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Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses Jaime Marta Soares Foto: Lusa (recortada) |
Membro da protecção civil - sob pseudónimo - denuncia o lóbi dos bombeiros.
O texto que transcrevo mais a baixo na íntegra chegou-me esta manhã à caixa de correio como bom. O que o mesmo descreve é algo que todos nós já mais ou menos sabemos: os bombeiros voluntários, enquanto associações dependentes do Estado, que por sua vez se dedicam ao negócio das ambulâncias e do correspondente transporte de doentes e sinistrados, alojando por vezes nos seus quarteis toda a espécie de serviços privados (os
Bombeiros Voluntários de Carcavelos, por exemplo, prestam serviços de Psicologia, Osteopatia, Terapia da Fala e Dentista), não têm, nas sua esmagadora maioria, competências certificadas para lidar com fogos florestais. Nem com inundações, nem com terramotos, nem com ataques terroristas em larga escala. Para estas quatro grandes ameaças que pairam sobre sociedades cada vez mais envelhecidas e endividadas, os bombeiros da famosa Liga presidida pelo senhor Jaime Marta Soares, não servem, e é mesmo um crime lançá-los de forma temerária, sem meios adequados e bem geridos, e sobretudo sem conhecimentos, nem comando estratégico e político unificado, para a fogueira.
Sou de opinião que o combate aos grandes incêndios florestais, e em geral acudir a grandes catástrofes, deve caber em primeiro lugar aos corpos profissionais de bombeiros e serviços de emergência médica, cuja preparação e adequado apetrechamento logístico e equipamento terão que ser forçosamente garantidos pelo Estado. A Autoridade Nacional de Proteção Civil parece-me uma indispensável entidade de coordenação permanente nesta área, mas não pode ser mais uma central de emprego e negócios partidários, como a trágica interferência de António Costa e do PS no ANPC recentemente demonstrou. Para evitar esta pecha, tal como noutras instâncias da administração pública será necessário garantir mecanismos de supervisão pública automática (ou seja, sem mais burocracias supervisoras!) e começar por fazer depender a nomeação do responsável máximo da Proteção Civil de maioria parlamentar expressa e aprovação presidencial.
Nota importante: o presidente da ANPC nunca deverá ser, nem polícia, nem militar. Pois só assim poderá comandar, sem conflito de patentes, ações de proteção civil coordenadas com outros setores do Estado, nomeadamene policiais e militares.
Neste quadro reformado do sistema público de proteção civil, a formação profissional de bombeiros para grandes catástrofes —incêndios florestais, inundações, ataques terroristas em larga escala, e terramotos— é uma prioridade irrefutável. Assim como lançar uma campanha nacional de educação e prevenção dos grandes riscos, apoiada em quatro pilares: câmaras municipais, juntas de freguesia, paróquias, e uma rede de guardas florestais imediatamente reposta, sobretudo a norte do Tejo.
Neste quadro reformado, a Forças Aérea deve dispor dos principais meios aéreos de combate a incêndios, e só em última instância, i.e depois do reforço de meios provenientes de países vizinhos e da própria UE, é que se poderá colocar a questão de contratação de meios aéreos privados de combate aos fogos florestais.
Ao público o que é público, ao privado o que deve ser privado!
TEXTO RECEBIDO
«Por detrás de um vasto e emaranhado corpo legislativo sobre prevenção, vigilância e combate a incêndios, na prática essas tarefas, que são distintas e complexas, estão, por todo o País, entregues aos Corpos de Bombeiros Voluntários que dependem de Associações Humanitárias e respetivos órgãos sociais.
Essa dependência acarreta, necessariamente, uma dependência da área operacional em relação à área da gestão.
De uma forma geral, a gestão das citadas associações está completamente focalizada na sobrevivência económica e financeira das mesmas e essa sobrevivência não é assegurada pela área operacional, que é como quem diz, a sobrevivência económica e financeira das associações de Bombeiros Voluntários não é possível pelas atividades de prevenção, vigilância e combate. Estas são apenas usadas como instrumento de angariação da subsidiação suficiente (proveniente do OGE e dos orçamentos municipais), sendo, depois, parte substancial dos fundos obtidos usados na aquisição de equipamentos que nada têm a ver com prevenção, vigilância e combate quer de incêndios quer de inundações. Os equipamentos mais comuns e profusamente adquiridos são as ambulâncias, o que permite às associações especializarem-se como operadores do rentável mercado de transporte de doentes, entre outras atividades, como por exemplo clínicas e até ginásios.
