sexta-feira, novembro 05, 2010

EDP no vermelho

EDP entrou no túnel sem saída do endividamento



A EDP, tal como o Governo, anuncia lucros onde a ruína ameaça de forma cada vez mais evidente. Mexia e Sócrates são feitos da mesma massa de vendedores de banha da cobra. Um dia destes descobrimos que, afinal, a EDP está falida, tal como a Caixa, o BCP, o BES, e o País!

Os dados objectivos da EDP, em 30 de Junho de 2010 (constam do Relatório de Contas acessível no respectivo sítio web) são estes:

Dívida Líquida = 16.107.900.000 €
Total dos Passivos Não Correntes = 21.799.817.000 €
Total Passivo = 29.882.974.000 €

Mexia faz conferências de imprensa como Teixeira dos Santos, para dizer que tem lucros, e que por isso, consegue financiamento nos mercados. Mau sinal! O ritmo das conferências irá certamente aumentar, para disfarçar o embaraço crescente, mas os resultados das safras irão rapidamente começar a empalidecer, tal como vem acontecendo com a dívida soberana portuguesa.

Há muito que venho chamando a atenção para o endividamento do país: Estado, bancos, empresas públicas (TAP, CP, RTP, Carris, Metro) e EDP. Os nossos economistas políticos andaram a dormir na forma quando lhes gritava aos ouvidos para olharem para a dívida pública e para a dívida externa. Agora ainda não acordaram para o endividamento das empresas estratégicas do país. Tal como os carros com mais de 4 anos, os economistas deveriam ser obrigados a fazer revisões anuais das suas faculdades de juízo.


POST SCRIPTUM
8-11-2010 — "BCP e EDP têm muito a ganhar com accionistas chineses".
Não foi preciso esperar mais do que uns dias para confirmar o que acima se escreveu, reiterando o que temos vindo a escrever sobre a EDP desde Março de 2009. A compra de 2% da EDP pela China é a confirmação de que a EDP, com o seu altíssimo grau de endividamento, não passa dum gigante com pés de barro, muito apetecível para uma país como a China.

terça-feira, novembro 02, 2010

Mr Hu Jin Tao

Retribuir a concessão de Macau

Deveríamos negociar uma concessão territorial à China, por 100 anos (porque não, nos arredores de Sines ou Beja, ou mesmo da Costa da Caparica), em troca do financiamento parcial da dívida externa portuguesa e de investimentos localizados no nosso país — sobretudo no sector portuário e ferroviário.

Os chineses poderiam financiar e explorar por um período de 50 anos o novo porto de águas profundas no "Fecho da Golada" (Trafaria), provavelmente o mais estratégico dos investimentos que Portugal poderá fazer nas próximas décadas, a par da ligação prioritária da sua rede ferroviária de transporte de passageiros e mercadorias ao projecto de interoperabilidade da rede ferroviária europeia de Alta Velocidade e Velocidade Elevada em bitola internacional, actualmente numa fase adiantada de concretização.

A China precisa do Atlântico como do pão para a boca. E quer ter na Europa um aliado estratégico na sua cavalgada para se posicionar entre 2015 e 2020 como primeira potência económica e financeira mundial, com uma capacidade de defesa militar estratégica e táctica à prova de provocações. Ora se precisa da Europa e do Atlântico, precisa de Portugal!

A China é do signo Peixes, tal como Portugal! Ou seja, é um povo de formigas, mas de formigas tão ao mais individualistas que as formigas lusitanas — daí que, sem governos fortes, tendam para a dispersão e a perda de rumo. Têm o gosto pela aventura e pela emigração. Gostam de trabalhar, têm espírito de iniciativa, são evasivos e subtis ao mesmo tempo, são excelentes comerciantes, como qualquer galaico-lusitano de gema. A única coisa importante que nos diferencia é a mudança do ciclo histórico. Mas se soubemos conviver e traficar com eles durante 446 anos, porque não saberemos agora renovar o pacto de cooperação por mais uns séculos?!

Eu nasci em Macau e tenho um apelido que só há pouco anos os portugueses começaram a soletrar e escrever sem erros (Cerveira). Talvez por estes dois episódios sempre me senti mais como um cidadão do mundo, do que como português do Norte, ou mouro de Lisboa. Talvez por este cosmopolitismo quase genético, me atrevo a propor ao meu país um acto de ousadia estratégica e imaginação: renovar o pacto de amizade e cooperação com a China por mais 400 anos!


POST SCRIPTUM

Estava errado: afinal China e Portugal não são do mesmo signo zodiacal, como em tempos escrevi. Portugal aparece reiteradamente anunciado como Peixes, mas a China moderna parece pertencer à constelação Caranguejo com ascendente em Balança... (30 jul 2012)

segunda-feira, novembro 01, 2010

Um caso de estudo

Tit for tat vence dilema do prisioneiro Sócrates



Portugal está na bancarrota. Pergunta: quem foi responsável por semelhante desastre e pelas pilhagens que contribuíram para este desfecho? Foi apenas o PS e quem o tomou de assalto, ou há que assacar também responsabilidades ao PSD, nomeadamente ao PSD de Cavaco Silva, de onde surgiram figuras tão pouco recomendáveis quanto Oliveira Costa e Dias Loureiro, possíveis cúmplices do maior assalto a uma instituição financeira (SLN/BPN) alguma vez praticado no nosso país?

A convicção popular reparte, ainda que de modo desigual, as responsabilidades do colapso em curso, pelos dois principais protagonistas do chamado Bloco Central que nos tem governado desde 1983.

Sendo embora evidente as especiais responsabilidades do PS e do mentiroso compulsivo José Sócrates na década de escondida estagnação e sobre endividamento que Portugal atravessou desde o início deste século, é também verdade que o decrescimento tendencial da nossa economia e a divergência relativamente à média europeia começou no início dos anos 90, ainda com o governo de Aníbal Cavaco Silva, que acabaria aliás por perder as eleições de 1995, no rescaldo da recessão de 1993 (1).

Foi esta percepção, e ainda a noção generalizada de que os demais partidos com assento parlamentar (CDS-PP, PCP e Bloco de Esquerda) não passam de contra-pesos do regime, incapazes, individualmente ou em qualquer coligação imaginável, de fazer qualquer coisa de útil pelo país, que acabou por induzir na consciência colectiva, e nas sondagens, duas convicções complementares, apesar de terríveis:
  1. que o equilíbrio de uma solução de emergência nacional para a crise aguda em que estamos teria que ter um larguíssimo apoio parlamentar;
  2. e que assim sendo, seria fatal como o destino um entendimento entre os dois maiores partidos, significando tal entendimento na prática uma óbvia concessão de maiores e mais decisivos poderes ao PSD —certamente antes do fim ou interrupção do actual ciclo legislativo.
Mas transformar este sentimento popular numa efectiva alteração do cenário político não é coisa fácil, sobretudo tendo presente a natureza burlona e golpista dos piratas que tomaram de assalto o PS e o Estado, e os foram esvaziando de conteúdo, autonomia e fundos.

Desde que António Guterres perdeu o controlo do seu próprio governo a favor da tríade de Macau, e com total descaramento, desde que o senhor Sócrates Pinto de Sousa foi colocado onde está, que a partidocracia vigente caminha de forma acelerada para uma cleptocracia, com tudo o que de suicida tal descarrilamento democrático significa. Estancar a hemorragia orçamental populista que alimentou e é propícia a favorecer rapidamente o colapso de qualquer regime democrático exige, antes de mais, expor, denunciar publicamente, e derrotar o verdadeiro exército de corrupção instalado em boa parte dos vértices do poder e que se espalhou como metástases de um cancro por toda a sociedade que depende da apropriação dos fundos comunitários e da pilhagem fiscal.

Ora, como não podia deixar de ser, os piratas resistem com tudo o que têm à mão a ceder as posições que ocuparam sob a capa do processo democrático. A cooperação entre os dois principais partidos com assento parlamentar é mais do que nunca necessária, mas o poder mafioso existente fez e fará tudo para torpedeá-la.

