segunda-feira, junho 11, 2007

Aeroportos 27

Alcochete, Portal S. Francisco
Alcochete, Portal de São Francisco CC

Aeroporto da Ota: paz à sua alma!

De repente, o país começou a descobrir o valor da cidadania e da participação democrática na discussão da coisa pública. Os casos, curiosamente desencadeados por uma nova, atenta, crítica e responsável blogosfera, são conhecidos: a trapalhada das qualificações académicas do primeiro-ministro e o embuste da Ota. É certo, em bom rigor, que o país se movera já, com igual eficácia, mas certamente com menos argumentos e impacto pedagógico, aquando da tentativa de construir a barragem de Foz Côa (em substituição da qual o governo de José Sócrates quer agora construir, uma vez mais sem discussão pública séria, a barragem do Baixo Sabor), ou da construção da célebre central de co-incineração de resíduos perigosos. Mas o caso da imposição popular de uma discussão pública ao mais alto nível sobre o Novo Aeroporto Internacional de Lisboa é, apesar dos antecedentes, muito diferente: governo e políticos em geral foram arrastados para uma discussão efectivamente imposta pela cidadania. Pouco importa que Cavaco Silva, por experiência própria, se tenha apercebido, antes do teimoso e desautorizado Sócrates, que a composição da Ota caminhava para o abismo. O certo é que este debate democrático, que hoje teve uma enorme vitória (gostaria de saber quantas pessoas seguiram o canal Parlamento durante o debate...), marca o início de uma nova relação entre quem vota e paga impostos e os que são eleitos para governar ou ser oposição. Um aviso aos candidatos à autarquia de Lisboa. O Costa que se cuide!

Os argumentos foram ditos e repetidos até à exaustão por toda a gente que sabe ou simplesmente sabe ler e tem bom senso. Eu escrevi 27 vezes sobre o assunto! Hoje, à excepção da senhora da NAER (que desgraça! como é possível manter gente deste calibre em posições de chefia?), de dois deputados do PS atentos e obrigados, de um burocrata que fora alguém numa CCR e cujo nome não retive, e de um socratintas chamado José Manuel Palma-Oliveira (diz que tem um "PhD em Psicologia Social"), que a despropósito invocou o facto de ter sido em tempos presidente da assembleia geral da Quercus (cargo de onde foi corrido por manifesta incompatibilidade com a sua defesa da co-incineração e sobretudo com o facto de ser consultor da Scoreco, uma empresa do grupo SECIL), não havia ninguém no debate realizado a convite do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, que defendesse a Ota. E de hoje em diante duvido que alguém mais saia a terreiro em defesa da Ota. O novo aeroporto da Ota morreu. Paz à sua alma!

A inflexão notória da argumentação, cada vez mais sofisticada, de Augusto Mateus, apontando claramente para uma solução na Margem Sul foi um grande progresso. Falta-lhe ainda perceber que não pode contar com os terrenos do aeroporto da Portela, nem com a privatização da ANA para o seu business plan.

A posição da Quercus (1), uma associação ambiental completamente capturada pelas delícias do poder, apesar de estar manifestamente de cócoras perante este governo (parece que é doença nascida do convívio com João Cravinho e até com Luis Nobre Guedes!), foi hipócrita e cobarde: se a Ota for de todo inviável (não sabe há muito que é?!), então que se estudem com muito cuidado outras opções, nomeadamente na margem Sul. Mas Alcochete não! No passado dia 8 à Lusa, Francisco Ferreira, vice-presidente desta associação ambientalista, avisava (julgando fazer um frete a José Sócrates) que "o campo de tiro de Alcochete está rodeado de zonas de grande importância ambiental, como a reserva natural do Estuário do Tejo". Pergunto: e os tiros não afectam?! E a suburbanização selvagem de toda a Margem Sul, desde o ciclo industrial até hoje, não afecta e continua a afectar a reserva? E um aeroporto, ou outra grande infraestrutura não pode ter precisamente a função de requalificação que a especulação imobiliária e o actual modelo de financiamento autárquico nunca terão? Algumas ONGs estão cada vez mais parecidas com alguns sindicatos, cegas, surdas e mudas para tudo o que não lhes alimenta a essência burocrática e o conforto. Tal como os sindidatos, precisam de um grande arejamento de ideias, de mecanismos transparentes de avaliação e renovação automáticos e sobretudo de muito sangue novo.

