quarta-feira, novembro 19, 2008

2008 semana 47

Excitações da semana
17 - 23 Novembro 2008

22-11-2008
Portugal, uma Suiça diplomática para o século 21

Dmitri Medvedev
jantou lavagante azul e robalo no sal não muito longe do Cabo da Roca, o ponto mais ocidental do continente euroasiático, se não entrarmos em linha de conta, nem com o facto de a Europa se estender, de facto, até à Ilha do Corvo (Açores), nem com a crucial expansão da Zona Económica Exclusiva de Portugal para os 3.027.408 Km2, qualquer coisa como 32,7 vezes a superfície do Continente e Ilhas.

Com a 10ª maior ZEE do mundo em perspectiva, Portugal passará a deter um domínio estratégico na ordem dos 3.119.799 Km2. Só para termos uma ideia do que isto é, basta pensar que corresponde mais ou menos à superfície da Índia. Embora o Portugal à tona dos mares (continental e insulares) ocupe a modestíssima posição 109 entre todos os países do mundo, já quando medimos o território nacional e a sua ZEE, ficaremos certamente entre os 10 maiores países do mundo!

Este pormenor não seria tão decisivo para o nosso futuro imediato se não estivéssemos na encruzilhada de dois fenómenos cruciais para o decurso deste século 21: o reajustamento tectónico dos poderes mundiais, decorrente do fim da hegemonia euro-americana, e a importância decisiva dos mares para a redefinição dos paradigmas energético, de exploração dos recursos, do desenvolvimento e da mobilidade que permitirão dar à humanidade um futuro sustentável.

Defendo há já algum tempo que um Novo Tratado de Tordesilhas terá que ser celebrado ente o Ocidente e o Oriente. Nesta nova divisão comercial do mundo, a celebrar entre a China e a Euro-América, a Rússia acabará por escolher, se é que não escolheu já, a Europa. Nesta nova partilha, Portugal tem todas as condições para se tornar a Suíça diplomática do mundo.

Apesar dos erros crassos do governo Sócrates em tantos sectores, há um ponto que concedo, sem reservas, a seu favor: o brilhante trabalho diplomático desempenhado até agora. Luís Amado e a diplomacia portuguesa em geral merecem certamente um grande louvor de todos nós. Coragem! Nem tudo está perdido.


22-11-2008
Três "reformas" falhadas

A reforma da Justiça falhou. A reforma da Saúde falhou. A reforma da Educação acaba de borregar. Em suma, todas elas cometeram os mesmos três erros:
  1. desmoralizar de forma ostensiva e maciça as classes profissionais a que se dirigiam, empregando para tal fim despudoradas ofensivas contra os respectivos privilégios e más práticas;
  2. confundir o espírito e o propósito de uma verdadeira reforma com estratagemas expeditos de controlo orçamental;
  3. apostar no desmantelamento cego dos serviços públicos em nome de uma corrida especulativa desenfreada à privatização de serviços essenciais ao país (a justiça, a saúde e a educação), que o sector privado jamais conseguirá satisfazer a não ser parcialmente e sempre tendo em vista a obtenção de lucros como sua primeira prioridade.
Estamos todos a favor da avaliação regular dos professores, como a favor estamos da avaliação dos demais funcionários públicos, mas não para introduzir discriminação entre colegas dum mesmo ofício operando num mesmo patamar funcional. As progressões automáticas de carreira deixaram, porém, de fazer sentido. Ou seja, a antiguidade deixou de ser um posto por razões saudáveis de performance e produtividade dos sistemas. As pirâmides hierárquicas não podem continuar a crescer por inércia, e deverão (quanto mais cedo melhor) erguer-se como uma subida esforçada, mas nem por isso menos saudável, à montanha. Confundir estas ideias com o modelo de avaliação proposto por Maria de Lurdes Rodrigues é coisa que não farei, apesar de reiterar a necessidade absoluta de acabar com o facilitismo, a irresponsabilidade, a falta de comando, a ausência de exigência pedagógica e estímulo, e a fraca produtividade do ensino.

O actual modelo de avaliação morreu. Outro deverá ser discutido em seu lugar. Desde logo, um modelo simples e evolutivo, i.e. desenhado para crescer em complexidade e exigência de acordo com as realidades do terreno. Por outro lado, o modelo que vier depois do que agora vai a enterrar deve ser posto em prática durante um período experimental de dois anos numa amostragem escolar representativa, mas claramente limitada. Não há razão nenhuma para que o novo modelo não seja dialógico, em vez fracturante. Mas o mais importante é nunca baralhar os objectivos estratégicos da reforma, com uma qualquer gestão de expectativas orçamentais de curto prazo. Este governo fê-lo sucessivamente nas três reformas falhadas, lançando sobre si a legítima suspeita de ter agido de má fé. Vindo dum governo supostamente socialista, não poderia haver maior desilusão.


21-11-2008
Primeiro banqueiro na prisão

Enquanto não virmos um político, um banqueiro, dois ou três presidentes de câmara e um ou outro alto dirigente do futebol na cadeia, o nosso País não acredita que a Justiça seja igual para todos. Foi também assim em Espanha, até que os casos Filesa, Rumasa, Banesto, com o rol de personalidades a contas com a Justiça —Jesús Gil y Gil (alcaide de Marbella e dirigente do Atlético de Madrid), Luís Roldán (antigo chefe máximo da Guardia Civil), Mario Conde (o mais famoso banqueiro e yuppie da Espanha durante a primeira era PSOE) e Mariano Rubio (nada mais nada menos do que o governador do Banco de Espanha, apanhado nas malhas do caso Iberdrola) — mudaram a percepção pública da efectividade da Lei na monarquia espanhola. -- in Propriedade e roubo (30-10-2005), O António Maria.

José Oliveira e Costa ficou em prisão preventiva

21.11.2008 - 20h19 (Público) — O ex-administrador do BPN José Oliveira e Costa vai ficar em prisão preventiva, por decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, onde foi hoje sujeito a primeiro interrogatório, que terminou cerca das 18h00.

O Ministério Público considerou, no pedido que apresentou ao juiz Carlos Alexandre, que o arguido está "fortemente indiciado" pela prática dos crimes de que é acusado. Oliveira e Costa deverá seguir para o Estabelecimento Prisional de Lisboa. No final do interrogatório judicial, um oficial de justiça referiu que o arguido foi detido "fora de flagrante delito".

Oliveira e Costa foi detido ontem e esteve a depor durante cerca de nove horas, confrontado com as imputações de presumível envolvimento em crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança, falsificação de documento e branqueamento de capitais.

Dias Loureiro participou pelo Grupo BPN na compra de empresas que foi ocultada das autoridades

18.11.2008 - 21h44 (Público) — A operação de aquisição de duas sociedades com sede em Porto Rico pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), em 2001 e 2002, numa transacção ocultada das autoridades e não reflectida nas contas do grupo, foi liderada por José Oliveira e Costa, antigo líder do Grupo SLN/Banco Português de Negócios (BPN), e por Manuel Dias Loureiro – na altura administrador executivo do mesmo grupo. A operação envolveu duas empresas tecnológicas, contas em offshore e um investimento de mais de 56 milhões de euros por parte da SLN.

Imagino fios de suor frio correndo pelas costas de muita gente linda deste país, depois de terem escutado a decisão do juiz Carlos Alexandre sobre o antigo secretário de Estado de Aníbal Cavaco Silva e ex-patrão absoluto do Banco Português de Negócios: prisão preventiva!

A gesticulação aflita do antigo ministro da administração interna de Cavaco Silva e actual Conselheiro de Estado (por indicação do PR), Dias Loureiro, desde que foi tornado público o seu presumível envolvimento na ocultação de um negócio típico de lavagem de dinheiro em Porto Rico, não pode ser outra coisa que o preâmbulo de um grande festim. Quando não há pão, começa o canibalismo. Ei-lo!


21-11-2008
Três perguntas ao governo de José Sócrates sobre o BPP

Ontem, na Assembleia da República, ouvi o ministro das finanças balbuciar entre dentes que o Banco Privado Português (BPP) também aceitava depósitos. Se isto fosse verdade (onde estão os balcões?), o BPP estaria em condições de recorrer a empréstimos ao abrigo do aval inscrito no Orçamento de Estado de 2009. Mas se a sugestão do ministro for improcedente, como parece evidente, então o BPP terá que ser considerado como aquilo que verdadeiramente é: uma sociedade financeira fora do universo bancário. Cuida de fortunas, especula com veículos financeiros de alto risco, em suma, não deve merecer qualquer tratamento de favor relativamente às milhares de empresas que, como esta, atravessam dificuldades.

E de caminho, três perguntas:
  1. A quem compete decidir se o Banco Privado Português é um realmente um banco, ou o exemplar típico de uma sociedade de investimentos (Asset Management e Corporate Advisory), também conhecido por "private banking"?
  2. Existem contas de depósitos no Banco Privado Português?
  3. Geriu ou gere o Banco Privado Português algum activo, depósito ou conta das seguintes entidades públicas: Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos, Fundo de Pensões da Segurança Social?

20-11-2008
Banco Privado (não é um banco!) pede 750 milhões de euros ao Estado
Banco Privado Português foi a primeira instituição a recorrer à garantia do Estado.

19.11.2008 - 20h45 (Público). "O Banco Privado Português (BPP), liderado por João Rendeiro, pediu ao Governo uma garantia estatal para poder solicitar um empréstimo de 750 milhões de euros destinado a repor a liquidez que a instituição necessita para desenvolver a sua actividade.

O BPP, que funciona como um gestor de fortunas, é o primeiro a pedir “auxílio” do Estado para se poder ir financiar nos mercados internacionais e está disponível para trocar posições accionistas com outros bancos.

O pedido de aval no valor de 750 milhões de euros foi entregue por João Rendeiro no Banco de Portugal há cerca de uma semana, apurou o PÚBLICO, e é o primeiro pedido que foi recebido pelo supervisor desde que o Governo anunciou um fundo de garantia de 20 mil milhões de euros para ajudar à estabilização do sistema financeiro.

"O BPP conta entre os seus accionistas com Francisco Pinto Balsemão, Diogo Vaz Guedes, a FLAD [presidida por Rui Machete, accionista da SLN/BPN], Joaquim Coimbra (grande accionista da SLN/BPN), Saviotti e o próprio João Rendeiro."
O Banco Privado não é um banco propriamente dito, onde se fazem depósitos e abrem contas ao balcão. O BPP nem sequer é um banco de investimento normal, dedicado por exemplo a sectores específicos da economia, como a construção ou a energia. Na realidade, o chamado Banco Privado Português, não é um banco (não obedecendo por isso às regras que os verdadeiros bancos obedecem), mas antes um gestor financeiro de fortunas (pelos vistos um mau gestor), e é sobretudo algo de muito mais obscuro, a que os americanos chamam shadow banking. Precisamente o epicentro conceptual do actual colapso financeiro mundial!

Como escreve o Público
"O BPP tem alicerçado o seu desenvolvimento no segmento de fundos de private equity (de altíssimo risco), geralmente muito alavancados num único investidor e direccionados para um número reduzido de títulos. Com um capital de 125 milhões de euros, o funding do BPP é obtido junto dos mercados de curto prazo (venda com acordo de recompra) e que se encontram encerrados. É neste quadro que Rendeiro também tem estado a negociar com o CitiGroup um empréstimo de 500 milhões de euros, e que está dependente agora do aval do Estado."
Numa palavra, o BPP não é um banco mas um dos mais letais instrumentos de especulação financeira inventados até hoje. A sua trajectória é aliás antiga e teve já um sério revês quando, em 2002, se lançou na criação aventureira dum fundo intercontinental de investimento em arte, e a que este blogue se referiu em termos muito críticos:
Ellipse Foundation

Li a entrevista dada por João Rendeiro a Sandra Vieira Jürgens sobre aquilo que parece ter sido o óbvio fracasso do fundo de investimento em ‘arte contemporânea’ lançado sob os auspícios do Banco Privado Português e com o entusiasmo do seu presidente, João Rendeiro, e dos seus dois consultores especializados, Alexandre Melo e Pedro Lapa.

As explicações dadas [...] pelo financeiro parecem confusas. Afinal de que trata a sua colecção?

De um fundo de investimento privado com garantias dadas pelo seu banco, cujo fim último é especular com a compra e venda de obras de arte?

De uma colecção privada do Sr. João Rendeiro, do Banco Privado e de mais alguns amigos seus, que não aspira a outro fim que o deleite estético e a benemérita intenção de prestar um serviço à comunidade?

