sábado, setembro 18, 2010

Portugal: 1415-2015 (III)

Outra democracia, por favor!



Na pedagogia clarificadora de Rui Rodrigues, a situação financeira actual do país (que os intelectuais orgânicos da nomenclatura responsável pela segunda bancarrota da República não conseguem entender) é esta: Portugal está a endividar-se à razão de 2 pontes Vasco da Gama por mês, ou seja, 24 pontes por ano. Por sua vez as dívidas pública e privada acumuladas somam já qualquer coisa como 500 pontes Vasco da Gama! Em suma, só os juros anuais da nossa dívida conseguem comer toda a receita turística anual. Que acham que vai acontecer? Não será certamente o que a nossa alegre corja parlamentar e partidária anuncia. Vamos, pelo contrário, passar colectivamente pela maior humilhação nacional desde o Ultimato Inglês. Então como agora a culpa é quase toda das indecorosas elites que temos.
The direct consequences for Asia and Euroland: Successful accelerated decoupling or social chaos

…in 2011, China and Asia will have to prove that they have become entities capable of guaranteeing at least their own growth without relying on the United States and thus leading to growth in all the BRIC countries and Euroland in the same breath. Indeed the United States’ arrival in austerity will result in a sharp drop in exports to the US and, therefore, require a greatly increased consumption inside China, inside Asia and with the BRIC countries. Meanwhile Euroland’s entry into stagnation from the end of 2010 will face an intellectual challenge which consists of choosing to favour a new partnership with the BRIC countries, or sink into economic difficulties along with the United States and the United Kingdom. — Global Europe Anticipation Bulletin, GEAB 47, Setembro 2010.
O crescimento tímido de 2010 deveu-se essencialmente a estímulos governamentais de emergência, necessariamente efémeros e suportados pelo crescimento explosivo do endividamento público, bem como pela destruição do tecido social de dezenas de países. Em 2011, numa Europa previsivelmente estagnada, a sorte de um país como Portugal, que nada fez nos últimos dois anos para rever o seu modelo político e social, não poderia ser mais sombria.

O desemprego mundial ultrapassa os 200 milhões de pessoas. Só a China tem mais de 9 milhões de desempregados urbanos e 100 milhões de camponeses excedentários. O FMI estima que serão precisos 440 milhões de novos postos de trabalho se o crescimento populacional continuar ao ritmo actual. Portugal tem os mais elevados níveis de desemprego de sempre, que continuarão a aumentar, por duas razões: a economia portuguesa estará estagnada ou em recessão durante o ano de 2011; e a capacidade de absorção das centenas de milhar de emigrantes portugueses, por parte dos países de acolhimento, atingiu o limite. Ou seja, assistiremos, já a partir de 2011, ao regresso precipitado e acelerado de muitos milhares de compatriotas que, ao longo da última década, saíram do país, nomeadamente para a União Europeia.

Como se isto não bastasse, pela via fiscal, e pela prática dissimulada de uma política de juros desigual (1), aquilo que está em marcha é uma descomunal e impiedosa expropriação da poupança privada europeia e mundial.
Alemanha recusa-se a prolongar ajuda aos países em dificuldade

No final da reunião do Conselho Europeu, que hoje decorreu em Bruxelas, Angela Merkel disse aos jornalistas que deixou uma mensagem clara aos chefes de Governo dos 27: “Primeiro, a Alemanha não vai apoiar uma extensão das actuais ajudas [aos países em dificuldades]. Segundo, temos de trabalhar arduamente para definir as sanções e as lições a tirar desta crise”. A chanceler alemão exigiu um mecanismo permanente para combater a crise e substituir o pacote actual.  — Público, 16-09-2010.
 A Alemanha decidiu travar a criação de mais dinheiro virtual, pois não se esqueceu do tempo em que imprimia notas de mil milhões de marcos e mais. Para atingir este objectivo irá porém forçar os países sobre endividados a entrar nos eixos de uma economia financeiramente controlada.

Portugal vai chegar ao fim de 2010 completamente nas lonas. E em 2011, ano da reeleição da esfinge presidencial, seremos provavelmente colocados na unidade de cuidados intensivos do BCE, depois de escancararmos aos olhos do mundo as mentiras da nossa democracia degenerada. Muito provavelmente é isto mesmo que Passos de Coelho e José Sócrates querem, pelo que não me admiraria nada se ambos esticassem a corda na discussão e votação do Orçamento de Estado de 2011 — até partir.

Não gostaria de finalizar este artigo imputando todas as responsabilidades da actual situação à incompetência governativa, à incompetência parlamentar, e à incompetência partidária do regime. Há de facto realidades mundiais que os ultrapassam. Mas a irresponsabilidade manifesta da nomenclatura partidária que temos diminuiu e continua a diminuir as possibilidades de mitigação da crise. Com petróleo acima dos 60 dólares o barril, não há economia que resista. Nem a chinesa. Mas se continuarmos a votar na actual nomenclatura partidária, a queda será mais rápida, brutal e prolongada.

