretudo se a situação económico-social continuar a deteriorar-se gravemente, como é muito provável que ocorra se as bestas da Europa continuarem a alimentar de forma suicida os jogos de guerra do Pentágono. Se o petróleo chegar aos 200 dólares no fim deste ano (já se viu que as promessas da Arábia Saudita nada podem contra a especulação desenfreada actualmente em curso), e se Israel atacar o Irão, vindo em seguida os Estados Unidos, com o apoio imbecil do Reino Unido e da França, bloquear o Estreito de Ormuz, no início de 2009, então é mais do que certa a emergência de uma crise de regime em Portugal, com fracturas abissais tanto no PS como no PSD. Nesta circunstância, das duas uma, ou o PSD de Ferreira Leite consegue chegar às eleições (que poderão ser antecipadas por Cavaco Silva) antes do esboroamento partidário, e ganha uma maioria absoluta fortemente protegida pela actual Presidência da República, ou pelo contrário, a crise dos partidos adianta-se, e neste caso, regressaremos a uma qualquer variante do Bloco Central, do qual sairá provavelmente um governo de emergência nacional. É que então, poderemos estar todos a entrar numa III Guerra Mundial!

    Termino este comentário com uma nota histórica sobre uma grande mulher que governou Portugal: Filipa de Lencastre, ou melhor, Philippa of Lancaster.

    Há muito que estou convencido do papel determinante desta inglesa no arranque da expansão ultramarina da Europa, protagonizada por Portugal no início do século 15. No entanto, se procurarmos na Net referências em língua portuguesa ao seu desempenho, não encontraremos praticamente nada! Nada!! Foi preciso chegar à Universidade canadiana de Calgary para conseguir ler uma breve mas instrutiva biografia da esposa inglesa que o Rei João I não quis para si, mas que acabaria por aceitar após intervenção decisiva do duque de Lancaster, John of Gaunt, e do Arcebispo de Braga. Estava então em causa a independência de Portugal e o financiamento das suas guerras contra castelhanos e mouros. Alguém teria que espevitar o pseudo-casto de Aviz.

    Ao ler a breve resenha biográfica que se segue (e de que apresentarei em breve tradução portuguesa) fiquei fascinado por esta mulher culta, determinada e com uma enorme visão estratégica. Como foi possível esconder até hoje o seu fundamental papel na história do nosso país? Na entrada completamente chauvinista, machista e reaccionária de Joel Serrão (sim, Joel Serrão) sobre Filipa de Lencastre, no seu Pequeno Dicionário de História de Portugal, podem ler-se estas pérolas de canina subserviência à mentira histórica de Estado:

    "Em 1387, (Filipa de Lencastre) casa com D. João e até 1402 passa metade do tempo em estado de gravidez: são os nascimentos de D. Branca, D. Afonso (mortos na infância), D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique, D. Isabel. D. João e D. Fernando (a 'ínclita geração'). Ignora-se o papel que teve na educação de todos estes filhos. As alegações feitas nesse sentido não passam de fantasia. Filipa nunca se desligou do mundo inglês. Mantinha-se sempre informada dos negócios do seu país e à sua beira encontramos mordomos-mores, chanceleres, tesoureiros, confessores e damas de nacionalidade inglesa. Apesar disso parece ter tido alguma influência nas decisões de seu marido, como no caso do empreendimento de Ceuta."

    É difícil encontrar prosa académica mais desonesta, despeitada, reaccionária e sibilina! Não li, mas vou ler o que outros historiadores portugueses escreveram sobre a rainha portuguesa. Espero que seja um pouco mais sofisticado do que esta demonstração de cronismo machista e bronco. Leia-se a biografia publicada pela Universidade de Calgary, para vermos até onde pode ir o sectarismo da subserviência burocrática.


    Philippa of Lancaster, Queen of Portugal

    Without the alliance between King João I, the Archbishop of Braga and Prince John of Gaunt, brother of the Black Prince, Portugal would probably have lost its independence to Castile. Central to that alliance negotiated by the archbishop and Prince John, was that John's daughter, Philippa of Lancaster, would be married to the 28-year-old King João I and become queen of Portugal. King João I was forced by necessity to agree to these terms although he had no intention of fulfilling his part of the agreement. Initially the king retreated to the country for two months with his mistress and their two illegitimate children, and sent back protestations that his monastic oath would prevent his ever contracting a marriage. John of Gaunt immediately produced a letter from the pope absolving the king of his vows of celibacy but the king continued to abscond from the marriage. On February 2, 1387 John sent the king a demand, delivered by an army of England's best troops, that the marriage take place at once or England would withhold from Portugal a loan that was desperately needed. King João I finally capitulated and later that month, on Candlemas Day, the Archbishop of Braga united the sullen king with the mortified princess in a resplendent ceremony. In public the royal couple played their parts but in private King João I treated his bride with churlish asperity. After the ceremony he left her at once for the camp of his army and plunged into the campaign against Castile.