Ou de uma Fundação? E se for este o caso, com que fins? Apenas coleccionar? Ou também especular com investimentos em arte? O recente caso Afinsa pesa seguramente sobre este confuso projecto, inicialmente vendido em Portugal, em Espanha e no Brasil, como aposta certa para chegar a rentabilidades da ordem dos 12,4% ao ano, e agora reduzido a tímido sonho cultural. -- in O António Maria, 14-06-2006.
O Banco Privado Português, cujas ligações já evidentes ao Banco Português de Negócios devem ser averiguadas em pormenor, encontra-se virtualmente falido. Precisa desesperadamente de liquidez, suponho que para satisfazer apenas os seus principais investidores/especuladores de luxo. Assim que estes recuperarem a totalidade ou pelo menos parte do dinheiro apostado neste verdadeiro casino financeiro, o BPP irá abaixo, ficando o Estado português (se cometer o crime de avalizar o empréstimo pedido por João Rendeiro), na sua qualidade de fiador, responsável pela liquidação dos créditos que venham eventualmente a revelar-se incobráveis. Sempre quero ver como irá a Assembleia da República acompanhar mais este escândalo parido nas entranhas do Bloco Central.

Achei estranha a velocidade como João Rendeiro acorreu à SIC Notícias, logo depois de o Público dar a notícia. Sabendo agora que Pinto Balsemão é um dos interessados na matéria, ficou tudo esclarecido.

Comentário de uma amiga Canadiana:

O Banco Privado não é um Banco. É mais uma instituição do tipo Merryl Linch, ou se preferir, da Bear Stearns.

A este tipo de instituições os Congressistas americanos estão a pedir contas detalhadas, antes de autorizarem o recurso aos empréstimos do FED, os quais, sendo garantidos pelo Estado, só deveriam, em princípio, ser aplicadas aos Bancos "reais", ou seja Bancos relativamente aos quais o Governo está obrigado a garantir a segurança dos depósitos até aos 100 mil euros.

Obviamente que a garantia de 100 mil euros estabelecida pelo governo não significa nada para os investidores do BCC. Eles querem dinheiro que chegue para "aguentar" os seus investimentos super-super alavancados. Só que o "nó górdio" dos derivados encontrou agora outro monstro: o medo da recessão, que por sua vez encontrou um terceiro monstro: a deflação. Portanto, todo cuidado é pouco!

As perguntas a fazer são três:
1º Que tipo de controle o BdP exerce sobre esse tipo de instituções?
2º Os Senhores que utilizam esse Banco, são depositantes ou são acionistas???
3º A oferta de garantias feita pelo Governo de Portugal, não deveria limitar-se aos Bancos com depósitos de muitos e pequenos depositantes?

Pelos visto, até agora, não foi para isso que o Fundo de Garantia foi criado, pois já vimos que a tomada de participação no capital, através de acções preferenciais, não foi bem acolhida pelo Bancos. Alguém esconde alguma coisa...

20-11-2008
A deflação americana acaba de chegar, como previsto!

Stocks Are Hurt by Latest Fear: Declining Prices

November 19, 2008 (The New York Times). After gyrating wildly for weeks, the stock market lurched lower on Wednesday, falling to its lowest point in nearly six years, as concern spread that the economy might be facing a chronic and debilitating decline in prices.

The Dow Jones industrial average closed below 8,000 for the first time since early 2003 after new reports painted a grim picture of the economy and raised the specter of deflation, which would put more strain on hard-pressed businesses and workers.

A receita japonesa -- inflação/desvalorização monetária mais juros a caminho do intervalo entre 0 e 1 por cento -- está a ser copiada pelos americanos e europeus (estes, a pouco e pouco). Resultado: o Japão deixou de poder usar o seu mais invisível estratagema de proteccionismo económico -- o chamado currency carry-trade, que inundou os mercados mundiais das suas exportações, mas também de inflação cambial e liquidez virtual ao longo das últimas duas décadas. Resultado: as economias americana e europeia, depois de perderem segmentos importantes das suas indústrias (por exemplo, automóvel), deixaram mais recentemente de poder contar com os empréstimos em moeda japonesa barata, com juros abaixo de 0,5%, e de subsequentemente jogar nos casinos cambiais que alimentaram a descomunal economia virtual que actualmente colapsa diante dos nossos olhos e bolsos cada vez mais vazios! O circuito cambial que alimentou as várias bolhas associadas à securitização sofisticada de créditos terminou. VAMOS ASSISTIR A UM CICLO INFERNAL DE DEFLAÇÃO, ao qual poderão seguir-se ondas de HIPER-INFLAÇÃO de dimensão imprevisível!

Enquanto a intensidade do Tsunami aumenta, em vez de diminuir, o Bloco Central continua a querer privatizar activos valiosos do país (TAP, ANA, GALP, EDP, ÁGUAS DE PORTUGAL, etc.), enquanto vai nacionalizando os prejuízos do BCP, do BPN, do Banco Privado, e dos demais bancos e construtoras da rapaziada amiga que se forem seguindo à farsa dos desmentidos oficiais, sob o olhar ceguinho do governador do Banco de Portugal e as declarações patéticas da arara das Finanças! Prendam-nos todos!!


19-11-2008
Como formar sindicatos bancários com estes bancos?!
UBS baixa estimativas e corta 40% às avaliações do BES e do Banif

"O UBS reviu em baixa as suas estimativas para o Banif e o Banco Espírito Santo (BES), numa de análise sobre todo o sector financeiro da Europa, emitida hoje. O ajuste negativo nas previsões levou o banco de investimento a cortar os "targets" das duas instituições em 40%, em média.

"O Banif consegue [...] ser [...] o único banco nacional, acompanhado pelo UBS, com uma recomendação de “comprar”. O banco de investimento suíço continua a recomedar “vender” acções do BCP, as quais avalia em 0,80 euros. Os títulos “estão a negociar a prémio face aos sector”, alerta o UBS, acrescentando que continua “preocupado com a exposição do BCP ao mercado accionista via o fundo de pensões”.

Para o UBS, o “BPI oferece o balanço mais sólido no sector, depois do desinvestimento em Angola e o possível desinvestimento na Allianz Portugal”. No entanto, o banco de investimento salienta que a instituição liderada por Fernando Ulrich “não é atractiva o suficiente, negociando a uma vez o valor líquido dos activos e a nove vezes os lucros estimados para este ano”. A recomendação continua a ser de “neutral”. -- in Jornal de Negócios.

Como tenho vindo a escrever, não vejo quaisquer condições favoráveis para a formação de consórcios financeiros e industriais liderados por empresas portuguesas capazes de ganhar as corridas às privatizações da ANA e da TAP, ou às grandes obras públicas anunciadas. Até poderão liderar, no início, alguns dos consórcios, mas cedo cederão as maiorias dos capitais sociais e o mando a interesses estrangeiros que há muito espreitam a oportunidade de deitar a mão a esta praia europeia. Por mim, a falta de prudência, e sobretudo a falta de coragem para travar os aventureiros, serão muito em breve percebidas, por um número crescente de portugueses, como dissimuladas formas de traição. Posso estar enganado, mas se as coisas continuarem por este caminho, alguém acabará por reagir.


19-11-2008
Manuela Ferreira Leite e a democracia

Eu ouvi os poucos extractos da comunicação de Manuela Ferreira Leite no fim do almoço promovido pela Câmara de Comércio Luso-Americana. A certo momento a líder do PSD emprega a metáfora da suspensão temporária da democracia para impor reformas, ilustrando assim a crítica que vinha dirigindo ao governo "socialista", segundo a qual não se pode fazer reformas contra as classes profissionais e corporativas socorrendo-se do estratagema autoritário e manipulador usualmente empregue pela tropa de choque governamental sempre que inicia uma investida reformista: ou seja, ridicularizar e difamar (com o apoio de "agências de comunicação" compradas para fazerem o serviço sujo) o grupo que se quer reformar, lançando uma campanha mediática para o efeito. Foi assim, disse ela, com os juízes, foi assim com os médicos, e foi assim com os professores. E em todos os casos o resultado foi péssimo, voltando-se os respectivos grupos profissionais contra o governo e contra o partido de que emana. Pior ainda, este tipo de terrorismo governamental, nada democrático, conduz à degradação do funcionamento do Estado, por efeito de uma quase inevitável má vontade e posterior zelo profissional dos grupos atingidos. Foi seguindo aliás a lógica deste raciocínio que surgiu a digressão retórica sobre a suspensão da democracia.

Eu consegui ouvir tudo isto dos vários extractos truncados apresentados pelas televisões. Mas os editorialistas e os opinocratas de serviço ouviram outra coisa. Isto é, ouviram o que lhes conveio, ou melhor, retransmitiram a montagem encomendada por quem lhes paga os cada vez mais humilhantes salários e impõe a degradante precariedade profissional a que foram remetidos pela falência dos meios convencionais de comunicação de massas. Pobres escribas!

O mecanismo da demonização mediática recorrente utilizado pelo governo do falso engenheiro José Sócrates é uma cópia chapada de um mecanismo idêntico, embora utilizado com maior subtileza (lembram-se da hilariante série televisiva Yes Minister?), por Margaret Thatcher, quando deu início à destruição do Estado Social Europeu, lançando então as famosas ideias para uma nova economia liberal e para a criação de um Estado mínimo.

O actual governo "socialista", que começou por copiar o neo-liberalismo de Tony Blair (exagerando, claro!), sabendo das fragilidades económicas extremas do suposto Quarto Poder na era da globalização internética e blogosférica, seduziu os jornalistas e empresários de comunicação para um verdadeiro pacto com o diabo do poder. Em troca de uma generosa alimentação publicitária de Estado, a independente e ética comunicação social lusitana faria os fretes que fossem necessários à actual maioria e tríade de piratas que a sustenta. E assim foi!

Faltava, porém, um mecanismo de disfarce das operações de contra-informação montadas diariamente pelo actual poder político, ora para fazer propaganda ad nauseam da sua nulidade executiva, ora para esconder até ao limite as verdades inconvenientes (por exemplo, o caso da caricata licenciatura do primeiro ministro, ou o fracasso completo do aeromoscas de Beja), ora para realizar operações integrais de marketing político das suas decisões, por mais idiotas que se afigurem ao comum dos mortais (por exemplo, o caso do inabalável aeroporto da Ota, ou a ópera bufa em volta do portátil da Intel e da Microsoft, alcunhado de Magalhães). O mecanismo apareceu e prospera como nunca. Chama-se "agência de comunicação".

Uma agência de comunicação, em Portugal, é basicamente uma empresa de serviços dedicada à produção e disseminação de informação paga por clientes, e como tal confeccionada e infiltrada no tecido mediático dominante de acordo com as exigências de conteúdo e formais do cliente. Ou seja, a imprensa, trajada a rigor como virgem ética da verdade comunicativa, recebe informação gratuita (lembrem-se que as empresas de média estão virtualmente falidas), embora com uma condição de acessibilidade irrecusável: publicar na hora, não apenas a informação, mas a forma editada da informação, que as agências diligentemente obtêm dos seus clientes e fazem chegar às redacções. Reparem numa coisa: se o governo ou uma empresa fizesse chegar a sua verdade directamente ao canal de televisão, ao diário ou ao semanário, qualquer um deles se veria na obrigação ética e deontológica de averiguar a qualidade das fontes e a objectividade da informação. Teria, além disso, que seleccionar o material a difundir! Ora isso custa dinheiro, e pode afastar publicidade! O melhor, mesmo, é publicar o lixo produzido pelas "agências de comunicação", sabendo que em troca a publicidade não deixará de afluir. No fundo, o que as mafiosas agências de informação lusitanas estão a querer explicar à novel secretária-geral do PSD é que, para que a sua comunicação seja bem escolhida e editada, e saia a tempo e horas nos diversos canais de comunicação de massas existentes, o melhor mesmo é dirigir-se a uma destas famosas agências! A não ser assim, fica entregue à ética virginal de jornalistas mal pagos e editores temerosos.

Manuela Ferreira Leite, tal como Cavaco Silva, sabem o que querem, mas são uns monumentais desastres em matéria de comunicação e apresentação mediática. Se a Manuela não quiser cair nas malhas impiedosas das agências de comunicação, terá urgentemente que contratar um "political personal trainer". Eu sou um bocado bruto, mas garanto resultados!