Passos Coelho apercebeu-se, felizmente a tempo, desta fatalidade do comportamento adversário, o qual queria impor ao PSD uma submissão pura e simples aos seus desígnios, em troca de uma partilha subreptícia dos negócios ruinosos em curso, e do banquete orçamental. Para tal manobra, Sócrates e a tríade de Macau contaram aliás com vários apoios laranjas, do intriguista-mor do reino, Marcelo Rebelo de Sousa, até aos mais chegados, e felizmente exonerados, conselheiros do actual líder do PSD: Ângelo Correia e António Nogueira Leite.

Como aqui se recomendou sempre, a melhor estratégia para lidar com esta verdadeira conspiração seria manter bem alta a perspectiva de uma rejeição do orçamento do PS por parte do PSD, deixando Sócrates, a tríade e o próprio Cavaco entregues ao bluff anunciado de uma demissão do governo.

O PSD, apesar de ter culpas no cartório, não é responsável pelo agravamento extremo da situação económica e financeira a que a pirataria e a mentira do governo Sócrates conduziram o país. E por isso, só um tolo, suicida, ou vendido, aceitaria comungar com o PS as responsabilidades pela dita bancarrota. O dilema do prisioneiro estava assim criado, e o jogo da mais extraordinária negociação política dos últimos tempos iria ter finalmente lugar.

Eduardo Catroga, que o anti-ético conselheiro de estado e intriguista-mor do reino "professor Marcelo" apelidou este Domingo, em tom pejorativo, de "avozinho" e "Avô Cantigas", liderou de forma absolutamente brilhante uma equipa de negociadores que acabaria por derrotar por KO humilhante o capacho Teixeira dos Santos, e por via deste capacho, esse quisto do regime que é necessário lancetar quanto antes: José Sócrates Pinto de Sousa. Não vou descrever a cronologia deste Tit for tat, mas foi tão extraordinário e emocionante que espero venha a ser objecto de uma tese de mestrado ou doutoramento sobre como a arte de negociar pode salvar um regime à beira do colapso de um suicídio mais do que plausível.

O dilema do prisioneiro ainda não chegou ao fim, mas tudo indica que quem verdadeiramente assaltou o pomar é já conhecido de todos. Só falta mesmo que as autoridades policiais tomem conta do caso, e antes disso, que os socialistas recuperem as rédeas do PS. A desautorização flagrante das palavras do capacho Teixeira dos Santos, isto é, a desautorização flagrante do chefe do governo e ainda secretário-geral do PS, José Sócrates, por parte de Francisco Assis, assinalam não apenas a dimensão quase esmagadora da vitória de Eduardo Catroga e Passos Coelho, mas também o início da limpeza doméstica que o Partido Socialista terá que fazer rapidamente se quiser estar à altura das circunstâncias extremas que aí vêm — e que também dele exigirão cooperação e responsabilidade.

A realidade é o que é. E no que se refere às próximas eleições presidenciais, os dados estão lançados, e os resultados antecipados já são conhecidos: Cavaco Silva, apesar de provavelmente sofrer de doença grave, será reconduzido eleitoralmente no cargo, deixando para trás uma colecção de candidatos impossíveis de levar a sério. Mas assim como os partidos precisam todos de uma grande limpeza interna e de arejar as respectivas ideias, éticas, metodologias e programas, também a presidência da república terá que aproveitar as próximas eleições para estancar as tendências cesaristas que crescem na sua Casa Civil. A situação do país não se compadece com menos.

Prevejo há muito a necessidade de formação dum governo de grande coligação (PS-PSD-PP) antes ou depois da reeleição de Cavaco Silva, antes ou depois de terminar a actual legislatura. Embora não seja de excluir uma vitória por maioria absoluta do PSD nas próximas eleições legislativas, antecipadas, ou no prazo regular, a instabilidade política inerente ao declínio económico-financeiro de Portugal que se prevê que venha a ocorrer até, pelo menos, ao fim da próxima década, exigirá uma adaptação do regime a tão dramática emergência nacional, a qual deverá passar, na minha opinião, por uma arquitectura de alianças estável, baseada numa plataforma de responsabilidade política, de ética institucional e de solidariedade social consensual entre uma boa maioria da população.

Pelo que se conhece de Cavaco Silva e das tendências cesaristas em desenvolvimento no interior da sua Casa Civil, pouco poderemos esperar de bom do Palácio de Belém. Compete aos partidos, após a sua urgente e radical renovação (do Bloco ao PP), impedir que a democracia portuguesa se transforme num inferno, acalentando na bicharada de Belém o sonho imoral de uma democracia tutelada.


NOTAS
  1. "Em 2010 termina uma década de crise e estagnação da economia portuguesa, usando os índices tradicionais dos capitalistas vejamos um pouco esta realidade: na década de 80 (1981-1990) o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) português foi de 3,8% com picos de 7,6% e 7,9%, respectivamente em 1987 e 1990, e um ano de recessão em 1984, numa evolução do PIB de -1%; na década de 90, encontramos já uma descida do crescimento médio para 3% com picos de 4,2% e 4,9%, em 1997 e 1998, e também um ano de recessão em 1993, numa evolução negativa de -0,7%; na década que agora termina, constatamos um crescimento médio de 0,5%, com pequenos picos de 2% e 1,9%, em 2001 e 2007, mas desta vez com dois anos de recessão em 2003 e 2009 com decréscimos respectivos de -0,8% e -2,7% a -3%, dependendo das diferentes projeções do Banco de Portugal ou do FMI, assinalando ainda que o crescimento em 2008 fosse de 0%. " — in "Portugal: uma década de decadência económica" (Diário Liberdade.)

sábado, outubro 30, 2010

Acordo nado morto

Como remover Sócrates do poleiro?

Quem ouviu atentamente as declarações de Eduardo Catroga e de Teixeira dos Santos terá percebido que o sucessivamente anunciado fumo branco do acordo orçamental não passou dum exercício de narcisismo por parte de José Sócrates, que abandonou por alguns minutos o Conselho de Estado para ir dar ordens à sua central de contra-informação e propaganda, e depois, por parte de Cavaco Silva, que não resistiu ao oportunismo de poder vender eleitoralmente a sua mediação presidencial, dando a entender que encostara Sócrates às cordas com aprovação generalizada dos conselheiros que entretanto reunira.

Ou alinhas num acordo com o PSD, ou vais parar ao charco de uma demissão antecipada — deverá ter sido o tom grave do Conselho de Estado de ontem.

O comportamento vigarista do primeiro ministro em mais este episódio do penoso enterro do seu consulado irritou uma vez mais Passos de Coelho, levando-o a declarar à entrada de uma reunião partidária, ontem, por volta das 22:00, que não havia acordo. Catroga, na longa e acutilante conferência de imprensa dada hoje de manhã na Assembleia da República, depois de anunciar a hora exacta (23:19) do acordo para a aprovação na generalidade no próximo orçamento de estado desancou literalmente o governo e o PS, deixando a nu as causas do colapso financeiro provocado pela incompetência e comportamentos altamente censuráveis daqueles dois protagonistas ao longo dos últimos 15 anos. Depois de ouvir as justas mas virulentas declarações do antigo ministro de Cavaco Silva, disse de mim para mim: a resposta do Teixeira dos Santos só poderá relançar o caminho da ruptura entre Sócrates e Passos de Coelho. E assim foi:

Às 23h19 minutos de sexta-feira, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga selaram o acordo. Agora, diz Teixeira dos Santos, o “Orçamento do Estado para 2011 vai ser aprovado na generalidade”. No entanto, o ministro das Finanças acusa o PSD de “dourar a pílula” com as suas propostas, que vão custar ao país 500 milhões de euros.

“Vai ser necessário adoptar medida adicionais para atenuar o custo de 500 milhões deste acordo”, avisa Teixeira dos Santos, porque, a tentativa do PSD de “dourar a pílula”, “esconde a necessidade de medidas exigente”.

