sexta-feira, julho 24, 2015

Grécia, uma vacina contra o populismo



Do PS a Marinho Pinto, passando pelo PCP e pelo Bloco, os efeitos do maremoto grego serão devastadores, nas próximas eleições e depois.


Há dois tipos de populismo: o do regime instalado, dominado por rendeiros, devoristas e corporações egoístas e corruptas, o qual endividou o país para ganhar eleições e para benefício das suas clientelas, e o populismo que aposta na desgraça para alastrar como se fosse uma gripe, mas que tem o efeito dos cilindros compressores do alcatrão—por onde passa arrasa tudo por igual.

Ninguém, no seu perfeito juízo, irá dar o seu voto a espontâneos que ainda não provaram nada no terreno. O exemplo do que tem acontecido na turma de Marinho e Pinto é, aliás, um claro aviso à navegação. Paulo Morais vai pelo mesmo caminho.

É por estas e por outras que os eleitores estiveram ontem pregados aos televisores, cheios de dúvidas, tentando perceber o que poderão esperar do próximo governo de Passos Coelho.

Ou muito me engano, ou acabarão por optar entre o que conhecem, i.e. a coligação entre Passos Coelho e Portas, e o que também conhecem, ou seja, António Costa, ex-ministro de José Sócrates, de quem nunca se demarcou —e não me refiro, obviamente, ao arguido que está detido em Évora, suspeito de corrupção, mas ao político que atirou Portugal para a sua mais grave bancarrota desde o final do século 19, que só não foi declarada, nem caímos imediatamente numa situação grega, porque tivemos as mãos da Troika a impedir que o dique cedesse à pressão dos credores.

Post scriptum — tenho defendido a necessidade da emergência de novos partidos e a necessidade de uma renovação e reforma profunda dos partidos existentes e com assento no sistema. A primeira hipótese mostra-se, neste momento, demasiado frágil para caminhar até ao próximo parlamento, por falta de ideias realmente inovadoras, maniqueísmo partidário e, sobretudo, falta de juventude; a renovação interna dos partidos, por sua vez, tem progredido no PSD e no Bloco, no PCP só quando os velhos guardiões caírem todos da cadeira é que poderemos esperar mudanças mais sensíveis, e no CDS e Partido Socialista continua congelada à volta de gerações gastas e demasiado comprometidas com o descalabro do país. Não interessa saber se vou votar ou não, ou se prefiro o Bloco ou o PSD. O que aqui faço é escutar a sensibilidade dos eleitores potencias. Neste patamar da realidade prevejo uma maioria da coligação PSD-CDS nas próximas eleições (possivelmente absoluta).

Atualizado em 25/7/2015 11:10

quinta-feira, julho 23, 2015

Ler antes de votar

PIETRA, António Onofre Schiappa, fl. ca 1830
Marquez de Pombal : nasceo em Lisboa a 13 de Maio de 1699... / Schiappa. - [S.l. : s.n., entre 1830 e 1852] ([Lisboa] : : Off. Lithog. de Santos). - 1 gravura : litografia, p&b ; 16,3x12,1 cm (imagem com letra); pormenor. BNP.


Precisamos de uma maioria reforçada na próxima legislatura


O Presidente da República foi muito claro no discurso desta noite: o próximo Governo tem de ter uma maioria estável, porque senão não conseguirá resolver os problemas do país. Não o disse explicitamente, mas deu a entender que não aceitará um Governo sem maioria.
Jornal de Negócios, 22 Julho 2015, 21:37 por Bruno Simões

Tenho zero simpatia pelo senhor Silva, mas a verdade é que Cavaco tem andado bem no fim de um mandato que ainda vai dar muito que falar. Definiu uma posição estratégica correta face à Grécia; respondeu de modo certeiro ao beijoqueiro Jean-Claude; e exige, bem, uma maioria reforçada na próxima legislatura. É que sem revisão constitucional, ou sem uma nova Constituição, e sem uma maioria bem atada, não será possível conduzir a casca de noz portuguesa no mar cada vez mais encapelado que aí vem. A próxima coligação de governo terá que ser não só maioritária, como gozar da maioria qualificada para uma revisão inadiável do presente texto constitucional.