A máfia mediática actual tem que ser denunciada e substituída por jornalistas de corpo inteiro. Duas medidas em simultâneo bastam para colocar as pedras no lugar:
  1. Legislar sobre a transparência empresarial das ditas agências de comunicação, que hoje não passam de empresas mais ou menos clandestinas e sem rosto. Um dos aspectos essenciais desta legislação passa por obrigar os meios de comunicação social convencionais a citar a proveniência das informações que difundem, sempre que as mesmas tenham origem em agências de informação e comunicação, salvaguardando como excepção à regra as fontes directamente consultadas (cuja reserva de confidencialidade deverá continuar a ser preservada);
  2. Publicitar todos os contratos existentes entre, por um lado, os órgãos de soberania, autarquias, demais organismos e departamentos do Estado e empresas públicas, e por outro, as ditas agências de comunicação.

Boa parte da comunicação social abandonou os escrúpulos e vive miseravelmente a tragédia do pacto feito com quem lhes garante a sobrevivência: o Estado e a Banca. Se Manuela Ferreira Leite começar por enfrentar sem receio e a dose de brutalidade retórica necessária este antro de corrupção intelectual, verá que a matilha a soldo do governo socratintas amaina por uns tempos. E verá também como as putas da democracia meterão num ápice as gaitas no bolso.

Finalmente, sempre gostaria de saber quando é que o doutorado sindicalista-mor da CGTP salta do poleiro onde se faz eleger há décadas. É esse o seu conceito de democracia? É?!


19-11-2008
O garrote da dívida externa portuguesa
Gross External Debt Position*
2007 - $461.200.000.000 (CIA Factbook, 31 December 2007)
2008 - 335 136 000 000 euros (BdP, Março 2008)
2008 - 343 966 000 000 euros (BdP, Junho 2008)

PIB nominal
2007 - 163 082 900 000 euros
2008 - 168 356 400 000 euros (previsão do OE 2009)

Dívida Externa
2007 = PIB x 1,985
2008 = PIB x 2,043

in Banco de Portugal, Setembro, 30, 2008

A dívida externa portuguesa supera os 200% do PIB! E não os 100% (1) que não sei quantos economistas vêm lançando para o ar mediático nas últimas semanas, depois de terem tolerado durante anos a conversa fiada dos 3% em volta do défice orçamental, como se este fosse o maior problema estrutural do país. Não é!

O Estado português até poderia absorver 5% e mais do PIB, sem que daí mal algum viesse ao Zé Povinho, na condição de esse dinheiro ser bem empregue. Por exemplo, na recuperação da nossa vocação atlântica em todas as suas pesadas frentes e dimensões orçamentais. Por exemplo, na criação de facto de um Estado livre, solidário, participativo e eficiente. Por exemplo, na criação e desenvolvimento acelerado de uma política linguística e de informação global tecnologicamente avançada. Para tudo isto, dando de barato que pelo caminho poríamos de facto as corporações profissionais e sindicais na ordem, gastar 5% do PIB em políticas estruturais e estratégicas de Estado, seria mais do que aceitável, mesmo correndo o risco de ouvir berros de Bruxelas.

Agora o que não é tolerável é contrair alegremente dívidas no estrangeiro ao longo de décadas, e atrair à toa investimentos especulativos, até termos chegado à linda situação de sermos, entre 203 países e economias regionais consideradas, aquele que tem, em valores absolutos (!), a 20ª maior dívida externa do planeta!!

Eu ando a proclamar a necessidade de combater esta calamidade há mais de um ano. Parece que, finalmente, os economistas profissionais ganharam coragem para falar do assunto. O problema vai tornar-se grave e visível nos tempos mais próximos, por um motivo simples de entender:

-- o desaparecimento misterioso da liquidez mundial, atraída fatalmente pelo buraco negro da Grande Dívida Mundial, cujo núcleo magnético é formado pelos montantes infinitos de dinheiro virtual gerado pelos mercados de derivados, irá pressionar dramaticamente, não apenas o pagamento dos empréstimos acumulados ao longo dos últimos anos, mas também o retorno de muitos dos investimentos na economia real, nos fundos de investimento e nas bolsas, tornados inviáveis ou desinteressantes por efeito da depressão económica mundial em curso. Como, por outro lado, o acesso ao crédito internacional se encontra estagnado, e só recuperará em novos moldes de transparência e muito maior rigor nas análises custo-benefício, a possibilidade de contrair mais empréstimos no exterior, para pagar os juros e a descomunal dívida externa portuguesa, é muito limitada. Nem mesmo o sorriso sedutor do papagaio Magalhães nos valerá neste aperto.

Esta simples realidade, que o fumo ilusionista da manipulação estatística tem sabido esconder até agora, sob o alto patrocínio da generalidade dos actores políticos lusitanos, coloca Portugal numa posição bem mais próxima da Islândia e da Irlanda, do que dos Estados Unidos, Alemanha, França, etc. -- todos eles à nossa frente em matéria de dívida externa --, pois, ao contrário de alguns dos maiores devedores "brutos" do mundo, que são ao mesmo tempo grandes exportadores de bens e serviços, nós somos uma pequena economia com uma balança de transacções correntes extraordinariamente desfavorável. Na realidade, temos a 179ª pior dívida corrente entre 188 países analisados pela CIA!

É por isso que venho alertando insistentemente para a necessidade de alterar o actual sistema político, por forma a garantir as condições necessárias para uma metamorfose democrática do regime, sem a qual corremos sérios risco de termos que vender literalmente o país a quem der mais por esta bela praia à beira-mar plantada.


* - The data on gross external debt covers only part of the external financial relations of Portugal. Indeed, gross external debt statistics do not include (a) financial liabilities arising from participation rights (i.e., shares and investment funds units related with portfolio investment; and equity capital, reinvested earnings and real estate investment regarding direct investment) and (b) any financial claims on non-residents. The International Investment Position and related stock statistics, which the Banco de Portugal publishes regularly, provides a comprehensive overview of Portugal’s financial relations with non-residents, including the aforementioned items (all external assets and the remaining external liabilities). -- Banco de Portugal.

NOTAS
  1. Este valor, de 100% do PIB, a que se vem referindo, nomeadamente, Luís Campos e Cunha, traduz, ao que me disseram, a "Dívida Externa Líquida", i.e. a Dívida Externa Bruta menos o que o estrangeiro nos deve. É uma maneira de fazer contas que pode facilmente desviar-nos do essencial. Por exemplo, a célebre dívida moçambicana de Cahora Bassa foi perdoada, o que não quer dizer que alguém venha a perdoar as nossas dívidas!


18-11-2008
Dias Loureiro participou pelo Grupo BPN na compra de empresas que foi ocultada das autoridades

"A operação de aquisição de duas sociedades com sede em Porto Rico pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), em 2001 e 2002, numa transacção ocultada das autoridades e não reflectida nas contas do grupo, foi liderada por José Oliveira e Costa, antigo líder do Grupo SLN/Banco Português de Negócios (BPN), e por Manuel Dias Loureiro – na altura administrador executivo do mesmo grupo. A operação envolveu duas empresas tecnológicas, contas em offshore e um investimento de mais de 56 milhões de euros por parte da SLN.

"Na área das novas tecnologias a SLN detinha uma outra empresa, a Datacom, que tinha acções numa fábrica italiana, a Seac Banch, especializada em leitura óptica de cheques. A Datacom ganhou o concurso para a implantação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal, no tempo em que Santana Lopes era primeiro-ministro.

A adjudicação da infra-estrutura, que visava permitir a interligação entre as várias forças de segurança, a emergência médica e a protecção civil, tinha sido assinada três dias depois de o PS ganhar as eleições e quando era ministro da Administração Interna Daniel Sanches, que tinha sido administrador da SLN, por convite de Dias Loureiro." -- in Público.

Está na altura de as pessoas decentes do Bloco Central começarem a limpeza dos respectivos partidos.


OAM 478 19-11-2008 16:35 (última actualização: 22-11-2008)

terça-feira, novembro 18, 2008

Crise Global 44



O Verão quente de 2009

Portugal

Num dos inquéritos informais que tenho vindo a lançar neste blogue, sem qualquer pretensão científica, realizado na primeira quinzena deste mês, perguntei o seguinte: Tenciona votar outra vez em Sócrates? Responderam vinte leitores atentos. 20% disseram SIM. 40% disseram NÃO. 40% disseram NÃO VOTEI NELE, e na opção TALVEZ, zero respostas.

Se compaginarmos estes indicadores superficiais com as manifestações massivas de professores e alunos, os ovos e tomates que começam a cair sem dó nem piedade nas cabeças de ministros e ajudantes, o mal-estar crescente entre os militares, a maneira olímpica como o presidente da Madeira passa por cima das leis e desautoriza os ministros da República, os comportamentos mais recentes dos hooligans lusitanos, a crise que começou a crescer no Partido Socialista, e sobretudo o impacto catastrófico da crise mundial, que se fará sentir inevitavelmente em Portugal ao longo de 2009, então não parece muito difícil prever duas coisas: a queda, aliás inútil, da ministra da educação, no princípio do ano que vem, e o fim da actual maioria absoluta, com a possível demissão antecipada do actual governo.

Esta última possibilidade depende de dois factores:
  • a velocidade da cisão em curso no Partido Socialista, absolutamente necessária por ser a única via capaz de obviar uma queda do poder político nas mãos inúteis do PCP e do Bloco de Esquerda, a que se seguiria, se vier a ocorrer, lá para 2010-2011, a emergência inevitável de um forte regime populista de direita, a la Berlusconi...,
  • e a capacidade de Cavaco Silva antever e controlar os acontecimentos e os danos das sucessivas vagas da crise sistémica mundial cujo maior impacto chegará a Portugal no próximo Verão.

O sedutor José Sócrates revelou-se uma personalidade mal formada e manipulada por um autêntico consórcio de piratas económico-financeiros, cuja aposta tardia nos efeitos miraculosos do liberalismo, na desorganização programada do aparelho de Estado, na manipulação sistemática dos principais aparelhos mediáticos, e na corrupção, conduziu o país a um beco virtualmente sem saída e a uma crise sem precedentes, nem retorno, no partido que tomaram de assalto e ocuparam arrogante e descaradamente. Os princípios programáticos do ideal socialista foram caricaturados por José Sócrates. O programa social-democrata que o actual governo PS deveria, por definição, aplicar, deslizou paulatinamente para a direita e para o liberalismo mais confesso, ocupando triunfalmente os territórios programáticos da Direita (excepto nas agendas da moralidade pública.)

A opção foi, porém, tardia, e revelou-se desastrosa. José Sócrates transformou-se numa espécie de papagaio Magalhães, encarnação virtual multimédia do velho vendedor ambulante de cobertores que nas idas décadas de 50, 60 e 70 descia da Covilhã à capital carregando os seus famosos conjuntos de atoalhados de feltro, pijamas de flanela e cobertores. A diferença, porém, é que agora, e ao contrário dos tempos em que a destruição da capacidade produtiva do país não elegia políticos, nem os bancos mandavam no primeiro ministro, o actual vendedor ambulante de quimeras que um dia chegou a primeiro ministro de Portugal tem as mãos cheias de nada e já não convence ninguém! Que transite, pois, para os livros de história, o mais depressa possível!

O mundo está à beira de uma viragem sem precedentes. Temos que nos preparar, sob pena de sucumbirmos entre muitos outros que sucumbirão. O tempo da retórica imbecil da política terminou. Portugal tem que reflectir e definir sem demora um novo quadro estratégico para os próximos anos. O regime dito semi-presidencialista esgotou as suas virtualidades. É necessário fazê-lo evoluir constitucionalmente para um regime presidencialista, onde possamos reconhecer a voz do Estado, onde os governos governem e as instituições públicas sejam eficientes, transparentes e responsáveis. Onde, ao mesmo tempo, a regionalização seja drasticamente corrigida em duas direcções: ampliando o número da regiões autónomas para quatro (Açores, Madeira, Lisboa e Porto), e dando mais poder, autonomia e meios, às autarquias, reduzindo porém o seu actual número de acordo com a evolução registada e previsível do mapa demográfico do país.

E o resto do Mundo

Ao contrário do que se poderia esperar, quer da recente cimeira do chamado G-20, quer da eleição de Barack Obama, os sinais da crise económico-financeira continuam a multiplicar-se no pior dos sentidos, isto é, no sentido de uma crise sistémica global do Capitalismo, da qual resultará uma de duas situações: a deflagração de uma III Guerra Mundial, ou a celebração dum Novo Tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo em duas metades, dialogantes mas dotadas de sustentabilidades próprias.