No entanto, Teixeira dos Santos recusa-se a explicar que medidas adicionais são essas, esclarecendo que o Orçamento será “OE “aprovado na generalidade” e servirá de “base de trabalho” e que será depois “ajustado aos desafios do país” — in RR Renascença.

Conhecendo, todo o país, como conhece, o mitómano que elegeu para primeiro ministro, e a fidelidade canina dos seus acólitos ministeriais e deputados de confiança (Teixeira dos Santos, Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, Santos Silva, e o canídeo de fila parlamentar Jorge Lacão), podemos desde já fazer apostas sobre quantas semanas levará a esfumar-se o putativo acordo orçamental hoje anunciado.

Pedro Passos de Coelho, cuja liderança tem melhorado a olhos vistos, graças às vozes avisadas dos seus novos e experientes conselheiros (nomeadamente Diogo Leite de Campos e Eduardo Catroga), já percebeu que Sócrates não tem palavra, e que além de não ter palavra, é um perigoso mitómano encurralado na incompetência gritante das suas políticas, e enredado nas teias tenebrosas da tríade pirata de Macau, ou até, quem sabe, de alguma seita dianética com origem nos Estados Unidos. O BPN é uma bomba relógio que escalda nas mãos de Cavaco Silva, mas poderá revelar-se também uma castanha quente para Sócrates. Alguém já perguntou a esta criatura se tem dinheiro seu em contas bancárias no estrangeiro? Alguém já perguntou ao primeiro ministro se tem dinheiro seu em  paraísos fiscais? São duas perguntas inocentes que merecem resposta, creio.

Na presente situação é do interesse de Sócrates demitir-se, para não ser assado em lume brando pelo colapso em curso da economia e das finanças do país. Mas há um perigo que lhe deve causar suores frios todas as noites: e se a Maçonaria lhe lança de novo a matilha do Ministério Público às canelas? Que poderá fazer para evitar uma queda definitiva no abismo? E se o inenarrável ex-sargento do PCP, e ex-ministro da Ota e do Deserto da Margem Sul, Mário Lino, denunciado por Ana Paula Vitorino no processo "Face Oculta", apontar os holofotes para o seu antigo chefe? Quem salvará Sócrates Pinto de Sousa dum imediato e interminável calvário judicial, se abandonar o cargo de primeiro ministro? Diz-me a intuição, pois os factos estão no segredo da Justiça, que alguns dos casos já encerrados poderão voltar a ser reabertos, e que novos casos poderão surgir de um dia para o outro, sobretudo se houver uma corrida aflita de ratazanas em direcção aos botes de salvação do abalroado navio governamental — que já mete água por todos os lados.

Assim sendo, isto é, se José Sócrates não se demite por medo das consequências pessoais, que alternativas restam para evitar as consequências mais gravosas da presente bancarrota do país?

Especulemos:
  1. Sócrates tenta manter-se no poder cedendo às exigências crescentes do PSD, nomeadamente no capítulo do desmantelamento da guarda neo-pretoriana criada pela tríade de Macau ao longo dos últimos quinze anos, apunhalando uma a uma as milhares de divisões que suportam o poder tentacular da actual cleptocracia camuflada de socialismo — o perigo para Sócrates de tamanha traição é talvez mais assustador do que cair nas malhas da Justiça maçónica!
  2. Sócrates tenta manter-se no cargo sem ceder ao PSD, apesar do acordo anunciado esta manhã (foi isto mesmo que Teixeira dos Santos veio dizer em tom provocatório depois da comunicação de Eduardo Catroga), provocando nova ruptura e a deserção de Pedro Passos de Coelho do acordo, por motivo obviamente compreensível. Neste caso, o Presidente da República, com o apoio já garantido pelo Conselho de Estado, mesmo antes de ser reeleito, demite o chefe de governo, José Sócrates Pinto de Sousa, e chama o secretário-geral do PS, José Sócrates, para indicar outra personalidade do PS, ou da confiança do PS, para substitui-lo no cargo e formar novo governo. O estigma da demissão poderia ser tentador para um Sócrates transvestido de vítima, se não fosse tarde demais para semelhante farsa. Os danos e a pirataria estão demasiado escancarados! A demissão de José Sócrates por Cavaco Silva ainda este ano seria uma espécie de circuncisão no governo, bem-vinda por todos e destinada a acalmar Bruxelas, afastando os especuladores que há meses ganham rios de dinheiro com as dívidas soberanas. A celebração dum congresso extraordinário do PS e a remoção da criatura seria mais do que aconselhável neste caso.
  3. Sócrates, por pressão partidária crescente, e sobretudo pela enorme pressão policial de que a Maçonaria pode fazer prova neste momento de verdadeiro aperto nacional, seria levado a tomar a iniciativa de se demitir, garantida que fosse previamente uma espécie de amnistia a priori dos seus hipotéticos crimes. Cavaco chamaria o partido mais votado —o PS— a indicar nova personalidade para desempenhar o cargo de primeiro ministro e formar novo governo. 
  4. A paz podre entre PS e PSD dura os próximos seis meses, tempo necessário à reeleição de Cavaco, depois da qual este estará mais seguro para desencadear a demissão do actual governo, a dissolução do parlamento, a convocatória de eleições legislativas antecipadas, e a promoção de um governo de coligação patriótica em nome dos interesses vitais do país. Se este cenário ocorrer teremos um novo cesarismo em Portugal, com prejuízo evidente para a actual partidocracia (o clima popular para esta inflexão já está criado), esmagando então as pretensões de Passos de Coelho.
Do ponto de vista rosa a terceira hipótese é claramente a mais conveniente. Remove de forma cirúrgica o empecilho do regime como se fosse um acto de vontade do próprio, evitando desta forma a humilhação pública de uma demissão por acção presidencial. Abre possibilidade a um governo de coligação liderado pelo PS, incluindo um vice-primeiro ministro do PSD e um ministro de estado do CDS-PP, com uma repartição idónea de pastas ministeriais, num governo mais sintético do que todos os que tivemos desde 1974, austero e com uma política de comunicação e transparência administrativa à prova de censura. Um tal governo poderia ser perfeitamente liderado por Luís Amado e ter Eduardo Catroga como vice-primeiro ministro, Diogo Leite de Campos, na pasta da Economia e Finanças, Paulo Portas, nos Negócios Estrangeiros, Assunção Cristas, na Educação, Desporto, Cultura e Credos Religiosos, Correia de Campos, na Saúde, Alberto Martins continuando onde está, etc. Este governo deveria durar até ao fim da presente legislatura, evitando-se, assim, as tão propaladas eleições legislativas antecipadas.

Estes tempos difíceis seriam também propícios ao amadurecimento da nova liderança do PSD, ao surgimento de uma nova liderança no PS, para a qual vejo Manuel Maria Carrilho como uma das personalidades melhor talhadas, e sobretudo para uma profunda mudança de atitudes e estilos no comportamento partidário. O PCP e o Bloco precisam de fazer um honesto exame de consciência — mudando radicalmente as suas gastas e desastrosas narrativas populistas. Outros partidos e novas plataformas de poder pós-corporativo deverão nascer e em parte substituir ou ajudar a modificar as indigentes corporações patronais e sindicais que temos, tão responsáveis quanto as demais instâncias de poder pelo colapso que abateu o regime democrático saído do 25 de Abril de 1974.


ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO: 30-10-2010, 23:43.

    Os Três Tristes Trastes

    Um texto de Guerra Junqueiro para ler agora

    A bancarrota do regime está em marcha. Se não nos opusermos aos cleptocratas, oportunistas e demagogos que tomaram de assalto o país, espera-nos a extinção pura e simples. Se a nossa indolência deixar a nossa face escorrer como barro numa manhã de tempestade, atávicos e sentados diante da televisão e da História, como até agora, teremos o futuro que merecemos. Se, pelo contrário, decidirmos resgatar o país da corja populista que o levou à bancarrota, e da cambada de cleptocratas que rouba tudo o que pode e em toda a parte, salvando Portugal da vergonha e do nada, então teremos que nos mexer — remexendo os partidos existentes, criando novos partidos, e sobretudo criando novas plataformas de acção política. 