    Philippa was older than King João I by some years and had already been refused by several other royal bachelors, notably by King Charles VI of France and Albert, Duke of Bavaria. Despite these rejections Philippa would prove herself to be an extraordinary ruler and mother of a great empire. She had received a remarkable education as a girl studying under the Flemish poet Froissart, the foremost chronicler of medieval courts. Another of her tutors was the learned Friar John, the great pioneer in physics and chemistry, who presumably developed in her a sense of critical inquiry that was to become one of her outstanding characteristics. Her most beloved mentor was Geoffrey Chaucer, an intimate friend of her father's. Her father's confessor was the reformer John Wycliffe, Professor of Philosophy at Oxford and the first translator of the Bible into English. He also played a great role in moulding Philippa's young mind to be free of superstition thus enabling her to become a tolerant and enlightened leader.

    King João I initially refused to accept Philippa as his wife because he felt forced to go through with the marriage. Thus he avoided her and sought solace between campaigns from his mistress in Lisbon. This situation reminded Philippa of her father's own mistress who dominated her childhood home at the detriment of her mother. Philippa was determined not to go through the same humiliating experience in her own household. She waited patiently until the king was away at the battlefront, and sent a group of clerics and knights to the house where his mistress lived. The mistress was then committed to an ancient convent of Santos where the king could not access her. Philippa took pains to make certain that her rival was treated with every respect and given a dignified establishment with an ample allowance. Philippa then adopted the king's two illegitimate children and reared them with her own children as they were born. By being so conscientious about the care of her husband's children Philippa became responsible for the founding of the bastard House of Braganza. Philippa's quality of character and integrity eventually gained her husband's respect and affection. She bore him ten children and made him a devoted husband and father by encouraging his taste for study and while discouraging his excesses.

    Over the next two generations King João I delegated the administration of civil affairs to Philippa while he guarded the kingdom's frontiers. Philippa became the balance wheel of the kingdom, and quietly introduced many enlightened customs from Flanders and England. Because of her close relationship to the English throne Philippa was able to improve the diplomatic and commercial bonds between the two kingdoms. She was also able to improve internal relations between the Portugal's middle class and the aristocracy, as well as the relations between the Christian and Jewish communities.

    By the year 1410 Philippa and João had ruled Portugal together for a quarter of a century, during which the kingdom had been constantly at war with Castile and the Moors. All trade, finance, and taxation were designed as war measures. The law at the time compelled every able-bodied man not serving in the armed forces to labour for a certain number of days per year on the walls and defences of his home town. In addition, all male non-combatants were required to serve some weeks annually in the watchtowers and observation posts on the inland borders with Castile and along the seacoast to defend against Moor raiders. The expense of this extended warfare and the lack of metallic material for coinage exhausted the royal treasury, forcing Philippa to issue a bizarre fiat money, in the form of leather tokens, as legal tender. The situation drastically changed in 1411 with a political change in the enemy kingdom of Castile.

    With peace came the totally upheaval of Portugal's war economy. Thousands of soldiers, sailors, mechanics, and shipyard workers were thrown into unemployment. The royal councillors feared the danger of a civil war from the domestic turmoil of peace and suggested a foreign war as a diversion. Others advisors pushed for a resumption of hostilities against Castile. Another suggestion was to send an army to help the emperor of Austria against the Turks but King João I vetoed sending the kingdom's defenders so far away. It was Philippa who proposed sending an armed expedition to the Muslim kingdom of Fez in order to reach the kingdom of Prester John, the fabled African Christian ruler. Philippa believed that an alliance with him would give Portugal access to the Indian sources of spices and oriental products, thereby destroying the monopoly of Egypt and Venice over the spice trade. Although the majority of the royal council harshly criticised Philippa's proposal, history eventually proved her vision to be quite sagacious as her successors, King João II and King Manuel the Fortunate, both implemented similar policies of pursuing the Indian trade.