Um novo sistema de comércio mundial seria então desenhado, podendo mesmo assentar na criação de uma moeda única global concebida para lidar com a nova partilha cooperante de territórios.

Até que um destes cenários se perfile no horizonte, assistiremos à queda inevitável da moeda e da economia americanas, provavelmente antes do Verão de 2009. Assistiremos a um rápido protagonismo da China na diplomacia internacional. Voltaremos a ver os preços do petróleo chegar aos 100 ou mesmo aos 200 euros no decurso dos próximos dois ou três anos. Assistiremos a ondas destruidoras de deflação, seguidas de inflação, falências em cascata de empresas, bancos e países inteiros (a Argentina está à beira de somar-se à Islândia e ao Zimbabué na longa lista de colapsos nacionais em gestação). E se o Irão for atacado por Israel, a Europa será posta perante um dilema inadiável: ou se une sob uma mesma direcção económica, política e militar, e impõe imediatamente ordem em todos os seus flancos ameaçados pelas disputas energéticas mundiais, ou entrará em colapso como projecto de civilização, abrindo as portas a uma escalada bélica em precedentes.

Não é possível fazer um reset do sistema financeiro mundial, nem muito menos aspirar a debelar a actual crise sistémica, com quiméricas receitas keynesianas, antes de recomeçar em novos moldes todo o sistema de comércio mundial. Sem a redefinição prévia deste, apenas se adiarão os problemas e nos aproximaremos das dobras catastróficas do conflito global. Temos que regressar, todos, à economia real!


REFERÊNCIAS

The Depression: A Long-Term View, by Immanuel Wallerstein.

"The depression has started. Journalists are still coyly enquiring of economists whether or not we may be entering a mere recession. Don't believe it for a minute. We are already at the beginning of a full-blown worldwide depression with extensive unemployment almost everywhere.

"In terms of the hegemonic cycles, the United States was a rising contender for hegemony as of 1873, achieved full hegemonic dominance in 1945, and has been slowly declining since the 1970s. George W. Bush's follies have transformed a slow decline into a precipitate one. And as of now, we are past any semblance of U.S. hegemony. We have entered, as normally happens, a multipolar world. The United States remains a strong power, perhaps still the strongest, but it will continue to decline relative to other powers in the decades to come. There is not much that anyone can do to change this."

Breakdown of the Global Monetary System by summer 2009

"The G20-meeting held in Washington on November 14/15, 2008, is in its essence a historical indicator that the Western - above all Anglo-Saxon - monopoly on global economic and financial governance, is coming to an end. Nevertheless, according to LEAP/E2020, this meeting also clearly demonstrated that this kind of summits is doomed to inefficiency because they concentrate on curing the symptoms (banks’ and hedge funds’ financial difficulties, derivative markets’ explosion, financial and currency markets’ dramatic volatility, ...) rather than the fundamental root of the current crisis, i.e. the collapse of the Bretton Woods system based on the US Dollar as sole pillar of the global monetary system.

Limit yourself to Wysiwyg investments!

"The acronym Wysiwyg (What You See Is What You Get) was originally invented for computing and graphic representation but, according to LEAP/E2020, it conveys a methodology that applies perfectly to questions of placements and investments. It is important to beware of any operation where you are not in close contact with the final investment. You must see exactly what you buy. Indeed, in the current chaos, the risk is exponentially multiplied by the number of intermediaries (financial institutions, brokers, ... or complex structure of a product involving various heterogeneous components) between you and your placement. Just think about the way Lehman Brother’s collapse entailed the disappearance of investments of millions of people worldwide, some of them had never even heard about Lehman Brothers. They just suddenly realized that they had applied a « WyDsiwyg » method, « What you don't see is what you get ». A bit like in the mad cow disease which imposed trace-back systems to ensure that the meat eaten is not coming from a sick animal, it is important to be able to trace-back one’s investment. And given that today the financial industry is incapable of providing this kind of service, it belongs to you to develop this ability by refusing any complex or intermediary-based product. Treasury bonds of solvent countries, cash (in solid currencies), precious metals, art, strong corporate bonds ... these are transparent and easy to trace-back investments! Stick to Wysiwyg placements! The visibility you have on what they represent will help you choose wisely.

"Reappraise your beliefs and beware of reflex-actions: Before making a decision, do the LEAP/E2020-test « Is your safe haven value still one? » We are experiencing the first global systemic crisis. It has no equivalent in history, contrary to what the media and our leaders claim28. What is certain is that these days, certainties can suddenly be shattered and safe haven values turn into death traps in just a week-end (time for a bank, a company, a state to go bankrupt). It is therefore essential to reappraise carefully one’s certitudes in order to check that, under the effect of the crisis, they have not become illusions. Think of all those who chose in 2007 to invest their money in securities tied to large US private equity banks, considered for years as the top of the global financial pyramid and therefore 100 percent safe. Those who carefully examined the possible output of the unfolding crisis deducted that the operators at the top of the subprime-infected system would inevitably be affected. Therefore they were able to carefully avoid these traditional “safe havens” while the others got trapped to different extents." -- in GlobalEurope Anticipation Bulletin, november 2008.


As ações dos Estados são capazes de conter a crise após a explosão das bolhas?


Como no horizonte não se enxerga nenhuma bolha capaz de ancorar a economia em crise e como a tendência atual dos Estados é buscar substituir os mecanismos de formação de capital fictício das bolhas por dinheiro “falso”, o suspiro momentâneo do paciente terminal reanimado pela injeção de placebos, pode se transformar logo em seguida em desastre econômico de proporções inimagináveis. Dependendo da velocidade em que se dá a queima e a reposição do capital sem substância, a deflação e a inflação, como formas fenomênicas da crise, em diferentes momentos transmutam-se por se encontrar em equilíbrio precário. E como não se vislumbra nenhuma revolução tecnológica capaz de reaquecer a máquina capitalista de “valorização do valor” (Marx), é possível uma convivência diária com esses fenômenos que manifestam a cronificação da crise, até que a sociedade tome novos rumos ou resolva se afundar na barbárie. -- in Rumores da Crise, 16-11-2008.


World leaders vow to undertake coordinated action to tackle financial crisis


2008-11-16 03:06:08 (China View) WASHINGTON, Nov. 15 (Xinhua) -- "Leaders from the world's major developed and emerging economies agreed here on Saturday to undertake a coordinated action to tackle the ongoing global financial crisis and explore measures to prevent similar crisis in the future.

"Our work will be guided by a shared belief that market principles, open trade and investment regimes, and effectively regulated financial markets foster the dynamism, innovation, and entrepreneurship that are essential for economic growth, employment, and poverty reduction," the declaration said.

"The group consists of the world's major developed and emerging economies which accounting for 85 percent to 90 percent of the world's total economy and about two-thirds of the world's population.

"As expected by President George W. Bush, who said "The surest path to that growth is free markets and free people," the leaders attending the Washington summit stressed the free market principles are essential to economic growth and prosperity.

"Recognizing the necessity to improve financial sector regulation, we must avoid over regulation that would hamper economic growth and exacerbate the contraction of capital flows, including to developing countries," the declaration said.

“We underscore the critical importance of rejecting protectionism and not turning inward in times of financial uncertainty. In this regard, within the next 12 months, we will refrain from raising new barriers to investment or to trade in goods and services, imposing new expert restrictions, or implementing World Trade Organization (WTO) inconsistent measures to stimulate exports.


Banks See Flaws in FDIC Program to Guarantee Debt

Nov. 13 (Bloomberg) -- JPMorgan Chase & Co., Bank of America Corp. and Goldman Sachs Group Inc. are among banks that told the government its program to back their bonds is flawed because it doesn't have a strong enough guarantee.

The Federal Deposit Insurance Corp. guarantee for repayments in default needs to be clearer, fees are too high and banks need more freedom on whether to opt in, according to a letter from law firm Sullivan & Cromwell LLP posted on the agency's Web site on behalf of nine banks. The comment period on the interim rules for the FDIC's Temporary Liquidity Guarantee Program ends today.

The comments shed light on why almost a month after the government placed its guarantee behind new bank bonds, no U.S. company has yet tested the market. By contrast, under a similar program in the U.K., banks have issued the equivalent of 13.9 billion pounds ($20.6 billion) of government-guaranteed bonds.

"A guarantee obligation that is anything less than an obligation to pay all amounts due could severely curtail the demand for these securities and might impair a bank's access to guaranteed funding," New York-based Sullivan & Cromwell said in the Oct. 31 letter.


JOSEPH E. STIGLITZ
Global Crisis -- Made in America

Flawed Governance Structure

12-11-2008. There is mounting evidence that the developing countries may require massive amounts of money, amounts that are beyond the capacity of the IMF. The sources of liquid funds are in Asia and the Middle East. But why should they turn their hard earned money over to an institution with a failed track record; one which pushed the deregulatory policies that have gotten the world into the mess where are in now; one which continues to advocate the asymmetric policies which contribute to global instability; and one whose governance structure is so flawed?

We need a new financial facility to help the developing countries, one whose governance reflects the realities of today. Going forward, this new facility might lead to deeper reforms at the IMF. Such a facility needs to be created quickly, but if experts from the finance ministries and central banks are loaned out to this new institution, it could be up and running in short order.

There are further reforms that need to be undertaken. The dollar-based global reserve system is already fraying -- the dollar has proven not to be a good store of value. But moving to a dollar-euro, or a dollar- euro-yen system could be even more unstable. We need a global reserve system, for a global financial system. Keynes wrote about this at the time of the last big downturn, but the need today is even greater. His hope was that the IMF would create a new global reserve currency. He called his Bancor, much akin to the IMF's SDR (special drawing rights). This is an idea whose time may have finally come. -- in Spiegel.


BEI financia 40 mil milhões de euros para novo aeroporto e TGV

14.11.2008 - 13h25 Lusa/ Público
O Estado português e o Banco Europeu de Investimento (BEI) assinaram hoje um acordo que prevê o financiamento de 40 mil milhões de euros nos próximos dez anos destinado a projectos de infra-estruturas, incluindo o novo aeroporto e o comboio de alta velocidade.

A assinatura do acordo foi feita hoje durante o seminário "Financiamento da Economia: Oportunidades e Parcerias no Contexto Actual".

O financiamento inclui um conjunto de projectos para variados sectores: rede de transportes, parcerias na saúde, investimentos na área da energia e do ambiente, precisou Teixeira dos Santos aos jornalistas à margem da conferência.

Questionado sobre se esse dinheiro serviria para financiar o novo aeroporto de Lisboa e o comboio de alta velocidade, o ministro garantiu que esses projectos vão contar com o apoio do financiamento do BEI.

Normalmente, a participação do BEI nestes projectos ronda os 35 por cento do investimento total, acrescentou o governante, afirmando que o valor de referência pode rondar os 14 mil milhões de euros (montante que representa 35 por cento dos 40 mil milhões de euros).


BPN enviou 30 milhões de euros para o Brasil através de bancos 'off-shore'

12-11-2008 (Sol). O Banco Português de Negócios (BPN) enviou 30 milhões de euros para o Brasil através de veículos 'off-shore', entre Janeiro de 2007 e Abril de 2008, revelam os registos do banco central brasileiro.

Por Filipe Alves, da Agência Lusa

O mês mais movimentado foi o de Dezembro de 2007 - algumas semanas antes da demissão de José de Oliveira e Costa da liderança do grupo SLN/BPN - quando foram enviados para o Brasil cerca de 20 milhões de euros, através do Banco Insular e do BPN Cayman (bancos controlados pela SLN), revelam os dados do Banco Central do Brasil, que estão disponíveis para consulta pública.

De acordo com os registos, entre Janeiro de 2007 e Abril de 2008, o Banco Insular de Cabo Verde, o BPN Cayman e a sociedade 'off-shore' SLN Madeira enviaram várias remessas de dinheiro em euros e em dólares, com valores situados entre os 900 mil e 4,7 milhões de euros, para empresas brasileiras detidas pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN).

Os destinatários destas remessas foram sociedades brasileiras como a Sabrico S.A., uma empresa distribuidora de veículos Volkswagen, a Fuentes Participações Ltd. S.A. (detida pela Sabrico e sem actividades conhecidas) e o BPN Creditus Brasil, uma empresa financeira para aquisições a crédito.

