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sexta-feira, maio 19, 2017

Nacionalidade e esquizofrenia

As moedas mundiais, que só apareceram na Época Moderna, têm tido uma duração média de 100 anos. 

Portugal foi, é e será um país europeu com os olhos virados para o mar.


El misterio portugués 
Gabriel Magalhães, 23/09/2009 03:31 | Actualizado a 02/10/2009 13:10. La Vanguardia 

¿Cuáles son los retos actuales de la portugalidad? El lector ya se ha dado cuenta de que, en realidad, Portugal es un país inviable. Siempre lo ha sido. No posee una individualidad geográfica; sus raíces más profundas las comparte con Galicia; su propio idioma es una evolución, una mundialización del gallego. La independencia portuguesa hay que crearla todos los días. Por eso, ser portugués cansa muchísimo.

Um texto subjetivo, quase justo, sobre o nosso país. Falha em dois pontos cruciais: é incapaz de explicar o mistério da nossa independência (ninguém em Portugal vive a esquizofrenia duma dupla nacionalidade imposta), bem como a existência dum idioma novo e seminal, vindo do galaico-português, que veio do latim, etc., mas que também veio do árabe, tanto no vocabulário, como na entoação da língua.

A manta de retalhos que existe na Península Ibérica resultou da chamada Reconquista Cristã, em resposta à queda do Império Romano e ao ascenso do Islão (que fecharia então o acesso a Rota da Seda, que a China está neste momento a reabrir, mas que há quem queira manter fechada...), e nem os Reis Católicos alteraram realmente este mosaico de nações. Rainhas portuguesas em Leão, Aragão e Castela foram 12...

Quanto ao futuro, diria que terminou em 2015 um ciclo de 600 anos de diáspora europeia moderna e contemporânea, cujo primeiro passo foi dado por Portugal, sob influência decisiva duma rainha portuguesa vinda de Inglaterra (Filipa de Lencastre), ao pisarmos terra em Ceuta, uma cidade estratégica que ainda hoje, mesmo tendo optado por ser espanhola, depois de 1640, continua a exibir na sua bandeira as cores de Lisboa e o brasão de armas de Portugal). Não é um pormenor!

Já agora: depois de completada a rede de autoestradas e depois da necessária atualização das ligações da nossa rede ferroviária à rede euro-asiática (2030), a prioridade será reconstruir uma marinha mercante e militar ligeiras ultra-moderna.


Clique para ampliar o gráfico


Leituras recomendadas

The Rise of the Great Powers
Documentário televisivo chinês, difundido pela CCTV-2 em Novembro de 2006

The documentary “endorses the idea that China should study the experiences of nations and empires it once condemned as aggressors bent on exploitation” and analyzes the reasons why the nine nations rose to become great powers, from the Portuguese Empire to current United States hegemony. The series was produced by an “elite team of Chinese historians” who also briefed the Politburo on the subject.” In the West the airing of Rise of the Great Powers has been seen as a sign that China is becoming increasingly open to discussing its growing international power and influence—referred to by the Chinese government as “China’s peaceful rise.” (LINK)


The rise and fall of navies, Paul Kennedy, Herald Tribune, Aril 5, 2007.

"By 2010, China's submarine force will be nearly double the size of the U.S. submarine fleet The entire Chinese naval fleet is projected to surpass the size of the U.S. fleet by 2015." -- USA Congressional Research Service, March, 2007.

In the very first decades of the 15th century, the great Chinese admiral Cheng Ho led a series of amazing maritime expeditions to the outer world, through the Straits of Malacca, into the Indian Ocean, across even to the eastern shores of Africa. Nothing at that time compared with China's surface navy.

Yet, within another decade, the overseas ventures had been scrapped by high officials in Beijing, anxious not to divert resources away from meeting the Manchu landward threat in the north and about how a seaward-bound open-market society might undermine their authority.

Coincidentally, on the other side of the globe, explorers and fishermen from Portugal, Galicia, Brittany and southwest England were pushing out, across to Newfoundland, the Azores, the western shores of Africa.