Warren Buffet anda a comprar caminhos de ferro. Como se compreende então a fúria pacóvia da classe política portuguesa contra os comboios? Quando andavam sobretudo de automóvel, só pensavam em autoestradas. Agora que passam a vida nos aviões, crêem que sem grandes aeroportos, mesmo vazios e ruinosos, como os estádios de futebol, lhes falta o status, e o país não progride. No entanto é fácil de perceber que o negócio está noutro lugar: no transporte de baixo custo. Foram as Low Cost, e não as patetices do actual e dos últimos ministros das obras públicas e transportes, que trouxeram alguma animação ao negócio aeroportuário. A easyJet e a Ryanair fizeram mais pelo turismo e pela economia portuguesas do que toda a turma socratina junta. Com o fim do petróleo barato teremos mesmo que mudar de vida e de paradigma de transportes. É assim tão difícil perceber isto?

São aliás estes detalhes que poderão fazer toda a diferença.


NOTAS
  1. 0,5% para o financiamento interbancário, 1% para os bancos europeus que se financiam no BCE, mas 2,28%, e até 28,9%, para quem quer comprar casa, ou necessita de recorrer a uma crédito pessoal.

segunda-feira, setembro 06, 2010

O grande roubo

ESTÃO A BRINCAR COM O FOGO!
Governo espera por estudos para fazer uma nova Lei dos Solos

O Governo vai basear-se em cinco estudos específicos para enquadrar uma eventual nova Lei dos Solos, destinada a travar a especulação imobiliária e a desordem territorial no país. O Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território quer lançar este mês a discussão pública sobre o assunto, mas não tem ainda uma proposta de lei concreta para pôr sobre a mesa. Será, antes, o princípio do debate, envolvendo também workshops técnicos, consultas a especialistas, entidades com interesse na matéria e também ex-governantes. — Público.

Então agora que a construção civil e a especulação imobiliária tocaram no tecto e implodiram é que este governo quer rever a lei dos solos?! Ou muito me engano ou está em preparação um plano de expropriação das zonas periurbanas do país em larga escala, através dum mecanismo de chantagem que é a reclassificação dos solos para construção urbana futura.

Como previ, depois de venderem os anéis, depois do saque fiscal em curso e que vai agravar-se, e antes de roerem os seus próprios dedos, os partidos e a burocracia da degenerada democracia portuguesa preparam-se para tomar de assalto a propriedade privada rural, para daí obter novas fontes de financiamento para os municípios. Pode ser o princípio duma guerra civil!

POST SCRIPTUM — gostava de saber o que é que o senhor Passos de Coelho e a rainha de Boliqueime têm a dizer sobre isto?

domingo, setembro 05, 2010

Agressores sexuais finalmente condenados



Pedofilia
entre a ditadura e a democracia há coisas que não mudaram

Em 1967 rebentou o escândalo sexual conhecido por Ballet Rose (ver artigo de José Maria Martins). Sete anos depois a ditadura caiu. Mas nem os Pides, nem boa parte dos protagonistas do regime, nem os pedófilos foram molestados. Até hoje!

O problema maior da pedofilia não se prende tanto com as práticas sexuais em si (embora façam delirar a populaça e os média), mas antes com a agressão sexual, com a violência física, por vezes extrema, sobre miúdos impotentes,  e com a chantagem económica sobre os mais fracos —levado a cabo por gente impune e acima de qualquer suspeita, sob o olhar conivente das polícias, dos tribunais, e dos governos.

A pedofilia andou escondida durante décadas, ou séculos, sob as saias do poder, religioso e laico. A exposição mediática recente tem pelo menos o mérito de traçar um risco de giz no chão. De um lado estão os cobardes, os amorais e os criminosos de sempre. Do outro, quem se indigna e exige perseguição e castigo dos criminosos. No meio fica uma classe político-partidária indigente que não merece o que lhe damos.

Portugal é um país falido, sobretudo no plano moral. Alguém cobrará os juros devidos. Não tenhamos dúvidas disso. E tal como disse Catalina Pestana, também eu mantenho a convicção de que Paulo Pedroso só não se sentou no banco dos réus porque foi protegido por boa parte da classe política portuguesa —para minha maior vergonha— de esquerda!

Documentário da TVI 
Relato da SIC sobre as tentativas de impedir a prisão de Paulo Pedroso

Rumos — 2

Falei na semana passada no enorme stock de habitações construídas, mais de 600.000, que em todo o país aguardam comprador, paralisando toda a cadeia da construção civil, com imediatas repercussões para as autarquias as quais se privam das taxas respectivas.

Qual a fundamentação para o país ter conseguido tão poderoso canal de financiamento da mais de 4.000.000 de fogos ao longo de 25 anos? Como se conseguiu construir e vender mais de 150.000 fogos anuais quando a população portuguesa está estabilizada? O ano passado já nasceram menos de 100.000 portugueses e já morreram mais do 100.000. Os programas de realojamento de bairros degradados e históricos absorveram certamente mais de 1.000.000 de fogos ao longo destes anos, mas concluíram a sua missão. O enorme êxodo dos novos licenciados e profissionais que ocorreu do interior para o litoral, Lisboa e Porto, também se pode considerar já estabilizado. Ao todo terão sido responsáveis por uma procura de cerca de 60.000 habitações por ano, talvez 1.500.000 ao todo. A politica de favorecimento estatal, municipal e bancário da segunda casa, para férias no Litoral, poderá ter sido responsável por mais uns 600.000 fogos. A elevada taxa de divórcios propiciou a entrada no mercado de mais um indeterminado número de fogos, sendo agora a tábua de salvação dos promotores.

