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quinta-feira, dezembro 01, 2016

Para o Bloco de Esquerda

Veloso Salgado (1864-1945) - A aclamação de D. João IV


O Bloco, a Monarquia e a República, no dia primeiro de dezembro


A nossa monarquia foi assassinada, hoje dir-se-ia que por um ato terrorista, em 1908. Temos uma república desde 1910, sem que tal mudança de regime tenha salvo o país da emigração, da miséria intelectual e da corrupção pandémica em que outra vez nos encontramos. Quanto mais não fosse por estes factos, os deputados do Bloco de Esquerda deveriam abster-se de sonhar com o regicídio em Espanha, ou pior ainda, de se revelarem, no próprio parlamento português, como uma mera sucursal iberista desmiolada do Podemos!

Bloquistas exibem bandeira republicana espanhola no parlamento português.
Augusto Santos Silva diz que não viu descortesia. Estava sem óculos...


Decorre da má criação parlamentar do Bloco de Esquerda que, se a sua afronta infantil ao rei de Espanha fosse tornada norma parlamentar indígena, os chefes de estado das seguintes monarquias europeias passariam a duvidar se valeria a pena visitar uma instituição que não sabe receber quem convida, ainda por cima de um país insolvente, praticamente sem banca própria, e de mãos estendidas aos seus credores:

- Luxemburgo
- Noruega
- Holanda
- Suécia
- Dinamarca
- Bélgica
- Reino Unido
- Espanha

Haverá alguém capaz de oferecer uma chávena de chá ao Bloco?

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Espanha: monarquia moribunda?

Os sinais de desagregação da monarquia espanhola podem abrir caminho a uma república federal. Apostas?

America's Cup Building, Valencia, Spain by David Chipperfield Architects © Richard Walch

Os sucessivos escândalos que tolhem a decadente monarquia espanhola —anorexia da princesa Letízia, relação hipócrita entre os monarcas e corrupção à vista na casa real—poderão abrir caminho a uma transição pacífica da atual monarquia autonómica para um regime republicano de tipo federal. Tudo vai depender da carambola entre os escândalos monárquicos (cujo véu começa a levantar-se), o colapso inevitável do actual sistema autonómico, e a crise económica e social grave que afecta o país vizinho. Longe vão os tempos do triunfalismo democrático criado na alcova que uniu "socialistas obreros" e banqueiros arrivistas!

Valencia, el paradigma 'popular' de autonomía quebrada

“Es la segunda autonomía con mayor volumen de deuda (20.469 millones de euros); ha cerrado 262 camas hospitalarias en 2011; pagó in extremis a finales de año las nóminas de los profesores de colegios concertados y los 60 millones que debía a las farmacias; encabeza el ranking de fracaso escolar más alto de toda España (25%) y tiene a su ex presidente, Francisco Camps, sentado en el banquillo de los acusados por varios delitos de corrupción. La Comunidad Valenciana, tras modernizar la región de arriba abajo con más dinero del que tenía, busca ahora fórmulas para intentar contener el gasto y sacar a la región del atolladero en el que se encuentra.” El Confidencial.

Lembram-se de quando a Espanha, com condições naturais escandalosamente inferiores a Cascais (a prova em Valência teve que parar por falta de vento!) ganhou a realização da America's Cup? Pois é, a fatura não perdoa, e o processo autonómico caminha rapidamente para um beco sem saída :(

Los soberanistas catalanes alientan un nuevo frente contra Rajoy

“El presidente del grupo parlamentario de CiU en el Parlamento autonómico, Oriol Pujol, dejó claro ayer en la emisora RAC 1 que si Madrid no quiere hablar del tema, al Gobierno catalán no le queda otro recurso que tomar medidas, que podrían ir desde una consulta popular hasta un cierre de cajas, es decir, una insumisión fiscal. “No nos encontrarán tirando la toalla, sino al contrario”, subrayó Pujol.” El Confidencial.

O resultado do referendo escocês poderá ser decisivo para uma evolução rápida do processo de fragmentação federalista da Espanha.

