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sexta-feira, julho 17, 2009

Por Lisboa 25

Costa prepara-se para harakiri político

Lisboa precisa de um autarca visionário, corajoso e independente. Não de um cabotino doidivanas (Santana Lopes), nem de um aparatchic tacticista (António Costa)

Com que então pode-se destruir uma das principais valias da capital — o aeroporto da Portela —, numa época em que se avizinham anos de penúria (1), e em que por isso toda e qualquer pequena vantagem competitiva numa indústria decisiva para o país, como é o turismo, pode ditar a diferença entre o seu colapso e a sua sobrevivência —com o argumento de que uma nova cidade aeroportuária a 48 Km do Campo Pequeno continua a ser uma infraestrutura da capital—, mas já não é tolerável deslocalizar o Instituto Português de Oncologia (IPO) para Oeiras, porque isso equivaleria a desfalcar Lisboa de um importante equipamento hospitalar, propondo-se pois levar o IPO para o descampado de Chelas, onde não existe vivalma, nem existirá em mais de uma década qualquer rede de transportes colectivos decentes e acessíveis. Em que ficamos, António Costa?

Falar de um novo pulmão verde na Portela é pura demagogia! Toda a gente sabe que as novas, projectadas ou em construção, estações do Metro de Lisboa, do Aeroporto e da Alta de Lisboa, foram concebidas para servir o senhor Stanley Ho e a sua Chinatown. Não é pelo facto de o empreendimento imobiliário da Alta de Lisboa e o senhor dos casinos estarem hoje meios falidos, que é menos verdade o que alguns destinaram para a Portela: eliminar o aeroporto e especular/construir um novo aeroporto na Ota. Em boa hora as redes sociais de cidadania fizeram abortar esta verdadeira conspiração de interesses.

Pelos vistos, António Costa não consegue ver as evidências, e deixa-se ir nas pregações interesseiras e obtusas do arquitecto Salgado, sobre as quais aliás, boa parte dos arquitectos da corda cor-de-rosa e alfacinha revela uma expectativa atávica.

A aeroporto da Portela vai continuar onde está até, pelo menos, 2020. Irá certamente passar por mais obras de adaptação, quer nas pistas, quer nas placas de estacionamento, quer nas mangas, estruturas técnicas e zonas de acolhimento. As redes sociais, por sua vez, encarregar-se-ão de contrariar qualquer nova tentativa de entregar aqueles preciosos terrenos à especulação imobiliária, como fonte de receita fundamental para o financiamento do chamado novo aeroporto de Lisboa (NAL). Para já, a TAP, tecnicamente falida, perde passageiros todos os dias e encerra rotas à medida que as Low Cost oferecem rotas irrecusáveis: Porto-Milão, Lisboa-Funchal, Faro-Paris, etc. Dentro em breve a TAP terá que cancelar, ou pelo menos renegociar, algumas encomendas de aeronaves, alguns leasings e mesmo devolver aviões. Dentro de meses, a TAP terá muito provavelmente que arrumar a sucata da PGA no aeromoscas de Beja! Ninguém imagina pois, e muito menos quem defende o turismo deste país, a easyJet, a Ryanair e as restantes companhias Low Cost a trocarem Lisboa por uma cidade aeroportuária em Alcochete no decurso da próxima década.

António Costa fugiu ao tema escaldante da ponte Chelas-Barreiro (Helena Roseta está contra, não está?), e disse disparates sobre o terminal de Alcântara, num lamentável exercício de subserviência ao camarada Jorge Coelho e à Mota-Engil (Helena Roseta está contra, não está?) O ex-número 2 do PS foi vago nos temas do compromisso com Helena Roseta (reabilitação urbana, transportes colectivos e mobilidade, e governança local). Não teve sequer um único rasgo de utopia, nem mesmo de realismo construtivo. Coisas simples, como limpar a cidade, rebocar e pintar os prédios degradados, tirar os carros de cima dos passeios, ou fazer renascer as colectividades de bairro, passaram-lhe completamente ao lado, vítimas de um tacticismo temeroso que irá terminar necessariamente mal para a sua candidatura. Ao contrário do que alguns pensam, uma vitória eventual de Manuela Ferreira Leite não prejudicará em nada Pedro Santana Lopes. Pelo contrário, será o tapete vermelho para o seu regresso à capital.


NOTAS
  1. After the era of excess. By Stephen S. Roach

    26 February 2009 — The world stopped in 2008—and it was a full stop for the era of excess. Belatedly, the authorities have been extraordinarily aggressive in coming to the rescue of a system in crisis. But as in the case of Humpty Dumpty, they will not be able to put all the pieces back together again. The next era will be very different from the one we have just left behind.

    ... Yes, the United States now accounts for only about 20 percent of total Chinese exports. Shipments to Europe and Japan collectively account for another 30 percent, while the bulk of the remainder shows up in the form of sharply growing intraregional Asian trade. But there is a serious problem with the notion that China or any other major economy has successfully weaned itself—or decoupled—from overreliance on US markets. Whether it is Europe, Japan, or developing countries of Asia other than China, all have one critical characteristic in common: insufficient internal private consumption and an overreliance on exports as a major and increasing source of growth. Intraregional trade has expanded sharply in developing Asia, but with internal consumption as a share of GDP continuing to fall, these economies remain hugely dependent on end-market demand in the developed world.