    É preciso votar contra os responsáveis pelo descalabro a que chegámos. Nenhuma tolerância para os líderes partidários, do PCP ao PP-CDS, passando pelo bonaparte Louçã, que "coordena" a salgalhada estalinista-maoísta-trotskysta do Bloco. Nenhuma tolerância para os três tristes traste deste regime: o traste José Sócrates Pinto de Sousa, o traste presidencial chamado Aníbal Cavaco Silva, e o novel traste Pedro Passos de Coelho (oxalá esteja enganado relativamente ao Jota que actualmente lidera o PSD). Precisamos de uma revolução política, e sobretudo cultural, como do pão para a boca.

    Entretanto, para nos ajudar a reflectir, nada melhor do que ler na íntegra as Anotações de Guerra Junqueiro ao seu drama "Pátria", escrito em 1896 — cinco anos depois da bancarrota de 1891.

    ANOTAÇÕES (e-book)

    Balanço patriótico:

    Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúsio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, bêsta de nora, agùentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalépsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, emfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional,—reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta;

    Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-urnas que administra o concelho[1]; e, ao pé dêste clero indígena, um clero jesuítico, estrangeiro ou estrangeirado, exército de sombras, minando, enredando, absorvendo,—pelo púlpito, pela escola, pela oficina, pelo asilo, pelo convento e pelo confissionário,—fôrça superior, cosmopolita, invencível, adaptando-se com elasticidade inteligente a todos os meios e condições, desde a aldeola ínfima, onde berra pela bôca epiléptica do fradalhão milagreiro, até à rica sociedade elegante da capital, onde o jesuìtismo é um dandismo de sacristia, um beatério chic, Virgem do tom, Jesus de high-life, prédicas untuosas (monólogos ao divino por Coquelins de fralda) e em certos dias, na igreja da moda, a bonita missa encantadora,—luz discreta, flores de luxo, paramentos raros, cadeiras cómodas, latim primoroso, e hóstia glacée, com pistache, da melhor confeitaria de Paris;

    Uma burguesia, cívica e políticamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provêm que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro[2];

    Um exército que importa em 6.000 contos, não valendo 60 réis, como elemento de defesa e garantia autonómica;

    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; êste criado de quarto do moderador; e êste, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre,—como da roda duma lotaria;

    A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rôlhas;

    Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia libra ou uma gota de sangue, vivendo ambos do mesmo utilitarismo scéptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguêm deu no parlamento,—de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar;

    Um partido republicano, quási circunscrito a Lisboa, avolumando ou diminuindo segundo os erros da monarquia, hoje aparentemente forte e numeroso, àmanhã exaurido e letárgico,—água de pôça inerte, transbordando se há chuva, tumultuando se há vento, furiosa um instante, imóvel em seguida, e evaporada logo, em lhe batendo dois dias a fio o sol ardente; um partido composto sobretudo de pequenos burgueses da capital, adstritos ao sedentarismo crónico do metro e da balança, gente de balcão, não de barricada, com um estado maior pacífico e desconexo de vélhos doutrinários, moços positivistas, românticos, jacobinos e declamadores, homens de boa-fé, alguns de valia mas nenhum a valer; um partido, emfim, de índole estreita, acanhadamente político-eleitoral, mais negativo que afirmativo, mais de demolição que de reconstrução, faltando-lhe um chefe de autoridade abrupta, uma dessas cabeças firmes e superiores, olhos para alumiar e bôca para mandar,—um dêsses homens predestinados, que são em crises históricas o ponto de intercepção de milhões de almas e vontades, acumuladores eléctricos da vitalidade duma raça, cérebros omnímodos, compreendendo tudo, adivinhando tudo,—livro de cifras, livro de arte, livro de história, simultaneamente humanos e patriotas, do globo e da rua, do tempo e do minuto, fôrças supremas, fôrças invencíveis, que levam um povo de abalada, como quem leva ao colo uma criança;

    Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar;

    Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e perda de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio;

    Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante,—o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários;

    Uma literatura iconoclasta,—meia dúzia de homens que, no verso e no romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante scenografia azul e branca da burguesia de 52, opondo uma arte de sarcasmo, viril e humana, à frandulagem pelintra da literatura oficial, carimbada para a imortalidade do esquecimento com a cruz indelével da ordem mendicante de S. Tiago;

    Uma geração nova das escolas, entusiasta, irreverente, revolucionária, destinada, porêm, como as anteriores, viva maré dum instante, a refluir anódina e apática ao charco das conveniências e dos interesses, dela restando apenas, isolados, meia dúzia de homens inflexos e direitos, indenes à podridão contagiosa pela vacina orgânica dum carácter moral excepcionalissíssimo;

    E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares,—tão bons são uns como os outros, corja de pantomineiros, cambada de ladrões, tudo uma choldra, etc. etc.,—teremos em sintético esbôço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís, cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários.

    O advento do materialismo burguês, inaugurado pela ironia scéptica do Rodrigo, acabava pela galhofa cínica do Mariano. O riso de sibarita, levemente amargo, desfechava no riso canalha, de garotão de aljube. O patusco terminava em malandro.

    A burguesia liberal, mercieiros-viscondes, parasitagem burocrática, bacharelice ao piano, advogalhada de S. Bento, morgadinhas, judias, sinos, estradas, escariolas, estações, inaugurações, locomotivas (religião do Progresso, como êles diziam), todo êsse mundo de vista baixa, moralmente ordinário e intelectualmente reles, ia agora liquidar numa infecta débâcle de casa de penhores, num Alcacer-Kibir esfarrapado, de feira da ladra.

    A nação, como o rei, ia cair de podre.

    O conflito inglês e a revolução brasileira, dois cáusticos, puseram a nu, de improviso, toda a nossa debilidade orgânica,—miséria de corpo e miséria de alma.

    Falecimento e falência. Ruínas. Montões de vergonhas, trapos de leis, cisco de gente, lama de impudor, carcassas de bancos, famintos emigrando, porcos digerindo, ladroagem, latrinagem, um salve-se quem puder de egoismos e de barrigas, derrocada dum povo numa estrumeira de inscrições,—700 mil contos de calote público, a bela colheita do torrão português, regado a oiro, a libras, desde 52 até 90.

    A crise não era simplesmente económica, política ou financeira. Muito mais: nacional. Não havia apenas em jôgo o trono do rei ou a fortuna da nação. Perigava a existência, a autonomia da pátria. Hora grande, momento único. A revolução impunha-se. Republicana? Conforme. Se o monarca nos saísse um alto e nobre carácter, um grande espírito, juvenil e viva encarnação de ideal heróico, tanto melhor. A revolução estava feita. Imprimia-se, dum dia ao outro, no Diário do Govêrno.

    Mas feita com quem, perguntarão, se tudo era lôdo? Feita com o elemento moço do exército e da marinha, com quási todo o partido republicano[3], com individualidades íntegras e notáveis dos partidos monárquicos, com a juventude das escolas, com um sem-número de indiferentes por nojo e por limpeza, com os duzentos homens de sério valor intelectual dispersos nas letras, nas sciências, no comércio e na indústria, e com o povo, o povo inteiro, que acordaria, Lázaro estremunhado, da sua campa de três séculos, à voz dum vidente, ao grito dum Nunalvares.

    O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroismo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo. A história pátria resume-se quási numa série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas. Sobretudo depois de Alcacer. Povo messiânico, mas que não gera o Messias. Não o pariu ainda. Em vez de traduzir o ideal em carne, vai-o dissolvendo em lágrimas. Sonha a quimera, não a realiza.