Por outro lado, a suspensão da renovação da linha férrea entre o Porto e a Galiza pode encontrar nesta deterioração do centralismo madrileno/castelhano uma explicação mais do que plausível.

A União Europeia favorece objectivamente o renascimento das nações históricas do continente: Irlanda, Escócia, Catalunha, etc. No caso da Península Ibérica, a existência de uma federação espanhola, ou de uma federação ibérica, enfraqueceria, segundo alguns, a posição estratégica de Portugal. Não refleti ainda suficientemente sobre esta questão. Mas creio que é altura de começarmos a discutir o futuro da balsa ibérica!

Hors-texte (24-01-2012)

quinta-feira, setembro 22, 2011

Portugal dos Pequenitos - 7

Um rei decente, por favor!

A criatura hirta de Belém —o calculista medíocre de nome Aníbal Cavaco Silva—faz cada vez menos falta ao actual ordenamento constitucional. Obscuro, atado a compromissos, conveniências e dívidas eleitorais, caríssimo e inútil centro de custos sem retorno positivo que se veja, bem poderia ser substituído por qualquer coisa chic e criativa. Porque não reinstaurar por via referendária uma monarquia constitucional avançada?

Aos que argumentam com as vantagens da transparência democrática republicana, respondo com factos: a actual democracia portuguesa é populista e corrupta como a primeira que deu em ditadura, e assenta numa imprestável e ilegítima monarquia clandestina, amanhada como uma nomenclatura medieval, medíocre, endogâmica, nepotista, onde nenhum cidadão tem acesso pela via efectivamente democrática, mas apenas por vontade da colegiata republicana — pela via normal, a maçónica, ou pelas vias bastardas, opusdeica, partidária ou simplesmente criminosa. Em todo o caso, sempre por caminhos radicalmente opostos ao da transparente genealogia monárquica.

Repito, pois, uma recomendação a Duarte Pio: prepare o Afonso para o que der e vier!

A democracia cognitiva e tecnológica do futuro poderá reencontrar na monarquia uma forma de representação do poder bem mais decente do que as decadentes, corruptas, populistas e cada vez mais estúpidas democracias actuais.

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Regressar à monarquia

A III República faliu. E agora?



Duarte de Bragança considera que a actual crise que Portugal enfrenta é “comparável à vivida nos tempos da Primeira República”, e defende que a solução seria o país regressar à monarquia, razão pela qual insiste na realização de um referendo. — in Público.

Depois de o actual presidente da república ter presidido ao afundamento de Portugal, que nos resta? Fará sentido instaurar uma monarquia constitucional, com o objectivo de atingir a prosperidade das restantes monarquias europeias: Bélgica, Dinamarca, Espanha, Liechtenstein, Luxemburgo, Mónaco, Noruega, Países Baixos, Reino Unido e Suécia? Ou é melhor re-eleger o traste Aníbal Cavaco Silva para o cargo imprestável de presidente da república? Esta discussão parece fora do tempo, mas talvez se torne moda bem antes do senhor Duarte de Bragança ter preparado convenientemente o seu primogénito para voos inesperadamente altos.

Mesmo as piores monarquias europeias, Inglaterra, Bélgica e Espanha, estão melhores do que nós! São países civilizados, onde a lei e os tribunais funcionam a tempo e horas, há estado social efectivo, os rendimentos per capita são dos mais altos do planeta, o pluralismo partidário é total e as liberdades são conquistas plenamente assumidas por todos os actores democráticos. Tão ou mais importante: a distribuição da riqueza é muitíssimo mais justa em todas estas monarquias do que em Portugal, e os respectivos governos e partidos políticos não foram, como por cá, capturados por clientelismos partidários, corporativos, ou burocráticos, nem por nomenclaturas ocultistas, nem muito menos por castas consanguíneas. Já algum sociólogo ousou fazer um mestrado sobre os apelidos da nova nomenclatura minocrática?