O envio de capitais para o Brasil cessou em Julho de 2008, coincidindo com a entrada em funções da nova administração liderada por Miguel Cadilhe (que substituiu o presidente-interino Abdool Vakil, que fora nomeado em Fevereiro aquando da saída de Oliveira e Costa).

O último financiamento dirigido ao Brasil, que ascendeu a 5,9 milhões de dólares (4,7 milhões de euros, ao câmbio actual), teve lugar em Julho, com a Fuentes Participações como destinatário. No entanto, ao contrário do que sucedia anteriormente, neste caso o envio foi realizado pela própria casa-mãe, o BPN, e não por bancos ou sociedades 'off-shore'.


$700 billion.. where to?

November 12, 2008 (The New York Times). Mr. Paulson said the $700 billion would not be used to buy up troubled mortgage-related securities, as the rescue effort was originally conceived, but will instead be used in a broader campaign to bolster the financial markets and, in turn, make loans more accessible for creditworthy borrowers seeking car loans, student loans and other kinds of borrowing.

... Mr. Paulson also pledged intensified government efforts to help struggling homeowners and said he and his aides “are examining strategies to mitigate” foreclosures.

... Mr. Paulson also said the Treasury’s capital infusions through the Troubled Asset Relief Program, known as TARP, might also be aimed at other kinds of financial institutions.


Do Relatório de Novembro do BPI

Banca pode ser incapaz de responder às necessidades de financiamento do país
11.11.2008 - 16h38 (Lusa) O sistema financeiro português é incapaz de responder às necessidades de financiamento das empresas e particulares e, dessa forma, pode vir a travar o crescimento económico do país, alerta o BPI num relatório de Novembro sobre os mercados financeiros.

"Num momento em que a economia está a perder alguns dos seus motores de crescimento dos últimos anos (exportações e investimento), o sector bancário português (...) poderá não dispor dos meios suficientes para manter o ritmo de financiamento à actividade económica, redundando num factor adicional de arrefecimento da economia nacional por via de abrandamento do consumo e do investimento em construção, que vinha revelando sinais de melhoria do desempenho", pode ler-se no relatório do BPI.

"O crédito bancário é uma fonte de financiamento para o sector não financeiro muito mais relevante em Portugal do que noutras economias", nota Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI no mesmo documento.

Entre 2000 e 2006, o crédito bancário representava perto de 70 por cento dos meios de financiamento da economia portuguesa, valor que compara com percentagens de 40 por cento em França, perto de 55 por cento na Alemanha e em Espanha, e menos de 20 por cento nos EUA, segundo dados do Banco Mundial citados pelo BPI.

Portugal é o país, de um conjunto de 10, em que a importância do mercado de acções para o financiamento é mais baixo (pouco mais de 20 por cento), segundo os mesmos dados.

OAM 477 18-11-2008 20:15

Por Lisboa 21



Cargueiros ou Caipirinhas ?


19-11-2008. O debate do Prós&Contras sobre o terminal de carga de Alcântara esclareceu pouca coisa, revelou um leque amplo de convicções contraditórias, e mostrou uma vez mais a subserviência trapalhona do governo Sócrates aos grupos financeiros que dele se servem.

Revelou ainda uma segunda fraqueza fatal: defender Alcântara pelo lado das caipirinhas e dos passeios domingueiros com a família, é a melhor maneira de levar a água ao moinho da Mota-Engil.

O protagonismo aristocrata de Miguel Sousa Tavares não resistiu, pois, às argumentações jurídicas e económicas apresentadas.

O ponto essencial foi e é este: podemos ou não dar-nos ao luxo de acabar com os cais de carga e descarga marítima do Porto de Lisboa? Não podemos! E se tal implicar (que não implica) um muro de contentores, deveremos parar a ampliação da Doca do Espanhol? Não, não devemos!

Da mesma maneira que deve defender-se, na medida do possível, a ampliação do aeroporto da Portela e a manutenção da Base Aérea do Montijo como alternativa de expansão perfeitamente partilhável entre companhias Low Cost e a actual serventia militar (com vantagens económicas para a Força Aérea!) -- beneficiando de uma vantagem de proximidade única entre o aeroporto e o centro da cidade --, também devemos apostar sem hesitação na rápida modernização e adaptação de TODOS os portos marítimos e fluviais portugueses.

A evolução expectável do tráfego marítimo numa era com menor expansão do tráfego aéreo e constrangimentos crescentes ao transporte rodoviário, e sobretudo a nova centralidade estratégica do Atlântico, imposta pela reordenação geo-estratégica em curso, actualizará numa escala sem precedentes o valor da zona económica exclusiva e TODOS os portos do país!

Portugal deveria ter quatro objectivos estratégicos, face às novas circunstâncias mundiais:

1. garantir a extensão das suas plataformas marítimas,
2. reformar urgentemente os seus portos,
3. relançar a sua actividade marítima (comercial, industrial, tecnológica, educativa e militar)
4. mudar o actual sistema político na direcção de uma democracia presidencialista e de um Estado eficiente, solidário, descentralizado e responsável

Tudo o resto é menos importante, nomeadamente as novas travessias do Tejo e sobretudo o Novo Aeroporto de Lisboa da Ota em Alcochete. Quanto ao TGV, façam-se as ligações Caia-Pinhal Novo e Vigo-Porto, em primeiro lugar, e depois Porto-Aveiro-Salamanca. Mas renegociando as contrapartidas com Madrid. A Moncloa e o Palácio do Oriente são os maiores beneficiários destas ligações. Por conseguinte: paguem!

Não façam mais autoestradas! Nem mais barragens!! Criem-se imediatamente as regiões autónomas de Lisboa e Porto!!!

Termino recomendando o que já escrevi sobre este tema em 1 de Novembro passado.




Tango Siciliano na Doca do Espanhol

01-11-2008. Estive a ler o comunicado da Liscont sobre a controvérsia em volta da prorrogação do contrato de concessão do Terminal de Alcântara. À distância do término do actual contrato, nada justifica que a proposta de prorrogação do mesmo não tivesse sido submetida a discussão e concurso público (neste caso, internacional) antes de se apresentar o facto consumado de um contrato assinado arrogantemente por debaixo da mesa das obscuras negociações que continuam a ser o timbre desta democracia cada vez mais corrupta e sem vergonha.

Os protagonistas desta história Siciliana não poderiam deixar de ser oriundos da célebre tríade de Macau, i.e. do ninho de pseudo-socialistas ambiciosos que, depois de uma prolongada e agradável estadia político-partidária em Macau, viria a constituir a seita ultraliberal do PS, no esófago da qual o desengonçado partido fundado por Mário Soares acabaria por ser deglutido. Refiro-me, claro está, ao novo CEO da Mota-Engil, Jorge Coelho, e ao Presidente do Conselho de Administração do Porto de Lisboa, Manuel Frasquilho. São dois figurões do PS que além de andarem com o PS no bolso, julgam ter Portugal a seus pés, pasmado com as suas mentes brilhantes.

Ora, como já devem ter percebido, não é bem assim. Portugal ainda não foi completamente transformado num zombie, como de facto ocorreu ao PS. Nem se intimida com meia dúzia de lumpen-proletários manipulados. Por mais adormecidos que andem os arautos da estalinista e neo-estalinista (ex-trotsquista) esquerda parlamentar (PCP e Bloco), que sobre a provocação montada contra Francisco Sousa Tavares, nada ou pouco disseram, reproduzindo o mesmo comportamento manhoso e eleitoralista que tiveram na questão açoriana, o governo, as autarquias, as instituições e as empresas, têm que começar a levar a sério as suas responsabilidades sociais -- quanto mais não seja, porque a exigência de transparência e diálogo democrático vieram para ficar, após a inaugural epopeia blogosférica da Ota.

Dito isto, falta agora esclarecer um ponto crucial: eu não sou contra o muro de contentores. Antes pelo contrário, sou a favor! Compreendo e aceito mesmo os argumentos estratégicos do Governo, do Porto de Lisboa e da Mota-Engil/Liscont nesta matéria.

Há bares, restaurantes e discotecas que cheguem ao longo do meu amado estuário. Há belíssimos e sedutores passeios ao longo do rio e ao longo do mar entre a Ponte Vasco da Gama e o Guincho. Mas a beleza do estuário é muito mais do que os nossos olhos alcançam. É o frenesim que advém da multiplicidade dos fenómenos grandes e insignificantes do quotidiano. Dos namorados que se beijam ao amanhecer, dos estivadores que emborcam bagaço numa manhã especialmente nevoenta e fria, do rebocador atarefado, do pescador que remexe na lata de minhocas, do paquete que chega e parte apinhado de ilusões, dos graneleiros que aportam o trigo duro do pão nosso de cada dia, dos Cacilheiros que unem as margens, dos Vougas onde os meninos e meninas aprendem as artes de navegar sob o olhar atento dos pais. O maior estuário da Europa é muito estuário! Há lugar para todos e quantos mais vierem, melhor. Pede-se apenas idoneidade e cortesia.

Portugal tem que voltar ao mar, e depressa. Com ambição e cálculo. Com entusiasmo e criatividade. Os consultores da McKinsey prevêem um aumento estratégico do transporte marítimo mundial, nomeadamente recorrendo a grandes paquetes e super porta contentores, que exigem águas profundas para atracar (12 a 15 m). Os estaleiros de Viana, por sua vez, desenvolvem em parceria com empresas de mais sete países europeus o projecto para um novo navio de transporte de contentores, especialmente adaptado ao crescimento do transporte marítimo de cabotagem, ao longo das costas europeia e africana -- o CREATE3S (PPT). Pelo esboço apresentado pela Liscont, não vejo como rejeitar com fundamento a sua pretensão de estender a Doca do Espanhol. A parede de contentores não me incomoda nada, e a sua geometria necessariamente variável e dinâmica apenas dará maior densidade estética às docas de Lisboa.

Falta tão só explicar como é que se vai movimentar 1 milhão de contentores naquela zona apertada. Diz-se que por via férrea. Acredito que seja possível. Mas onde está o estudo prévio da coisa? Não deveriam ter começado por aí? Se afundarem a Linha do Estoril, passando necessariamente por baixo do caneiro de Alcântara, a que profundidade passará o túnel a construir? Que implicações terá no pilar Norte da Ponte 25 de Abril? Há estudos de geologia realizados? Ou vai tudo ficar para a hora dos apertos? Não chegou já a escandalosa irresponsabilidade do túnel do Metro no Terreiro do Paço?

O problema, em suma, é só um: as obras públicas e de interesse público não podem começar pelo telhado. Nem no bolso dos contribuintes!


PS
: Recebi, entretanto, um email do Prof. António Brotas sobre a alternativa de construir a todo o vapor um porto de águas profundas na Trafaria, em vez da ampliação do cais da Doca do Espanhol em Alcântara. Tenho discutido esta hipótese com o Rui Rodrigues e algumas pessoas mais, mas não cheguei a nenhuma conclusão sobre as implicações reais do fecho da golada num tempo em que assistimos à subida paulatina do nível dos oceanos e à destruição imparável da Caparica. Seja como for, pela oportunidade do email enviado a Helena Roseta, aqui fica o testemunho de António Brotas:
CARTA A HELENA ROSETA

2 de Novembro de 2008

Cara Helena Roseta,

Ouvi parte da sua entrevista televisiva, creio que na passada 5ª feira, e a minha assinatura (que não dei) foi solicitada para uma petição contra o aumento dos contentores no cais de Alcântara. Há neste assunto dois aspectos: o físico do alargamento da área do cais destinada aos contentores, e o político/financeiro, da obra ser, pelo menos em parte, paga pela Liscont, a troco do alargamento sem concurso público da duração da sua actual concessão.

Com respeito ao primeiro, há que dizer que uma vasta área bem servida por caminho de ferro, que era usada para movimentação e depósito de contentores, foi urbanizada na sequência da EXPO 98. Em consequência, os contentores espalharam-se por Lisboa e pelos arredores, e hoje, o cais de Alcantara, nitidamente acanhado, é, na cidade, praticamente a única zona onde podem estacionar e ser movimentados os contentores chegados e que vão ser embarcados.

A Administração do Porto de Lisboa e a Câmara sentiram-se, naturalmente, obrigados a resolver este problema que tende a agravar-se. A solução proposta foi a de aumentar, com terrenos ganhos ao rio e com a demolição de alguns edifícios, a zona destinada aos contentores e de deslocar para Santa Apolónia os navios de cruzeiros.