Portugal tem uma dívida pública, privada e externa colossal, gerada em grande medida pela corrupção endémica do país, e pelo populismo genético da democracia saída Revolução de Abril.

Salvo se reduzirmos o estado às suas funções essenciais, eliminando as redundâncias e entregando à sociedade o que esta pode fazer melhor e mais barato, salvo se reduzirmos o poder de bloqueio corporativo das agremiações rendeiras e devoristas do país —dos sindicatos dos funcionários públicos e equiparados, ao exército partidário que proliferou como uma praga, passando pelos banqueiros e industriais a soldo do orçamento de estado e dos subsídios comunitários—, salvo se libertarmos a iniciativa dos cidadãos e das suas empresas e associações livres, da canga burocrática que os reprime e esfola em sede fiscal, salvo se aprendermos a criar e proteger instituições democráticas sólidas, contra o nepotismo, a partidocracia e a predominância de uma aristocracia nova que herdou a iniquidade e repete os mesmos vícios de sucessivas gerações, pelo menos desde 1640, atirando e mantendo ainda hoje Portugal na cauda do mundo, o que nos espera é um enorme buraco negro, muito semelhante ao da Grécia, onde, se não pararmos um momento para pensar antes de votar, cairemos miseravelmente e sem retorno.

A aliança tipicamente provinciana e reacionária entre Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral é a imagem mais fiel das resistências indígenas que teremos que vencer se quisermos finalmente criar um país civilizado, produtivo e justo.

Cá, como na Grécia, as velhas elites caricatas e obscurantistas, economicamente retrógradas e politicamente autoritárias, unem-se por conveniência oportunista a uma esquerda radical zombie cujo realejo disléxico há muito alienado da realidade é incapaz de apresentar uma ideia prática que se veja. Não precisamos de passar pelo suplício de ver um dia o senhor Louçã num ministério. O pesadelo proporcionado pelo Syriza aos gregos, e o senhor Varoufakis, chegam e sobram!

Não sei se os economistas (nomeadamente os sábios de António Costa) e os jornalistas da nossa ilustrada praça leram Trade and Power—Informal Colonialism in Anglo-Portuguese Relations, de Sandro Sideri, publicado em 1970. Se não leram, está na altura de lerem.

Duas citações apenas de um livro que vale cada vírgula, para o debate que deveria haver entre os beatos do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda, e o famoso liberalismo de Passos Coelho. O primeiro ministro, apesar de contaminado pela pressão dos poderosos fregueses que o rodeiam, percebeu o essencial: endividados até ao tutano não iremos a parte alguma. Ou melhor, estando onde estamos, se não travarmos a fundo a despesa pública e o endividamento privado, se não libertarmos o estado de quem dele se serve sobretudo para proveito próprio e da casta, se voltarmos a ser governados por quem pensa que a obsessão do défice é uma doença, então sim, iremos àquela parte. Tal como foi a Grécia. E não será nada agradável de ver, menos ainda de viver.

...the potential contribution of capital to development is minimal without the necessary ‘institutions’ to really take advantage of it.

[...]

“In fact the partial success that Pombal did achieve with his commercial policies and the reduction of the trade deficit with Britain, encouraged him to move into a vast programme of industrialization. He could not fail to realize that without a strong manufacturing sector, his country’s dependence on the old ally might be somewhat lessened, but certainly not eliminated. Commercial measures alone could not substantially improve the Portuguese economic situation; if her destiny was to rest in Portuguese hands, and if a modern nation was to be reborn from what had become a colony then they had to be part of a large plan geared to the development of manufactures. Thus, it was necessary to redress the situation that had been created by the previous Anglo-Portuguese commercial treaties and which had forced the country into such a specialization that in the middle of the 18th century ‘two-third of her physical necessities were supplied by England’. This situation could not have been changed without breaking the regulations on which such a dependence was based. It is this emphasis on national interests, without war as the final aim of his development strategy, that makes Pombal more a forerunner of F. List [Friedrich List] than the last mercantilist, especially of the Colbert type.