    As a result, there can be no mistaking the bottom line of this global recession. When the world’s dominant consumer—the United States—enjoys an extraordinary boom, so do the world’s major exporters. But when the US boom goes bust, export-led economies around the world are in serious trouble. That’s precisely the nature of the adjustment now bearing down so acutely on Japan; developing Asia; Germany; and America’s NAFTA partners, Canada and Mexico. All of these export-led economies are either decelerating sharply or in outright recession. — in McKinsey's What Matters.


    Mobius Says Derivatives, Stimulus to Spark New Crisis


    July 15 (Bloomberg) -- A new financial crisis will develop from the failure to effectively regulate derivatives and the extra global liquidity from stimulus spending, Templeton Asset Management Ltd.’s Mark Mobius said.

    “Political pressure from investment banks and all the people that make money in derivatives” will prevent adequate regulation, said Mobius, who oversees $25 billion as executive chairman of Templeton in Singapore. “Definitely we’re going to have another crisis coming down,” he said in a phone interview from Istanbul on July 13.

    Derivatives contributed to almost $1.5 trillion in writedowns and losses at the world’s biggest banks, brokers and insurers since the start of 2007, according to data compiled by Bloomberg. Global share markets lost almost half their value last year, shedding $28.7 trillion as investors became risk averse amid a global recession.

    The U.S. Justice Department is investigating the market for credit-default swaps, Markit Group Ltd., the data provider majority-owned by Wall Street’s largest banks, said July 13.

    Mobius didn’t explain what he thought was needed for effective regulation of derivatives, which are contracts used to hedge against changes in stocks, bonds, currencies, commodities, interest rates and weather. The Bank for International Settlements estimates outstanding derivatives total $592 trillion, about 10 times global gross domestic product.

    Looming Crisis

    “Banks make so much money with these things that they don’t want transparency because the spreads are so generous when there’s no transparency,” he said.

    A “very bad” crisis may emerge within five to seven years as stimulus money adds to financial volatility, Mobius said. Governments have pledged about $2 trillion in stimulus spending. — in Bloomberg.


OAM 602 17-07-2009 00:48

terça-feira, julho 14, 2009

Por Lisboa 24

Santana, a um passo da presidência da capital

Helena Roseta é melhor do que Salgado, mas chegará para levar António Costa ao colo até à renovação do mandato?

Salvo nas últimas eleições europeias, e nos anos da Revolução, quando andava entusiasmado a ler o Trotsky, creio que votei sempre no PS. Quando se trata de eleições autárquicas, porém, a coisa muda de figura: votei no Capucho contra o indecoroso Judas em quem um dia acreditei, e vou voltar a votar em António Capucho, do PSD, contra a perigosa Ana Paula Vitorino, do aparelho socratino do PS. E nas Legislativas de Outubro irei votar outra vez no Bloco, não porque acredite no respectivo programa, ou no professor Louçã, mas pela simples razão de que só um voto naquele albergue espanhol poderá fazer duas coisas:

  1. ajudar a enterrar José Sócrates e a tríade de Macau, impedindo ao mesmo tempo que Paulo Pedroso e Vera Jardim mal substituam os neoliberais que desgraçaram o PS, ao mesmo tempo que se ajuda objectivamente algum jovem ambicioso mais fiel ao ideário social-democrata, a relançar o Partido Socialista;
  2. contribuir para o amadurecimento democrático e político do Bloco, que só começará a ser menos oportunista e demagógico quando se aproximar realmente da área da governação.
Chamo a isto "voto inteligente".

No caso da cidade de Lisboa, onde não voto, mas onde poderei candidatar-me para perder e jamais ser eleito, pendo francamente para António Costa e Helena Roseta, apesar de estar cada vez mais convencido de que Pedro Santana Lopes já ganhou!

Uma vitória desta toupeira cor-de-laranja não deixa, para mim, de ser um cenário demasiado insuportável para que possa recomendar um voto no senhor UDP do Bloco. Na realidade, gostava mesmo de influenciar o bestunto do PS que actualmente anseia por uma vitória de António Costa, ajudando-o a construir um programa cor-de-rosa tingido com algumas notas de bom senso. Mas é difícil. Muito difícil! Tal como a crise, os "socialistas" ainda não bateram no fundo. E porventura precisam mesmo de bater no fundo, para acordarem!

O PS desta legislatura que chegou ao fim foi um desastre. E no entanto, continua a fazer-se rodear pela nata narcisista e bem-pensante dos artistas, dos arquitectos, dos designers, dos escritores, e dos homens de ciência. Porque será? O tema é controverso e daria para um pequeno ensaio. Não é este o lugar ideal para semelhante dissertação, mas podemos sugerir um vislumbre: ilusão apaparicada, hipocrisia, cabotinismo, oportunismo dissimulado. Na realidade, a ideia de que há uma esquerda cultural omnisciente tem sido um dos grandes obstáculos ao verdadeiro entendimento do colapso dos paradigmas da modernidade e da própria contemporaneidade. Estamos, de facto, enfiados num vórtice suicida, que continuamos a ignorar olimpicamente. É este o grande problema da Esquerda. O dado adquirido da nossa suposta superioridade intelectual é uma maldição que nos persegue e que nos arrumará de vez se não formos rapidamente capazes de parar para pensar. Claro que, no pior dos casos, a coisa é mesmo rasteira, resumindo-se às pequenas estratégias e acolitagem destinadas a garantir a proximidade do poder, as encomendas e o emprego!