    O próprio Pombal é o Desejado? Não. Fez-se temer, não se fez amar. Cabeça de bronze, coração de pedra. Moralmente, ignóbil. Rancoroso, ferino, alheio à graça, indiferente à dôr. Inteligência vigorosa, material e mecânica, sem vôo e sem asas. Um brutamontes raciocinando claro. Falta-lhe o génio, o dom de sentir, nobreza heróica, vida profunda,—humanidade, em suma. Máquina apenas. Não criou, produziu. A criação vem do amor, a génese é divina. Criar é amar. Por isso a obra lhe foi a terra. Pulverizou-se. Só dura o que vive. Uma raíz esteia mais que um alicerce. Pombal em três dias, num deserto, quis formar um bosque. Como? Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-as a sangue. Apodreceram melhor.

    Sei muito bem que o estadista não é o santo, que o grande político não é o mártir, mas sei tambêm que toda a obra governativa, que não fôr uma obra de filosofia humana, resultará em geringonça anecdótica, manequim inerte, sem olhar e sem fala.

    A ductilidade, quási amorfa do carácter português, se torna duvidosas as energias colectivas, os espontâneos movimentos nacionais, facilita, no entanto, de maneira única, a acção de quem rege e quem governa. Cera branda, os dedos modelam-na à vontade. Um grande escultor, eis o que precisamos.

    Há, alêm disso, bem no fundo dêste povo um pecúlio enorme de inteligência e de resistência, de sobriedade e de bondade, tesoiro precioso, oculto há séculos em mina entulhada. É ainda a sombra daquele povo que ergueu os Jerónimos, que escreveu os Lusíadas. Desenterremo-la, exumemo-la. Quem sabe, talvez revivesse!

    Fôra o rei um homem, que a nacionalidade moribunda se levantaria por encanto. E bem se me dava a mim da questão política, da forma de govêrno. Essencial, a forma do governante. Prefiro uma boa república a uma boa monarquia. A coroa de rei, de pais a filhos transmissível, como a coroa de Vénus; o trono hereditário como as escrófulas,—absurdo evidente. Mas se de absurdos anda cheio o mundo! Salta-se menos da majestade à ex.^a que da ex.^a ao tu. Impero eu mais no meu criado que o rei em mim[4]. Há em cada burguês uma monarquia. Milhões de burgueses, milhões de absurdos. E eliminam-se acaso numa hora?

    Não se tratava por emquanto de modalidades orgânicas de existência; tratava-se de existir. Problema social e problema político marchariam evolutivamente na órbita ininterrupta do seu destino. Quando um vapor alagado vai ao fundo, discute a marinhagem construções navais? Primeiro salvá-lo, o estaleiro depois. Quer dizer: a revolução urgente não era social, nem política, era moral. Nem havia a escolher entre monarquia e república, pois que, para escolher entre duas coisas, é necessário existirem, e a república, tanto custava a realizar, que ainda até hoje a não fizemos.

    A segurança da pátria exigia inadiavelmente à frente do govêrno um homem de superior inteligência, de altivo carácter, de ânimo heróico e resoluto. Era-o D. Carlos? obedeceríamos a D. Carlos. Uma alma, uma vassoira e uma carroça; de nada mais precisava. Varrer, limpeza geral, pôr isto decente! Tal embaixador levantára castelos de milionário com o dinheiro da nação? Transferi-lo de embaixada: representante vitalício do Limoeiro em África. Tal ex-ministro compra as quintas, vendendo a vergonha? Penhora e prisão. Os bens ao erário, o corpo à penitenciária. Deslaçar grã-cruzes e chumbar grilhetas. Norte e Leste, lamas do Tejo, Banco Lusitano, obras do estado, etc., etc., todas essas montureiras gangrenadas,—poios de escândalos, obscenamente fermentando ao ar livre,—queimá-las a calcium, purificá-las a vitríolo. Calcamos infâmias, respiramos veneno. Que um ciclone de justiça nos purificasse o ar e desentulhasse as estradas. Caminho livre, atmosfera nova! Quem baldeou o país à ruina, à miséria do lar, à indigência da alma? Idiotas? Aposentá-los em onagros. Bandidos? Metê-los na cadeia.

    E a questão económica? Resolvida por si. Direi mais: útil e necessária. Mas resolvida de que forma? Pelo sacrifício de todos, pela abnegação colectiva. As pátrias, como os indivíduos, só se regeneram sofrendo. A dôr é salvadora. Não há virtude sem martírio, não há Cristo sem cruz. A Redenção vem da Paixão. A vida fortalece-se na angústia. Nem só a do homem, a vida inteira, a vida universal. A procela avigora o roble, e o ferro candente adquire a têmpera, mergulhando-o em gêlo. Quando a desgraça parece matar uma nação, é que tal nação estava morta. O cáustico, que levantou o doente, decompõe o cadáver.

    Resumindo: desastres, misérias, vergonhas, infortúnios, calamidades, subjugadas com energia e padecidas com nobreza, enseivariam de novo alento o coração exânime da pátria. O raio lascou a árvore? Brotaria, amputada, com maior violência. A alma habita na raíz.

    Mas seria possível conjurar quatro milhões de interesses, quatro milhões de egoismos, num ímpeto de fé heróica e de renúncia? Era. Digo-o sem hesitar. O sibarita que ria, o cevado que ronque. Era! O espírito, como o fogo, consome traves, calcina pedras, derrete metais. O facho duma alma pode incendiar uma Babilónia. Um iluminado pode abrasar um império. Tem-se visto. O cofre-forte é de ferro, a libra é de oiro, o egoismo é de bronze, mas a electricidade impalpável, invisível, imponderável, volatiliza tudo num momento. Ora o espírito é a electricidade de Deus. Nada lhe resiste. Devora séculos, evapora mundos. Jesus e Buda,—um crucificado, o outro mendigo,—refazem o globo, põem nova máscara à criação. Joana d'Arc e Nunalvares, irmãos gémeos, redimem duas pátrias. Focos ambulantes de espírito divino, arrastam e vencem,—magnetizando. O céu é contagioso como a lepra.

    Claro que o milagre exige a fé. Nem todos os sábios juntos escreveriam os evangelhos. A língua do homem, sem a língua de fogo, não apostoliza, discursa. Um Doutor não é um Messias.

    A metempsicose, em moderno, do grande Condestável, eis o meu sonho. Um justiceiro e um crente. Braço para matar, bôca para rezar. Pelejas como as de Valverde só se ganham assim: ajoelhando primeiro. O Nunalvares de hoje não usaria cota, nem escudo, mas, ao cabo, seria idêntico. A mesma chama noutro invólucro. Não combateria castelhanos, combateria portugueses. O inimigo mora-nos em casa. Aljubarrota no Terreiro do Paço e os Atoleiros… nos mil atoleiros de infâmias que enodoam as ruas, e obstruem o trânsito. Queríamos um justo inexorável, um santo heróico, com a verdade nos lábios e uma espada na mão. Os quadrilheiros que infestam Lisboa e os sub-quadrilheiros que infestam as províncias, anulá-los, esmagá-los num dia, numa hora, sem pena e sem remorso, vasando-os logo,—atascadeiro de baixezas, lôdo de malandros,—pelo buraco infecto duma comua. Depois pregar a tampa. Um colector in pace, um cano de esgôto jazigo de família.

    E, removidos os focos epidémicos, voltaria em breve a saúde geral. A obra de reconstrução, inda que lenta, marcharia sem estôrvo. Humanizar o ensino, nacionalizar a indústria, um clero português e cristão, a justiça fora da política, o exército fora de S. Bento, os burocratas para a burocracia, o professorado para as escolas, o poder legislativo entregue às fôrças independentes e vivas do país, arrotear o solo, colonizar a África,—tudo era possível, tudo era simples, desde que nos dessem uma fé, uma crença, vida luminosa,—uma alma!