Sete dos dez países com maiores rendimentos per capita no mundo, são monarquias: Luxemburgo, Noruega, Qatar, Dinamarca, Emiratos Árabes Unidos, Holanda e Suécia (Wikipedia). Não vejo, pois, onde possa estar a superioridade dos regimes republicanos, e nomeadamente das três repúblicas portuguesas que se seguiram ao regicídio. 
  • A primeira sucumbiu ao cretinismo parlamentar, à corrupção e ao ateísmo oportunista e estúpido. Nasceu sem nobreza pública, de um regicídio, e foi miseravelmente à falência.  
  • A segunda, nasceu de um golpe de estado militar, impôs-se como uma ditadura durante 48 anos, e acabou por morrer às mãos de outro golpe de estado militar.  
  • A terceira, ou seja aquela que, ironicamente, no ano do centenário do regime republicano, volta a mergulhar o país numa vergonhosa bancarrota, nasceu de uma revolta corporativa no seio do exército, impôs-se como uma democracia burocrática e populista (minocracia), sem horizonte claro nem imaginação, entregue aos mesmíssimos vícios que colocaram Salazar ao leme da mais longa ditadura europeia do século 20, e a que restam escassos anos de vida
Se a União Europeia se aguentar, ou enquanto o euro e a União Europeia se aguentarem, Portugal estará, em princípio, a salvo de novo golpe de estado, revolta popular ou guerra civil. Mas se, ou melhor dizendo, quando o sonho alemão de uma grande Europa, de Lisboa a Vladivostoque, voltar a soçobrar —o que acontecerá inevitavelmente se a guerra financeira em curso entre o dólar-libra e o euro se resolver contra o euro-marco (com o apoio entusiasta do Bloco de Esquerda e imbecis da mesma laia)—, podemos todos ter a certeza de que a Espanha voltará a ser uma ameaça à pouca soberania que Portugal ainda tem, e que este indecoroso e miserável regime republicano será pasto de novo golpe de estado e tumulto populista, se entretanto não tivermos encontrado um novo enquadramento institucional para o nosso país.

Olhando para o panorama desolador das próximas eleições presidenciais, e para o incurável e terminal cretinismo parlamentar da nossa pseudo-democracia, apenas antevejo uma solução capaz de evitar mais uma longa noite de ignorância e medo: regressar à monarquia. Ou melhor, criar uma nova monarquia, constitucional, democrática, laica, eficiente, transparente, justa e solidária. Para lá chegar não é preciso muito. Basta um referendo!

A Bulgária está a pensar fazê-lo. Somos menos espertos, ou corajosos, do que eles?

POST SCRIPTUM (2-12-2010) — Na realidade, uma monarquia europeia civilizada e pós-moderna, a que poderíamos chamar monarquia republicana (!), é em tudo semelhante a uma república, com uma única mas essencial diferença: poder assegurar, através de um biopoder residual, a existência de uma ultima ratio civilizada em caso de bloqueio grave do regime democrático. Este poder moderador, ou salomónico nos casos mais críticos, tem que estar acima das querelas partidárias, e por conseguinte não pode em caso algum emanar dos partidos políticos, nem ser por estes condicionado (desde logo na própria hipótese de candidatura). Esta monarquia republicana (isto é, constitucional, parlamentar, referendária, em suma, democrática) não resolveria, nem todos, nem sequer os nossos principais problemas, mas ajudaria a reafirmar a condição montesquiana a que toda a democracia tem que obedecer sob pena de, subvertendo a lógica da separação dos poderes, deitar fora a verdadeira democracia, colocando no seu lugar aquilo que designo por minocracia: um regime de aparência democrática, mas assente em bases eleitorais tendencialmente minoritárias, alienadas e/ou e distorcidas, e subordinado aos impérios gémeos da burocracia e da partidocracia.

sexta-feira, abril 03, 2009

Portugal 96

Que venha o rei!

Se o actual presidente da república se confessa impotente para atalhar casos de corrupção no seu quintal e os três presidentes que o antecederam hesitam em dar sinais de preocupação pela manutenção em funções de um primeiro ministro protagonizado por uma personagem sobre a qual se acumulam suspeições públicas documentadas de corrupção, então talvez os monárquicos tenham razão e esteja na hora de referendar o regresso à monarquia — uma monarquia constitucional e democrática, claro, como sucede em 12 estados europeus.