Os centros históricos vão-se esvaziando, não se adaptando ao perfil da procura, enquanto crescem os centros periféricos. Agora que quase todas essas fileiras estão paralisadas, a construção sobreviverá se encontrar novos caminhos. As unidades de turismo anual ou sazonal poderão ser um sucesso em zonas de interesse lúdico cultural ou balneário. Tem-se falado muito no mercado da reabilitação urbana. É uma ilusão. Os altíssimos custos de construção (na reabilitação) e os recentes entraves normativos e legais fazem deste mercado um nicho insignificante e de rentabilidade duvidosa. A nossa economia sairá forçosamente da construção civil. Os actuais modelos de crescimento estão esgotados.

Frederico Brotas de Carvalho

terça-feira, agosto 31, 2010

Rumos — 1

NOTA PRÉVIA: este texto não é meu, mas sim de Frederico Brotas de Carvalho, um amigo com quem partilho há já alguns anos diálogos frutuosos sobre a crise portuguesa, os meandros da politiquice e as possíveis saídas para o bloqueamento do país. É pois com enorme prazer que aqui publicarei um conjunto de reflexões suas —sob o título “Rumos”— ao longo das próximas semanas. — O António Maria.

Muitas vezes interroguei o alto nível de vida que registávamos nas cidades. Exportamos menos do que importamos. Produzimos menos que consumimos. Se o modelo é desequilibrado qual o mecanismo que promove o seu equilíbrio e a alimentação dos circuitos de redistribuição?

Nos últimos 30 anos terão sido construídos e vendidos em Portugal mais de 4.000.000 de fogos com recurso ao crédito à habitação. Os 308 municípios através dos seus PDM’s aprovados e revistos viabilizaram 10.000.000 de fogos com cerca de 35.000.000 de camas para uma população que se sabia não iria aumentar até 2015.

A banca recorreu sistematicamente ao financiamento externo e hoje sabe-se que a dívida privada supera os 120% do PIB, ou os 200.000.000.000€.

Foi precisamente este canal de endividamento que assegurou o fluxo financeiro e os altos níveis de consumo nas áreas urbanas e que polarizou 80% dos portugueses num litoral desordenado.

Nascem e morrem aproximadamente 100.000 portugueses por ano. Sob um fluxo uniforme há um mercado avaliado em 60.000 novos fogos por ano. Contabilizam-se por vender mais de 600.000 fogos pelo lado do parque da oferta.

Significa isto que de uma forma mais ou menos adaptável teremos um stock de 10 anos de fogos por estrear. Toda a cadeia de promoção vai bloquear.

Qual era até agora o modelo de criação de riqueza?

Os municípios desagregavam terreno rural para terreno urbano, nos PDM’s, promovendo uma súbita multiplicação administrativa de valor de 1 para 30. O terrenos loteados eram vendidos com recurso ao crédito. Os construtores construíam também a crédito. Com lucros globais até 50% a propriedade horizontal era por fim vendida, com recurso a um ultimo crédito que cobria confortavelmente todos os precedentes. O que exportávamos em contrapartida? Hipotecas. Essa cadeia quebrou-se. Os municípios são já os primeiros a sentir brutalmente a paralisação do sector, não auferindo as taxas de urbanização. A seguir toda a sociedade vai sentir  o fecho deste canal. A implicações são imensas. Não esqueçamos que 85% do pão que comemos ao pequeno almoço é importado.

Frederico Brotas de Carvalho

domingo, agosto 29, 2010

China 2015

Que fazer?

Risco de bancarrota: Semana cinzenta para os PIIGS
O grupo de países designados pejorativamente por PIIGS (acrónimo humorístico para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) viu as probabilidades de incumprimento da dívida soberana dos seus membros num horizonte de cinco anos aumentar significativamente esta semana, de acordo com o monitor da CMA DataVision. —Expresso, 28 Ago 2010.

Na guerra surda que os Estados Unidos e a Inglaterra têm vindo a promover contra a moeda única europeia (leia-se contra a Alemanha), ajudadas pelas agências de notação e analistas anglo-americanos (como o CMA) —que agem como verdadeiros comandos avançados de sabotagem financeira— o objectivo de fundo é o mesmo que levou às duas sucessivas invasões militares do Iraque e à preparação em curso de um ataque possivelmente nuclear ao Irão: impedir o fim da supremacia do dólar (a que a libra inglesa está agarrada como uma lapa) enquanto moeda de reserva do comércio mundial. Sem esta seringa financeira, através da qual os Estados Unidos extraem riqueza de praticamente todas as nações do planeta, o império anglo-saxónico (coadjuvado ou não pelo lóbi judaico e Sionista) implodiria em menos de uma década.

