Os que ganham muito são cada vez menos, e os que ganham pouco (cada vez menos) são cada vez mais.
É este o verdadeiro paradoxo que o otimismo alucinado de alguns não alcança, ou alcança, mas ignora, preferindo as loas populistas a que os economistas desonestos conferem legitimidade académica.
E é também por isto que o declínio da era petrolífera deixou de se traduzir na subida dos preços do barril de crude, mas antes na deflação dos mesmos, arrastando países como a Venezuela, Angola, Moçambique, Nigéria, e o Médio Oriente em geral, para o colapso das respetivas sociedades.
Neste momento o status quo e o business as usual são meras aparências de estabilidade e progresso.
Na realidade, assistimos a divisões económicas, sociais e culturais profundas nas sociedades, que os movimentos populistas e o fundamentalismo religioso induzido refletem.
Estamos no fim de um ciclo de prosperidade mundial com mais de 100 anos, proporcionado pelo uso intensivo de energia abundante e barata, e por aquilo a que poderíamos chamar inflação criativa.
Esta grande revolução nos preços decorreu sensivelmente entre 1897 (D. H. Fischer) e o momento em que o decréscimo persistente da produtividade mundial, da inflação e do rendimento/consumo per capita anunciou o seu fim, dando lugar a medidas contra-cíclicas desesperadas, como a globalização e a desregulamentação laboral, comercial e financeira, o otimismo tecnológico, o endividamento público e políticas monetárias expansionistas, e ainda a grande especulação capitalista, entre 1983 e 2007, estimulada pela negociação eletrónica de títulos e outras operações financeiras (HFT), e pelos produtos financeiros complexos: Credit Debt Obligations (CDO), Credit Default Swaps (CDS), Asset Backed Secutioes (ABS), Over-the-counter Derivatives (OTC), etc.
O dilema atual é este: o petróleo é demasiado barato para quem o produz, e demasiado caro para quem o consome. Por outro lado, segundo defende Gail Tverberg, o endividamento, a eficiência e a complexidade como resposta à mudança de paradigma energético e ao fim de um ciclo económico de longa duração não impedem a chegada de uma nova era, que será necessariamente distinta da que agora declina rapidamente.
Vale a pena ler a este propósito o que Gail Tverberg apresentou recentemente em Bruxelas, num workshop promovido pela Comissão Europeia: “Elephants in the Room Regarding Energy and the Economy.”
Trata-se de uma súmula de recentes trabalhos seus, nomeadamene sobre a natureza dissipativa das estruturas económicas, e sobre o aviso paradoxal do fim da era petrolífera, ou seja, a queda dos preços do petróleo, provocada pelaa queda da procura agregada mundial de crude, pela queda dos rendimentos do trabalho, pela erosão imparável dos dividendos empresariais (nomeadamente nos produtos energéticos), pela divisão social que se agrava na maioria das sociedades desenvolvidas e ricas, ou ainda pelas crises políticas insanáveis que vão destruindo paulatinamente os estados e as instituições democráticas.
Eu recomedaria a leitura destas reflexões a Emmanuel Macron, mas também ao otimista cada vez mais irritante, Marcelo Rebelo de Sousa.
Most people assume that oil prices, and for that matter other energy prices, will rise as we reach limits. This isn’t really the way the system works; oil prices can be expected to fall too low, as we reach limits. Thus, we should not be surprised if the OPEC/Russia agreement to limit oil extraction falls apart, and oil prices fall further. This is the way the “end” is reached, not through high prices.
Many people think that the increasing use of tools can save us, because of the possibility of increased productivity.
mas...
Using more tools leads to the need for an increasing amount of debt.
Virar a esquerda contra a direita não resolve o problema
O triângulo dos recursos tem um limite físico e comercial
O chamado fator subjetivo da transformação do capitalismo já não se chama proletariado, como ocorreu quando Karl Marx identificou este motor social na segunda metade do século 19. (1848-1867). A crise do capitalismo atual é sistémica e objetiva, e por isso não depende de modo relevante de um qualquer ator social privilegiado. Na realidade, a transição sistémica de que necessitamos só poderá ocorrer com sucesso se houver uma cooperação exigente entre, de um lado, os trabalhadores não especializados e, do outro, os negócios, os governos e os trabalhadores/criadores especializados.
