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Templo (zen) do Pavilhão Dourado, Séc.XIV, Quioto, Japão (2005) |
De um governo sem legitimidade plena, ao aborto orçamental, foi um passo
“Um país que se limita a discutir onde gastar os milhões que sobram depois de pagar juros equivalentes a 10% do total de despesa pública, e depois de cortar outros tantos exigidos por Bruxelas, será sempre um país amputado do seu poder de decisão. O campo das nossas escolhas é cada vez mais curto e, mais tarde ou mais cedo, chegaremos à conclusão que não tem espaço suficiente para a democracia.”
Mariana Mortágua, “É preciso ter lata” Jornal de Notícias (09/02/2016)
Não chega, Mariana. É preciso passar do oportunismo aos atos, ou seja, ao compromisso de uma coligação com o PS!
Kongo, um das empresas mais antigas do planeta morreu no Japão em 2006, ao fim de 1400 anos de vida. Em situação comatosa está hoje o mais antigo banco do mundo, o Monte dei Paschi di Siena. As notícias sobre o Deutsche Bank são preocupantes. O que une estas três ocorrências é simples de avinhar: dinheiro fácil, destruição da poupança privada, exposição a bolhas especulativas e sobre endividamento.
O que realmente conduziu ao colapso da monarquia portuguesa, e depois ao colapso da I República, foi a mesma causa eficiente, ou seja, a irresponsabilidade da casta dominante, corrupção pandémica e fora de controlo, bancarrota e perda da maioria dos graus de liberdade que consubstanciam a soberania. Portugal encontra-se outra vez a um passo de perder a sua autonomia política. Por culpa dos outros? Por culpa de Bruxelas, da Alemanha, dos bancos ou das agências de notação financeira que contratámos? Não. Nós é que deixámos, uma vez mais, que o poder fosse apropriado por uma nomenclatura indigente, inculta e criminosa.
Expresso — Há mais aposentações, não vão entrar pessoas...
Mário Centeno — Vamos usar a capacidade analítica que nos dá termos estudado muitos anos dados muito individualizados. Vamos analisar a utilização de recursos humanos na Função Pública. Não há ainda hoje um recenseamento da Administração Pública. Não sei, como ministro das Finanças, qual é o recenseamento de funcionários públicos.
E — Há muito tempo que não se sabe.
MC — Desde 2005! Veja bem. Há 10 anos que não se sabe. Não é possível fazer a gestão de recursos humanos se não houver esse instrumento.
[...]
E — Fala de uma taxa de crescimento de emprego de 0,8%, quantos postos de trabalho é que vocês calcular criar?
MC — Não sei esse número.
[...]
E — Sobre a questão das 35 horas...
MC — Quando conseguirmos garantir do ponto de vista do Governo que esta medida se pode começar a aplicar, tendo garantias de não aumento da despesa.
E — Ainda este ano?
MC — Não lhe posso responder.
Sublinhei a tempo e horas que a geringonça nos levaria para uma austeridade de esquerda, versão cor de rosa vermelha da austeridade de Passos Coelho—a qual, e ao contrário do que a Troika reiteradamente defendeu, protegeu os rendeiros do regime, castigando para lá do tolerável quem se viu forçado a fugir do país. E denunciei também o exercício orçamental de Mário Centeno como sendo um
embuste. O resultado da farsa partidária e jornalística que se seguiu, pontificada pelo imprestável Costa e pelo cínico Santos Silva, foi termos hoje em cima da mesa um aborto orçamental.
O ponto em que estamos não deixa muitas alternativas à geringonça.
A posição das muletas do PS de António Costa é insustentável. Ou avançam para um governo de coligação, assumindo, como é seu dever, as responsabilidades pelo que têm cozinhado no Soviete Supremo de São Bento e na Intersindical, ou serão vistos como oportunistas indignos de uma nova rodada de bonança eleitoral.
A crise bancária indígena soma e segue no vermelho. A desorientação governamental, nomeadamente no cada vez mais sórdido tema da TAP, ou no modo cobarde como o primeiro ministro desautorizou o seu ministro das finanças, são sintomas de uma gangrena que já começou a proliferar nos tecidos desconexos da geringonça.
É por isto que a sobrevivência depende agora, criticamente, da assunção de responsabilidades por parte de quem assinou as
posições comuns que levaram, pela primeira vez na nossa ordem constitucional e tradição institucional, à formação de um governo minoritário liderado pelo partido que perdeu as eleições.
A única forma de remediar esta originalidade a que falta legitimidade democrática plena, e que tarde ou cedo sucumbirá, é transformar a geringonça num governo de maioria entre o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda.
Bloco e PCP não podem mais esconder-se atrás do PS, nem António Costa poderá continuar a proferir alegremente disparates à esquerda e à direita.
Ou estes partidos abandonam a infantilidade de que têm dado provas, ou será o novo presidente da república a ter o ónus de suturar uma ferida onde o pus se acumula a cada dia que passa.
Atualização: 9/2/2016 11:39 WET