Esta solução, que tem inconvenientes vários, é uma solução provisória porque, se não for tomada nenhuma outra, dentro de alguns anos o cais de Alcântara estará de novo saturado. Contra ela manifestam-se desde já alguns cidadãos?. Mas o que é que propõem? Nada fazer?

Acontece que, no estuário do Tejo, há uma outra zona altamente propícia para a construção de um grande terminal portuário. É a zona da Trafaria, onde já está instalado um terminal para graneis cerealíferos, um dos dois maiores da Peninsula Ibérica, e que pode ser facilmente ampliado para outras valências, sobretudo se a obra for conjugada com o fecho da golada (ligação por terra ao Bugio) uma obra absolutamente necessária para proteger as praias da Caparica e garantir a boa entrada da barra do Tejo.

Estes assuntos foram focados, no passado dia 30, num encontro que se realizou na Sociedade de Geografia de Lisboa sobre o Estuário do Tejo.

O problema do terminal da Trafaria é não ter, neste momento, caminho de ferro. Dele saiem, diáriamente, 300 camiões com cereais. Mas, basta uma linha com cêrca de 10 km para o ligar à linha que passa na ponte 25 de Abril, com o que fica ligado a toda a rede ferroviária nacional e, depois, à rede europeia quando for feita a linha de bitola europeia do Poceirão a Badajoz.

É habitual analisar as grandes obras públicas do ponto de vista da relação custo/benefício. Convém, no entanto, considerar a fracção inversa benefício/custo. Deste ponto de vista , olhando em primeiro lugar o benefício., temos que as obras que mais imediatamente nos podem trazer benefício são:
1- A ligação do cais da Trafaria à rede ferroviária existente.
2- O fecho da golada.
3- A ampliação do terminal portuário da Trafaria para outras valências.

Há uma corrida contra o tempo. Se estas 3 obras forem decididas e construidas sem grandes demoras, o crescimento do trafego de contentores no cais de Alcântara pode ser travado e mesmo significativamente diminuido. As obras de expansão da zona dos contentores feitas agora em nada impedem que o cais mantenha, ou pelo menos venha a recuperar a sua função de cais turistico em frente do Museu de Arte Antiga.

Com respeito à questão político/financeira do aumento do prazo da concessão sem concurso público, uma outra questão preocupa-me muito mais. Foi o ter ouvido (não vi nada escrito) que se prepara a privatização do terminal cerealífero da Trafaria.

O que é que está, ou pode estar, em vias de privatização: as instalações actualmente existentes (que são as de um dos dois maiores terminais cerealíferos da Península Ibérica) ou a possibilidade de construir, com custos relativamente diminutos, um dos melhores portos da Europa, fundamental para o papel que Lisboa, cidade portuária, pode vir a ter no futuro.

Peço-lhe que se interesse por este assunto.

Com as melhores saudações

António Brotas


REFERÊNCIAS

O Instituto para a Democracia Portuguesa reencaminhou para este blogue um texto oportuno, da autoria de José Manuel Cerejeira, especialista com obra realizada neste sector, que ajudará a clarificar o imbróglio do terminal de Alcântara. Aqui fica, com uma pergunta: porque não foi sequer aflorada esta visão do problema no Prós & Contras?

A AMPLIAÇÃO DO TERMINAL DE CONTENTORES EM ALCÂNTARA
José Manuel Cerejeira (Engenheiro Civil)

Com a maior surpresa e sem qualquer discussão pública, em Abril de 2008, o País tomou conhecimento, pela comunicação social, da assinatura de um acordo entre as diversas entidades para a realização do empreendimento designado por Nova Alcântara/Nó Ferroviário/Terminal de Contentores. Este empreendimento prevê, em síntese: a ligação ferroviária desnivelada da linha de Cascais com a linha de Cintura, a ligação ferroviária desnivelada ao Terminal de Contentores e a ampliação deste terminal para o triplo da capacidade actual, de 350 000 para 1 000 000 de TEU (twenty-foot equivalent unit).

Pretende-se com a presente mensagem esclarecer e alertar a sociedade para a pretendida realização de um empreendimento que, além de ser injustificável, técnica e economicamente, e de ir causar enorme impacte ambiental negativo, constitui exemplo flagrante de interesses privados prevalecentes escandalosamente sobre os do País. Por muito estranho que isso pareça, até ao momento apenas surgiu na comunicação social um “grito” discordante, da autoria de Miguel Sousa Tavares, no Expresso do passado dia 3 de Maio, sob o título: “Enche-se-me o coração de tristeza”. No seu estilo contundente, critica a referida ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a prorrogação por mais 27 anos, até 2047, do monopólio que a Liscont aí detém.

Admite-se que a ausência de maior reacção por parte da sociedade se deve, principalmente, por um lado, a desconhecimento mais concreto desse plano e dos interesses subjacentes e, por outro lado, à dificuldade de antecipar as suas reais consequências sob os aspectos económicos, financeiros e ambientais. Por estas razões é importante e urgente todo o contributo que proporcione melhor esclarecimento e que alerte a sociedade sobre o que realmente está em causa.

No final de 2006 o signatário escreveu um artigo de opinião publicado na revista técnica Engenharia e Vida sob título "A Expansão do Porto de Lisboa e o Fecho da Golada". Conforme exposto no respectivo preâmbulo, a sua preocupação dominante era que o Plano Estratégico do Porto de Lisboa, que então se encontrava na fase de conclusão, contemplasse a zona da Trafaria e Cova do Vapor na expansão que o porto teria que efectuar no curto/médio prazo. Conforme evidenciado nesse artigo essa zona é, sem qualquer dúvida, o melhor local de todo o estuário do Tejo para a construção de instalações portuárias modernas. Além disso, defendia que a realização dessa obra constituiria uma oportunidade excelente para reabilitar e estabilizar, com carácter permanente, a praia da Caparica.

Este artigo teve alguma divulgação no meio técnico e, na sequência, o signatário foi convidado, a título pessoal, pela APL para dar parecer sobre a melhor solução a desenvolver nessa zona. De facto, nessa ocasião, o referido Plano Estratégico do Porto de Lisboa, na fase final em que se encontrava, apontava já para que um novo terminal de contentores se localizasse nessa zona a partir de 2010. O signatário procurou então dar a melhor resposta a essa solicitação da APL. Mobilizou o Prof. Eng. Mota Oliveira, que tinha sido o coordenador dos estudos e projectos relacionados com a obra do Fecho da Golada para a APL, e reuniu com o Director do LNEC, Eng. Matias Ramos e o corpo técnico do sector da engenharia costeira desta conceituada entidade. Em resultado, foi apresentada à APL a solução consensual que resolveria, simultaneamente, a expansão do porto e a recuperação e estabilização, com carácter permanente, da praia da Caparica. Essa solução foi muito bem acolhida pela APL e, inclusive, ficou apontado que esta entidade iria, a breve trecho, pedir ao LNEC a realização dos estudos necessários para bem a fundamentar.

Na exposição apresentada nas Jornadas de Engenharia Costeira e Portuária, realizadas em Outubro de 2007 em Lisboa, o engenheiro coordenador, por parte da APL, da elaboração do referido Plano Estratégico, informava que as conclusões apontavam para um novo terminal de contentores na Trafaria. Notícia publicada em Novembro de 2007, em revista da especialidade, reportava declarações do Presidente da APL que também iam nesse sentido. Contactos pessoais com a APL confirmaram que esta entidade estava em negociação com a Mota-Engil, proprietária da Liscont, tendo como objectivo avançar-se com o novo terminal de contentores na margem Sul.

Com a maior surpresa, em Abril de 2008, o País tomou conhecimento, pela comunicação social, da assinatura do acordo entre as várias entidades para a realização da ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara, integrada no citado empreendimento.

É importante esclarecer que o terminal de contentores está em Alcântara em resultado das recomendações do Plano Orientador do Desenvolvimento Integrado dos Portos de Lisboa , Setúbal e Sines, elaborado no início da década de 1980 pela empresa americana TAMS, associada a empresas nacionais, no qual o signatário foi coordenador da contribuição nacional. Na ocasião, o terminal de contentores de Santa Apolónia encontrava-se praticamente saturado e era necessário encontrar uma solução com viabilidade a curto prazo. Essa solução foi então a de se adaptar o terminal de Alcântara, acabado de ser ampliado para carga geral, e de promover a sua adaptação para servir as necessidades da carga contentorizada até um horizonte temporal que, entretanto, já expirou. A solução preconizada para as acessibilidades terrestres consistia em manter, no complexo nó de Alcântara, as vias férreas de nível e construir passagens rodoviárias. Era essa a solução mais económica, como convinha por serem obras de carácter provisório. No futuro teria que ser escolhido outro local e a zona da Trafaria-Cova do Vapor foi um dos locais que ficavam reservados para esse efeito.

É verdadeiramente assustador o plano das obras que agora decidiram fazer num local que, por um lado, não deixou de ser provisório para o fim em vista e, por outro lado, tem enormes dificuldades de concretização e, consequentemente, custos públicos muito elevados. De acordo com o que se sabe, compete à Mota-Engil e à APL ampliar as instalações do terminal, com a contrapartida da exploração do mesmo até 2047. Competirá ao Estado resolver o problema das acessibilidades. Contudo, agora já não é da forma mais económica acima referida, mas sim desnivelando as vias férreas de um nó extremamente complexo. A ligação ferroviária desnivelada ao terminal vai entrar na chamada Doca do Espanhol e, parte dessa doca "molhada", terá que ser transformada em doca "seca" para albergar o feixe das vias férreas.

O signatário conhece bem as condições geotécnicas locais, em decorrência das intervenções que tem tido em projectos nessa zona, e, como especialista na concepção e no projecto de inúmeras docas secas no Pais e no estrangeiro (entre outras, as da Lisnave em Setúbal, a de Cadiz, a do Bahrain e algumas no Brasil) e de outras infra-estruturas de transportes, antevê as maiores dificuldades e, seguramente, custos muito elevados e difíceis de antecipar com rigor, para a concretização dessas obras que, salienta-se, são as que irão ficar por conta do Estado. Acresce que o desnivelamento das vias férreas no vale de Alcântara, além de sérios constrangimentos à realização de uma intervenção desta natureza numa área urbana tão congestionada, constitui uma extensa "barragem" transversal ao vale e obstáculo à ligação natural deste com o rio, com consequências hidráulicas e ambientais consideráveis.

É de estranhar que, até ao momento, ainda não tenha aparecido séria contestação à realização destas obras por parte da oposição politica, quer a nível autárquico quer nacional, e de outras entidades, nomeadamente as ligadas ao ambiente.

Com a ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara a cidade de Lisboa vai ser enormemente prejudicada, por muitos mais anos, com uma instalação portuária dentro dela e cercada pelas zonas mais nobres da cidade pois, além de ficar emparedada com pilhas de contentores de 15m de altura e 1,5km de comprimento, e com o triplo dos equipamentos actuais, irá sofrer um significativo aumento dos tráfegos de atravessamento rodo-ferroviário e de navios. Além disso, perde-se uma excelente oportunidade para reabilitar e estabilizar, com carácter permanente, a praia da Caparica.

Além dos elevadíssimos custos que a ampliação do Terminal de Contentores de Alcântara e a construção das respectivas acessibilidades irão ter, teremos que continuar, por muitos mais anos, a gastar fortunas a colocar enrocamentos nos esporões da praia da Caparica, a alimentar com areias essa praia, a dragar essas mesmas areias que continuamente vão obstruindo o canal de navegação de acesso marítimo ao porto e a executar dispendiosas obras de protecção na margem direita do rio que, sem o banco do Bugio, fica exposta aos temporais do SW.

Por fim, como se tudo o que antecede não bastasse, está actualmente a ser gasta outra fortuna na construção de um novo terminal de cruzeiros em Santa Apolónia, quando a cidade tem já o de Alcântara que, além de dispor dessa tradição e estar situado em local muito privilegiado para o efeito, tem todas as condições para, com custos relativamente reduzidos, ficar devidamente apetrechado com os requisitos exigidos num moderno terminal desta natureza. Para que era preciso construir outro de raiz? Só pode haver mesmo uma explicação: poderosos interesses disputaram esse espaço.

Como é possível um País, com tantas carências, delapidar tão impunemente o valioso património que ainda dispõe, desperdiçar recursos em obras injustificáveis, mesmo com base no mais elementar bom senso, e como é que os seus principais responsáveis deixam que, tão descaradamente, os interesses privados prevaleçam sobre o interesse público?

A situação faz realmente encher o coração de tristeza, como diz Sousa Tavares, e de revolta também.