While China's great fleets were being dismantled by imperial order, Western Europe was beginning to move into "new" worlds, full of ancient peoples and cultures in the Americas, Africa, Asia and the Pacific. Any place vulnerable to Western naval and military power was at risk. Above all, as the American naval captain A. T. Mahan taught us over a century ago in his classic book, "The Influence of Sea Power Upon History" (1890), the West valued navies as the key to global influence.

sábado, fevereiro 28, 2015

Pax Americana? Niet! 不


China apoia Rússia no conflito ucraniano. Tordesilhas 2.0 dá mais um passo


Chinese diplomat tells West to consider Russia's security concerns over Ukraine
Reuters. BEIJING Fri Feb 27, 2015 3:48am EST

(Reuters) - Western powers should take into consideration Russia's legitimate security concerns over Ukraine, a top Chinese diplomat has said in an unusually frank and open display of support for Moscow's position in the crisis.

Qu Xing, China's ambassador to Belgium, was quoted by state news agency Xinhua late on Thursday as blaming competition between Russia and the West for the Ukraine crisis, urging Western powers to "abandon the zero-sum mentality" with Russia.

Há anos que vimos defendendo que o futuro do planeta oscila entre uma terceira guerra mundial em cenário MAD e uma espécie de um compromisso win-win semelhante ao famoso Tratado de Tordesilhas que, 1494, permitiu aos

“...mui poderosos príncipes os senhores D. Fernando e D. Isabel, pela graça de Deus rei e rainha de Castela, de Leão, de Aragão, de Sicília, de Granada, de Toledo, de Valência, de Galiza, de Mailhorca de Sevilha, de Cerdenha, de Córdova, de Córsega, de Murcia, de Jahem, do Algarve, de Algezira, de Gibraltar, das ilhas de Canárea, conde e condessa de Barcelona e senhores de Biscaia e de Molina, duques de Atenas e de Neopátria, Condes de Roselhão e de Cerdónia, marqueses de Oristão e de Goçiano.”
e ao
“...mui alto e mui excelente senhor o senhor D. João, pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves daquém e dalém-mar em África e senhor de Guiné...”

dividir o mundo desconhecido entre si.

Enfim, depois vieram os holandeses, os ingleses e os franceses, mas no início foi assim: um meridiano elástico serviu de buffer à concorrência e conflitualidade sempre iminente entre Portugal e a ambição de hegemonia ibérica estabelecida pelos reis católicos Fernando de Castela e Isabel de Aragão—soberanos da região central da península para quem o acesso ao mar atlântico e mediterrânico e as passagens para França sempre foram críticas e vitais.

Os Descobrimentos Portugueses inseriram-se no primeiro verdadeiro movimento de globalização que se conhece, e foi, em grande medida, fruto de problemas semelhantes aos que voltamos a ter de forma aguda no Médio Oriente e na antiga Rota da Seda, ou seja na crucial Eurásia sobre a qual tanto tem escrito um dos principais estrategas norte-americanos, Zbigniew Brzezinski, ou ainda, com grande profundidade, o historiador britânico residente nos Estados Unidos, Paul Kennedy.

A Guerra dos 100 Anos foi igualmente um detonador importante da expansão ultramarina, sobretudo pelo lado inglês, depenado pela guerra, já sem ouro para pagar a colaboração holandesa na estratégia de tensão e guerra contra a França e os seus aliados: Escócia, Boêmia, Castela e Papado de Avinhão.

Os nossos historiadores, quase sempre mui atentos e obrigados, raramente objetivos, nunca estudaram convenientemente o casamento entre a inglesa de gema Phillipa of Lancaster e o nosso João I, nem o papel crucial que Filipa viria a ter na educação política e humanista dos seus filhos (Filipa fora educada por Geoffrey Chaucerthe Father of English literature, e autor dos famosos The Canterbury Tales), e sobretudo naquela que viria a ser a maior aventura do povo português desde que Afonso Henriques afirmou de espada na mão o nosso território vital.

A rainha portuguesa, com fortes ligações diplomáticas a Inglaterra e uma notória influência no seu país de origem, terá estado na origem da estratégia da conquista de Ceuta, a qual abriria as portas aos impérios ultramarinos europeus. Apanhada por uma epidemia de peste bubónica, morreira menos de um mês antes da Batalha de Ceuta, que teve lugar em 14 de agosto de 1415.