Assim sendo, quer os tradicionais partidos da esquerda operária, quer os derivados tardios da retórica leninista e suas variantes (estalinista, trotskista e maoista) fazem hoje pouco sentido. O eco deste mundo há muito desaparecido mas que continuamos a escutar não passa de uma máscara atrás da qual se aninham burocratas e intelectuais ociosos e oportunistas.
A transformação que o capitalismo está neste preciso momento a sofrer é estrutural e deriva sobretudo da sua globalização num contexto de esgotamento do paradigma energético fundacional: energia fóssil abundante, facilmente transportável e barata + tecnologia. A tecnologia continua a expandir-se rapidamente, mas a energia barata acabou. Apenas porque o endividamento global se transformou numa bolha especulativa foi até agora possível esconder o problema real que temos diante de todos nós.
Estamos metidos num grande sarilho do qual talvez seja possível sair, mas não agravando a bolha do endividamento público e privado que asfixia o crescimento, nomeadamente através da destruição do poder de compra dos trabalhadores não especializados, e da destruição financeira em curso.
Because the oil problem is one of diminishing returns, adding debt becomes less and less profitable over time. There is a potential for a sharp decrease in debt from a combination of defaults and planned debt reductions, leading to very much lower oil prices, and severe problems for oil producers. Financial institutions tend to be badly affected as well. If a person looks at only past history, the situation looks secure, but it really is not.
Substitutes aren’t really helpful; they tend to be high-priced and dependent on the use of fossil fuels, including oil. They cannot possibly operate on their own. They add to the “oversupply at high prices” problem, but don’t really fix the need for low-priced supply.
[...]
We are reaching a head-on collision between (1) the rising cost of energy production and (2) the falling ability of non-elite workers to pay for this high-priced energy.
[...]
As I have previously mentioned, most researchers begin with the view that soon there will be a problem with energy scarcity. The real issue that tends to bring the system down is related, but it is fairly different. It is the fact that as we use energy, the system necessarily generates entropy. This entropy takes the form of rising debt and increased pollution. It is these entropy-related issues, rather than a shortage of energy products per se, that tends to bring the system down.
A era pós-industrial está a transformar-se num pesadelo
1415-2015: uma era que chega ao fim
Começa a ser tempo de sabermos a verdade. Apesar do declínio demográfico português, a população mundial vai continuar a crescer até 2050, dos atuais sete mil milhões de almas, para mais de nove mil milhões, ou seja, somaremos à população que hoje somos, até 2050, o equivalente à população mundial de 1927.
Sabe-se que não é possível aumentar significativamente a produção de petróleo (1), gás natural e carvão, e que a simples manutenção dos atuais níveis de produção está a revelar-se cada vez mais difícil e dispendiosa, por efeito da degradação rápida do chamado EROEI (Energy Return On Energy Investment). Os países exportadores exportam cada vez menos, também porque consomem mais, e os países importadores têm cada menos meios financeiros para importar o petróleo, gás natural e carvão de que necessitam para manter as suas economias a funcionar. As balanças comerciais dos importadores de combustíveis fósseis têm vindo a deteriorar-se e o seu endividamento é cada vez mais dramático.
A tendência para o endividamento é geral
Vamos, pois, ter que alimentar, vestir, abrigar, transportar e prestar serviços de educação, saúde e assistência social, entre outros, a mais cerca de sessenta milhões de pessoas por ano até 2050. Será o mesmo que vermos nascer anualmente uma nova Itália, mas sem mais território, nem mais recursos energéticos, minerais e alimentares suficientes para suportar qualquer incremento real do chamado produto interno bruto das economias.
A energia fóssil que permitiu transformar radicalmente a civilização nos últimos duzentos anos —carvão, petróleo e gás natural— entrou num patamar de estagnação relativa, e deverá começar a declinar depois de 2015, acelerando dramaticamente o movimento de queda lá para 2030-2040 (2).
Mesmo sem aumentarmos o consumo destas fontes de energia —o que significará inexoravelmente uma qualquer forma de racionamento energético, dado o crescimento demográfico em curso— todos os estudos sérios apontam para o colapso destes motores da civilização moderna e contemporânea até ao fim deste século.