José Manuel Cerejeira (Engenheiro Civil)


OAM 476 18-11-2008 02:36

sábado, novembro 15, 2008

Por Lisboa 20



Despejo colectivo dos ateliers da cidade?

Estive a ler a proposta da actual vereação da Câmara Municipal de Lisboa sobre a cedência e uso de espaços de propriedade municipal para desenvolvimento de actividades artísticas.

Boa parte do articulado parece-me sensata, apesar dos preconceitos ideológicos de que enferma, e embora duvide que venha a ser respeitado por uma instituição falida até ao tutano e onde predominam sem vergonha o conúbio político-partidário, o nepotismo, a cunha, a protecção de colegas e amigos de longa data, a incompetência extrema e inacreditáveis níveis de corrupção -- com a qual, diga-se de passagem, tem havido completa condescendência por parte dos partidos com assento no governo da capital.

Mas o propósito principal deste alerta é outro: denunciar a aparente má fé que terá presidido à concepção do próprio regulamento, ao que sei, encomendada a consultores privados que deixaram para trás meses de trabalho dos serviços próprios da CML.

Na realidade, e apesar de concordar com o espírito do proposto regulamento no que se refere ao futuro e aos novos contratos, o último artigo da proposta de Regulamento configura um óbvio enquadramento conceptual destinado a proceder ao despejo, de facto e colectivo, de todos os artistas que actualmente usufruem de ateliers camarários, alguns deles há mais de 30 anos!

Basta lê-lo:

Artigo 15.o
Norma revogatória

É revogado o Regulamento de Ateliers e Terrenos Municipais para Artistas Plásticos, aprovado pelo Edital n.o 120/89 e rectificado pelo Edital n.o 136/89, bem como toda a regulamentação ou despacho que contrarie o disposto no presente regulamento.

Na realidade, se o novo regulamento for aplicado como prescreve a Norma Revogatória do seu proposto Artº 15º, todos os contratos de cedência, mas também todas as cedências e autorizações por despacho que "contrarie(m) o disposto no presente regulamento" cessarão -- ou nas datas dos contratos, ou imediatamente após a aprovação do proposto regulamento, para todos os actuais beneficiários de ateliers, seja com contratos antigos não renovados por qualquer motivo, seja com contratos verbais de qualquer espécie formalizados em despachos mais ou menos vagos.

É isto que reza o novo regulamento proposto!

E das duas uma: ou é aplicado, e vai tudo para a rua assim que o novo regulamento entre em vigor, pois não deverá haver ninguém que tenha expressamente renovado os contratos da chamada "cedência precária" nos últimos dez anos; ou então é aplicado em função das conveniências, e teremos mais uma farsa político-partidária.

Imagine-se que António Costa tinha a mesma ideia para os mais de 2300 beneficiários do chamado "património disperso" da Câmara Municipal. Ou que, devaneio extremo, António Costa resolvia desalojar os 67 bairros sociais da cidade, em nome de todos os que precisam e gostariam de substituir os actuais inquilinos, porque os primeiros são jovens, e porque os segundos são velhos ou simplesmente beneficiam há mais de 20 anos de rendas protegidas.

É expresso o desejo conjunto da pesada e ineficiente burocracia municipal, e dos políticos de turno, de correrem com os artistas dos ateliers que legitimamente usam, pagando, na sua esmagadora maioria, rendas actualizadas segundo a lei, e tendo muitos deles feito bem-feitorias várias, por vezes bem caras, às propriedades municipais quase sempre ao abandono por parte de quem tem obrigação estrita de as proteger e cuidar.

A violência desta demonstração de má fé burocrática é especialmente ignóbil quanto atinge as dezenas de artistas idosos para quem o atelier que pagam é quase sempre a sua principal razão de vida. Manuel Oliveira é idoso e continua a merecer milhões de euros de apoio estatal para os seus filmes. Não contesto. Mas que duplicidade moral ou estética autoriza o actual projecto de condenação à morte de algumas dezenas de artistas plásticos da capital? O gosto estético do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa? Não creio que se tenha metido nisto. Mas então de quem?

Se António Costa precisa de ateliers para jovens que legitimamente gostariam de ser beneficiados com a cedência temporária de ateliers municipais, faça uma coisa simples: ceda imediatamente os mais de 20 estúdios vazios há anos no Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus!

E já agora busque outras instalações para os funcionários camarários que a despropósito ocupam há cerca de um ano 3 "T1" expressamente imaginados e construídos para os mesmos artistas plásticos que os serviços culturais da CML tanto e há tanto tempo desprezam do alto da sua vacuidade burocrática.

Os ateliers ocupados recentemente pelas serviços administrativos da Câmara são um triste sintoma do estado enfermiço do governo da capital.

António Costa prometeu em campanha tirar os carros de cima dos passeios. Pois que vá até aos Coruchéus (onde por acaso nunca foi), e verá como todos os passeios do bairro estão permanentemente pejados de viaturas em cima dos passeios, obstruindo totalmente a circulação pedonal. Se lá for, reparará ainda no fedor nauseabundo dos quilos e quilos de fezes caninas que, sem um pestanejo das duas dezenas de funcionários camarários que ali exercem funções, adubam em manifesto excesso os jardins municipais do Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus! Talvez fosse bom convocar-se a ASAE e a Direcção-Geral de Saúde para tomarem conta da ocorrência.

A palavra dos políticos afere-se no dia a dia. Não nas proclamações ideológicas descabidas que infestam o projecto de novo regulamento para os ateliers de arte de Lisboa.

Não espero nada. Mas alerto para o que me parece todo um exercício de poder hipócrita e discricionário.

Quanto aos pintores, escultores e artistas conceptuais, apesar do seu notório individualismo e fraca coragem, um conselho: MEXAM-SE!


REFERÊNCIAS
  1. Ateliers, proposta de Regulamento municipal (PDF)
  2. António Costa pisou uma armadilha
  3. O Expresso mente e colabora em manobra de terror psicológico


OAM 475 15-11-2008 22:40 (última actualização: 18-11-2008 01:21)

sexta-feira, novembro 14, 2008

Por Lisboa 19


Macau: Sands' Cotai Strip, o novo casino e complexo hoteleiro do grupo Las Vegas Sands, adiado sine die por causa da crise mundial.

Salvar a Mouraria
TEMOS QUE COMEÇAR POR ALGUM LADO! ASSINA ESTA PETIÇÃO

O nome Mouraria remonta a 1170, época de D. Afonso Henriques, quando o monarca deu foral aos mouros de Lisboa e concedeu esta zona aos mouros vencidos.

Pela encosta estende-se um emaranhado de ruas, ruelas, travessas, becos e largos com uma beleza única, um valor histórico e uma diversidade cultural inigualável. Porém, e por incrível que pareça, esta pérola no centro de Lisboa está abandonada, suja, degradada, moralmente abatida, em nada contribuindo para a fotografia do turista que passa…

Bairro com mais de 5.000 habitantes, muitos deles vivendo em condições desumanas, com problemas de salubridade e de recolha de lixos, tráfico e consumo de droga a céu aberto, fraco policiamento, ausência de jardins e espaços infantis, entre outros graves problemas. A Mouraria continua na mesma: sem rei nem roque!

Las Vegas Sands halts Macao projects

November 11, 2008 (Herald Tribune). LOS ANGELES: Casino operator Las Vegas Sands, which warned last week that it was in danger of defaulting on loan agreements, said Monday that it would suspend construction in Macao as it copes with a lack of financing.

The Sands also reported a narrower third-quarter net loss and that it expected to release details shortly of a $2 billion bond sale.

"We have elected to significantly slow the pace of our development activities on the Cotai Strip" in Macao, said William Weidner, the Sands' chief operating officer, said. The casino company will "focus our current efforts on maximizing our cash flow and our returns on invested capital from our existing properties in Macao."

Shares of Sands, which have plummeted from a 52-week high of $122,96, closed Monday at $8 on the Nasdaq in New York, only to fall in after hours trade to $7.45.

Iniciada por Inês Valsinha, a petição à Assembleia da República para salvar o bairro da Mouraria da degradação irreversível é um passo mínimo, mas necessário, para começarmos, por algum lado, a vencer a inércia política nacional. Até agora, o estratagema oculto que tem levado ao abandono das mais belas e históricas zonas residenciais de Lisboa e Porto é simples de entender: expulsar os moradores tradicionais da zona, em geral pobres e envelhecidos, ou jovens sem futuro, para depois especular com as ruínas! O processo é hoje bem visível na Foz do Douro e no Bairro Alto. E é sobretudo conhecido em muitas capitais por esse mundo fora, onde ao longo das décadas de 1980, 1990 e ainda nos primeiros sete anos deste século centenas de milhar de pessoas foram sendo empurrados com irresistíveis ofertas para as periferias suburbanas e condenadas das grandes cidades, deixando o filet mignon urbano às novas classes endinheiradas. No caso da capital portuguesa, basta observar a tentativa sistemática de liquidar o Bairro Alto em nome da mais desmiolada especulação imobiliária e financeira.

O rolo compressor da especulação imobiliária, felizmente, ruiu e não voltará a fazer estragos tão cedo. Teremos uma década pela frente sem a tremenda corrupção político-empresarial que distorceu boa parte da economia mundial e a vida de milhões de pessoas. Todos vamos estar mais atentos e seremos sem dúvida alguma muito mais exigentes em matéria de cidadania e responsabilidade democrática. Em suma, uma boa oportunidade para repensar a inadiável metamorfose da cidade pós-petrolífera. Boa parte dos subúrbios definhará ao longo das próximas duas décadas. Temos que voltar a concentrar cidades como Lisboa e Porto, repovoando-as a partir de uma revolução das leis de propriedade e usufruto dos solos, de aquisição e de arrendamento da propriedade horizontal. Mas também através dum programa de reconstrução urbana dos edifícios degradados e de uma revolução inteligente de todo o sistema de mobilidade e transportes.

A suspensão da construção do terceiro casino Las Vegas Sands em Macau é um bom sintoma, que não deixará de levar Belmiro de Azevedo, Américo Amorim, Ricardo Salgado e José Roquete, entre outros, a por as barbas de molho... em Tróia, na Comporta, no Alqueva e por toda a ameaçada Costa Vicentina. O aeromoscas de Beja morreu antes de nascer. Paz à sua alma!

Para começar, assinemos esta petição!

OAM 474 14-11-2008 10:19

sábado, novembro 08, 2008

Portugal 51

Também eu quero um Obama!

Ainda sem sabermos até que ponto Barack Obama corresponderá às expectativas nascidas em tantos lugares do mundo, interessa, para já, gozar este intervalo de esperança. Creio que o sentimento se encontra amplamente difundido entre as pessoas de bem e será seguramente estimulante para muitos de nós.

Neste enlevo, e respondendo às preocupações de uma cara amiga e excelente colaboradora desta bitagora (bit agora!), ocorreu-me escrever o que segue:

Temos que regressar à realidade!
Defender quem trabalha, quem produz, quem poupa e quem cria....

Temos que ultrapassar o impasse político do regime.
A cada vez mais caricata, corrupta e exangue democracia portuguesa é um caso sério de deterioração cultural do regime instaurado em 25 de Abril de 1974. Digo "caso sério", por ser aparentemente insusceptível de auto-reforma.

Precisamos, creio, de um novo partido político, pois não vejo nenhum Obama no PS.

Não acredito nem no PCP, nem no BE para uma saída da actual crise. São ambos partidos do sistema, mas meramente retóricos, vocacionados para um tipo de Oposição sem nenhuma vocação de projecção positiva de ideias, nem capacidade de governo.

Por outro lado, a Direita continua num limbo troglodita, sem nenhuma possibilidade de responder à crise institucional que vai ganhando paulatinamente o seu momento de ruptura. A própria MF Leite tem-se vindo a revelar uma decepção. Por um lado, porque é politicamente torpe, e por outro, porque está rodeada de gente contaminada. António Borges (ex-Goldman Sachs) e a sinistra personagem que dá pelo nome de José Luís Arnaut são suficientes para liquidar, em duas penadas, a alternativa PSD à captura do PS pela tríade de Macau.

E quanto a Cavaco.... uma incógnita que não me inspira, apesar das invectivas que lhe venho dirigindo para existir, nenhuma confiança. Estamos, pois, num aparente beco sem saída!