Esta breve excursão histórica é importante, pois completam-se este ano seis séculos de uma rotação da história mundial, hoje prestes a sofrer uma oscilação em sentido oposto, com o desembarque financeiro da China em Portugal. Quando a Europa do século XV saía da Idade Média, a China mergulhava no isolacionismo imperial que lhe daria cinco séculos de regressão tecnológica, económica, social e cultural.

Nasci em Macau e sei o suficnete da sensibilidade chinesa para poder afirmar que este é um ano de grande simbolismo para a China. Que grande oportunidade perdida por António Costa! Podia ter lido um discurso à altura deste momento simbólico, redigido por algum intelectual digno do nome, com grandeza e sabedoria. O que ocorreu foi uma farsa deprimente que em breve acabará com a imprestável carreira política de um alcaide que nem o cargo respeita.

Defendi e defendo que Lisboa seja para a China o que as Portas do Cerco sempre foram para Pequim ao longo de quatrocentos e quarenta e seis anos: um caminho de acesso à Europa, e um entreposto comercial privilegiado com a China.

Quando passeava pelo Bund de Xangai, numa noite de 1999, polvilhada de humidade e mistério, olhei para Pudong, então com menos de uma década de transformação naquilo que hoje é: uma impressionante metrópole. Não resisti anos mais tarde (2005) a imaginar a extensão do centro de Lisboa para a Margem Sul—uma cidade com duas margens como hoje Xangai é. Mais pequenina, sem perdermos a graça barroca da nossa história, mas ainda assim virada corajosamente e com imaginação para o futuro. Poderia a China ajudar-nos a tornar realidade esta visão? A guia que me acompanhava naquele passeio após um jantar memorável perguntou: em que pensas? Respondi: que o mundo é pequeno e que somos todos muito parecidos.

A China sabe que o inferno que hoje se vive no Médio Oriente e nas fronteiras naturais da Rússia resultam da estratégia de antecipação imperial americana, que pretende deste modo travar a expansão chinesa no mundo. Para que tal estratégia resulte será necessário aos americanos fazerem o contrário do que os europeus fizeram depois da queda de Constantinopla e da Batalha de Ceuta: fechar o ex-império ocidental ao exterior, ao Outro, numa espécie de Nova Idade Média, burocrática, autoritária, ressuscitando a caça às bruxas e o medo—matando a liberdade, claro.

Se é esta a ideia americana, tal implicará duas grandes guerras, uma contra a Rússia, na qual boa parte da Europa poderá ser destruída, e uma guerra contra a China, que começará, pelo norte, com uma confrontação liderada pelo Japão, e a sul, com a destruição da nova Rota da China em acelerada construção, através do bloqueio do Estreito de Malaca. O Pacífico será de novo um Inferno.


Talvez por compreender que os relógios desta aparente inevitabilidade aceleraram subitamente, a China tenha decidido esta semana tomar a decisão histórica de se colocar oficialmente ao lado da Rússia no conflito que a esta foi imposto pelo Ocidente, através de sucessivas provocações, de que a tentativa de integrar a Ucrânia na União Europeia e na NATO foi a gota de água que transbordou de um copo já demasiado cheio.

Se esta análise aderir à realidade, como penso que adere, Portugal está metido num grande sarilho.

A menos que acorde e resolva lançar-se na missão histórica de propor e intermediar a negociação dum novo Tratado de Tordesilhas, em nome da paz, mas sobretudo em nome de uma estratégia win-win, como aquela que no longínquo dia 7 de junho de 1494 os reis na Ibéria souberam pactar, seremos sujeitos a enormes pressões vindas do Oriente e do Ocidente. A minha cabeça está em Portugal, mas uma parte do meu coração vive em Pequim, Xangai e os olfactos primordiais nasceram em Macau.

China Just Sided With Russia Over The Ukraine Conflict
Zero Hedge. Submitted by Tyler Durden on 02/27/2015 22:25 -0500

When it comes to the Ukraine proxy war, which started in earnest just about one year ago with the violent coup that overthrew then president Yanukovich and replaced him with a local pro-US oligarch, there has been no ambiguity who the key actors were: on the left, we had the west, personified by the US, the European Union, and NATO in general; while on the right we had Russia. In fact, if there was any confusion, it was about the role of that other "elephant in the room" - China.