E o entanto os efeitos desta escassez anteciparam-se às previsões dessa ciência oculta a que chamam economia! O endividamento disfarçado das nações acumulou desequilíbrios que acabariam por atirar o mundo inteiro para um gravíssimo problema financeiro, económico, social e político desde 2008. A maioria das economias nacionais e regionais já está ou caminha para espirais recessivas de que dificilmente sairá, salvo por breves períodos de alívio. O tempo dos estímulos puramente financeiros, assentes no consumo, na criação fictícia de massa monetária e na especulação, ou seja, no endividamento público e privado dos povos, terminou. Já nem a China se livra dos efeitos desta mistificação económica.
A China não pode crescer sem ameaçar as reservas mundiais de carvão e petróleo, e vive, como se vê neste gráfico, imersa em bolhas keynesianas típicas
Estamos, como se pode imaginar, metidos num imenso sarilho. Em breve perceberemos que o discurso do crescimento morreu, que o empobrecimento veio para ficar, que o risco de implosão social é muito sério, que o colapso das classes médias está em marcha, que o sistemas financeiro global está preso por fios cada vez mais frágeis, que o perigo de um fascismo fiscal espreita as democracias, que estas, por sua vez, estão estruturalmente ameaçadas, e que, em suma, ou descobrimos uma maneira ordenada de fechar esta era de desperdício e insustentabilidade, ou a transição civilizacional mergulhará povos, nações, países, regiões inteiras numa espiral de caos e destruição violentos.
Até ao aparecimento da máquina a vapor o desenvolvimento económico, social e cultural dos povos mais avançados do planeta fez-se à custa da tração animal e da escravatura (foram essas as suas energias motrizes!) As taxas anuais de crescimento andaram então sempre entre 0% e 1%, sucedendo-se, todavia, eras inflacionistas sempre que a procura agregada de produtos crescia mais depressa do que a oferta [D. H. Fischer]. Só depois da introdução em massa dos combustíveis fósseis no desenvolvimento da economia e da tecnologia é que o crescimento mundial chegaria à média dos 3% (com picos geográficos, sempre temporários, na ordem dos dois dígitos). No estado a que chegámos, se o crescimento mundial conseguir um patamar dinâmico na ordem dos 1% até ao fim deste século já seria extraordinário.
Para alcançar tão ambiciosa meta —a alternativa a isto chama-se estagflação— teremos ainda que descobrir um caminho credível e exequível para as chamadas sociedades de transição. E temos que colaborar todos —à escala planetária—numa melhor repartição e uso dos recursos disponíveis, em vez de nos envolvermos numa guerra sem fim pelo último atum, pelo último barril de petróleo, pelo último ribeiro de água fresca, pela última nesga de ar puro. O desafio é ciclópico, mas é também uma gigantesca oportunidade para a imaginação e criatividade da raça humana.
Precisamos de nos preparar para uma verdadeira metamorfose cultural, deixando para trás as dicotomias felizes da ideologia moderna. Em 1983 lancei, com um grupo de artistas, entre os quais, pintores, arquitetos, músicos, encenadores e desenhadores moda, um grande evento cultural a que demos o título DEPOIS DO MODERNISMO. Foi há trinta anos, mas não andámos longe da realidade!
NOTAS
Experimentem escrever na janela dum buscador
(Google, DuckDuckGo, etc.) assaltos+bombas+gasolina. Numa pesquisa agora
mesmo feita no Google obtive 374 mil resultados! Esta é a dimensão mais evidente de uma realidade chamada Pico do Petróleo. Perguntem às cartomantes da economia o que é isto. Tenho a certeza que meterão os pés pelas mãos.
Sem petróleo, ou com este a preço de ouro, a civilização moderna
colapsa — pura e simplesmente! Acima dos 100 dólares o barril, durante 6
meses ou mais, a economia mundial entra em recessão. Acima dos 140
dólares —preço de ouro— a economia mundial colapsa, pura e simplesmente,
como ocorreu entre agosto e setembro de 2008. Reparem no gráfico do preço do Brent desde 2002.
Para os mais interessados neste tema vale mesmo a pena assistir em diferido ao seminário promovido em Estocolmo, em novembro de 2012, sobre os dados mais recentes relativos ao pico do petróleo e suas consequências no preço dos combustíveis, a par dos impactos inflacionistas no resto da economia, por efeito do chamado Energy Return On Energy Investment (EROEI).
Peak Oil Postponed? – Seminar at the think tank Global Challenge in Stockholm Sweden (7 nov 2012)
Professor Kjell Aleklett speaks of the Peak Oil phenomenon at a seminar arranged by think tank Global Challenge in Stockholm. Eva Alfredsson opens the "Peak Oil Postponed?" seminar.