Em vez da colonização presencial directa de outros tempos, a existência de uma moeda imperial sem controlo desde 1971 (pois deixou de ser convertível em ouro ou em qualquer outro valor de referência), permitiu desenvolver uma catadupa de mecanismos puramente financeiros de extracção das mais-valias geradas pelo trabalho mundial —cujo produto, sem excepção, é transaccionado globalmente (enfim, com poucas excepções até agora) na moeda americana. Da especulação monetária mais desenfreada, de que o yen carry trade foi, nos últimos 15 anos, o paradigma e ao mesmo tempo o segredo de polichinelo mais bem guardado do Mercado Internacional de Divisas (FOREX), até à pirâmide especulativa virtualmente infinita do mercado nocional de derivados financeiros (com um potencial destruidor equivalente a 20x o PIB mundial), assistimos nos últimos 40 anos à tentativa desesperada dos Estados Unidos e da Inglaterra, potenciados logicamente pelo lóbi judeu-americano (AIPAC, Goldman Sachs, Ben Shalom Bernanke, George Soros, etc.) para manter-se no topo de uma divisão internacional do trabalho que verdadeiramente deixaram de controlar ou merecer.

As economias americana e inglesa, assim como boa parte das economias europeias (excepção feita, claro está, da Alemanha), à medida que os países ricos em petróleo, gás natural e outras matérias-primas fundamentais, ganharam espaço de manobra para proteger a soberania dos respectivos recursos, enveredaram por um modelo de crescimento basicamente ancorado no endividamento, na especulação bolsista, no crescimento artificial e insustentável da procura interna, e ainda na destruição suicida dos respectivos tecidos produtivos —sobretudo o industrial. Esta lógica pseudo-keynesiana levou quase todos os estados da OCDE, pela via irresponsável do chamado deficit spending, a uma crise sem precedentes das respectivas dívidas soberanas (ver mapa). E conduziu também a um crescimento enganador, e por vezes meramente bolsista, de grandes empresas (energéticas, de obras públicas, e bancárias, entre outras) através dos mais diversos e complexos esquemas de alavancagem financeira.

O problema grave desta deriva especulativa é que um tal modelo de substituição da economia real por uma economia virtual não resistiu à prova dos factos. Os campos magnéticos da levitação incontrolada da moeda americana, cuja multiplicação e velocidade de circulação descolaram de qualquer realidade física —ouro, notas ou qualquer outro papel impresso—, precipitando-se no buraco negro do infinito matemático gerido pela computação ubíqua, não poderiam se não implodir no momento em que os países ricos em energia fóssil, minérios, alimentos e mão de obra barata abandonassem a sua fidelidade ao dólar americano —como efectivamente teve início a partir do momento em que Saddam Hussein começou a fazê-lo (1), ou mais recentemente (2007), quando o Irão anunciou a criação da Iranian Oil Bourse, destinada a comprar e vender petróleo e respectivos derivados a partir de um cesto de moedas fortes (entre elas o euro) excluindo expressamente a moeda americana.

China ready to end dollar peg
The head of China’s central bank has given the strongest signal yet that the country will move away from pegging its currency to the dollar, but he said any changes would be gradual. —Telegraph (06 Mar 2010).

McDonald’s Corp.’s yuan bond sale, the first by a foreign company in Hong Kong, may pave the way for a new global debt market as China seeks to capitalize on its status as the engine of the world’s economic recovery.
McDonald’s, which opened its first 1,000 restaurants in China faster than any other country outside the U.S., sold 200 million yuan ($29 million) of 3 percent notes due in September 2013. Bentonville, Arkansas-based Wal-Mart Stores Inc., the world’s largest retailer, said in March it was considering selling bonds in yuan. —Bloomberg (Aug 20, 2010).

Não creio que seja teoria da conspiração deduzir uma coisa muito simples do presente ataque anglo-americano à moeda única europeia, instrumentalizando as agências de notação financeira como unidades avançadas de sabotagem: antes de arriscar a invasão do Irão e uma mais do que provável guerra mundial, os Estados Unidos e a monarquia de piratas a que se reduziu nas últimas décadas o Reino Unido, com o precioso auxílio de agentes infiltrados ao mais alto nível na Comissão Europeia, desencadearam uma manobra de larga escala destinada uma vez mais a isolar a Alemanha e a destruir a mais séria ameaça ao falido império da nota verde: o euro!

Mas assim como a China avisou em tempos a América que não toleraria a interrupção do fornecimento de petróleo oriundo do Médio Oriente, e em particular do Irão, e a Rússia reduziu drasticamente o cerco do Mar Cáspio por parte dos EUA, também agora, face ao ataque desencadeado contra o euro pelas falidas economias americana e inglesa, a China mostrou estar disposta a ajudar a União Europeia, comprando dívida grega, comprando dívida espanhola, mas acima de tudo garantindo que não deixará cair o euro abaixo de 1 dólar e vinte cêntimos. Para nota falsa —o dólar americano já chega!

O Brasil (2), a Rússia e a China (e o próprio Japão) coincidem na necessidade de travar o ímpeto provocatório dos Estados Unidos e da rainha pirata relativamente ao Irão. Também se verá no futuro como a mesma China (e o Japão) quererão assegurar a paz e a amizade comercial no Atlântico, sobretudo nas margens da Europa e ao longo e todo o sub-continente americano a Sul da Guatemala. O braço de ferro com Washington vai pois continuar, para ver quem cede primeiro, se a Califórnia ou Portugal!