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sábado, fevereiro 14, 2015

China quer os lombinhos do BES

Bank of China (ao centro). Hong-Kong.

Portugal, 1415—China, 2015 (600 anos depois...), ou a profecia de Xangai


Bank of China, "wholly state-owned", quer o lombo sem gorduras do exBES, o chamado 'banco bom', deixando obviamente milhares de antigos clientes com as poupanças a arder.

Bank of China é um dos interessados no Novo Banco
Dinheiro Vivo 14/02/2015 | 00:00
Está desvendado mais um nome entre os interessados no Novo Banco. O Bank of China está na corrida à instituição liderada por Eduardo Stock da Cunha, segundo apurou o Dinheiro Vivo. O banco chinês manifestou o seu interesse junto do assessor financeiro escolhido pelo Banco de Portugal que está a assessorar a venda - BNP Paribas - e já terá sido, inclusivamente, uma das entidades que foi validada. Ou seja, que cumpre os critérios exigidos pelo Banco de Portugal para aceder à informação financeira.

Não deixa de ser uma ironia, ou melhor uma farsa, que um país em bancarrota, como Portugal, dirigido por um governo dito neoliberal, esteja a despachar as suas principais empresas estratégicas, outrora públicas e hoje privadas, bancos incluídos, para o setor empresarial público da comunista República Popular da China. Os gregos, ao menos, usam a imaginação!

A estratégia chinesa é bem-vinda, sobretudo para o novo desenho das interdependências lusitanas, mas sob condição de os indígenas ignaros que nos governam saberem o que andam a fazer. Não sabem.

Neste ponto convém sublinhar que dos aldrabões do PSD e CDS, ao indigente cor-de-rosa que governa os Açores, o que transparece é tão só o afã de venda ao desbarato dos dedos da República Portuguesa. Os anéis, como sabemos hoje melhor do que ontem, marcharam com a descolonização maltrapilha e o tumulto pré-revolucionário que se seguiu à queda do Salazarismo.

Dizem os imbecis de Belém e de São Bento que Portugal cumpre com as suas obrigações perante os credores. Vê-se!!!

Zheng He (1371-1433)—almirante muçulmano, eunuco, chinês, considerado hoje o Grande Navegador da China

Um chinês de Xangai predisse uma vez que em 2015 o Império do Meio seria o banco do mundo. Curiosamente, seiscentos anos depois da conquista de Ceuta, que marca o início da grande diáspora marítima europeia e a primeira experiência de Globalização. A profecia de Xangai está a ponto de cumprir-se, embora, na minha modesta opinião, uma vez cumprida, terá vida curta. Antes de 2030 o mundo voltará a dividir-se ao meio: o hemisfério oriental, para uns, o hemisfério ocidental, para outros.

Esta fatalidade dever-se-à a duas ocorrências, uma imprevista, e outra inevitável.

A causa imprevista do fracasso futuro do projeto imperial chinês chama-se Pico do Petróleo, cujas implicações são muito complexas, mas que podem resumir-se a dois constrangimentos fulcrais: a chegada de um período longo (60 a 120 anos) de crescimento zero (entre 0 e 1%), e uma prolongada crise financeira, social, cultural e militar com origem na extrema dificuldade de diminuir os elevadíssimos níveis de endividamento e de exposição a derivados financeiros especulativos por parte da maioria dos principais países do planeta.

A causa inevitável, por sua vez, é o crescimento do consumo interno na China e a melhoria das condições de vida dos seus habitantes, a qual exercerá uma pressão enorme sobre os recursos disponíveis locais e do planeta, e uma pressão explosiva sobre a inflação interna enquanto o país não regredir para ritmos de crescimento substancialmente inferiores aos atuais, que, apesar de tudo, já começaram a diminuir.