There is another element in Pombal’s development strategy that reminds us of List’s industrial education, namely his constant effort to strengthen the young and  small bourgeoisie and gain its participation in the economic process. It was through his efforts that some of the most successful merchants and industrialists were made noblemen; this introduced a new mentality and outlook into the old ultra-conservative Portuguese nobility whose parasitic role had been increasing during the first half of the 18th century.”

(S. Sideri, 1970)

quarta-feira, julho 22, 2015

Porque cresce o turismo em Portugal e Espanha?

Photo: ruispotter.blogspot.com

O mérito dos políticos, neste caso, é nulo


Há oito causas essenciais para o crescimento do turismo em Portugal e Espanha, muito acima das suas economias, e nenhuma delas é mérito dos governos e políticos de turno, nem da sua propaganda:
  1. a queda do preço do petróleo;
  2. a queda continuada das taxas de juro;
  3. as guerras que assolam praticamente todos os destinos turísticos do Mediterrâneo oriental e os países do Magrebe; 
  4. o avanço das companhias aéreas Low Cost na Europa; 
  5. o aumento exponencial da emigração em Portugal e Espanha; 
  6. a deflação, que torna as estadias economicamente mais convenientes;
  7. o impacto da austeridade europeia e mundial nos bolsos dos viajantes (a Ásia e o Pacífico ficam mais longe);
  8. and last but not least, o colapso da Grécia :(

Aviso

A economia do turismo só não é sazonal e sujeita a contingências como as crises na Tunísia, Síria, Líbano, Egito, Turquia ou Grécia, se os países que recebem turistas forem económica e culturalmente fortes e diversificados, e não assentarem em regimes extrativos, nomenclaturas rentistas, estados devoristas e burocráticos, nem em setores económicos protegidos pelo corporativismo e pela corrupção político-partidária. Capiche?

Prova disto mesmo: a queda abrupta do turismo na Grécia ( Forget  Greece, We're Going to Spain, by Henrique Almeida, Maria Tadeo and Elco Van Groningen. Bloomberg Business, July 3, 2015)

terça-feira, julho 21, 2015

Crime e castigo

Dominatrix—Wikipedia


A corrupção combate-se com transparência


Francisca Almeida deixa bancada do PSD


A deputada que criticou a norma interna do PSD que obriga os futuros parlamentares do partido a renunciarem ao mandato em caso de "persistente divergência com as orientações do grupo parlamentar" anunciou ontem que não voltará a ser candidata no próximo mandato.

J.P.H, DN, 21/7/2015

A corrupção que arruina as nações é uma hidra com centenas de cabeças, que voltam a crescer depois de cortadas. Só as regras de transparência e punições automáticas e abrangentes podem travar este cancro instalado no regime.

Bastará aprovar meia dúzia de regras de transparência, nomeadamente sobre declaração de interesses, conflitos de interesses, incompatibilidades, e sobre as portas giratórias entre as várias tocas e lojas da nomenclatura que assaltou a democracia, para que esta comece a melhorar rapidamente.

As instituições, corporações, lojas e famílias que se sobrepõem à lógica e às instituições próprias das democracias são a origem do cancro da corrupção que está a dar cabo das democracias em todo o mundo. Se quisermos legar o ideal democrático, da liberdade e da igualdade de oportunidades e direitos para todos, teremos que destruir o cancro da corrupção.

Isto, e uma severa dominatrix alemã sempre pronta a castigar os mais, e as mais, renitentes, claro!

domingo, julho 19, 2015

Contemporânea do Chiado

Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado

O que nasce torto...