A Alemanha, a China e alguns países árabes funcionarão como um colete de salvação das dívidas soberanas dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e 'Spanha), mas os dolce far niente do Club Mediterranée (França incluída) têm que começar a fazer alguma coisa para merecer tanta solidariedade interessada.

E quanto aos portugueses, não será deixando prosseguir o espectáculo confrangedor propiciado pelo actual regime partidocrata, que alcançaremos tão necessário objectivo. É preciso reestruturar a democracia. Mas sobre isto se escreverá no próximo postal.


NOTAS
  1. This internet-based debate is reminiscent of what occurred before the invasion of Iraq when several observers, myself included, hypothesised that Saddam Hussein’s decision to sell Iraqi oil in euros was perhaps one of the reasons the US wanted ‘regime change’.  The US decision after the invasion to return Iraqi oil sales to dollar denomination and to convert back into dollars all Iraqi foreign currency reserves, which had been in euros prior to the war, was certainly entirely consistent with this theory. — in Trading oil in euros – does it matter?, by Cóilín Nunan (Jan 29 2006).
  2. A China passou em apenas cinco anos, de terceiro para primeiro parceiro comercial do Brasil. Historicamente, desde a colonização portuguesa, que o principal parceiro comercial do Brasil é ou acaba por ser a primeira potencial económica mundial. A sucessão é pois a seguinte: Portugal (322 anos), Reino Unido (123 anos), Estados Unidos da América (65 anos) e... China. Entretanto, o PIB chinês acaba de ultrapassar o PIB japonês, fazendo da China a segunda potência económica mundial. Segundo os chineses, que são muito supersticiosos, chegarão à posição de primeira potência mundial no ano de 2015 — o ano mágico da rotação do centro de gravidade dos impérios, que serve de leitmotiv a esta reflexão.

    China ultrapassa EUA como maior parceiro comercial do Brasil
    EDUARDO CUCOLO
    da Folha Online, em Brasília

    A China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, deixando para trás os EUA, segundo dados da balança comercial brasileira de abril.

    De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, a soma das exportações e importações para o país asiático chegou a US$ 3,2 bilhões em abril, acima dos US$ 2,8 bilhões verificados no comércio com os EUA.

    Em março, a China já havia ultrapassado os EUA em relação às exportações brasileiras. Em abril, essa vantagem aumentou. Agora, a China responde por 13% das vendas do Brasil para o exterior. Os EUA, por 11,3%.

    Outra mudança ocorrida em abril é que, pela primeira vez, a Ásia se tornou o continente que mais compra produtos brasileiros, com cerca de 30% do total exportado.

DA IMPRENSA RECENTE (em 2010-08-30)
  • Trichet Says Failure to Cut Government Debt Risks `Lost Decade'
    By Simon Kennedy - Aug 27, 2010 11:45 PM GMT+0100

    European Central Bank President Jean-Claude Trichet said governments risk a “lost decade” of weak economic growth if they delay reversing the surge in public debt triggered by the financial crisis.

    “The lesson from past history is that dealing with the legacy of accumulated imbalances is not simply a duty to be fulfilled after the economic recovery, but rather an important precondition for sustaining a durable recovery,” Trichet said yesterday in a speech at the Kansas City Federal Reserve Bank’s annual monetary symposium in Jackson Hole, Wyoming. “The primary macroeconomic challenge for the next 10 years is to ensure that they do not turn into another ‘lost decade.’”

    Trichet’s call for immediate fiscal austerity comes three months after he sought to protect the euro area from a spiraling debt crisis. His view also clashes with President Barack Obama’s preference to focus on spurring growth.  — Bloomberg.
     
  • BOE's Weale says U.K. risks double dip: report
    By William L. Watts

    LONDON (MarketWatch) -- The British pound was under pressure Tuesday after Martin Weale, a member of the Bank of England's rate-setting Monetary Policy Committee, warned in a newspaper interview that Britain runs the risk of slipping back into recession. Weale, the newest member of the committee, told The Times newspaper that it would be "foolish" to rule out the possibility of a double-dip recession. The pound traded at $1.5396 versus the U.S. dollar, down 0.6% from Monday. — Market Watch (Aug. 24, 2010).

  • USA : une "menace" pour la zone euro
    La principale menace pour les économies de la zone euro vient des Etats-Unis, a déclaré mercredi la ministre française de l'Economie, Christine Lagarde, dans un entretien à Reuters. — Le Figaro/ Avec Reuters (25/08/2010).

    NOTA: Parece haver um estratégia em tenaz por parte dos alquimistas da Reserva Federal americana e da Goldman Sachs. Por um lado, atacam seletivamente as dívidas soberanas da União Europeia, por forma a enfraquecer a moeda única e com isso manter as taxas de juro de referência a níveis historicamente baixos, impedindo por estas duas vias que o euro possa constituir-se em moeda de reserva alternativa ao dólar americano. Por outro, continuam a endividar-se à grande e à francesa, atirando com tal política o dólar para limiares que supostamente tornam mais atractivas as exportações americanas e, ao mesmo tempo, impedem o Japão de reactivar o seu silencioso e muito destrutivo yen carry trade. A moral da história parece ser esta: se o Yuan e o Yen não vêm até nós, vamos nós ter com eles! Resultado: uma, duas, ou três décadas de estagnação por esse mundo fora! No fundo, talvez seja mesmo impossível escapar a este ajustamento por baixo da economia mundial. As consequências para as pessoas é que serão terríveis. À medida que as empresas e os governos forem despedindo as pessoas e reduzindo ao mínimo os seus direitos sociais, jornais e televisões de todo o mundo irão cantando hinos aos milagre da multiplicação dos lucros! Alguém saberá, na verdade, desatar este nó?
Enhanced by Zemanta

domingo, agosto 22, 2010

Portugal: 1415-2015

Castelo São Jorge da Mina, Gana (mandado construir por D. João II, ca.1486)