Mas o mais importante para a sanidade desta pugna democrática foi a posição anunciada, a contre-coeur, por Mário Lino: um prazo de seis meses para avaliar os cenários alternativos à Ota. É o corolário esperado do desabafo de José Sócrates no parlamento, quando disse que "Portela seria a melhor opção, mas que tecnicamente não é possível", e sobretudo da enorme pressão posta no tema pelo Presidente da República.

O Presidente da República opõe-se à Ota. Todos os partidos da oposição estão contra a Ota. A Associação Industrial Portuguesa não só está contra a Ota, como propõe em alternativa o NAL no actual campo de tiro de Alcochete. A Unihsnor Portugal, associação nacional que representa os sectores da Hotelaria, da Restauração e do Turismo no Espaço Rural, considera que o turismo nacional não precisa de uma cidade aeroportuária ou de um mega aeroporto. 114 engenheiros do Instituto Superior Técnico subscreveram um manifesto contra a Ota. A Ordem dos Engenheiros, pela voz do seu presidente, colocou sérias reservas à construção do NAL na Ota. A Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea (que agrega a totalidade dos pilotos da TAP e a esmagadora maioria dos pilotos civis) revelou claramente a sua discordância face ao processo de decisão sobre o novo aeroporto, colocando ao mesmo tempo reservas firmes à segurança aeronáutica na zona da Ota. Altas patentes militares fizeram chegar a sua voz a Cavaco Silva sobre a inevitabilidade de fechar a Base Aérea da NATO em Monte Real, caso o NAL na Ota fosse para a frente. Todos os candidatos à presidência da câmara municipal de Lisboa, à excepção de António Costa, opõem-se ao NAL na Ota, ao fecho do aeroporto da Portela e sobretudo à alienação dos respectivos terrenos e privatização da ANA para abancar o embuste da Ota.

O lóbi da Ota, que escolheu António Costa na esperança de que ele disponibilize rapidamente os terrenos da Portela para abancar o consórcio de empreiteiros que há muito saliva pela Ota (Somague, OPCA, Mota Engil e Soares da Costa), perdeu esta guerra. Imagino que empreiteiros e bancos já estejam a fazer contas sobre o Montijo e Alcochete. Fazem bem.

Boa sorte Margem Esquerda!

PS: Para os que pensam que a Alta de Lisboa vai ser um novo pulmão verde da cidade (perdão, um bife do lombo imobiliário, como sublinhou Demétrio Alves), talvez fosse bom meditarem na desagradável azia que tal ilusão (mal aconselhada) já provocou ao senhor Stanley Ho.



Notas
1- Já depois de escrito este post, vi num noticiário televisivo da noite (11-06-2007 11:00), uma jovem da Quercus defender que ambas as soluções, Ota e Alcochete, eram "igualmente" más, e que a solução deveria começar por avaliar a opção, defendida por muitos (entre os quais me encontro), da Portela renovada e expandida + Montijo. A Quercus levou tempo a perceber que o governo já tinha mudado de posição, e que portanto a sua oportunista voz contra o deserto da Margem Sul era escusada, por fora de horas. Mas reconhecer um erro e emendar a mão é sempre um sinal de esperança. Bem-vindos ao clube dos pessimistas sobre o crescimento exponencial do tráfego aéreo mundial!



OAM #215 11 JUN 2007

3 comentários:

Jose Silva disse...

Aceitam-se então apostas sobre a duração do governo Socrates.

António Maria disse...

A sorte de Sócrates é q n tem oposição institucional, nem dentro, nem fora do partido. Trata-se, pois, dum jogo de Poker a dois: Cavaco versus Sócrates. Não é nada mau para o país no presente estado calamitoso da nossa democracia e da nossa economia. No bluff da Ota, Cavaco ganhou a partida. No resto, i.e. no processo de captura do Estado (gosto imenso do termo empregue pelo Saldanha Sanches :-) pelo complexo especulativo (bancos e sector financeiro em geral), estamos para ver. Neste momento, n sei mesmo por onde andam a direita e esquerda deste país!

Diogo disse...

«Os casos, curiosamente desencadeados por uma nova, atenta, crítica e responsável blogosfera»

É verdade. A pouco e pouco um quinto poder tem vindo a emergir. E tem cada vez mais força. E deve ser cada vez mais ousada, sem medo de chamar os bois pelos nomes.