Eu não sou doido. Se ler esta nota até ao fim perceberá porquê.

Nenhum país pode endividar-se continuamente por largos períodos sem ver o regime que permite e fomenta tal endividamento colapsar ou ser fortemente abalado por convulsões, guerras civis e revoluções. Há quem diga que 50 anos de bloqueio estratégico, endividamento compulsivo, irresponsabilidade e corrupção são suficientes para deitar abaixo qualquer regime político, por mais democrático que seja.

A transferência da hegemonia económica mundial da Europa para a Ásia tem sobretudo que ver com este fenómeno. A deterioração crescente dos termos de troca entre os Estados Unidos e o resto do mundo, sobretudo Ásia e Médio Oriente, acentua-se de forma irremediável a partir do início da década de 1970, daqui resultando a previsão de o poder imperial ainda residente em Washington ter começado ontem formalmente a sua deslocação acelerada em direcção a Pequim, onde deverá chegar antes de 2020.

Vejamos o caso português. A queda da monarquia deu-se na sequência de uma crise agrícola interna muito grande e prolongada, provocada por vários factores conjugados: fim da protecção britânica à importação de vinhos portugueses; pragas do oídio e da filoxera (1852, 1867); e ainda a estagnação internacional do mercado do vinho.

Esta crise levou centenas de milhar de portugueses a emigrar para o Brasil: 332 312, entre 1856-1900; 754 147, de 1900 a 1930, decaindo depois abruptamente: 148 699 entre 1931 e 1950... (in Wikipedia).

Esta emigração que, como se vê, cresceu brutalmente com a crise do vinho, e mais ainda durante a primeira república, funcionou como uma verdadeira exportação de mão de obra, na medida em que a maioria dos novos "brasileiros" enviava dinheiro para Portugal. No entanto, a implantação da república no Brasil (1890-1907) quase destruiu a moeda brasileira que os portugueses emigrados enviavam para as suas aldeias via Londres, daí resultando a desvalorização da própria moeda portuguesa e o consequente agravamento da nossa balança de pagamentos (1).

Resumindo e concluindo, o endividamento português induzido pelo abandono dos campos e pela deterioração da moeda conduziu à queda sucessiva da monarquia e da primeira república. O que a ditadura basicamente fez depois foi poupar e recompor as reservas do país, permitindo um primeiro período longo de recuperação (1931-1960), e depois uma verdadeira expansão económica (1961-1974), em grande medida potenciada pela guerra colonial e pelas receitas da nova emigração para a França e Alemanha. A ditadura caiu, ironicamente, em plena fase de expansão económica, por causa de uma guerra injusta, condenada a ser perdida, e porque o desenvolvimento económico e intelectual do país já não suportavam o colete da ditadura, mesmo amaciada durante o consulado de Marcelo Caetano.

O monarquia tombou porque não resistiu a 58 anos seguidos de sub-produção e endividamento. A primeira república colapsou porque não soube inverter este ciclo negativo e o agravou. O regime de 48 anos de ditadura republicana morreu do seu próprio êxito económico e por óbvias causas políticas. E agora?

Desde 1974, apesar da liberdade e democracia que temos, Portugal tem vindo a recair no ciclo negro da desertificação dos campos, da destruição da sua infraestrutura industrial, do desemprego, do endividamento excessivo e de uma nova e entranhada corrupção do Estado. Já lá vão 35 anos. Pelas minhas estimativas, este ciclo negativo não deverá durar mais quinze anos. 2024 é, como muito, o limite a partir do qual ocorrerá o colapso do actual regime.

É pois necessário agir já, se quisermos evitar o catastrófico cenário desenhado. Sem hesitação, nem complacências. Mas para isso precisamos, ao menos, que o poder supostamente moderador da presidência da república funcione! Ora não tem dado mostras de funcionar. Cavaco parece um pau e os presidentes que o antecederam estão resignados às suas próprias culpas no cartório.

Se assim é, talvez tenha chegado a hora de repensar a república e de levá-la a referendo.