Mas voltemos à previsível superioridade política de Santana Lopes nas eleições autárquicas que se avizinham.

Escutei-o na primeira entrevista que deu a Judite de Sousa, na RTP1, sobre o combate autárquico. Retemperado do passado, bem preparado, solto, olhos nos olhos, quase paternalista no modo como escalpelizou António Costa e traduziu a repescagem do Zé Ninguém e de Helena Roseta para uma espécie de coligação acagaçada, à moda do Costa! Foi demolidor. Sobretudo quando defendeu a capital e a cidade contra o governo e o centralismo. Ou quando defendeu o aeroporto da Portela... e a nova pista do Montijo, para as Low Cost. Como vai António Costa descalçar esta bota? Que pensa contestar-lhe quando Santana Lopes exibir a tentativa socratina de assassinar o rio Tejo com a putativa Terceira Travessia no corredor Chelas-Barreiro?

Aquilo que eu, o Rui Rodrigues, o Frederico Brotas, o Mendo Henriques, o Professor Jubilado do IST e militante do PS, António Brotas, mais uma data de gente minuciosa, atenta e preocupada, andam a dizer e a escrever desde 2006 (pelo menos), vai fazer toda a diferença nas próximas eleições, como já fez nas eleições europeias. O interesse público está acima das conveniências partidárias e da corrupção endémica em que o regime se deixou cair. Quem não perceber isto numa altura em que o país colapsa nas suas próprias dívidas e ilusões, ficará irremediavelmente para trás.

Não só por falta de dinheiro, mas sobretudo por clamorosos erros de visão e gula partidária, alimentados por uma burguesia burocrática cada vez menos competitiva e cada vez mais desesperadamente clientelar, o PS definiu uma estratégia de obras públicas completamente suicida. No caso de Lisboa, só a renúncia explícita às loucuras de Mário Lino, Jorge Coelho e Cª, poderia impedir a derrota de António Costa. Meter timidamente os grandes projectos de obras públicas na gaveta, sem renunciar de vez à sua execução, dará toda a margem de manobra e gozo ao gato Santana no jogo que inevitavelmente proporá ao rato governamental.

A prometida ponte Chelas-Barreiro é um crime contra o estuário do Tejo mil vezes mais monstruoso do que a barragem que o PSD num dia aziago quis construir em Foz Côa. Fechar o aeroporto da Portela é uma idiotice chapada, sobretudo quando se pode complementar, no prazo de um ano, esta infraestrutura estratégica de primeira água, com um aeroporto de apoio no Montijo, dedicado às companhias de Low Cost — principais responsáveis pelo mais recente crescimento do turismo em Portugal: Algarve, Lisboa, Porto e arquipélago da Madeira. O comboio de Alta Velocidade entre Madrid e Lisboa, que tem que chegar até ao Pinhal Novo, e não ao Poceirão (como quer o Coelho da Mota-Engil), colocará a Comunidade Autónoma de Madrid, i.e. 5 milhões de almas sedentas, a um passo de Lisboa... e do Algarve. Do "Allgarve", sim senhor! Haverá fonte de receitas mais limpa e mais rápida no ciclo depressivo em que estamos?

Lisboa precisa de um Livro Verde e precisa de uma Carta Constitucional que dê o Grito do Ipiranga pela sua autonomia enquanto cidade-região, que já existe, mas que falta consagrar. Precisa, por outro lado, dum Programa Social de Emergência, lúcido, estudado e sobretudo não demagógico. Ora para tanto, o próximo alcaide da capital tem que ter uma enorme ambição, tenacidade, sensibilidade e pragmatismo. Precisa, por outro lado, de ser verdadeiramente independente e estar rodeado de gente desinteressada e lúcida. Estará António Costa à altura do desafio? Poderá competir com Santana Lopes? Para já, na entrevista dada a Judite de Sousa esta noite, Santana Lopes saiu claramente por cima. Faites vous jeux!


OAM 601 15-07-2009 00:30

segunda-feira, julho 16, 2007

Por Lisboa 10

O Corvo. Imagem apócrifa encontrada na Net.