A inauguração de algumas salas da nova extensão do Museu do Chiado deu origem a uma trapalhada lastimável.
  • O secretário de estado revogou um seu despacho anterior sobre a transferência das obras de arte da chamada Coleção da SEC (na realidade, um cúmulo de aquisições discricionárias e tipicamente burocráticas), depositadas desde 1997 no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, para o acervo do agora chamado Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em fase de ampliação das suas exíguas instalações.
  • O diretor do museu, David Santos, e a curadora Adelaide Ginga, que está ao serviço da instituição e é co-curadora da exposição em causa, não gostaram que o subtítulo da exposição —“O legado da coleção da Secretaria de Estado da Cultura ao MNAC”— fosse inopinadamente mudado para “Arte Portuguesa na Coleção da Secretaria de Estado da Cultura (1960-1990)”.
  • O copo finalmente transbordou quando a hierarquia de que depende o Museu do Chiado (Secretário de Estado da Cultura e Diretor-geral do Património) exigiu a supressão nos textos da exposição da frase “incorporação da coleção SEC no MNAC”, para assim, segundo Adelaide Ginga, “não criar problemas institucionais com Serralves”.

A versão de Serralves

Num comunicado de três páginas, no qual é relatada a sequência de correspondência entre as duas instituições, Serralves realça que o então diretor do Museu do Chiado David Santos, que se demitiu na passada semana, “concordou integralmente e de forma explícita com as condições” pedidas, ou seja, que as 114 obras da designada “Coleção da SEC” emprestadas por Serralves seriam creditadas como “obras da Coleção da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) em depósito na Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea”.

“O Conselho de Administração de Serralves considerou então que estavam reunidas as condições para o empréstimo das obras e, em 22 de junho de 2015, foi assinada pelos diretores dos dois museus, Suzanne Cotter e David Santos, uma ficha de empréstimo das obras que cumpriu integralmente as condições estabelecidas”, refere o mesmo comunicado.

e ainda...

Num protocolo assinado em 1997, entre a Fundação de Serralves e o Ministério da Cultura, pode ler-se que a intervenção de Serralves, em termos da coleção de arte do Estado - a chamada coleção da Secretaria de Estado da Cultura - se “deverá centrar no período a partir da década de [19]60 e que o Museu do Chiado abarcará a arte portuguesa dos finais do século XIX até à década de 60”, ficando as obras afetas à coleção da Fundação de Serralves depositadas “por um período de 30 anos”, a contar da data daquele protocolo - até 2027 - automaticamente “renovável por períodos de cinco anos”.

Lusa via RTP, 16 Jul, 2015, 07:09 (notícia completa)

As razões de David Santos (1)

Resposta ao Comunicado do Conselho de Administração da Fundação de Serralves sobre a Coleção da Secretaria de Estado da Cultura

Tal como decorre do teor do próprio texto da carta de 18 de Maio de 2015, citada no comunicado do Conselho de Administração da Fundação de Serralves de 15 de Julho, o assentimento que então dei, em conformidade com ordem hierárquica superior, à identificação das obras nos termos da creditação “solicitada” pela Fundação de Serralves, e que aceitei, numa lógica de cooperação institucional e por entender que não esvaziava de sentido a exposição, tal qual tinha sido inicialmente concebida, jamais implicou abdicar, no próprio texto curatorial, da justificação da exposição, com a necessária referência à afectação da colecção SEC ao Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado, determinada por despacho do SEC de 5 de Fevereiro de 2014, cuja revogação me foi comunicada no dia 6 do mês em curso e na sequência da qual me foi, então sim, determinado superiormente que eliminasse qualquer referência à dita afectação.

Vila Franca de Xira, 16 de Julho de 2015
David Santos

Comparando as duas versões relatadas dos acontecimentos parece-me evidente que houve uma gestão desastrosa do melindre suscitado pelo despacho de Barreto Xavier, entretanto revogado, que determinava a “incorporação da coleção SEC no MNAC”. A ser verdade o que escreve a administração da Fundação de Serralves, então a frase citada não poderia mesmo ser inscrita na exposição Narrativa de uma Coleção, independentemente do estipulado no despacho de 2014, pois compete ao SEC, e não do diretor do Museu do Chiado, estabelecer o tempo e o modo de execução do referido despacho.