    Philippa's proposal was not based on a whim but on facts inspired by her extensive readings of the most respected scholars of that age. These included the written account by the Greek historian Herodotus of a voyage around Africa from the Red Sea, south through the Indian Ocean, and north up the Atlantic to Gibraltar, made centuries before Christ by Phoenician galleys at the command of the Egyptian Pharaoh Necho. Philippa also studied the Roman historian Pliny who chronicled a southerly voyage along the southwestern African coast by a Carthaginian named Hanno. She was also aware of the voyages of Lief Ericson across the Atlantic to Greenland that led her to assume that the ocean could be traversed safely without fear of superstitious monsters. Philippa probably studied the popular account of Marco Polo's expedition to the Orient. All of these sources corroborated the personal testimonies of hundreds of Genoese, Venetians, Byzantines, Jewish, and Moorish merchants who all travelled along the eastern coast of Africa to the Malabar coast of India where they traded in the bazaars of Calicut. Using her vast knowledge the queen not only conceived of the bold plan of an invasion of North Africa, but she also painstaking worked to win political support for it among the royal council. On her suggestion, spies were sent to Ceuta, the centre of all North African trade activities, to report back concerning the feasibility of her plan. One spy returned with information about the great south central African market and the importation of gold through Timbuktu, the hub of that particular trade network. This was the first information that Europeans had about the source of Arab gold, until this point they had believed that the gold was brought from India. The importance of this discovery was immense because the Arabic states were the only suppliers for gold-starved Europe, now the capture of Ceuta became an even more attractive option since it could potentially save Portugal's crippled economy.

    With this information Philippa believed that the Florentine bankers could be persuaded to finance her invasion, she was correct and the bankers joined the enterprise. Philippa now sought out the good will of the clergy and their assistance in winning popular support for the invasion. Once the blessing of Rome was secured, the queen had to convince her husband to authorise the undertaking. At this time King João I was tired of war and considered the stronghold of Ceuta impregnable. He flatly refused the lure of gold and religious glories. Philippa then enlisted the aid of her three oldest sons, all eager to win the spurs of knighthood, to convince their father. Eventually King João I yielded once he realised that his wife had managed to convince the majority of her former detractors of the logical and potential of her proposal.

    It took three years of active preparation before the army and fleet were ready for the invasion. At this stage Philippa stepped aside to allow her husband and sons to take over the planning of the expedition. She was now over sixty years old and exhausted from the task of financing and assembling the expedition. Then disaster struck when Philippa contracted the plague and failed to recover. When she knew her end was near, she called her children to her. Upon her deathbed Philippa made her three oldest sons and daughter swear a solemn vow to carry out her dream of trying to gain an alliance with the kingdom of Pester John and through this gain access to the Indies. On July 25, 1415, the fleet of two hundred vessels dropped down the Tagus into the Atlantic Ocean and steered south; Philippa was dead, but they carried out her invasion and successfully conquered Ceuta.

    The European Voyages of Exploration / The Applied History Research Group / The University of Calgary. Copyright © 1997, The Applied History Research Group


    NOTAS

    1. As grandes obras e as privatizações oportunistas estão agora, felizmente, em causa. Ou melhor, a haver Grandes Obras, estas deverão incidir sobretudo na ferrovia, no transporte colectivo urbano e sub-urbano, e ainda nos portos do país. Não faltam, como se vê, oportunidades de negócio!


      • A linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto nunca fez qualquer sentido, e agora faz ainda menos. Basta prosseguir o que há muito deveria ter sido concluído: acabar a adaptação da ferrovia ao potencial cinético do Alfa e melhorar radicalmente o respectivo serviço comercial.
      • No que à Alta Velocidade (AV) entre Lisboa e Madrid se refere, basta assegurar uma ligação de Velocidade Elevada (VE), em vez de AV, entre as duas capitais, construindo-se uma linha nova de passageiros e mercadorias entre o Caia e Pinhal Novo (em vez de deixá-la pendurada no Poceirão), e permitindo que os comboios atravessem a actual Ponte 25 de Abril, até chegar a uma estação central situada na Via de Cintura Interna (por exemplo, nos antigos terrenos da Feira Popular, ou nas imediações da actual estação Roma-Areeiro). A linha VE entre o Caia e Pinhal Novo poderá ainda ligar-se à Linha do Norte, sem precisar de passar por Lisboa, desde que seja lançado um desvio ao longo da margem esquerda do Tejo, como propõe António Brotas.
      • A ligação Porto-Aveiro-Salamanca em comboios de Velocidade Elevada para passageiros e mercadorias é uma necessidade que deverá ser desde já meticulosamente planeada.
      • O mesmo ocorre com a ligação Porto-Vigo, já prevista para ser uma via de Velocidade Elevada, e não de AV.
      • O Novo Aeroporto de Alcochete, por sua vez, pode esperar bem uma década. Uma decisão definitiva sobre o mesmo deve ser adiada para 2013-2015. Se então estivermos todos enganados, e o tráfego aéreo continuar a subir, então sim, faça-se o NAL de Alcochete. Até lá, melhore-se a Portela (depois de despedir os incompetentes da ANA e da NAER) e prepare-se o Montijo como solução de complementaridade, se vier a ser necessária.
      • Finalmente, os planos de privatização da ANA, destinados a viabilizar o projecto financeiro do NAL devem ser imediatamente denunciados e suspensos. Quem não tem dinheiro não tem vícios, muito menos à custa de terceiros e vindouros!

    OAM 379 23-06-2008, 16:41