O Corvo

Encontrei esta imagem irresistível quando procurava uma ilustração para a vitória de António Costa nas eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, que hoje (15-07-2007) tiveram lugar. Os resultados confirmam a tendência irreversível para a exaustão do actual sistema partidário, se não mesmo do regime de representação social consagrado pela nossa Constituição. Os "socialistas" António Costa, José Sócrates e Almeida Santos, na arena institucional, e Jorge Coelho, da tribuna opinocrata da nossa cada vez mais idiota endogamia mediática (não ouvi o António Vitorino da Brisa), congratularam-se com a extraordinária vitória do PS. Disseram que foi coisa nunca vista no Largo do Rato há mais de trinta anos, imagine-se! Mas não houve mais de 60% de abstenções? Desde quando 29,54% dos votos (menos 17 mil do que Manuel Maria Carrilho nas autárquicas de 2005) são maioria que se apregoe? Não teve o PS, em Lisboa, nas últimas legislativas, mais de 40% das preferências? Não insistiu o candidato governamental, durante toda a campanha, que queria a maioria absoluta?! Vai, assim, o alcaide que se segue, poder limpar as paredes de Lisboa, como promete, sem pedir licença ao Carmona Rodrigues e a Helena Roseta? Ou será que vai aceitar a passadeira vermelha (do desespero) que na própria noite eleitoral lhe foi estendida pelo secretário-geral do PCP, em nome da almejada governabilidade da cidade? O Manuel Salgado não andou a formar cooperativas de risco, no tempo em que rezava por Catarina, para nada. O país sempre foi pequeno e há gajos porreiros em todo o lado. Ressuscitar a frente popular municipal, eis a proposta do PCP ao PS, em nome do salve-se quem puder que aí vem com o desabar da monumental crise sistémica mundial decorrente da insustentável irracionalidade económica do planeta e em particular da sua principal potência imperial, os Estados Unidos. Entretanto, há que dar andamento aos negócios urgentes... não é Dr. Almeida Santos?

Entre as 10 primeiras medidas anunciadas por António Costa, não há uma única que revele coragem política, capacidade de decidir e muito menos visão estratégica. Corajoso seria ter dito que acabaria com os automóveis em cima dos passeios no prazo de dois ou três meses (é que nem em Marrocos tal anacronismo ocorre!). Exemplo de capacidade de decisão seria ter anunciado a reestruturação dos serviços camarários, a qual passaria inevitavelmente pela extinção de arcaísmos e gabinetes inúteis. Prova de visão política seria ter anunciado que os problemas de Lisboa só podem ser pensados e resolvidos à escala da região de que é a principal atractora, e que, por conseguinte, proporia a todos os municípios da região dos grandes estuários a criação de uma comunidade metropolitana sustentável, capaz de enfrentar os tremendos desafios deste século. Mas não, o homem do aparelho partidário preferiu, previsivelmente, a demagogia: livrar as paredes de Lisboa de cartazes (como se não fosse primeiro preciso livrar a cidade do excesso de publicidade!), retomar a jardinagem nos cemitérios (a campanha já acabou, homem!), reunir com todas as Juntas de Freguesia (ora aí está uma boa ideia, que a oposição pode e deve seguir e prosseguir, assim que António Costa tiver esgotado a primeira ronda de visitas protocolares...), etc...

O centro-direita e a direita, por sua vez, chegam ao fim desta prova eleitoral, à beira de um ataque de nervos. Tal como escrevi há vários meses, nem a esquerda, nem a direita resistirão por muito mais tempo à necessidade urgente de proceder a cisões e reconstituições partidárias mais ou menos canalhas. O CDS-PP acabou para Paulo Portas, ao passo que Santana Lopes acabou para o PSD. Farão estes dois, dois novos partidos? Juntar-se-ão num só? Uma coisa parece certa: Marques Mendes vai mesmo clarificar a situação interna no PSD, pois disso depende a sua sobrevivência à frente do partido, e mais do que isso, depende a própria possibilidade de o PSD derrotar o exausto governo de José Sócrates em 2009.

O "bloco central" chegou ao fim (aleluia!). Cavaco nem sequer precisa de apressar o desenlace deste longo e, enquanto houve fundos comunitários, profícuo consórcio. A presidencialização do regime, cada vez mais plausível e desejada, nascerá do parto natural proporcionado pela implosão do actual regime político. A direita está em pleno processo de decomposição. A esquerda no poder, PS, PCP e BE, seguir-lhe-à os passos à medida que os resultados eleitorais forem sendo esclarecedores, como o foram hoje, sobretudo para a direita. O exemplo de Sarkozy fará o seu caminho na Europa mais cedo do que alguns temem.

Pela sua excentricidade, deixemos de lado o caso Carmona Rodrigues, e concentremo-nos em Helena Roseta e no que os seus excelentes resultados eleitorais significam ou podem vir a significar no processo de revisão democrática em curso.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que a sua candidatura, tal como antes a candidatura de Manuel Alegre às últimas presidenciais, significa que o Partido Socialista, e em particular o respectivo eleitorado, se encontra profundamente dividido, económica, política e culturalmente. A actual direcção Sócrates e a clique que a inventou traduzem, no essencial, a capitulação do principal partido da esquerda portuguesa aos interesses mais insensíveis e especulativos do capitalismo. Quanto mais claras forem as reais intenções desta comprovadamente reaccionária "terceira via" socialista, quanto mais penalizantes se tornarem as consequências da sua subserviência ao poder do dinheiro, e quanto mais acríticas forem as eminências pardas que iluminam o senhor Sócrates, mais o eleitorado socialista clamará por alternativas credíveis ao descalabro em curso e votará contra o PS.