Não há também censura, nem usurpação de autoria, quanto à decisão da tutela.

Sou amigo de David Santos, e sou amigo de Adelaide Ginga, como amigo sou de Jorge Barreto Xavier e de Nuno Vassallo. O critério desta opinião teria, pois, quer de outra natureza.

Alguns antigos responsáveis pela dislexia museológica nacional solidarizaram-se com David Santos e protestaram in situ contra as decisões de Jorge Barreto Xavier e Nuno Vassallo. Se não foi apenas um reflexo condicionado, nem um ato falhado, gostaria de conhecer os seus argumentos (2)

Como tenho opinado, e recentemente escrevi, o Museu do Chiado não deve ser mais um museu de arte contemporânea sem estrutura institucional à altura do título, sem missão clara e justificada, sem meios nem orçamento decentes, sem autonomia, sucessivamente entregue a direções fracas porque dependentes de um estado burocrático capturado pelas clientelas partidárias ou culturais de turno.

O Museu do Chiado deve ter uma e uma única missão: ser o Museu do Chiado, começando por reler o que Pessoa opinou sobre a Contemporânea, e museografar de forma competente e viva o legado riquíssimo de quem o habitou aquele coração da cidade, dando-lhe a forma e a fama cultural que merece.

Como é possível ainda não termos visto no Museu do Chiado uma exposição antológica sobre Rafael Bordalo Pinheiro?

“Perante qualquer obra de qualquer arte — desde a de guardar porcos à de construir sinfonias — pergunto só: quanta força?” (Álvaro de Campos, in Arquivo Pessoa)

Sobre este mesmo tema, neste blogue

NOTAS
  1. Da leitura deste esclarecimento enviado por David Santos ao Público online concluo que havia atrito evidente nas negociações do 'empréstimo' das obras da Coleção SEC, à guarda da Fundação de Serralves, ao Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado. Se não fosse este o caso, o Museu de Serralves não poderia emprestar o que não era seu à entidade a quem fora destinada a referida coleção, embora só depois 2027, se... Mais relevante é ainda o facto de as divergências terem sido levantadas pela própria administração de Serralves, instância obviamente acima da que representa a diretora do museu com o mesmo nome, Suzanne Cotter. Logo, o assunto deveria ter transitado (transitou?) para o secretário de estado da cultura, Jorge Barreto Xavier, a quem competiria decidir as ações a empreender. Nem o diretor do Museu do Chiado, nem a co-curadora da exposição, Adelaida Ginga, tinham autoridade para insistir numa frase —“incorporação da coleção SEC no MNAC”—, menos ainda depois do despacho para que remetia a frase ter morrido. O SEC revogou a 6 de julho. O diretor demitiu-se a 8. Mas a exposição só inauguraria a 15, ou seja, tudo poderia ter sido resolvido nos oito dias que se seguiram à revogação do despacho de 2014.
  2. Li, entretanto, o panfleto de Raquel Henriques da Silva publicado em tempo útil pelo Público. O raciocínio do panfleto é tipicamente formal e burocrático, e aposta, como é usual em vésperas eleitorais, numa das hipóteses que concorrem, no caso, António Costa, e portanto numa mudança de titular à frente dos negócios da cultura, e certamente também num novo diretor para o que não deixa de ser um micro museu—segundo RHS, nacional e da arte portuguesa dos séculos 19, 20 e 21!

    Raquel Henriques da Silva sabe muito bem o que é engolir sapos, e conhece melhor que ninguém o resultado pífio da sua prestação museológica no país. O que decidiu ruiu, e o que se mantém, bem (Serralves), ou mal (Museu Berardo), não dependeu de si. A sua visão de típica burocrata centralista nunca lhe permitiu perceber a periferia de Lisboa, quanto mais o resto do país.