Repetir a receita do Japão (yen carry-trade), que os próprios Estados Unidos têm vindo a copiar, afigura-se materialmente impossível apesar da guerra cambial e de juros em curso desde o colapso do Lehman Brothers. Haverá, pois, um momento em que os problemas internos da China serão mais importantes do que o sonho imperial. Quando tal acontecer, e esse dia está mais próximo do que parece, a China lembrar-se-à do imperador que ordenou a Zheng He a destruição da sua famosa e poderosa armada.

Que deve fazer Portugal?

Os dirigentes chineses afirmaram que a sua relação com Portugal, mas também com a Alemanha, o Reino Unido, a Grécia, Moçambique e Angola, Brasil, Argentina, etc., é de natureza estratégica. Ou seja, que visa o longo prazo e os interesses comuns. Acredito que sim. E Portugal deve cuidar com zelo desta relação estratégica. Mas não enfraquecendo a tal ponto as suas defesas naturais que se transforme numa mera província chinesa na Europa.


NOTAS
  1. Bank of China
    “In 1994, the Bank was transformed into a wholly state-owned commercial bank. In August 2004, Bank of China Limited was incorporated. The Bank was listed on the Hong Kong Stock Exchange and Shanghai Stock Exchange in June and July 2006 respectively, becoming the first Chinese commercial bank to launch an A-Share and H-Share initial public offering and achieve a dual listing in both markets. In 2013, Bank of China was enrolled again as a Global Systemically Important Bank, becoming the sole financial institution from emerging economies to be enrolled for three consecutive years.”

domingo, agosto 22, 2010

Portugal: 1415-2015

Castelo São Jorge da Mina, Gana (mandado construir por D. João II, ca.1486)

O fim de um ciclo muito longo

O impasse actual do nosso regime democrático não resulta apenas, nem sobretudo, da corrupção que alastra sem vergonha nem punição, da incompetência quase demencial dos partidos, da esfinge inútil colocada na presidência da república, da overdose alucinogénica do euro, nem sequer da tradicional indolência de um povo que sempre preferiu emigrar antes de explodir ou escolher um tirano iluminado. O que começa de facto a pesar sobre a integridade e definição do meu país é o fim dum ciclo de 600 anos de sustentação e equilíbrios de poder. O que porventura já começou é um colapso histórico sem precedentes cuja mitigação exige muito mais do que o actual regime é capaz de dar.

Este ciclo de vida nacional é, resumindo, aquele que medeia entre a consolidação da nossa fronteira ibérica e a exaustão dos recursos estratégicos que lhe deram sustentação a partir da aliança firmada entre John of Gaunt, primeiro Duke of Lancaster, e João I de Portugal (1). A formação do império colonial português, um dos mais extensos e duradouros de quantos houve, começou verdadeiramente nesta aliança que, por outro lado, viria a contribuir decisivamente para resolver, até hoje, o problema do bloqueio muçulmano do Mediterrâneo. Só as potências atlânticas, antes e depois da colonização das Américas, estavam e continuam a estar em posição de compensar os cortes de comunicações, por terra ou pelo Mediterrâneo, entre o Ocidente e o Oriente. O posicionamento de charneira do Islão, entre o Oriente e o Ocidente, foi também a sua maior fraqueza. Ficou por outro lado claro, desde a Reforma Luterana, que a Alemanha, pela sua interioridade continental, nunca foi capaz, nem poderá sê-lo no futuro, de chamar a si o centro de gravidade da força estratégica necessária à preservação da cultura greco-latina sobre a qual assenta o essencial da identidade civilizacional do Ocidente.

O império colonial português teve início na conquista de Ceuta em 1415, no ano da morte da rainha —a inglesa Filipa de Lencastre— que tudo fez para que o grande projecto atlântico europeu tivesse lugar. A falta de conhecimentos de economia e de estratégia da esmagadora maioria dos nossos historiadores tem infelizmente gerado uma cortina de enganos e ilusões sobre as origens e causas efectivas da persistência de uma nação com quase 900 anos, mas cuja sobrevivência parece agora condenada à inexorável dissolução numa união europeia de destino incerto. Portugal levou apenas 50 anos a definir as suas fronteiras, teve o primeiro grande sobressalto com Castela em 1385 (Batalha de Aljubarrota), ficou sob domínio castelhano durante 60 anos (1580-1640), e hoje, depois de se ter retirado de todas as antigas colónias e concessões, tem pela frente um novo e fundamental problema de definição e sustentação estratégica. Como travar a velha Castela, agora uma monarquia decadente à beira da desintegração, na sua incansável perseguição da preciosa porta atlântica: Lisboa? Tudo dependerá, pelo menos em parte, da nova e urgente triangulação estratégica que Portugal deverá estabelecer com o Brasil e Angola, no quadro de um posicionamento diplomático tão independente quanto possível —honest broker—, que é de nossa estrita conveniência adoptar na esfera da nova globalização que previsivelmente sucederá àquela que neste preciso momento implode com estrondo.