Ao senhor Duarte de Bragança faço uma recomendação séria: esteja caladinho e prepare os seus filhos com a mais esmerada educação possível. Pode vir a ser necessário!


NOTAS

  1. Então tudo o que se passava no Brasil tinha reflexos imediatos no valor da moeda face á libra. Isto foi verdade na guerra do Paraguai (1868-71) e particularmente grave na implantação da republica do Brasil (1890-1907).

    A desvalorização da moeda face ao exterior provocava o imediato aumento da Dívida Pública, e de facto o crescente endividamento que se verifica desde 1890 não advém de um endividamento real, mas do menor valor da moeda.

    Na altura todos queriam ver culpados no Fontes ou numa conspiração inglesa. Foi num estudo de 1915 ( "O Ágio", Salazar) por um académico de nome Oliveira Salazar, que se provou o que já era sugerido por alguns... Foi o câmbio da moeda brasileira que determinou o câmbio da moeda nacional até 1907.

    Tudo estava bem se tudo estivesse bem no Brasil (e Dom Carlos sabia-o), mas desde Novembro de 1889, com o fim da monarquia no Brasil que este país descambou num Carnaval de golpes de Estado, sendo que em 1891 já as praças internacionais previam a bancarrota, com o cambio da moeda portuguesa a cair 25% e as transferências do Brasil a passarem de 4355 contos (1888) para 800 contos em 1891, uma queda de 80%. — in 1ª república e economia, Ricardo Gomes da Silva, SomosPortugueses.com.


OAM 569 03-04-2009 19:25

sábado, outubro 06, 2007

Portugal 12

Monarquia?
Unos 300 estudiantes se han concentrado en la plaza Cívica de la Universidad Autónoma de Barcelona (UAB) donde un joven, en medio de gritos como "yo también quemo la corona española" o "los catalanes no tenemos rey", ha prendido fuego a un gran retrato del monarca pintado a mano junto al que había otras dos fotografías del Rey. Además, dos jóvenes han desplegado desde el techo de un edificio de la universidad una gran pancarta en la que podía leerse "La UAB también quema la corona española" y han colgado un muñeco hecho a mano ataviado con una corona, una bandera española a modo de banda y la cara de don Juan Carlos. -- Libertad Digital, 04-10-2007
O meu último post provocou algumas reacções epidérmicas provenientes de uma "esquerda" acomodada ao actual pântano rotativista, mas sempre pronta a puxar do gatilho enferrujado da censura "marxista-leninista" quando alguém procura reflectir sobre realidades difíceis. Neste caso, trata-se de um episódio recalcado no inconsciente do republicanismo jacobino e maçónico que move boa parte da "esquerda" portuguesa: o regicídio. A reacção ao meu artigo sobre o assassínio do rei Carlos I de Portugal (e do seu filho primogénito), fruto de evidente preguiça mental e indesculpável desistência moral, apanhou-me desprevenido. Nunca me passaria pela cabeça que o tema da monarquia, ou do regicídio, em Portugal, pudesse ser um tabu. Mas é!

Escrevi claramente o que penso sobre as monarquias actuais: não fazem sentido e a sua sobrevivência, por exemplo na Europa, pouco mais é do que uma encenação forçada e puramente imaginária do poder, arcádica nos países nórdicos, e completamente kitsch no caso inglês (embora seja difícil imaginar o que resta do respectivo império colonial -- a Commonwealth -- sem a coroa britânica.) A monarquia negociada do pós-franquismo é, porém, um caso especial, na medida em que a integridade territorial da Espanha parece depender criticamente da própria sobrevivência do regime monárquico. Porque será?

O retorno das monarquias à Europa só faz sentido num cenário cataclísmico decorrente, por exemplo, de uma guerra nuclear devastadora, da qual viesse a resultar a emergência lenta de novas sociedades medievais, socialmente atomizadas, no limiar da subsistência económica, mas progressivamente organizadas em torno de uma qualquer rede cognitiva sobrevivente ao apagão tecnológico que inevitavelmente se seguiria a uma guerra nuclear global. Quer dizer, a monarquia não deixou de ser um tema atraente de reflexão, continuando a inspirar muita da imaginação literária e cinematográfica actual. Pergunta-se, pois, porque se tornou num tema tabu, tanto em Portugal, como em Espanha?