    Alma! eis o que nos falta. Porque uma nação não é uma tenda, nem um orçamento uma bíblia. Ninguêm diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antéro, de João de Deus. Da mera comunhão de estômagos não resulta uma pátria, resulta uma pia. Sócios não significa cidadãos. O burguês estúpido, perante as calamidades que nos assaltam, computa-as em libras, redu-las a dinheiro. Parece que se trata duma mercearia em decadência. Dívida flutuante, impostos, câmbios, cotações, alfândegas, cifras, dinheiro, nada mais. A ruína moral não entra na conta nem por um vintêm. Deve e há-de haver, eis o problema. Direito, Justiça, Honra, Pundonor,—palavras! Se o gigo das compras andasse farto e os negócios corressem, podiam encafuar Jesus Cristo na penitenciária e sua Mãe no aljube, que a récua burguesa, dizendo-se católica, não se moveria. O câmbio estava ao par.

    Falir um banco, que desastre! Falir uma alma…—Mas que demónio é isto de falir uma alma?—

    Ouve lá, burguês rotundo. Um exemplo. Ouviste já nomear por acaso o Fialho de Almeida? Vagamente. Ora bem; êsse Fialho é a mais rica natureza artística que Portugal tem gerado há duas dúzias de anos. Um talento grande, rutilando em génio por instantes. Em génio, sim. Leiam os Pobres, o Filho, a Vélha, o Idílio triste. Natureza de sensibilidade vibrátil, agudíssima, quási mórbida. Depois português, idolatrando o seu Alentejo, adorando a sua pátria, instintivamente, orgânicamente, como a raíz adora a terra.

    A uma tal natureza, em Lisboa, de 90 a 93, hora a hora assistindo à decomposição putrefacta daquela percevejaria nausente, não lhe era lícito o refúgio nirvânico dos metafísicos ou dos hábeis na decantada tôrre de marfim. O Fialho estava pobre e o marfim muito caro. Índole ardente e valorosa, palpitante de plebeismo robusto, de humanidade sanguínea, olvidou planos de arte, sonho alado, quimera astral, e de chicote nas unhas, mordaz e mordendo, arremeteu contra a fandangagem da sociedade lisboeta, como alguêm que marchando direito a um nobre destino, se atirasse de repente às ondas, aventurando a vida,—para salvar um bêbado.

    Entre os projectos literários do admirável artista, um havia mais que todos acariciado e fecundo, os Cavadores, rústico poema, síntese sublime da vida da terra, da planta e do camponês, obra de fisiologista, de psicólogo e de poeta, reçumando sangue, transpirando lágrimas, drama tangível e real, movendo-se numa atmosfera enigmática de infinito e de sonho. Um livro elevado. Lisboa rasgou-lho. Em troca deu-lhe os Gatos. Dum poeta épico fez isto: um varredor da Baixa. O Fialho durante três anos varreu o Chiado, espiolhou a Havanesa, catou S. Bento. Os trapos converteram-no em trapeiro. A águia baixou a milhafre. O milhafre é útil, depura e limpa. Os Gatos foram, em parte, uma obra de justiça, por vezes de cólera. Mas o rancor dos bons denota ainda bondade. Só os grandes idealistas desceram a grandes satíricos. Cristo dava chicotadas.

    Nos Gatos estoira de quando em quando um rugido de tigre. É o melhor do panfleto. O resto, tirante algumas páginas literárias, maravilhosas, descamba na insignificância,—cisco, anecdotas, noticiário, zero. O estilo não basta. Uma melancia em bronze não deixa de ser uma melancia. Os Gatos tem valor moral e valor de arte. Mas êste é relativo, e portanto inferior, e aquele ineficaz, e por tanto menos proveitoso. Varrer Lisboa nos Gatos, acho bem; varrê-la no Diário do Govêrno, acharia óptimo. Conclusão: o desmantelamento da sociedade portuguesa actuou no espírito impressionável dum grande poeta, esterilizando-lhe a génese da obra humana, imorredoira, e fecundando-lhe a semente da obra particularista e transitória. Desviou do seu curso natural a água límpida que regava plátanos e searas para com ela inundar estrumeiras e desentupir esgotos.

    Bom burguês, compreendes agora o que é a falência dum espírito? Calcula, pois, em 2 milhões de consciências[5], o déficit moral, a ruína interior, que os teus guarda-livros não escrituram nas agendas. Perdeste dinheiro, meu rico homem, na quebra fraudulenta dum banco? O Fialho e nós perdemos os Cavadores na quebra fraudulenta duma nação. O prejuízo maior foi o nosso. O nosso, o da pátria. Porque é mister que to diga, bom burguês: sem o banco de Portugal ficaríamos pobres 30 anos. Mas sem os Lusíadas ficaríamos pobres para sempre. As libras voltam. O génio não se repete. Por isso, burguês odioso, te não lamento. Mais ainda: regalam-me às vezes, Deus me perdoe, os teus desastres, lembrando-me que só te levantarás honradamente, quando se te der, de fome, um nó nas tripas! Idiota! Nem egoista és. Vês apenas dinheiro, e hão-de deixar-te sem camisa. Inda bem. Só nu ficarás decente.

    Continuemos. A nação, mais do que de libras, carecia de alma. Quem lha daria? Quem a tivesse como o sol tem luz: infinita. Pobre D. Carlos! Que havia de êle dar,—mediocridade palúrdia, já aos 25 anos atascado no cebo dinástico, nas banhas brigantinas! Alma? Bem alma, não; quási, pequena diferença: lama. Uma inversão de duas letras. Ligeiro lapso, cuja emenda é esta: Viva a república!

    O rei falhára. Nulo, insignificante. Pedir-lhe génio, heroismo, grandeza, sublimidade,—o mesmo que pedir astros a uma couve ou raios a uma abóbora.

    A existência da pátria dependia da revolução. O rei não pôde, não soube, ou não quis fazê-la. Em suma, não a fez. Perdeu-se. Que restava? Fazê-la o povo. Não a fazendo, perdia-se tambêm.

    O rei, em vez de cortar o cancro, identificou-se com êle. Chaga maior, operação mais grave. Já ninguêm suprimirá o cancro, sem suprimir a realeza.

    O republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública. No prédio em chamas há só uma janela aberta. Preferem os monárquicos morrer queimados, por a janela estar pintada de vermelho? Fôsse ela branca, que eu saltaria sem escrúpulos.

    Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estúpidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos. Não dum partido, da nação. Presidente o melhor. Foi por acaso miguelista? Embora. Uma revolução por selecção de caracteres.

    Tal movimento cívico, espiritualizado e grande, requeria pelo menos um homem. Existe? Existiu: José Falcão.

    José Falcão! Alma tão nobre de patriota não a conhecerei jàmais. A ideia de pátria, feita verbo, nela encarnára divinamente. Hóstia sublime! Trigo de comunhão deu-nos a fé, e trigo de viático, na hora da nossa morte, dá-nos ainda a esperança.

    À volta de mim vejo monturos, dentro de mim encaro cinza. Tudo acabou, não é verdade? Melancólicamente revolvo a cinza, poeira de quimeras, e uma flámula fulge, uma brasa crepita… É a alma dele… Não quer apagar-se. Mesmo dentro de nós, túmulos cerrados, continúa ardendo. Àmanhã de tais campas podem brotar ainda lavaredas.

    Grande homem! Como o sangue em momento de pânico reflue de chofre ao coração, dir-se-ia que na hora suprema toda a alma da pátria naquela alma se ajuntára.

    Em José Falcão a inteligência era robusta, a sciência enorme, mas a grandeza moral incomparável e soberana. Dizia o que pensava, fazia o que sentia. Um justo. Portanto, um solitário. Querendo viver puro, viveu em si mesmo. Isolou-se. Nem ambicioso, nem vaidoso. Nos altos píncaros, de gêlo e de luz, não há micróbios.

    Egoista intelectual? Nunca. Ânimo generoso, os problemas sociais cativaram-no. A sociedade evitou-a. Livros e família: cérebro pensando, coração amando.