Peak Oil Postponed? — Professor Charles A. S. Hall speaks of his concept "Energy Return on Investment" (EROI) at a seminar arranged by think tank Global Challenge in Stockholm.
Biophysical Economics - Professor Charles A.S. Hall
Discussion on Peak Oil with Professors Kjell Aleklett and Charles A. S. Hall moderated by Anders Wijkman.
ÚLTIMA HORA
China ultrapassa EUA e torna-se no maior importador de petróleo do mundo
Os EUA lideravam o “ranking” dos países importadores de petróleo desde 1970. Em Dezembro de 2012, as importações líquidas de crude caíram para os 5,98 milhões de barris por dia, igualando valores de 1992. No mesmo mês, as importações líquidas chinesas cresceram para os 6,12 milhões de barris por dia, segundo a alfândega do país — inJornal de Negócios, 04 março 2013; 14:47.
Esta notícia é importante.
Por um lado, porque as duas maiores economias do mundo só poderão sobreviver como tais se importarem mais de 12 milhões de barris de petróleo por dia (a produção mundial total de petróleo convencional não supera os 80 milhões bpd), e por outro, porque os dois maiores exportadores de crude do planeta, Arábia Saudita e Rússia, vendem pouco mais de 15 milhões bpd e tenderão a exportar menos a cada ano que passa...
Irão, Emiratos Árabes Unidos, Nigéria e Kuwait exportam, cada um, pouco mais de 2Mbpd, e cada um dos restantes exportadores tem menos de 2Mbpd para vender.
Segundo estatísticas da BP, em 2005 exportaram-se 47,9Mbpd, mas em 2010 este número tinha baixado para 43,8Mbpd.
A terceira guerra mundial vai, pois, ter a mesma espoleta das anteriores —o petróleo— a menos que os países da Lusofonia consigam propor e fazer vingar uma espécie de Novo Tratado de Tordesilhas sobre a repartição ponderada dos recursos vitais da atual civilização industrial e tecnológica, entre o Ocidente e o Oriente.
Vejam o meu mapa sobre este assunto (é essencial ir aos zooms....)
Os números que se seguem sobre as importações portuguesas de petróleo são meramente indicativos, pois a informação indígena a este respeito (como noutros temas cruciais) é tudo menos clara e fiável...
Grosso modo podemos dizer que não passamos sem importar à volta de 260 mil barris de petróleo por dia, ou seja, uns 95 milhões de barris/ano.
Aos preços de hoje isto significa que a nossa fatura petrolífera é de 8 mil milhões de euros/ano!
Uma metodologia para trabalharmos na transição da economia portuguesa para a era pós-industrial e pós-petrolífera seria começar por cortar as importações de petróleo em 2% ao ano (taxa de exaustão do crude disponível no planeta) de aqui em diante! Em 2013, menos 160 milhões de euros de importações, etc...
Com esta equação na cabeça é possível caminharmos solidariamente para uma sociedade de transição. Doutra forma será o caos político permanente e um desastre económico e social com data marcada :(
MAIS DADOS PARA PENSAR, E SOBRETUDO AGIR!
A subida do preço do petróleo desde 1998 (ver este gráfico interativo) para cá implicou a maior transferência de sempre de riqueza da Europa para os países produtores de petróleo (António Costa e Silva/Partex).
Assim sendo, perante a recessão imparável, se há setor obrigado a fazer uma travagem às quatros rodas, é o dos transportes, começando desde logo pelo transporte aéreo, seguido pelo rodoviário.
A União Europeia é hoje o segundo maior consumidor e o segundo maior importador de petróleo do planeta. No entanto, o consumo e as importações têm vindo a decair desde 2008. Pelo contrário, os países exportadores têm vindo a consumir mais e portanto a exportar menos. Se querem perceber a principal casa da recessão europeia e americana, aqui vai: menos consumo de energia oriunda do petróleo!
Veja-se (neste gráfico) o que vai acontecer em breve ao transporte aéreo, e porque ninguém quis comprar a TAP :(
Repare-se ainda (nesta listagem) como o consumo de petróleo perdeu elasticidade e a sua mais equilibrada distribuição regional prejudicou claramente os consumos de crude nos EUA e ainda mais na União Europeia...