O fim de um ciclo muito longo

O impasse actual do nosso regime democrático não resulta apenas, nem sobretudo, da corrupção que alastra sem vergonha nem punição, da incompetência quase demencial dos partidos, da esfinge inútil colocada na presidência da república, da overdose alucinogénica do euro, nem sequer da tradicional indolência de um povo que sempre preferiu emigrar antes de explodir ou escolher um tirano iluminado. O que começa de facto a pesar sobre a integridade e definição do meu país é o fim dum ciclo de 600 anos de sustentação e equilíbrios de poder. O que porventura já começou é um colapso histórico sem precedentes cuja mitigação exige muito mais do que o actual regime é capaz de dar.

Este ciclo de vida nacional é, resumindo, aquele que medeia entre a consolidação da nossa fronteira ibérica e a exaustão dos recursos estratégicos que lhe deram sustentação a partir da aliança firmada entre John of Gaunt, primeiro Duke of Lancaster, e João I de Portugal (1). A formação do império colonial português, um dos mais extensos e duradouros de quantos houve, começou verdadeiramente nesta aliança que, por outro lado, viria a contribuir decisivamente para resolver, até hoje, o problema do bloqueio muçulmano do Mediterrâneo. Só as potências atlânticas, antes e depois da colonização das Américas, estavam e continuam a estar em posição de compensar os cortes de comunicações, por terra ou pelo Mediterrâneo, entre o Ocidente e o Oriente. O posicionamento de charneira do Islão, entre o Oriente e o Ocidente, foi também a sua maior fraqueza. Ficou por outro lado claro, desde a Reforma Luterana, que a Alemanha, pela sua interioridade continental, nunca foi capaz, nem poderá sê-lo no futuro, de chamar a si o centro de gravidade da força estratégica necessária à preservação da cultura greco-latina sobre a qual assenta o essencial da identidade civilizacional do Ocidente.

O império colonial português teve início na conquista de Ceuta em 1415, no ano da morte da rainha —a inglesa Filipa de Lencastre— que tudo fez para que o grande projecto atlântico europeu tivesse lugar. A falta de conhecimentos de economia e de estratégia da esmagadora maioria dos nossos historiadores tem infelizmente gerado uma cortina de enganos e ilusões sobre as origens e causas efectivas da persistência de uma nação com quase 900 anos, mas cuja sobrevivência parece agora condenada à inexorável dissolução numa união europeia de destino incerto. Portugal levou apenas 50 anos a definir as suas fronteiras, teve o primeiro grande sobressalto com Castela em 1385 (Batalha de Aljubarrota), ficou sob domínio castelhano durante 60 anos (1580-1640), e hoje, depois de se ter retirado de todas as antigas colónias e concessões, tem pela frente um novo e fundamental problema de definição e sustentação estratégica. Como travar a velha Castela, agora uma monarquia decadente à beira da desintegração, na sua incansável perseguição da preciosa porta atlântica: Lisboa? Tudo dependerá, pelo menos em parte, da nova e urgente triangulação estratégica que Portugal deverá estabelecer com o Brasil e Angola, no quadro de um posicionamento diplomático tão independente quanto possível —honest broker—, que é de nossa estrita conveniência adoptar na esfera da nova globalização que previsivelmente sucederá àquela que neste preciso momento implode com estrondo.

O problema é ainda mais sério, como se vê, do que teme Medina Carreira, e do que afirmam os recém convertidos economistas portugueses ao problema do nosso galopante endividamento —externo, público e privado. A aposta de Mário Soares na União Europeia foi seguramente o passo mais acertado da política portuguesa depois de uma inevitável, dolorosa e trapalhona descolonização. Mas se a União Europeia colapsar, por exemplo, na sequência de uma guerra nuclear no Médio Oriente, onde ficaremos perante uma Espanha que em menos de uma década ou duas poderá mergulhar num explosivo processo de desintegração? Terá Madrid, outra vez, a tentação de invadir Portugal? A Espanha detém cerca de 1/3 da nossa dívida externa (ver gráfico) e, por outro lado, Portugal encontra-se de facto em situação de pré-bancarrota. A probabilidade de até 2015 ser inevitável declará-la, ou, não a declarando (porque é humilhante), proceder-se à sua reestruturação é muito alta (2).

As guerras são sempre muito caras. Pela sua duração (1337-1453) e pelo que estava em causa, saber se a França e o Reino Unido poderiam ser um só país europeu, a Guerra dos Cem Anos foi seguramente uma das que mais custaram aos bolsos dos contribuintes de ambos os lados do Canal da Mancha. Uma das provas de que a deterioração da balança comercial inglesa foi uma coisa séria é, por um lado, a progressiva substituição da prata pelo ouro como metal financeiro, e por outro, a subida de valor deste ao longo da guerra (3).