    Estender o Museu do Chiado para as antigas instalações ocupadas pelo Governo Civil de Lisboa foi obra do atual secretário de estado, Jorge Barreto Xavier, assim como o despacho que, se executado com prudência, sensibilidade e diplomacia, teria levado paulatinamente o acervo sofrível, conhecido como Coleção SEC, para as futuras reservas do Museu do Chiado, quando as mesmas estivessem prontas. Por isto, aliás, o protocolo com Serralves, de 1997, previu prudentemente um depósito das mencionadas obras, nas reservas no novo Museu de Serralves, até 2027. A abertura da nova extensão do Museu do Chiado e a exposição que hoje lá podemos ver teria antecipado este prazo, precisamente porque fora coroado de êxito o trabalho político paciente e juridicamente informado de Jorge Barreto Xavier. No fim, alguém borrou a pintura, cedendo à provocação (admito) de um administrador de Serralves, mas esta culpa, do que pude apurar, não pode ser assacada ao secretário de estado da cultura. Este engole sapos, tal como Raquel Henriques da Silva, à sua dimensão, terá engolido uma mão cheia deles ao longo da sua carreira. É a vida dos funcionários públicos e dos políticos que chegam e partem. Falar de censura, ou de atentado à autoria, a propósito deste escusado incidente é que não tem o mínimo fundamento.

    David Santos foi colocado perante uma pressão vinda do alto, tal como Barreto Xavier e Nuno Vassallo. Não soube gerir a pressão, e portanto decidiu mal, pois em nome de uma honra e deontologia que não estavam em causa comprometeu a sua própria agenda profissional e o projeto que defendeu para o Museu do Chiado. Os artistas que dele muito esperavam ficaram, uma vez mais, apeados.

    Leio insistentemente que os quadros da dita Coleção SEC andam por ai abandonados nos gabinetes ministeriais, “em gabinetes no Palácio da Ajuda e na Presidência do Conselho de Ministros” (RHS, Público, 14/7/2015), como se fosse uma lepra que ataca a pintura, a fotografia e a escultura. Mas as obras de arte não são feitas para decorar ou comemorar os aposentos de quem as compra—as nossas casas, os átrios e os gabinetes das administrações de empresas e instituições, as praças emblemáticas das cidades de todo o mundo? Não vemos, quase diariamente, uma monumental tapeçaria de Eduardo Batarda decorando as molduras humanas do Tribunal Constitucional? Não vemos pela televisão pinturas do mesmo Batarda, de Jorge Martins e de outros artistas portugueses nas reportagens políticas que nos chegam da sede da Comissão Europeia em Bruxelas? Onde crê a Raquel Henriques da Silva que as obras de arte devem estar? Nas morgues dos museus, onde por definição só os conservadores e os restauradores as observam, em museus que ninguém visita, ou entre os mortais que todos somos?

    Não temos nem poupança, nem competências para alimentar 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 museus de arte moderna e contemporânea com os impostos que pagamos cada vez mais, ou com isenções fiscais que muita falta fazem noutras instâncias sociais. Sobretudo quando é para mostrar os mesmos artistas do cardápio palaciano de sempre, e boa parte destes museus estão invariavelmente às moscas salvo quando há inaugurações. E mesmo nestas...

    Se querem rentabilizar o Museu do Chiado chamem-lhe apenas Museu do Chiado, e convoquem Álvaro de Campos, o Almada Nome de Guerra, o Rafael Bordalo Pinheiro, Leitão de Barros, Mário Barradas, a voz genial de Villaret, Cezariny, O'Neill, Jorge Vieira, Lopes Graça, Joly Braga Santos, Hogan, Luís Pacheco, em suma, os mortos mais vivos do Chiado, e então teremos um museu a sério, pós-contemporâneo, habitado e explosivo.

    Estou farto de escribas e burocratas.
Atualizado: 19/7/2015, 18:00

sábado, julho 18, 2015

A opinocracia indígena



Culpado de investir, ou de esconder um conflito de interesses?