    Mas o sentimento da pátria com tal furor e febre lhe girava no sangue, tão inato e profundo lhe ardia lá dentro, que aquele homem de ideias instantaneamente se volveu, como por milagre, em homem de acção. O ruído molestava-o; procurou o ruído. A turba incomodava-o; procurou a turba. Agitou-se três anos em movimento frenético. Pátria! Pátria! a visão constante, o sonho de toda a hora! Fogo sagrado, fogo devorador. Queimou-se, abrasou-se nele. Auto-de-fé dum corpo nas lavaredas duma crença.

    O patriotismo tornára-se em José Falcão um misticismo. Compreende-se bem. Ideia tão inflamável, em tão candente natureza moral sublima-se, ilumina-se, perde-se no êxtase, no enlêvo, no transcendentalismo religioso. Aquele homem exalava de si o quer que fôsse de sobrenatural e de divino. Sentia-se que no grande momento arriscaria tudo: família e vida, fortuna e lar. Através do crente apercebia-se o herói. Por isso arrastava. A eloqùência vinha-lhe espontânea, dominadora, magnética. Não a eloqùência literária dos artistas. Eloqùência de alma, verbo interior, luz de uma chama.

    Depois naquele homem tudo era português, sóbrio, simples, varonil, vernáculo: figura, gesto, palavra, intonação, modo de vestir, maneira de andar. Tudo beirão, tudo nosso. Nem um galicismo. Austero e risonho, violento e meigo,—a singeleza na grandeza. Lembrava ainda o Condestável. Como êle, espírito heróico, braço de ferro para o comando, bôca de santo para a piedade.

    Extenuado e letárgico, pressentindo a morte, nunca desanimou. Pois a doença da pátria não era ainda bem mais grave? Por ela sim, desejaria viver, desejaria morrer. A fôrça física abandonava-o, só a vontade sôbre-humana o tinha de pé. Era já uma existência feita de ressurreições, um ideal galvanizando um cadáver.

    Dizia-nos êle, quási no fim: Não duro muito; aproveitem-me.

    Morria daí a meses.

    Não há uma íntima e dolorosa afinidade entre a alma quebrantada dum povo, baldadamente, durante séculos, evocando um Messias, e a breve aparição dum redentor, miragem súbita, que mal se desenha se desfaz?

    Tal a árvore-espectro, frutos de aurora sonhando, caveiras torvas produzindo, que um dia gerou, milagre de amor! o pomo de oiro deslumbrante, e o viu desprender, esbroando em cinza, do galho nú, do ramo estéril de esqueleto…

    Árvore nocturna, a morte gira-te nas veias, e os frutos de Ideal que tu concebes já trazem no âmago, quando nascem, as larvas deletérias do sepulcro…

    Desiludido, assim o creio por vezes. Depois a um golpe de sol, o Quichote revive, exalto-me de novo, de novo espero… Florinha azul, beijo de Deus,—divina Esperança…

    Notas:

    [1] Há excepções individuais, claramente. A fisionomia geral, no entanto, é aquela.

    [2] Se o Nazareno, entre ladrões, fôsse hoje crucificado em Portugal, ao terceiro dia, em vez do Justo, ressuscitariam os bandidos. Ao terceiro dia? que digo eu! Em 24 horas andavam na rua, sãos como pêros, de farda agaloada e grã-cruz de Cristo.

    [3] Continuaria a haver algumas dúzias de republicanos, por coerência, brio pessoal ou teima doutrinária. O espírito republicano que alastrou no país, esse extinguia-se, ou antes não se tinha gerado.

    [4] Um rei segundo a Carta, entende-se.

    [5] É meia consciência por habitante. Talvez excessivo.

    in ANOTAÇÕES do drama Pátria (3ª edição, PORTO Livraria Chardon, de Lelo & Irmãos, editores — Rua das Carmelitas, 144, 1915 ©)

    sexta-feira, outubro 29, 2010

    PSD mais perto do poder — 2

    Os moços de fretes da comunicação social voltaram a enganar-se em manada!

    Ainda bem que Pedro Passos de Coelho me ouviu, e sobretudo ouviu uma pessoa honesta e experiente como é o fiscalista Diogo Leite Campos, actual vice-presidente do PSD — a única que fez um pronunciamento estratégico laranja em toda esta crise. Ao PS recomendou, não exactamente por estas palavras, que limpe a sua própria trampa, e que não tente despejar a diarreia despesista e corrupta que levou Portugal à bancarrota para cima de quem nada ou pouco teve que ver com o caso.

    Mais certeiro ainda, e em plena sintonia com o que aqui escrevi a propósito das argumentações senis, irresponsáveis ou cínicas do PCP e do Bloco de Esquerda, Leite Campos sugeriu que a turma que apoia Manuel Alegre, e o próprio Manuel Alegre, deveriam, em coerência, votar o Orçamento de Estado ao lado do PS, não fazendo qualquer sentido que tal elefante branco venha a ser engolido —contra natura— por quem se posiciona claramente como próxima alternativa de governo, e óbvio opositor do triste Alegre.

    Passos de Coelho, apesar de ter sido virtualmente destroçado pelo patarata António Nogueira Leite e pelo esgazeado que ajudou a entregar o BCP ao PS, ou de contar ainda com uma matraca insuportável chamada Miguel Relvas, na pose de ajudante de campo, a verdade é que acordou. E acordou bem!

    Chamar um ex-ministro das finanças —Eduardo Catroga (que a manada das agências de comunicação e da comentarice indigente apenas leu como um ex-Cavaquista)— para liderar as negociações com esse desastre ambulante vindo das Antas chamado Teixeira dos Santos, foi um tiro na mouche. Para novatos sem biografia, já basta o próprio Passos de Coelho, que a todos prometeu aprender depressa. Ou seja, o Jota, se quiser chegar a primeiro ministro, tem que largar o lastro inútil que se pegou à sua candidatura e rodear-se de gente experiente, que não faça parte da nomenclatura do Bloco Central da Corrupção. Só assim poderá vencer o vigarista-mor do reino, José Sócrates Pinto de Sousa, e a prazo, essoutro traste nacional chamado Aníbal Cavaco Silva, que acaba de recandidatar-se à presidência da república numa cerimónia patética. A mensagem cifrada que enviou à matilha do BPN é virtualmente um caso de polícia. Se os indigentes lusitanos voltarem a votar nesta rainha de Boliqueime, então merecerão que lhes mijem em cima nos próximos cem anos! À medida que a gigantesca operação criminosa do BPN se for esclarecendo, e sobretudo à medida que o financiamento desse buraco negro insondável se traduzir num assalto sem fim à bolsa de todos nós, assistiremos então ao inevitável desmaio da incompetente e desajeitada criatura que em má hora colocámos em Belém.

    Toda esta descrição só é relevante porque existe e é preciso denunciar uma verdadeira simbiose oportunista, que nos últimos anos se estabeleceu e não pára de consolidar, entre o actual primeiro ministro e o actual presidente da república. Estas criaturas de opereta (para quem Portugal não é a Grécia!) são os principais responsáveis políticos pela bancarrota do nosso país. Por este simples facto devem, antes de mais, ser levados a tribunal!

    José Sócrates quis e continua a querer arrastar o PSD para a armadilha dum apoio irrefutável ao seu Orçamento de Estado pirata. Não aceita, claro está, a abstenção com demarcação política prévia proposta por Manuela Ferreira Leite. Não, Sócrates quer que o novato Passos de Coelho beba o copo do compromisso até à última gota! Negociar, ou dançar o tango, foi a maneira encontrada para atrair o líder laranja para a derrota. Uma vez firmado um acordo, nem que seja em volta de 10 euros, o PSD ficará atado à execução orçamental como seu co-autor, sem ter escrito uma linha do mesmo. Por outro lado, não terá a mínima influência na sua execução, mas será responsabilizado pelas suas consequências. A alternativa, repete José Sócrates, é a demissão do governo. Mero bluff? Ninguém sabe. A minha aposta é que este vigarista das Beiras só sairá se for empurrado — pelo PS, ou pelo presidente da república. Por decisão própria, não acredito.