Reparemos de novo nas datas:
  • em 1337 começa a guerra pela sucessão ao trono francês desencadeada pelo rei Edward III de Inglaterra, a qual duraria 23 anos (até 1360); 
  • sete anos depois, em 1344, começa a circular o Noble, a primeira moeda de ouro inglesa com efectivo valor monetário; 
  • entre 1373-1386 é estabelecida a aliança estratégica entre Inglaterra e Portugal, havendo que destacar aqui a contribuição das tropas inglesas para a derrota de Castela (que contava com tropas aliadas aragonesas, francesas e italianas) na decisiva Batalha de Aljubarrota, e o casamento de Filipa de Lencastre, irmã do futuro rei inglês Henrique IV, com o rei de Portugal, João I; 
  • em 1415, ano da morte da rainha portuguesa e mãe da chamada Ínclita Geração (Duarte, Pedro, Henrique, Isabel, João e Fernando), João I com os filhos príncipes e as suas tropas, auxiliados por soldados ingleses, galegos e biscainhos, tomam a cidade muçulmana de Ceuta, dando início, não a uma expansão pelo Mediterrâneo, como alvitraram António Sérgio e Vitorino Magalhães Godinho, mas sim pela costa ocidental de África, em demanda do ouro que comerciantes nómadas do deserto há muito faziam chegar a Marrocos e daqui à Europa (4).
Sem o ouro da Guiné (donde o nome da moeda inglesa guinéu), a sorte da Guerra dos Cem Anos teria sido provavelmente outra, bem como o destino de Portugal e da mais antiga aliança estratégica entre dois países.

1415 é não apenas a data do início da grande expansão marítima europeia, iniciada pelo estado português, e a que rapidamente se juntaram outras nações europeias, mas também, por assim dizer, o ano de colapso da grande marinha comercial e militar chinesa por ordem de um imperador assustado com a pressão mongol a Norte da China. A circum-navegação do império Otomano e o colapso da expansão chinesa no Índico permitiram a uma Europa que rapidamente se desenvolvia, alavancada pelo nascente sistema financeiro, uma acumulação de riqueza sem precedentes, entre outras razões porque lhe foi quase sempre possível impor aos outros povos os termos de troca, e nalguns casos mesmo a pilhagem pura e simples, em virtude da sua superioridade militar e sofisticação cultural. Sem o ouro, sem os escravos, sem as especiarias, sem as sedas e pedras preciosas, sem chá, nem café, nem tabaco, sem o açúcar, o milho, ou a batata, que teria sido dos europeus? Ora bem, a descolonização mundial e a OPEP vieram mudar toda esta longa e frequentemente sanguinária safra!

A mais justa redistribuição dos recursos disponíveis por uma humanidade que entrara numa curva de crescimento demográfico exponencial é uma condição irrecusável do mundo actual, sobretudo à medida que novos países emergem da sua antiga condição de menoridade e começam a impor de facto condições às velhas potências dominantes. O embaraço conjunto dos Estados Unidos e da Europa perante as exigências crescentes dos grandes detentores de recursos energéticos, minerais, alimentares e laborais do planeta, já para não sublinhar o poder financeiro extraordinário que têm hoje países como a China, são sinais evidentes de que um longo ciclo civilizacional chegou ao fim.

No caso de Portugal a equação é simples: onde estão o ouro, o algodão, as especiarias, as sedas, o café, as madeiras extraordinárias, o petróleo e os diamantes que alimentaram seis séculos de prosperidade relativa, e sobretudo um certo estilo de improvisação social e institucional? Mais, onde está a mão de obra barata que outrora permitiu disfarçar a nossa falta de organização e de ciência? Alguém se deu já ao trabalho de calcular o nosso actual potencial produtivo e de poupança tendo em conta os recursos objectivamente disponíveis. Que modelo de desenvolvimento poderemos no futuro efectivamente suportar e garantir sem cairmos numa qualquer forma de escravidão?

É por termos fechado um ciclo muito longo de modelo civilizacional que não faz qualquer sentido reduzir os desafios que temos pela frente às actuais querelas partidárias. A insanidade actual dos partidos políticos portugueses é mais um sintoma do grande colapso que se aproxima, do que a sua causa eficiente. Acantonar a discussão necessária dos problemas no pingue-pongue entre o pobre Sócrates e o atordoado Passos de Coelho sobre se é preciso subir impostos ou cortar despesas é uma criminosa perda de tempo. No imediato, é evidente que são necessárias medidas imediatas de contenção da hemorragia financeira que em breve levará o país ao prego. Terão que subir e muito alguns impostos (por exemplo, o IVA), e terão que encerrar todos os serviços públicos redundantes ou que não traduzam a realização duma missão imprescindível do Estado (surgindo daí novas oportunidades para os sectores empresarial e cooperativo.) Ao mesmo tempo que estas decisões drásticas e difíceis são tomadas, medidas claras de moralização e justiça devem igualmente ser adoptadas, a começar pela eliminação dos escandalosos privilégios de que goza a casta incompetente dos políticos.