Em segundo lugar, os casos Roseta, tal como antes, Alegre e José Sá Fernandes, revelam a existência de um eleitorado de tipo novo, versátil, inteligente e dotado de grande mobilidade táctica. Trata-se de um verdadeiro rizoma cultural nascido no interior das novas redes sociais de matriz tecnológica e informacional, inter-geracional, urbano, instruído, ideologicamente multifacetado, que escapa completamente ao controlo dos partidos políticos e que tem efectiva capacidade de influenciar crescentemente as agendas políticas nacionais e internacionais. Os casos mais recentes em Portugal são os que todavia prosseguem e estão relacionados com o embuste da Ota, a mistificação académica do Primeiro Ministro e a emergência de um rizoma local espontâneo capaz de desconstruir de forma absolutamente lapidar a farsa político-partidária que teve lugar no governo da capital do país ao longo dos últimos meses.

Em terceiro lugar, e por último, diria que o caminho da Helena Roseta não será fácil. As pressões do regime para que regresse ao rebanho da democracia doente serão fortíssimas e tentadoras. Se cair nessa tentação sucumbirá ainda mais depressa que o Zé do Bloco (pois não haverá nenhum bloco que a salve em tal contingência.) Se prosseguir Por Lisboa (Pelo Porto, Por Coimbra, Por Setúbal, Por Braga...), terá diante de si dois caminhos: ou avançar paulatinamente para a criação dum novo partido, a pedido de um número rapidamente crescente de votantes descontentes com o PS, ou ousar manter-se activa no rizoma que pretende refundar a democracia económica deste país, como garantia futura de liberdade e solidariedade orgânica - um caminho por descobrir, mas de que provavelmente dependerá verdadeiramente o nosso futuro enquanto nação e parceiro comunitário de corpo inteiro.

A figura de António Costa é-me simpática, como a muita gente. Creio mesmo que esta sua eleição o coloca numa boa rampa de lançamento para voos mais altos no PS. Faz-me lembrar o último corvo de Lisboa, que vivia no Martim Moniz, fascinando e assustando os transeuntes com os seus movimentos desajeitados. Prefiro os corvos aos ratos-pombas que empestam a capital. Desejar-lhe boa sorte, como é de boa educação e desejo sincero, não muda o essencial das minhas expectativas. Creio que o candidato, agora presidente, tem um mandato estrito nas mãos: expandir o poder governamental para lá dos limites aceitáveis de tolerância. E isso é mau para Lisboa e péssimo para a democracia. Esta entrou num período delicado de reajustamento estrutural, a que deverá seguir-se, se as coisas correrem bem, uma saudável mudança de pele institucional. Os actuais partidos e o próprio regime constitucional envelheceram de mais, dando provas sucessivas de impotência legislativa e executiva, representando de forma cada vez mais deficiente o país. Temos que mudar. As 10 medidas imediatas de António Costa nada auguram de entusiasmante.

Li ontem um artigo magnífico de Richard C. Cook sobre a necessidade de refundar a democracia económica nos Estados Unidos. Deixo, à laia de nota de rodapé, um extracto do mesmo, como que a recordar que não podemos mais continuar a confundir a vida com o umbigo.

"The U.S. and world economies are on the brink of collapse due to the lunacy of the financial system, not because we can't produce enough.

"As many responsible commentators are warning, we are likely to see major financial shocks within the next few months. The warnings are even coming from high-flying institutional players like the Bank of International Settlements and the International Monetary Fund.

"We may even be seeing the end of an era when the financiers ruled the world. At a certain point, governments or their military and bureaucratic establishments are likely to stop being passive spectators to the onrushing disorder. It is already happening in Russia and elsewhere.

"The countries that will be least able to master their own destiny are those like the U.S. where governments have been most passive to economic decomposition from actions of their financial sectors. The financiers are the ones who for the last generation have benefited most from economies marked by privatization, deregulation, and speculation, but that may be about to change. Whether the change will be constructive or catastrophic is yet to be seen.

"Fundamental monetary reform implemented to restore economic democracy is what America's real task should be for the twenty-first century. One thing is for certain. The out-of-control financial system that has wrecked the U.S. and world economies over the last generation cannot be allowed to continue.

How the outcome will play out may well depend on whether there is a Jefferson, Lincoln, or Roosevelt waiting in the wings. The success of each of these great leaders was due to one critical factor: their ability to implement monetary reform at a time of national emergency."

- in The Crashing U.S. Economy Held Hostage
Our Economy is on an Artificial Life-support System
, by Richard C. Cook

Richard C. Cook is the author of "We Hold These Truths: The Hope of Monetary Reform," scheduled to appear by September 1, 2007. A retired federal analyst, his career included service with the U.S. Civil Service Commission, the Food and Drug Administration, the Carter White House, and NASA, followed by twenty-one years with the U.S. Treasury Department.

Global Research, July 7, 2007


OAM #223 15-16 JUL 2007

quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

segunda-feira, maio 28, 2007

Por Lisboa 5

Jose Sa Fernandes
Manuel de Almeida/ Lusa (in Expresso online)

O Zé faz falta?