O problema é ainda mais sério, como se vê, do que teme Medina Carreira, e do que afirmam os recém convertidos economistas portugueses ao problema do nosso galopante endividamento —externo, público e privado. A aposta de Mário Soares na União Europeia foi seguramente o passo mais acertado da política portuguesa depois de uma inevitável, dolorosa e trapalhona descolonização. Mas se a União Europeia colapsar, por exemplo, na sequência de uma guerra nuclear no Médio Oriente, onde ficaremos perante uma Espanha que em menos de uma década ou duas poderá mergulhar num explosivo processo de desintegração? Terá Madrid, outra vez, a tentação de invadir Portugal? A Espanha detém cerca de 1/3 da nossa dívida externa (ver gráfico) e, por outro lado, Portugal encontra-se de facto em situação de pré-bancarrota. A probabilidade de até 2015 ser inevitável declará-la, ou, não a declarando (porque é humilhante), proceder-se à sua reestruturação é muito alta (2).

As guerras são sempre muito caras. Pela sua duração (1337-1453) e pelo que estava em causa, saber se a França e o Reino Unido poderiam ser um só país europeu, a Guerra dos Cem Anos foi seguramente uma das que mais custaram aos bolsos dos contribuintes de ambos os lados do Canal da Mancha. Uma das provas de que a deterioração da balança comercial inglesa foi uma coisa séria é, por um lado, a progressiva substituição da prata pelo ouro como metal financeiro, e por outro, a subida de valor deste ao longo da guerra (3).

Reparemos de novo nas datas:
  • em 1337 começa a guerra pela sucessão ao trono francês desencadeada pelo rei Edward III de Inglaterra, a qual duraria 23 anos (até 1360); 
  • sete anos depois, em 1344, começa a circular o Noble, a primeira moeda de ouro inglesa com efectivo valor monetário; 
  • entre 1373-1386 é estabelecida a aliança estratégica entre Inglaterra e Portugal, havendo que destacar aqui a contribuição das tropas inglesas para a derrota de Castela (que contava com tropas aliadas aragonesas, francesas e italianas) na decisiva Batalha de Aljubarrota, e o casamento de Filipa de Lencastre, irmã do futuro rei inglês Henrique IV, com o rei de Portugal, João I; 
  • em 1415, ano da morte da rainha portuguesa e mãe da chamada Ínclita Geração (Duarte, Pedro, Henrique, Isabel, João e Fernando), João I com os filhos príncipes e as suas tropas, auxiliados por soldados ingleses, galegos e biscainhos, tomam a cidade muçulmana de Ceuta, dando início, não a uma expansão pelo Mediterrâneo, como alvitraram António Sérgio e Vitorino Magalhães Godinho, mas sim pela costa ocidental de África, em demanda do ouro que comerciantes nómadas do deserto há muito faziam chegar a Marrocos e daqui à Europa (4).
Sem o ouro da Guiné (donde o nome da moeda inglesa guinéu), a sorte da Guerra dos Cem Anos teria sido provavelmente outra, bem como o destino de Portugal e da mais antiga aliança estratégica entre dois países.