Vejamos o caso português.

O grau de penetração da banca espanhola em Portugal é tal que, se a actual crise do crédito mal-parado atingir duramente, como se prevê, o país vizinho, e em particular o seu mercado imobiliário, as ondas que daí chegarão ao nosso país podem ter o efeito de um autêntico tsunami económico-financeiro. Por outro lado, se virmos o modo pimpão e satisfeito como ex-ministros e secretários de estado portugueses representam hoje no nosso país os interesses das maiores empresas energéticas espanholas, com o propósito directo de virem a dar um abraço de urso à nossa autonomia energética, percebemos até que ponto o bloco central dos interesses, na sua desfaçatez e mediania intelectual, acredita (como Saramago de Lanzarote) ser inevitável a integração de Portugal numa Ibéria espanhola. Em suma, vimos hoje em Ílhavo, com o logo da Pescanova bem escancarado na cabeceira e no púlpito, o Senhor Sócrates, primeiro ministro de Portugal, anunciar, como se estivesse num comício publicitário, os efeitos benéficos de, depois de destruída a frota pesqueira nacional (nomeadamente a favor da expansão da frota espanhola... da Pesca Nova!), passarmos a produzir e comer peixe alimentado com soja transgénica produzido pela mesma Pescanova! A grande oferta dos jacobinos lusitanos de hoje parece pois resumir-se a isto: vender Portugal à Espanha por um prato de enguias. Mas então, neste caso, onde fica a República? Não passaremos todos a ser monárquicos, por força do beijo fatal entre Sócrates e Zapatero?

Vejamos agora o caso espanhol.

A Espanha tem as chamadas contas do Estado em dia, ao contrário de Portugal, onde os ministros ganham, como se sabe, mais do que em Espanha. No entanto, a dívida externa da Espanha, 145% do PIB, é a oitava maior dívida externa do mundo! Consegue ser ainda pior do que a nossa: 130% do PIB, i.e. a vigésima terceira maior dívida externa num planeta com mais de 200 países!! Bush desvaloriza o dólar todos os dias, entre outras razões, para passar a dever menos dinheiro ao resto do mundo (e em especial aos chineses, japoneses e árabes.) E nós, portugueses e espanhóis, como vamos fazer?

Se as taxas de juros e o preço do petróleo (já indexado ao euro, como se tem visto na sincronia das últimas subidas face aos movimentos inversos do dólar) continuarem a sua tendência de subida, como é provável, podemos imaginar facilmente a catástrofe que aí vem. A Espanha, para fazer face a este desequilíbrio da balança de pagamentos, vendeu mais de 25% das suas reservas de ouro entre Janeiro e Maio deste ano, ou seja, 108 toneladas do precioso metal, numa altura em que faria todo o sentido não vendê-lo, dada a rápida valorização do mesmo. A onça custava 400 USD em 2004, chegou aos 746,90 USD em 1 de Outubro de 2007, e os analistas estimam que poderá subir, à medida que a crise financeira do subprime se revelar como uma crise económica sistémica e global, até aos 1000-2000 USD! Pergunta óbvia: quanto mais ouro poderá Zapatero colocar no mercado antes que uma crise política monumental o varra da cena política?

Se a gigantesca economia virtual que tem sustentado os Estados Unidos e muitas economias europeias implodir, que ocorrerá na casa do nosso vizinho? Suportará ele então o redobrar das actuais tensões nacionalistas, que revelaram já o seu tremendo poder a propósito da gestão dos rios e o polémico projecto de transvase do Ebro? É neste ponto particular que a questão das recentes manifestações iconoclastas contra a monarquia espanhola devem ser lidas cuidadosamente.