Escrevi, com alguma crueldade, que José Sá Fernandes tinha sido um bom polícia, mas não um bom político (in Por Lisboa 2). E no entanto, quando o ouvi há dias numa entrevista ao jornal das 10, na SIC Notícias, fiquei a saber que fez muito mais do que montar uma cilada a um provável corruptor activo, e que ainda por cima tem uma ideia central para Lisboa: fazer regressar à cidade uma parte dos mais de 200 mil lisboetas que emigraram para os subúrbios ao longo dos últimos 20 anos (mas haverá quem lhes queira comprar os apartamentos, no Cacém, Massamá, ou Rio de Mouro?) Sá Fernandes cometeu, porém, dois erros fatais na sua aventura camarária: primeiro, apostar num pequeno partido, o Bloco de Esquerda (BE), que embora abrace algumas causas interessantes e actuais, não deixa de ser um saco de gatos sem emenda, agarrados a ortodoxias passadas e incapazes de algum pragmatismo na acção que vá além do conforto a que rapidamente se acomodaram do ninho parlamentar; segundo, não ter sabido difundir, no tempo que já passou, uma visão ambiciosa, propositiva, mas realista para a Lisboa dos próximos 20 ou 30 anos. Ele é provavelmente mais importante para Lisboa do que o próprio Bloco, pois foi a sua coragem e reconhecido amor pela cidade, e não o calculismo do pequeno partido, que o elegeu e poderia, se não se tivesse entretanto deixado enredar na lógica partidária de circunstância, ter projectado a sua figura para outros voos mais sustentados.

Se as sondagens continuarem tão pífias como até agora, creio que José Sá Fernandes deveria desistir à boca das urnas a favor de Helena Roseta. Seria uma decisão individual corajosa, com efeitos potencialmente importantes no resultado de Helena Roseta, permitindo, por outro lado, recuperar em breve um capital pessoal que, doutro modo, se esfumará na própria crise iminente que ameaça o BE. As organizações partidárias, sem excepção, atravessam um péssimo momento. O eleitorado procura e tende, por isso, a confiar cada vez mais nas pessoas. É a boa figura de António Costa, e não tanto o PS, quem vai ganhar as eleições para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa (se não fosse a trapalhada da Universidade Independente, Sócrates...). Por sua vez, as intenções de voto em Carmona Rodrigues e em Helena Roseta, e as perspectivas negras do PCP e do CDS-PP, são outras tantas provas desta nova realidade, que durará enquanto durar a crise e a desagregação da actual partidocracia nepotista, ávida, corrupta, incompetente e irresponsável.

O Zé falta, mas não ao Bloco! Faz falta a Lisboa, mas não precisa de perder o seu tempo nos corredores da negociação camarária. A sociedade civil de Lisboa precisa de se organizar e de se preparar para entrar em processos complexos de co-decisão com o poder camarário e com os poderes centrais do Estado. A crise energética, a crise ambiental, o desemprego estrutural, o agravamento das assimetrias sociais e o envelhecimento populacional são realidades poderosas que, a breve trecho, agravarão exponencialmente aos problemas de governabilidade urbana e periurbana, estendendo-se a toda a área metropolitana de Lisboa e aos estuários do Tejo e do Sado.

O Estado e as autarquias engordaram demasiado ao longo dos últimos 20 anos com as clientelas partidárias. O desperdício, a desorganização e a ineficiência são alarmantes (1). Por outro lado, a nomenclatura formada pelos altos cargos partidários, governamentais, da administração pública, autárquicos e das empresas públicas e participadas - a tal "classe média" de que falava Vasco Pulido Valente no Público deste Sábado - é incapaz, por razões óbvias, de se suicidar, mas não de se entregar a práticas fraticidas, como temos vindo a assistir ultimamente, e que tenderão a agravar-se à medida que a mama comunitária for secando. Desta pseudo classe média (2), nada se pode esperar, a não ser o seu próprio desespero. Daí que tenhamos que olhar com cuidado para os cenários implosivos que se estão a formar no horizonte. Os actores políticos tradicionais não serão suficientes para dar conta do recado. Precisamos de estimular o aparecimento de novos protagonistas, capazes de agir autonomamente a partir das suas bases de conhecimento específico e das redes colaborativas que as suas performances desencadeiam e potenciam para a acção inteligente. No caso destas eleições, este novos actores em rede estão já a ter uma enorme influência na respectiva agenda de discussão. O exemplo mais flagrante foi evidentemente dado antes, pela luta sem quartel de José Sá Fernandes contra o pântano da corrupção camarária. Mas sendo necessário ir para além desta agenda, outros temas têm vindo a emergir: o caso do embuste da Ota é um deles (3). Outro igualmente importante será introduzir a oportuníssima Carta de Leipzig (4) na actual discussão eleitoral.

Este balanço e este aviso servem também a Helena Roseta. Cadê o Manuel Alegre? Andará a caçar coelhos?