Vou continuar a acompanhar de perto as tendências subterrâneas da actual situação.... com a ajuda de alguns amigos atentos que me têm ajudado a ler mais rapidamente a presente situação nacional e internacional. Estamos, creio, numa corrida feia em direcção a algumas ravinas perigosas... e francamente não sei se teremos tempo de mitigar a tempo os problemas e atacar criativamente a actual crise.

Um Obama entre nós? Onde?


OAM 473 08-11-2008 11:49

quinta-feira, novembro 06, 2008

Portugal 50

Legislativas, já! (II)
Lapso do Expresso envolve Estado e empresas nacionais no caldeirão dos CDS

Esta mensagem serve menos para reiterar e esmiuçar as razões que, na minha opinião, fundamentam a necessidade de uma intervenção do Presidente da República, lancetando o pus da actual crise sistémica na economia, nas finanças e no próprio regime, mas para corrigir uma notícia do Expresso online desta manhã, que estava mal redigida, e misteriosamente desapareceu por volta do meio-dia, reaparecendo sob a forma de uma correcção, mas não de um pedido de desculpas, às 18:04.

A notícia publicada afirmava que Estado português e empresas nacionais esbracejavam no caldeirão dos Credit Default Swap (CDS), levando-me a transcrever um erro, e a causar inadvertidamente algum pânico. Na realidade, Portugal, por via das gigantescas e má notadas dívidas do Estado e de vários bancos e grandes empresas portuguesas, aparece na recente lista de contratos e entidades envolvidas nos (ou a que se referem os) famigerados CDS, cuja divulgação pública teve início este mês e é da responsabilidade da Depository Trust and Clearing Corp (DTCC), empresa de serviços financeiros pós-venda, sediada em Nova Iorque e responsável pelo registo de quase 90% dos contratos de seguros financeiros realizados em todo o mundo.

A notícia, como surgiu, às 10:09 da manhã, colocava o país na rota do mais tóxico dos produtos financeiros actuais e o responsável mais imediato da gigantesca reacção em cadeia que fez explodir o mercado de derivados, arrastando atrás de si bancos, países e toda a economia mundial. Só para termos uma ideia do que estamos a falar, pensemos nestes dois números:
  1. valor nocional do mercado de derivados de crédito (CDS): entre 45 e 62,2 biliões de USD;
  2. valor do PIB mundial: à volta de 54,5 biliões de USD.
A notícia do Expresso desapareceu pouco tempo depois do meu postal Legislativas, já! No respectivo URL, como ainda se pode verificar, ficou um buraco branco! Quando regressei a casa, por volta das 21h00, tinha várias mensagens no Gmail avisando-me sobre o desaparecimento da notícia do Expresso. Jantei calmamente, ouvi o rescaldo da triunfal eleição de Obama, dando comigo a pensar nas tremendas expectativas criadas, nomeadamente junto da população afro-americana. Sob a protecção dum Sauternes Chãteau Rayne Vigneau de 2001, comecei então à procura da notícia apagada pelo Expresso. A primeira, publicada às 10:09, fora para o lixo. A segunda, publicada às 18:04, corrigia humildamente a primeira, mantendo-se contudo numa zona de castigada penumbra mediática! Para que conste, e os políticos do Bloco Central, do PCP e do Bloco de Esquerda, não façam vista grossa, aqui ficam as duas:

15 mil milhões de dólares em CDS
Portugal na lista dos derivados tóxicos

O Governo português, dois bancos (BES e BCP) e duas empresas (PT e EDP) estão entre as mil entidades com mais seguros de crédito (CDS-credit default swaps) baseados na sua dívida. No total são cerca de 15 mil milhões de dólares. Portugal é o 9.º do 'top 10' mundial e o 6.º no conjunto da União Europeia.

Jorge Nascimento Rodrigues
10:09 | Quarta-feira, 5 de Nov de 2008 (Expresso)

Portugal consta da lista dos 10 países com maior valor líquido em contratos CDS ('credit default swaps') baseados na sua dívida, um tipo de contratos de crédito derivados que têm estado sob a mira da crise financeira.

O país tem 6 mil milhões de dólares em CDS, em valor líquido, sobre os seus títulos de dívida pública, envolvendo 767 contratos. Com um valor ligeiramente superior encontra-se a França (6,2 mil milhões) e logo abaixo a Irlanda (5 mil milhões).

Os campeões mundiais com mais CDS sobre a sua dívida são a Itália (22,7 mil milhões), a Espanha (16,7) e o Brasil (12,3). Sobre as obrigações do tesouro alemãs, as bunds, consideradas as mais seguras da Europa, existem seguros de crédito no valor de 11,4 mil milhões de euros.

Na lista das mil entidades que servem de referência um maior volume de CDS encontram-se também o Banco Espírito Santo, com 3,1 mil milhões de dólares, a PT International Finance BV, com 2,4, a EDP, com 1,7, e o BCP, com 1,6 mil milhões.

Esta listagem passou a ser colocada online desde ontem pela Depository Trust & Clearing Corp (DTCC), com base em dados da Trade Information Warehouse, que regista todo este tipo de movimentos em derivados. A informação passará a ser actualizada semanalmente.

A DTCC revelou que existiam, à data de 31 de Outubro, 33,6 biliões (33.600 mil milhões) de dólares em CDS em valor líquido, em que 91% estavam na mão de 'dealers', entidades profissionais no mercado de derivados.

Entre as entidades não-estatais com mais de 6 mil milhões de dólares em CDS encontram-se o Deutsche Bank que lidera (com 12,5 mil milhões), General Electric (12,2), Morgan Stanley (8,4), Merrill Lynch (8,2), Goldman Sachs (6,9), Citigroup (6) e UBS (6).

Os CDS foram inventados no final dos anos 90 do século passado por uma equipa do JPMorgan Chase (que detém, actualmente, 5,4 mil milhões, menos que os seus parceiros da Wall Street), depois da crise financeira asiática. São seguros de crédito que as instituições financeiras compram para cobrir o risco de não receberem as dívidas que têm em carteira.

Por exemplo, um banco que tenha dívida pública portuguesa e queira eliminar o risco de incumprimento, compra um CDS junto de uma seguradora que lhe pagará o valor em dívida caso o Estado português falhe ao pagamento. Para isso, tal como nos seguros tradicionais, o banco terá que pagar um prémio que é medido como um "spread". Ou seja, se o "spread" for de 0,5% sobre um valor de dez milhões de euros significa que terá que pagar 50 mil dólares.


Rectificação
Portugal na lista de CDS emitidos

Os CDS são contratos de transferência de risco de incumprimento que as entidades financeiras realizam para cobrir o risco de dívidas que têm em carteira.
Jorge Nascimento Rodrigues

18:04 | Quarta-feira, 5 de Nov de 2008 (Expresso)

O título da notícia "Portugal na lista dos derivados tóxicos", um dos parágrafos no texto, bem como a legenda da fotografia de uma notícia publicada esta manhã no Expresso online, referindo as entidades portuguesas aí existentes, induziram os leitores em erro.

A lista divulgada pela Depository & Trust Clearing Corp diz respeito ao valor líquido em contratos CDS (contratos de transferência de risco de incumprimento) emitidos sobre a dívida de países e entidades, não respeitando a CDS existentes em carteira dessas entidades, como foi interpretado por muitos leitores.

Por essa razão, republicamos a notícia com as rectificações necessárias.

Portugal é um dos 10 países com mais contratos CDS emitidos sobre a sua dívida, segundo uma lista de 1000 entidades divulgada pelo sítio na Internet da Depository Trust & Clearing Corp (DTCC), com base em dados da Trade Information Warehouse. A informação passará a ser actualizada semanalmente.

No total, existem 6 mil milhões de dólares em CDS em valor líquido emitidos sobre títulos de dívida pública portuguesa, envolvendo 767 contratos. Com um valor ligeiramente superior encontra-se a França (6,2 mil milhões) e logo abaixo a Irlanda (5 mil milhões).

Os campeões mundiais com mais CDS em valor líquido sobre a sua dívida são a Itália (22,7 mil milhões de dólares), a Espanha (16,7) e o Brasil (12,3). Sobre as obrigações do tesouro alemãs, as 'bunds', consideradas as mais seguras da Europa, existem CDS no valor de 11,4 mil milhões de euros.

A DTCC revelou que existiam, à data de 31 de Outubro, 33,6 biliões (33.600 mil milhões) de dólares em CDS em valor líquido, em que 91% estavam na mão de 'dealers', entidades profissionais no mercado de derivados.

Na lista das 1000 entidades sobre as quais foram realizadas tais operações encontram-se também dois bancos (BES e BCP) e duas empresas (PT International Finance BV e EDP) portuguesas.

A nível mundial, as empresas e bancos líderes desta lista são o Deutsche Bank (com 12,5 mil milhões), General Electric (12,2), Morgan Stanley (8,4), Merrill Lynch (8,2), Goldman Sachs (6,9), Citigroup (6) e UBS (6).

Os CDS foram inventados no final dos anos 90 do século passado por uma equipa do JP Morgan, depois da crise asiática. Os CDS são contratos de transferência de risco de incumprimento que as entidades financeiras realizam para cobrir o risco de dívidas que têm em carteira.

Resumindo, a diferença é esta: na primeira notícia, sugere-se que o Estado, instituições e empresas portuguesas teriam comprado ou vendido contratos de derivados de crédito denominados CDS -- o que não corresponde efectivamente à verdade. Na correcção da notícia, clarifica-se que as entidades portuguesas aparecem na lista dos mil principais Credit Default Swaps, tão só na qualidade de referentes, isto é, de devedores cujos títulos de dívida foram objecto de empacotamento especulativo destinado ao mercado de derivados. O risco da dívida portuguesa é suficientemente interessante para os jogadores do casino dos CDS, nomeadamente se houver quebra pontual ou definitiva de compromissos, mas não onera nem beneficia por si só os devedores.

Basicamente, o que acontece num contrato CDS é isto: um dado banco financeiro empresta dinheiro, por exemplo ao BES, ao BCP, ou ao Estado português. Normalmente, muito dinheiro. Tal empréstimo é por definiçao um risco, pois o devedor pode, por qualquer motivo, deixar de pagar, e nesse caso quem emprestou fica a arder. Para mitigar este risco, o banco financeiro, ou banco sombra (shadow bank), uma entidade sem qualquer espécie de regulação e que normalmente opera este tipo de negócios (Bear Sterns, Lehman Brothers Holdings, etc.), assume-se como segurador do empréstimo por si realizado, criando um produto financeiro chamado CDS, que entretanto coloca no mercado de derivados. Aqui, alguém ou alguma entidade, cujo jogo é subscrever e especular com aquele Credit Default Swap, passa a pagar ao banco sombra um prémio regular pelo bom comportamento da dívida. No entanto, fá-lo quase sempre na expectativa de que algo corra mal do lado do devedor. Se tal acontecer, ganha a lotaria! Isto é, recebe o valor estipulado no contrato CDS para este género de sinistro.

No caso vertente as apostas foram estas:

Table 6: Top 1000 Reference Entities (Gross Notional Value, Net Notional Value and Number of Contracts)
  • BANCO COMERCIAL PORTUGUES, S.A. - 13,065,158,499; 1,636,325,066; 1,501
  • BANCO ESPIRITO SANTO, S.A. - 19,025,188,959; 3,058,801,218; 2,005
  • EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A. - 15,426,350,542; 1,703,101,395; 1,950
  • PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE B.V. - 33,209,440,252; 2,438,638,087; 4,421
  • REPUBLIC OF PORTUGAL - 24,272,147,229; 6,046,724,719; 767
Embora, como se disse, os contratos CDS não envolvam directamente as entidades portuguesas, seria relevante conhecer o tipo de relacionamento existente entre todos os actores destes negócio, sobretudo quando estão em causa interesses nacionais evidentes.


Post scriptum - os bancos portugueses não compraram, que se saiba, CDS. No entanto, as dívidas de alguns bancos e a dívida pública portuguesa foram objectos de contratos CDS por parte das entidades que emprestaram o dinheiro e entidades terceiras. Isto significa que a dívida pública portuguesa e os empréstimos contraídos por vários bancos (BES, BCP) e empresas (Portugal Telecom, EDP) estão demasiado expostos aos contratos de derivados realizados tomando as rersponsabilidades como referente. Há pois um certo grau de perigo, embora afecte, em primeiro lugar, os detentores de CDS, e não as entidades portuguesas.

Em suma, não parece haver um perigo imediato, mas é preciso mantermo-nos vigilantes, e vasculhar os covis a economia especulativa reinante!


OAM 472 06-11-2008 03:40