Mas uma verdadeira resposta à crise exige o enquadramento das análises, dos cenários e das soluções, à luz duma visão global dos problemas. Porque é de globalização que estamos efectivamente a falar, desde 1415!

NOTAS
  1.  Em 1373 foi assinado o Pacto de Tagilde, e em 1386 celebrou-se o Tratado de Windsor, ambos fazendo parte daquilo que se chama a Aliança Luso-Britânica. A última vez que a Aliança foi invocada ocorreu em 1982, durante a Guerra das Malvinas (ou Falklands), para uso das facilidades aeroportuárias dos Açores, por sua vez obtidas pelos aliados anglo-americanos por iniciativa de Winston Churchill, em 1942.
    "I have an announcement", I said, "to make to the House arising out the treaty signed between this country and Portugal in the year 1373 between His Majesty King Edward III and King Ferdinand and Queen Eleanor of Portugal." I spoke in a level voice, and made a pause to allow the House to take in the date, 1373. As this soaked in there was something like a gasp. I do not suppose any such continuity of relations between two Powers has ever been, or will ever be, set forth in the ordinary day-to-day work of British diplomacy — Winston Churchill, Second World War, pp 146-7. Wikipedia.
  2. "O grupo de países designados pejorativamente por PIIGS (acrónimo humorístico para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) viu as probabilidades de incumprimento da dívida soberana dos seus membros num horizonte de cinco anos aumentar significativamente esta semana, de acordo com o monitor da CMA DataVision." — in Expresso, 28 Ago 2010.
  3. O esforço de guerra britânico em compra de alianças, custos da interdição de exportações de lã para a Flandres, e outros desequilíbrios na balança comercial, pressionaria a necessidade de cobrir os défices com pagamentos em moeda metálica. Quanto mais valiosa fosse a moeda metálica, menos metal teria que ser exportado e menos caras seriam também as operações de transporte do metal precioso. Daí a necessidade de substituir a prata pelo ouro. Foi isso que os monarcas ingleses começaram a fazer, apesar das várias tentativas falhadas e resistência interna pouco depois de iniciado o ciclo de guerras que viria a ser conhecida por Guerra dos Cem Anos. Por causa dos óbvios efeitos inflacionistas causados por uma nova moeda forte —o mesmíssimo fenómeno que ocorreu entre nós com a introdução do euro— os preços subiram, incluindo, claro está, o preço do ouro! Datam de 1252 as primeiras tentativas (Gold penny) de introduzir moedas de ouro em Inglaterra, mas foi em 1334, isto é, três anos antes da primeira guerra entre ingleses e franceses, a chamada Edwardian War (1337-1360), que a primeira moeda de ouro começou efectivamente a circular em terras britânicas. Chamava-se Noble, teve 4 cunhagens e durou até ser substituído em 1465 pelo famoso Angel (1465-1663), que por sua vez daria lugar ao Guinea (1663-1813). Um Noble pesava 138,5 gr, entre 1344 e 1346; 128,5 gr, entre 1346 e 1351; 120 gr., entre 1351 e 1377. O impacto da guerra na necessidade de obter ouro não poderia ser mais evidente.
  4. Dois motivos principais aconselharam em 1373-1386 a aliança entre ingleses e portugueses: um foi o facto de o acesso ao ouro do Oriente e de África, essencial para suportar os custos da Guerra dos Cem Anos, depender do acesso ao Mediterrâneo, fosse para chegar ao Norte de África, fosse para caminhar em direcção ao Oriente por terra, o que implicaria a impossível autorização da França, com quem a Grã Bretanha iniciara uma grande guerra; o outro, foi o conhecimento de que o Golfo da Guiné, sobretudo no actual Gana, dispunha de grandes recursos em ouro e escravos —duas componentes imprescindíveis ao modelo de crescimento económico que se perfilava no horizonte. Ceuta fica em frente a Gibraltar, então sob soberania castelhana, pelo que são posicionamentos estratégicos no controlo das entradas e saídas do Mediterrâneo. Hoje Espanha controla (vamos a ver por mais quantos anos) a outrora praça forte portuguesa de Ceuta. Não é pois por acaso que o Reino Unido não larga Gibraltar desde que teve oportunidade de deitar-lhe mão, em 1704, no decurso da Guerra de Sucessão Espanhola. Poder-se-à perguntar porque é que os povos mediterrânicos se não aventuraram há mais tempo na exploração da costa atlântica de África, tendo deixado aos portugueses o privilégio da iniciativa. Por incrível que pareça há uma razão geológica de fundo: as correntes superficiais do Atlântico entram pelo Mediterrâneo adentro a uma velocidade de 3 nós, causando inúmeros perigos à navegação entre os dois mares, precisamente no socalco submarino existente ao longo de todo o estreito de Gibraltar. O Mediterrâneo é um mar quente que evapora mais depressa do que o Atlântico, ficando por isso e ciclicamente abaixo do nível deste. Pelo princípio dos vasos comunicantes o Atlântico é assim levado a invadir o Mediterrâneo com gigantescas massa de água deslocando-se a três milhas náuticas por hora — o que é muito, se considerarmos que as caravelas atingiam então velocidades médias inferiores a 12 milhas náuticas por hora.

Última actualização: 29 Agosto 2010