A Espanha não recuperou ainda, apesar das aparências, da Guerra Hispano-Americana, isto é, da derrota sofrida contra uma potência então emergente, chamada Estados Unidos da América, a qual viria, no essencial, a destruir o império colonial espanhol. Depois desta catástrofe política, a Espanha voltou a ser basicamente um Estado peninsular, abraços com a abrupta redução do seu espaço vital, e progressivamente confrontada com o velho problema das suas nacionalidades históricas mais fortes: Catalunha, Galiza e País Basco. Enquanto durou a expansão imperial espanhola, as tensões centrífugas foram sendo contidas com sucesso, mas depois, depois de 98, tudo mudou.

A Espanha republicana ambicionada pelos anarquistas, socialistas e sindicalistas operários, se tivesse triunfado, teria dado lugar, mais cedo ou mais tarde, a uma república federal, ou mesmo a uma federação de estados independentes, à qual os iberistas portugueses se juntariam de bom grado. Mas não foi isto que sucedeu! A vitória de Franco, pelo contrário, impôs-se como uma espécie de reacção violenta e castradora dos sonhos libertários, que sem dó nem piedade esmagou. A guerra civil foi assim e acima de tudo uma vacina anti-autonómica destinada a ganhar tempo na necessária redefinição e acomodação da identidade espanhola depois de a Espanha se ter retirado da Europa transpirinaica, acossada pela França revolucionária e napoleónica, e depois do colapso colonial que se seguiu ao "desastre del 98".

No intervalo franquista, a monarquia exilou-se no Estoril. Por alguma razão Franco e as elites espanholas decidiram conservá-la. Eu creio que foi única e exclusivamente para manter o fio histórico da continuidade da Espanha como uma herança legítima dos reis católicos. Se o regime de excepção franquista tivesse acabado com a monarquia, substituindo-a por uma ditadura republicana, o fio da legitimidade histórica teria sido quebrado e jamais voltaria a ser refeito. A morte do ditador teria então aberto uma crise de transição possivelmente explosiva, marcada por uma inevitável balcanização da Espanha, à semelhança da que ainda está ocorrendo na ex-Jugoslávia. Creio ter sido a antevisão deste cenário que levou as forças políticas que orientaram a transição democrática espanhola a optarem por conservar a monarquia. No entanto, à medida que as tensões nacionalistas progredirem, e tenderão a progredir à medida que se forem percebendo as dificuldades económicas de um país altamente endividado como actualmente é o caso da Espanha, a questão da monarquia voltará a colocar-se. Para que serve afinal? Deverá ser abandonada em nome de uma ainda por desenhar Federação de Estados Ibéricos? Poderá servir, em tão dramático transe, como um verdadeiro honest broker, pairando acima de uma tal federação como mero regime de ligação, até que um dia, porventura depois de Portugal aderir à novel Federação Ibérica, se decida encerrar festivamente o ciclo monárquico da península? Para já são só conjecturas. Mas os recentes incidentes anti-monárquicos ocorridos em vários pontos de Espanha, recheados de pesadas metáforas jacobinas, mostram que a nora da história pode estar a mover-se mais depressa do que se pensa.

Ibéria: Monarquia ou República?

A Espanha terá dificuldades crescentes em sustentar o actual sistema autonómico. Em primeiro lugar, porque é caríssimo: a dívida externa deste país passou de 716.455.000.000 euros, em 2003, para 1.450.000.000.000 euros, em 2007, ao mesmo tempo que as reservas de ouro do banco de Espanha, que valiam em 1992, 72.368.000.000 euros, valem hoje pouco mais de 9 mil milhões de euros. E em segundo, porque o grau alcançado pelas actuais autonomias, sobretudo no País Basco e na Catalunha, conduzirá inevitavelmente a um crescendo da pressão política e popular na direcção de um estado federal, ou mesmo de uma federação de estados ibéricos, da qual Portugal poderia vir a fazer parte integrante. O travão mais poderoso a esta evolução histórica natural e coerente com o espírito profundo da União Europeia, é precisamente a monarquia espanhola. Resta saber até quando os poderes fáticos daquele país estarão interessados em manter o staus quo, e que estratégia prosseguirão quando decidirem mudar de regime. Uma coisa é certa: por enquanto, lá como cá, a questão monárquica é, por razões distintas, um tabu.

OAM 258, 07-10-2007, 01:23