Notas

1) O problema do Estado português é sobretudo um problema de definição clara das suas funções inalienáveis (segurança energética, infraestruturas estratégicas, justiça, educação, saúde, segurança social, segurança alimentar, defesa militar e segurança dos cidadãos) e de adequação exigente e transparente dos recursos humanos a essa definição. Precisamos de um Estado eficiente, nem máximo, nem mínimo. O problema não está, como já escrevi, na demonização táctica e instrumental da Função Pública, para efeitos de correcção do défice. Definidas as funções essenciais e suficientes do Estado, o que há é que eliminar a sua gordura clientelar (administrações, secretarias de estado, direcções-gerais, institutos e serviços sem prestabilidade alguma e unicamente criados para dar emprego às clientelas partidárias); proceder a um vasto programa de formação geral dos funcionários em prol da administração
responsável, eficiente e amigável; e realocar os recursos por intermédio de concursos internos transparentes.

2 - Vasco Pulido Valente identificou bem esta "classe média" aparente, basicamente composta pela vastíssima prole clientelar do regime. Seria um bom programa de doutoramento de sociologia política identificar e quantificar o peso desta pseudo classe média na nossa democracia e no comportamento eleitoral dos portugueses. Numa coisa, porém, VPV se engana: a natureza bovina imutável desta clientela, e da nomenclatura que a controla, na coisa eleitoral. Na realidade, esta pseudo classe média, dependendo sobretudo de um Estado abundante, afluente e incontrolado, começou já a sofrer e sofrerá ainda mais num futuro próximo (2013) de uma grande fragilidade. Este simples facto (a insuficiência orçamental crescente) tenderá a afectar o seu comportamento eleitoral. Por outro lado, a tendência para tapar o défice do maná europeu com a exploração e repressão fiscais generalizadas de uma população que não chegou verdadeiramente a conhecer o prometido Estado de Bem-Estar Social, levará a um conflito crescente entre a sociedade civil e as burocracias instaladas, ajudando à missa do neo-liberalismo e provocando uma inevitável alteração e instabilidade dos comportamentos eleitorais. O PS e o PSD que não descansem, portanto, à sombra da bananeira eleitoral.

3 - Uma boa síntese contra o embuste da Ota, e a prova de que os argumentos pacientemente montados ao longo de um ano acabaram por fazer o seu caminho, foi a que Miguel Cadilhe escreveu na sua coluna no Expresso de 19-05-2007:
«O NAL, novo aeroporto de Lisboa, é o tema do livro 'O Erro da Ota e o Futuro de Portugal'. Depois de o ler, reforcei a opção 'Portela+1'. Não gosto de destruir boas infra-estruturas, nem o país pode com isso. Prefiro conservá-las bem. Fecha-se a Portela e destrói-se o que lá está, mas porquê? Bane-se a hipótese do '+1', mas porquê? Ergue-se, de raiz, o mais caro de todos, mas porquê? Subalterniza-se o efeito dos voos «low cost», e o do TGV, e o do preço final ao cliente, mas porquê? Não há uma 'análise custos-benefícios', completa e independente, do NAL e suas alternativas, mas porquê?»

«Que diabo, Portugal não é um país rico. A solução Ota, mais seus acessos, mais obras intercalares da Portela e, depois, a integral delapidação (sim, claro, pronto que esteja o NAL), mais imprevistos do costume, tudo poderá rondar os 5 a 6 mil milhões de euros só de investimento. Uma enormidade! Uma péssima consignação de recursos.» -- Miguel Cadilhe.
4 - Sobre este assunto, ver o meu post n'o Grande Estuário. (LINK)

OAM #208 28 MAI 2007

sábado, maio 19, 2007

Por Lisboa 4

Helena Roseta
Abaixo o Costa!

Só Helena Roseta poderá impedir que o candidato das patacas, o Costa, leve por diante a estratégia do lóbi de Macau, i.e. destruir o aeroporto da Portela e lançar Lisboa num beco sem saída.

Ouvimos hoje (18-05-2007) António Costa confessar à TVI três coisas terríveis: que não percebe nada de Lisboa, que apoia a destruição do aeroporto da Portela e a venda a patacas dos respectivos terrenos (a chineses, angolanos, e alguns socialistóides, seguramente), e que para ele, como para os fautores das "trapalhadas" que retoricamente condena, o desenvolvimento de Lisboa é sinónimo de especulação imobiliária (para cuja execução escolheu o medíocre arquitecto da Nova Moscavide e setubalices do género, Manuel Salgado.)