Miguel Sousa Tavares tinha 2 milhões investidos no GES mas diz que não sabia
Observador, 17/7/2015 8:46

Escritor terá investido cinco vezes num ano no GES, através do fundo ES Liquidez. No total foram 2 milhões de euros, diz o semanário Sol. Mas Sousa Tavares diz que nunca "soube" nem "nunca autorizou".

Miguel Sousa Tavares dá mais explicações sobre investimentos no GES
Observador, 17/7/2015, 23:53

O escritor diz que se quisesse ter investido no GES, tê-lo-ia feito de forma direta; diz que está a ser "um alvo colateral" e queixa-se de violação de sigilo bancário.

Agora é só compilar o que MST foi dizendo e escrevendo sobre o BES, o GES e a (também) sua família Espírito Santo. Ou ainda sobre o famoso 'TGV', cujo projeto aprovado foi anulado pelo Tribunal de Contas, satisfazendo assim o cartel do NAL em Alcochete.

Se a linha de alta velocidade e bitola europeia Pinhal Novo-Poceirão-Caia tivesse ido para a frente o embuste da cidade aeroportuária de Alcochete-Canha-Rio Frio, ou seja o novo aeroporto de Lisboa na Margem Sul (ex-NAL da Ota) teria caído imediatamente, destruindo toda a estratégia de investimento especulativo imaginada pelo senhor Ricardo Espírito Santo (+ BPN, Cavaco, PSD, PS e PCP) para aquela-sub-região.

Convém lembrar aos investigadores, jornalistas e procuradores, que a compra de 4000ha da Herdade de Rio Frio, por 250 milhões de euros, ocorreu 34 dias antes de José Sócrates ter anunciado, a 10 de janeiro de 2008, o fim do NAL na Ota e o novo NAL de Alcochete.

Um dos testas de ferro da SLN (e de Cavaco), o senhor Fantasia, munido de empréstimos do BPN, BCP, BES, Banif e Banco Popular, foi um dos principais protagonistas das aquisições de terrenos na zona destinada ao futuro mega aeroporto de Lisboa e à correspondente cidade aeroportuária, como lhe chamou o visionário Mateus.

Há também, ao que consta, nesta trapalhada toda, o envolvimento dum fundo financeiro do PS sediado na Holanda. Há, ou não há?

Felizmente, o Memorando, a venda da ANA, e as Low Cost rebentaram com este monumental e previsivelmente ruinoso negócio de piratas, no qual também existiram os interesses do senhor Ho, pois parte do financiamento do NAL da Ota em Alcochete viria da privatização da ANA e da venda dos terrenos da Portela para aí construir uma China Town de luxo!

A Grécia estourou, entre muitos outros motivos, pela ruína e corrupção somadas do novo aeroporto de Atenas e das Olimpíadas.

E no entanto, em Portugal o turismo não parou de crescer desde o Memorando, sem precisar de qualquer novo aeroporto. O aeromoscas de Beja existe, mas não consta que tenha ajudado ao crescimento do turismo no Alentejo! Foi, sim, preciso remover as proteções que durante mais de uma década foram levantadas contra as companhia aéreas Low Cost.

Caímos na pré-bancarrota por causa do roubo sem freio dos recursos e dos empréstimos, mas também pela obstrução criminosa ao crescimento criada pelo Bloco Central da Corrupção, de que a banca portuguesa foi obviamente parte cúmplice e interessada.

Sobre o trovão que opina sem cessar, aqui fica a moral da história: um opinocrata que não declara os seus interesses é um opinocrata destituído de credibilidade. Que tal demitir-se de opinar, ou colocar um carimbo na testa antes de opinar?

quinta-feira, julho 16, 2015

A última ponte para Atenas

Em discurso no Parlamento, o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, voltou a afirmar que assinou um acordo no qual não acredita para evitar uma 'tragédia' — Globo (Foto: Aris Messinis / AFP Photo)

A Grécia encontra-se numa espécie de quarentena, fora do euro


O FlashGrexit é evidente, como evidente é também o facto de a Grécia ser hoje um estado falhado; um estado europeu, da União Europeia, mais ou menos moderno e desenvolvido, mas falhado.