1415 é não apenas a data do início da grande expansão marítima europeia, iniciada pelo estado português, e a que rapidamente se juntaram outras nações europeias, mas também, por assim dizer, o ano de colapso da grande marinha comercial e militar chinesa por ordem de um imperador assustado com a pressão mongol a Norte da China. A circum-navegação do império Otomano e o colapso da expansão chinesa no Índico permitiram a uma Europa que rapidamente se desenvolvia, alavancada pelo nascente sistema financeiro, uma acumulação de riqueza sem precedentes, entre outras razões porque lhe foi quase sempre possível impor aos outros povos os termos de troca, e nalguns casos mesmo a pilhagem pura e simples, em virtude da sua superioridade militar e sofisticação cultural. Sem o ouro, sem os escravos, sem as especiarias, sem as sedas e pedras preciosas, sem chá, nem café, nem tabaco, sem o açúcar, o milho, ou a batata, que teria sido dos europeus? Ora bem, a descolonização mundial e a OPEP vieram mudar toda esta longa e frequentemente sanguinária safra!

A mais justa redistribuição dos recursos disponíveis por uma humanidade que entrara numa curva de crescimento demográfico exponencial é uma condição irrecusável do mundo actual, sobretudo à medida que novos países emergem da sua antiga condição de menoridade e começam a impor de facto condições às velhas potências dominantes. O embaraço conjunto dos Estados Unidos e da Europa perante as exigências crescentes dos grandes detentores de recursos energéticos, minerais, alimentares e laborais do planeta, já para não sublinhar o poder financeiro extraordinário que têm hoje países como a China, são sinais evidentes de que um longo ciclo civilizacional chegou ao fim.

No caso de Portugal a equação é simples: onde estão o ouro, o algodão, as especiarias, as sedas, o café, as madeiras extraordinárias, o petróleo e os diamantes que alimentaram seis séculos de prosperidade relativa, e sobretudo um certo estilo de improvisação social e institucional? Mais, onde está a mão de obra barata que outrora permitiu disfarçar a nossa falta de organização e de ciência? Alguém se deu já ao trabalho de calcular o nosso actual potencial produtivo e de poupança tendo em conta os recursos objectivamente disponíveis. Que modelo de desenvolvimento poderemos no futuro efectivamente suportar e garantir sem cairmos numa qualquer forma de escravidão?

É por termos fechado um ciclo muito longo de modelo civilizacional que não faz qualquer sentido reduzir os desafios que temos pela frente às actuais querelas partidárias. A insanidade actual dos partidos políticos portugueses é mais um sintoma do grande colapso que se aproxima, do que a sua causa eficiente. Acantonar a discussão necessária dos problemas no pingue-pongue entre o pobre Sócrates e o atordoado Passos de Coelho sobre se é preciso subir impostos ou cortar despesas é uma criminosa perda de tempo. No imediato, é evidente que são necessárias medidas imediatas de contenção da hemorragia financeira que em breve levará o país ao prego. Terão que subir e muito alguns impostos (por exemplo, o IVA), e terão que encerrar todos os serviços públicos redundantes ou que não traduzam a realização duma missão imprescindível do Estado (surgindo daí novas oportunidades para os sectores empresarial e cooperativo.) Ao mesmo tempo que estas decisões drásticas e difíceis são tomadas, medidas claras de moralização e justiça devem igualmente ser adoptadas, a começar pela eliminação dos escandalosos privilégios de que goza a casta incompetente dos políticos.

Mas uma verdadeira resposta à crise exige o enquadramento das análises, dos cenários e das soluções, à luz duma visão global dos problemas. Porque é de globalização que estamos efectivamente a falar, desde 1415!