A maior parte das associações, com o objetivo da subsidiação, mentem despudoradamente em relação ao número real de efetivos voluntários e mentem em muitas outras coisas, nomeadamente na faturação das refeições disponibilizadas aos operacionais nos teatros de operações, à ANPC, quando na maioria dos casos essas mesmas refeições são disponibilizadas pela própria população e associações cívicas ou pelos municípios, ou seja, um esbulho permanente.
Da mesma forma que usam os fundos para a aquisição regular desses equipamentos de negócio, também não os usam para a formação dos seus efetivos voluntários. A formação que lhes é prestada é precária, prestada na maioria das vezes pelas próprias associações, incompleta, tecnicamente deficitária, em que os homens e mulheres são envolvidas em teatros de operações perigosíssimos sem o mínimo de preparação, literalmente atirados às chamas em territórios que não conhecem e atirados, também, à ira das populações.
No dia em que em Portugal alguma instituição independente fizer uma auditoria aos fundos recebidos numa década pelas centenas de associações (incluindo os que resultam das coletas organizadas junto das populações) e os “compaginar” com os verdadeiros fins a que foram destinados cairá “Carmo e Trindade” e parte substancial de tudo ficará explicado.
A prevenção, a vigilância e o combate de incêndios e inundações, em Portugal, é um enorme exercício de manha e de fingimento. Uma manha reconhecida, um fingimento consentido.
Mas a morte dos Bombeiros Voluntários nos teatros das operações não são nem manha nem fingimento, são desperdícios intoleráveis de vidas humanas generosas, desperdícios que poderiam ser evitadas se o Estado (que neste caso é como quem diz a Assembleia da República o os sucessivos governos) assumisse as suas responsabilidades em matéria de soberania.
A prevenção, vigilância e combate destas tragédias deve ser uma missão pública e encarada exclusivamente como um serviço público essencial que passará pela criação urgente de um Corpo Nacional de Operacionais Bombeiros, de cobertura nacional e base distrital, com tutela, hierarquia própria, dotada de meios técnicos e humanos profissionalizados (o que implica uma formação de qualidade, certificada) com protocolos de colaboração específicos com o Exército, com a Marinha, com a Força Aérea, com a GNR, com a PSP e com os Municípios.
Este Corpo Nacional de Operacionais Bombeiros poderia, muito bem, absorver todos os efetivos voluntários ligados às associações que o quisessem (e também as pequenas forças profissionais de intervenção – GIPS e FEB) e as associações poderiam, perfeitamente, continuar a dedicarem-se ao transporte de doentes, aos ginásios, às clínicas, etc, etc., e viverem daquilo que o “mercado” possibilita.
A criação do citado corpo operacional e profissional, resolveria, por uma vez, todas as trapalhadas das descoordenações operacionais, dos comandos “pluri-céfalos”, das decisões tomadas por pulsões de egos e por necessidades económicas.
Há postos de comando instalados em teatros de operações que mais fazem lembrar uma opereta bufa, repleta de faisões engalanados, onde até há tempo para se beber um chazinho e comer umas bolachinhas, enquanto nos próprios teatros reina o caos e impera a morte.
Como se pode ler no célebre e recente Relatório da Comissão Técnica Independente, “teremos de orientar a atuação para a adoção de forças especializadas com elevado nível de qualificação, destinadas à resolução destas problemáticas, o que não se coaduna com amadorismos”. Acrescento que não coaduna com amadorismos nem com ganância.
O financiamento desse corpo operacional e profissional está por natureza já assegurado: bastará usar os imensos fundos do OGE e dos Municípios que são sistematicamente atribuídos às associações e suas representantes, com os resultados que o País, infelizmente, testemunha. O valor orçamentado pelo MAI para a ANPC e para o ano em curso foi de mais de 133 milhões de euros e para o próximo ano de mais 149 milhões de euros, montantes completamente incompatíveis com a qualidade do serviço prestado.
É evidente que o problema de fundo (a tragédia recorrente dos incêndios) não se resolve apenas com a criação deste Corpo Nacional de Operacionais Bombeiros, mas sim com novas políticas agrícolas, florestais, de planeamento demográfico e fiscais, mas a sua criação é condição sine qua non para que o mais importante possa começar a ser feito desde já: a salvaguarda de vidas humanas quer de bombeiros quer das populações afetadas. E isto para ontem!»
Coutinho de Moura, membro da protecção civil