A estratégia de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble, que passava por um Grexit duradouro e por uma espécie de Blitzkrieg institucional no seio União Europeia, da zona euro e do BCE, foi derrotada por Washington, cujas ações apareceram claramente sintonizadas com a França e a Itália, mas também com o FMI, o BCE, o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, o presidente do parlamento europeu Martin Shulz, e o polaco e presidente do Conselho Europeu Donald Tusk.

Ou seja, apesar de a Grécia ser hoje uma gangrena financeira, social, política e institucional, decepá-la da zona euro e da União Europeia —a consequência provável de um Grexit definitivo— poderia abrir uma Caixa de Pandora de consequências imprevisíveis. E por isso não foi aberta.


O mapa que decidiu a sorte da Grécia

O mapa que ajudou a segurar a Grécia dentro da zona euro

Todos os novos projetos de fornecimento de gás natural à Europa, alternativos à massacrada Ucrânia, entram pela Grécia:

Turkish Pipeline : planeia transportar gás natural da Rússia para a Europa : Rússia - Mar Negro - Turquia - Grécia...

The Friendship Pipeline, aka Islamic Pipeline (Iran-Iraq-Syria pipeline) : planeia transportar gás natural do Golfo Pérsico para a Europa : Qatar-Irão - Iraque - Síria - Líbano - Chipre - Grécia...

TANAP (Trans Anatolian Natural Gas Pipeline) : planeia transportar gás natural do Mar Cáspio para a Europa : Azerbeijão (Baku) - Geórgia - Turquia - Grécia...

TAP (Trans Adriatic Pipeline) : planeia transportar gás natural do Mar Cáspio para a Europa : Turquia - Grécia - Albânia - Mar Adriático - Itália.... Faz parte do TANAP.

Os principais países fornecedores de gás natural em competição são a Rússia, o Irão/Qatar, e o Azerbeijão. Os mais importantes países da região envolvidos na passagem do gá são a Rússia, o Irão, a Turquia, o Iraque e a Síria. Outros países especialmente envolvidos nesta disputa: Israel, Líbano, Egito e Arábia Saudita. Potências ocidentais especialmente envolvidas nesta guerra: Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha.

O acordo nuclear com o Irão só foi assinado depois de clarificada a questão grega. 

Não foi por acaso. Um Grexit teria levado a Rússia a bloquear as negociações com Teerão, adiando sine die o Gasoduto da Amizade Irão-Iraque-Síria, em benefício do Gasoduto Turco acordado entre Putin e Tsipras no passado dia 19 de junho.

O dilema alemão

A Alemanha tinha, pois, um dilema pela frente: ou continuava a alimentar os piratas gregos a Pão de Ló, ou teria que contar com a Gazprom, tanto a leste, como a sul... Em todo o caso, os seus graus de liberdade energética continuam a passar pela Grécia, pela Itália e pela França. Capiche?

Tordesilhas 2.0

A aliança atlântica está para lavar e durar. A Alemanha terá, pois, que se conformar com a sua geografia, sobretudo porque o Novo Tratado de Tordesilhas, a ter lugar, será decidido entre os países atlânticos e a China. África ficará no hemisfério ocidental do Tratado. A Ásia no hemisfério oriental do mesmo. Quanto ao Médio Oriente e à Rússia, terão que se preocupar cada vez mais com a falta de gente, ou com a falta de água, e ainda com as suas ideologias arcaicas, pelo que continuarão numa espécie de limbo violento e sem grande futuro cultural nos tempos mais próximos.

A Grécia de Tsipras

Quanto à Grécia, quem sabe se o radical Tsipras não é o novo realista de que o país precisa para sair da sua degenerada democracia em direção a algo decente e próspero.