NOTAS
  1.  Em 1373 foi assinado o Pacto de Tagilde, e em 1386 celebrou-se o Tratado de Windsor, ambos fazendo parte daquilo que se chama a Aliança Luso-Britânica. A última vez que a Aliança foi invocada ocorreu em 1982, durante a Guerra das Malvinas (ou Falklands), para uso das facilidades aeroportuárias dos Açores, por sua vez obtidas pelos aliados anglo-americanos por iniciativa de Winston Churchill, em 1942.
    "I have an announcement", I said, "to make to the House arising out the treaty signed between this country and Portugal in the year 1373 between His Majesty King Edward III and King Ferdinand and Queen Eleanor of Portugal." I spoke in a level voice, and made a pause to allow the House to take in the date, 1373. As this soaked in there was something like a gasp. I do not suppose any such continuity of relations between two Powers has ever been, or will ever be, set forth in the ordinary day-to-day work of British diplomacy — Winston Churchill, Second World War, pp 146-7. Wikipedia.
  2. "O grupo de países designados pejorativamente por PIIGS (acrónimo humorístico para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) viu as probabilidades de incumprimento da dívida soberana dos seus membros num horizonte de cinco anos aumentar significativamente esta semana, de acordo com o monitor da CMA DataVision." — in Expresso, 28 Ago 2010.
  3. O esforço de guerra britânico em compra de alianças, custos da interdição de exportações de lã para a Flandres, e outros desequilíbrios na balança comercial, pressionaria a necessidade de cobrir os défices com pagamentos em moeda metálica. Quanto mais valiosa fosse a moeda metálica, menos metal teria que ser exportado e menos caras seriam também as operações de transporte do metal precioso. Daí a necessidade de substituir a prata pelo ouro. Foi isso que os monarcas ingleses começaram a fazer, apesar das várias tentativas falhadas e resistência interna pouco depois de iniciado o ciclo de guerras que viria a ser conhecida por Guerra dos Cem Anos. Por causa dos óbvios efeitos inflacionistas causados por uma nova moeda forte —o mesmíssimo fenómeno que ocorreu entre nós com a introdução do euro— os preços subiram, incluindo, claro está, o preço do ouro! Datam de 1252 as primeiras tentativas (Gold penny) de introduzir moedas de ouro em Inglaterra, mas foi em 1334, isto é, três anos antes da primeira guerra entre ingleses e franceses, a chamada Edwardian War (1337-1360), que a primeira moeda de ouro começou efectivamente a circular em terras britânicas. Chamava-se Noble, teve 4 cunhagens e durou até ser substituído em 1465 pelo famoso Angel (1465-1663), que por sua vez daria lugar ao Guinea (1663-1813). Um Noble pesava 138,5 gr, entre 1344 e 1346; 128,5 gr, entre 1346 e 1351; 120 gr., entre 1351 e 1377. O impacto da guerra na necessidade de obter ouro não poderia ser mais evidente.
  4. Dois motivos principais aconselharam em 1373-1386 a aliança entre ingleses e portugueses: um foi o facto de o acesso ao ouro do Oriente e de África, essencial para suportar os custos da Guerra dos Cem Anos, depender do acesso ao Mediterrâneo, fosse para chegar ao Norte de África, fosse para caminhar em direcção ao Oriente por terra, o que implicaria a impossível autorização da França, com quem a Grã Bretanha iniciara uma grande guerra; o outro, foi o conhecimento de que o Golfo da Guiné, sobretudo no actual Gana, dispunha de grandes recursos em ouro e escravos —duas componentes imprescindíveis ao modelo de crescimento económico que se perfilava no horizonte. Ceuta fica em frente a Gibraltar, então sob soberania castelhana, pelo que são posicionamentos estratégicos no controlo das entradas e saídas do Mediterrâneo. Hoje Espanha controla (vamos a ver por mais quantos anos) a outrora praça forte portuguesa de Ceuta. Não é pois por acaso que o Reino Unido não larga Gibraltar desde que teve oportunidade de deitar-lhe mão, em 1704, no decurso da Guerra de Sucessão Espanhola. Poder-se-à perguntar porque é que os povos mediterrânicos se não aventuraram há mais tempo na exploração da costa atlântica de África, tendo deixado aos portugueses o privilégio da iniciativa. Por incrível que pareça há uma razão geológica de fundo: as correntes superficiais do Atlântico entram pelo Mediterrâneo adentro a uma velocidade de 3 nós, causando inúmeros perigos à navegação entre os dois mares, precisamente no socalco submarino existente ao longo de todo o estreito de Gibraltar. O Mediterrâneo é um mar quente que evapora mais depressa do que o Atlântico, ficando por isso e ciclicamente abaixo do nível deste. Pelo princípio dos vasos comunicantes o Atlântico é assim levado a invadir o Mediterrâneo com gigantescas massa de água deslocando-se a três milhas náuticas por hora — o que é muito, se considerarmos que as caravelas atingiam então velocidades médias inferiores a 12 milhas náuticas por hora.

Última actualização: 29 Agosto 2010