Eu até cria que o Costa era sério! Afinal saiu-me mais um traste típico da era socratintas em que infelizmente se consubstanciou a maioria absoluta do PS. Decoro? Nenhum. Basta ver como, ainda enquanto Ministro da Administração Interna, deu instruções à lacaia que leva o título de Governadora Civil de Lisboa (um dos inúmeros tiques policiais que sobrevive da era Salazarista) para fixar uma data eleitoral incompaginável com coligações pré-eleitorais e, sobretudo, com as esperadas candidaturas independentes. Basta ver como, depois, escolheu a dedo personalidades mediáticas à "esquerda" e à "direita": Saldanha Sanches (vai arrepender-se), José Miguel Júdice (conhecido tubarão oportunista da advocacia alfacinha), Manuel Salgado (era um cooperativista do PCP, mas há muito que se dedica ao negócio da construção civil, sob o disfarce cada vez mais caricato de umas ideias que diz ter sobre arquitectura e urbanismo) e ainda a tentativa de aliciar a desamparada Maria José Nogueira Pinto. Ou seja, o Costa quer desesperadamente a maioria absoluta, e para lá chegar está disposto a transformar a diferença ideológica que legitimamente caracteriza as sociedades democráticas numa tábua rasa, onde o único valor é a vontade de poder (e de não perder o poder.) Fazer da diferença democrática um trapo de usar e deitar fora é demasiado mau para crer. Mas foi assim. E é assim. O Costa quer fazer de Lisboa o que o governo socratintas está a fazer de Portugal: um coutada indefesa do dinheiro, uma província de Espanha e de novo um país de emigração! (1)

O perigo é real, embora os paspalhões da "esquerda" parlamentar ainda não tenham reparado no caso. Daí que só a candidatura de Helena Roseta tenha a virtualidade de impedir o descalabro que o PS prepara para a capital do país. Votar na lista de cidadãos por Lisboa é a única maneira de dizer a este governo de imbecis, inconscientes e aldrabões compulsivos, que dar maiorias absolutas, seja a quem for, é uma enorme imprudência. No caso vertente, seria o caminho mais directo para deixar o polvo de interesses que tomou de assalto o PS levar por diante as suas missões destrutivas.

Este polvo quer que o Estado (i.e. os impostos que pagamos) compre uma empresa aérea falida ao BES (chama-se Portugália Airlines). Este polvo quer privatizar a lucrativa ANA, para continuar a adiar a racionalização do Estado e alimentar a sua própria voracidade financeira. Este polvo quer destruir o aeroporto da Portela e vender os seus terrenos a patacas. Este polvo quer, em nome do chamado projecto da Baixa Chiado, expulsar a diversidade social da capital para os subúrbios mais longínquos e precários da grande Lisboa (tal como se fez recentemente em Barcelona, Sydney, Pequim e noutras cidades por esse mundo globalizado fora.)

Os imbecis que formam o dito polvo ainda não perceberam que desertificando o interior em direcção ao litoral, apenas estão a convidar a Espanha para avançar pelos territórios abandonados (sem educação, sem saúde, sem investimento e com autarquias falidas). Estes imbecis tentaculares ainda não perceberam que suburbanizando continuamente a cidade de Lisboa, em nome da avidez, da especulação e do roubo (ainda que decorada com as novas retóricas da competitividade e da criatividade) estão a criar as condições ideais para uma futura guerra civil urbana, à semelhança do que hoje ocorre intermitentemente em São Paulo, Rio de Janeiro, Copenhaga, Marselha ou Paris (2).

António Costa, já se percebeu, não é mais do que o factotum deste terrível plano de subversão urbana, que é urgente combater. Eu se fosse PSD, ou estivesse mesmo à direita deste partido, pensaria seriamente nas vantagens de votar em Helena Roseta. Quanto aos eleitores sérios e inteligentes do PS, PCP e Bloco de Esquerda, recomendo-lhes vivamente que pensem muito bem antes de votar. Este PS precisa de levar uma boa tareia eleitoral, para bem dos verdadeiros socialistas, e sobretudo para bem de Portugal.

Quem quer conquistar Lisboa não é o Costa, é o governo socratintas. Muito cuidado!



Notas

1- 21-05-2007 15:25 Público. O número de trabalhadores portugueses em Espanha subiu quase quatro por cento entre Janeiro e Abril deste ano, para mais de 75 mil, de acordo com os dados divulgados hoje pelo Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais.
2- O actual governo Sócrates é uma caricatura tardia da democracia digital (versão Power Point) ensaiada por Tony Blair. A próxima saída deste do governo de sua magestade é o sinal mais claro do fracasso das teses sobre a "democracia negativa" de Isaiah Berlin, que Blair tentou aplicar à luz dos teoremas mais recentes e caricatos de Samuel P. Huntington e Francis Fukuyama, com desastrosos resultados
na ex-Jugoslávia, no próprio Reino Unido (veja-se a emergência do radicalismo islâmico naquele país), no Afeganistão e sobretudo no Iraque. Do ponto de vista social, o Reino Unido é hoje uma sociedade mais desigual, menos solidária, mais agressiva, mais autoritária, com menos liberdade e mais disfuncional. É esta a verdadeira herança que Blair deixa a Gordon Brown.
Para perceber o pano de fundo da era Blair-Bush (que mais não fez do que retomar e radicalizar a era Thatcher-Reagan), vale mesmo a pena ver o excepcional documentário da BBC, realizado por Adam Curtis, "The Trap", actualmente disponível na Net. Perceberemos então melhor os tiques e manhas da lógica que tomou de assalto o PS e hoje domina a acção do governo de José Sócrates. Tudo muito transparente... e condenado ao fracasso.


PS: se alguém souber quem foi o autor da fotografia da Helena Roseta, diga-me. Teria o maior gosto em creditá-la como deve ser.


OAM #204 18 MAI 2007