    Poderemos viver sem orçamento aprovado? Creio que não, pelo simples motivo de que o BCE fechará a torneira, e o governo deixará de ter dinheiro para pagar aos funcionários públicos — a começar já no próximo subsídio de Natal. Se aqui chegarmos, e porque quem teme sair do circo da política não se demite, terá que ser Cavaco Silva (porventura com a ajuda do Conselho de Estado de 29 de novembro) a fazê-lo, chamando o PS de novo a indicar uma personalidade da sua confiança para formação de novo governo, eventualmente de coligação alargada (PS-PSD-CDS_PP). Tudo isto ocorrerá antes das eleições presidenciais se, entretanto, Passos de Coelho rejeitar, como é sua obrigação democrática, a vigarice orçamental que lhe puseram diante da vista e a pantomima de mais negociações. Pedro, não te esqueças: basta uma escorregadela para dentro do buraco negro do orçamento, para que a tua carreira política se evapore num ápice.

    Existirão forças dentro do PS para acudir a esta emergência? Eu penso que sim, apesar do estado de destruição nefasta do partido operada desde que Jorge Coelho tomou conta do aparelho e depois o entregou à tríade de Macau. Tal como no caso do PSD, o PS terá que recorrer a gente com experiência governativa, deixando de lado as ilusões pueris em volta de candidatos como Francisco Assis ou António José Seguro. Luís Amado pode ser um figura chave na delicada operação de remoção do líder, que é urgente praticar, se não se quiser condenar o PS a uma ou duas décadas de inexistência e vergonha. Luís Amado poderá até vir a ser o próximo primeiro ministro de um governo de coligação. Mas será sempre e apenas um líder transitório, até ao próximo congresso do PS. E aqui as pessoas inteligentes terão que ser pragmáticos e procurar rapidamente alguém com experiência de governo, formação académica acima de qualquer suspeita, personalidade forte, e uma visão para o país. Eu tenho as minhas opiniões, mas para já nada direi.

    terça-feira, outubro 26, 2010

    O eixo da estupidez

    Defender o euro, sim; fazer da União Europeia uma tasca franco-alemã, não!

    Germany has been pushing treaty change for months, but the idea only gained traction last week after a deal was struck in which Berlin won support for the plan in exchange for backing Paris on a softening of new EU budget rules. 

    Berlin wants a permanent crisis resolution mechanism because the current system, created in May to handle the fallout from the Greek debt crisis, runs out in 2013, is taxpayer-funded and is legally ambiguous under the current Lisbon Treaty. — in "Treaty change debate divides EU foreign ministers", EurActiv, 26 October 2010.

    O euro passou em menos de uma década, de quimera monetária risível, ao estatuto de segunda moeda de reserva mundial, ameaçando em cada mês que passa a hegemonia, essa sim cada vez mais caricata, do papel higiénico americano. É basicamente este estatuto ímpar que a estratégica Alemanha não só não quer perder, como pretende reforçar a todo o gás. Mas para que este desiderato possa vir a ser uma realidade, a União Europeia terá que fazer três coisas em simultâneo: 
    • descolar de Wall Street, 
    • instaurar um efectivo governo económico-financeiro no seio da União Europeia, 
    • e reforçar estrategicamente as suas relações com a Rússia. 
    Ou seja, a Alemanha percebeu há muito que o pêndulo do poder mundial se desloca à velocidade de um clique para Oriente, e que a China será em breve (2015-2020) o banco do mundo. Esta deslocação tectónica do centro de gravidade da economia, da finança e da diplomacia mundial em direcção à China, irá introduzir necessariamente grandes tensões, nomeadamente em volta das principais reservas mundiais de recursos energéticos, minerais e alimentares. 

    Um dos pontos sensíveis da tensão crescente é obviamente o Irão, um dos principais fornecedores de petróleo à China e ao Japão. Não nos esqueçamos (1) que o bloqueio energético americano ao Japão foi a causa eficiente da entrada de ambos na Segunda Guerra Mundial. 

    Outro ponto de potencial ruptura diplomática advém da escassez crescente de alguns recursos minerais fundamentais, como por exemplo os metais raros (rare earths) essenciais a toda a tecnologia electrónica que hoje suporta literalmente a globalização. A recente decisão da China, produtor de 95% dos metais raros empregues na indústria, de suspender todas as exportações destes recursos a partir de 2015, deixou a Alemanha em estado de choque (2).

    A nova e mais suave ditadura chinesa, que (mutatis mutandi) não anda muito longe da arquitectura autoritária de Salazar, ajuda a traçar com mais precisão e controlo do que as democracias obesas do Ocidente os seus objectivos estratégicos: melhorar a saúde pública, elevar os padrões de qualificação técnica e cultural da população, liberalizar moderadamente a cidadania, controlar os padrões de consumo interno, manter um saldo largamente positivo entre exportações e importações, manter nas mãos do Estado todas as alavancas industriais e controlos financeiros estratégicos da economia, participar decididamente na corrida científica e tecnológica em curso e, por fim, promover o desenvolvimento dos necessários meios de defesa diplomática e militar à sustentação de tão ambicioso desígnio. 

    Diante deste panorama, os Estados Unidos perdem terreno e desorganizam-se numa espiral de decadência cada vez mais preocupante. Resta pois, para assegurar algum equilíbrio na balança das nações, a esperança numa Europa económica e financeiramente forte, livre, dialogante, que não se deixe atrasar e seja capaz de recuperar do estado de preguiça social em que se deixou cair nas últimas décadas. É aqui, pelos vistos, que a recuperação trapalhona do pacto franco-alemão entra! A troco da tolerância alemã para com os privilégios decadentes dos franceses, a França de Sarkozy prepara-se para ajudar a Alemanha a exercer uma mão mais dura sobre as paquidérmicas democracias burocráticas do Mediterrâneo.  

    Não coloco em questão os objectivos, mas sim o método. Retirar direitos políticos aos estados da União que sistematicamente têm as suas contas públicas e externas no vermelho (colocando-se na condição de pedintes incorrigíveis da União) é uma humilhação desproporcionada e intolerável.  

    Por sua vez, mudar tratados de seis em seis meses, como a recente iniciativa da senhora Merkel, acolitada pelo garnisé Sarkozy, pretende, não passa de uma estupidez institucional que só poderá atrapalhar ainda mais a consolidação do projecto europeu. 

    Para forçar os PIGS a uma dieta orçamental, basta fechar-lhes a torneira do BCE e aplicar pesadas multas ao desvario insaciável das partidocracias que há décadas se banqueteiam com os impostos de quem produz e as lentilhas douradas enviadas por Bruxelas. 

    Olhando o problema da perspectiva dos PIGS, talvez esta pressão seja a oportunidade desejável para fazermos algo. Eu proponho uma coisa simples e prática: criar uma nova aliança marítima intra-europeia tendo por objectivo gerar um sub-sistema político-financeiro fortemente regulado e capaz de financiar directamente o desenvolvimento económico efectivo, e não especulativo, do Sul da Europa. Esta decisão estratégica deveria ligar os interesses e potencialidades dos países mediterrânicos ao posicionamento atlântico privilegiado de Portugal e Espanha. 

    Mas para aqui chegarmos, rejeitando as muitas humilhações que se perfilam no horizonte, teremos que fazer o trabalho de casa sem demora. Não será nada fácil, dado o grau de corrupção das nossas democracias. Mas para isso serve a Política!

    NOTAS
    1.  "What Really Caused World War 2?"
    2. "Germany feels first Chinese 'rare earths' squeeze". EurActiv, 22-10-2010.

      German high-tech companies have reported their first supply shortages of rare earths following a rapid diminution of Chinese export quotas on the precious metals, which are used in everything from wind turbines to mobile phones and hybrid cars.

      According to Spiegel Online, China's blockade of shipments of rare earth metals is already causing some German companies to suffer shortages.

      German companies say they are being pressured by Chinese officials to increase their investment in China if they want to be assured of access to rare earth minerals.