sábado, fevereiro 02, 2008

Crise Global 11


A bolha dos derivados é mil vezes maior e mais explosiva que a do Subprime!

The sub-prime disaster is a drop in the bucket compared to the massive derivative monster in the banks. Don't think the Fed doesn't know this. -- John Riley, The Trillion Dollar Secret.

01-02-2008. The political balance is swinging back. Neoliberal globalization will be written about ten years from now as a cyclical swing in the history of the capitalist world-economy. The real question is not whether this phase is over but whether the swing back will be able, as in the past, to restore a state of relative equilibrium in the world-system. Or has too much damage been done? And are we now in for more violent chaos in the world-economy and therefore in the world-system as a whole? -- Immanuel Wallerstein, 2008: The Demise of Neoliberal Globalization.

Quando li que uma off-shore chamada Trasset Investments BV comprou a Sociedade Agrícola do Rio Frio, de 4 mil hectares, por 250 milhões de euros, uns dias antes de ser conhecida a decisão de José Sócrates sobre a localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), fiquei a pensar se teria sido ou não um bom investimento. Se o secreto investidor sabia de antemão qual iria ser a decisão do governo, fez uma excelente compra. Mas se não sabia? Ou ainda, noutro cenário, se o NAL ficar para as calendas gregas, por causa da crise económica e financeira mundial, dum "oportuno" chumbo ambiental de Bruxelas, da falência da TAP, ou da queda prematura deste cada vez mais frágil governo, os especuladores com sede em Amesterdão terão ou não feito um bom investimento?

Cheguei à conclusão de que sim. Em qualquer dos casos, haja ou não haja NAL, foi uma boa decisão. E porquê? Porque o boom da economia financeira virtual chegou ao fim! E assim sendo, como recomendava já aos meus leitores em Dezembro de 2006, nada de enterrar poupanças em produtos financeiros (1), e nem sequer em ouro e joias, pois a bolha aqui formada começou igualmente a implodir (2). Toca a comprar (ou alugar) terra arável, se possível, próxima dos grandes centros urbanos! Se a terra, para lá das suas propriedades orgânicas e exposição solar, tiver também potencialidades especulativas, tanto melhor! Ou seja, haja ou não NAL, a herdade de Rio Frio valerá sempre os 6,25 euros/mq que pagaram ou tencionam pagar pela dita. Se não for destruída ou irremediavelmente retalhada valerá, num futuro não muito longínquo (2020...), muito mais pelo seu potencial agrícola, do que por eventuais serventias aeroportuárias que venha a autorizar.

A economia americana e europeia estão a acordar de um sonho que se transformou num pesadelo. O sonho foi acreditar que o Capitalismo poderia ser alimentado eternamente pelo consumo, autorizando por isso a exportação de boa parte das actividades produtivas para a Ásia. O pesadelo foi acordar com a verificação catastrófica de que a dívida infinita em que se metamorfoseou o sistema financeiro mundial, erigido pelos casinos de Wall Street, Londres, Tóquio e Frankfurt, pode a qualquer momento afundar por uma centena de anos, ou mais, a supremacia económica e política do Ocidente, conquistada a pulso, por vezes violento, desde o longínquo ano de 1498, quando Vasco da Gama avistou Calecute, descobrindo então o caminho marítimo que ligaria a Europa à Índia. Estamos, por assim dizer, neste preciso momento, no olho do furacão que destruirá o hegemonismo euro-americano no mundo, e a experiência não vai ser bonita!

Termino esta lúgubre nota como comecei: citando um esclarecedor artigo de John Ryley no Cornerstone, e recomendando a leitura integral do artigo acima citado, escrito pelo sempre lúcido Immanuel Wallerstein.
... "there is a secret right in front of everybody that the Fed, Wall Street and the banking industry wants to make sure investors don't notice. It is the incredible growth in derivatives. If you think the sub-prime problem is big, you ain't seen nothing yet.

According to the Comptroller of the Currency, total Derivatives in the top 25 banks in the US amount to about 180 Trillion dollars. Not billion, trillion. 1000 times a billion.

To put this in perspective, the US GDP for the 3rd quarter of 2007 was about 11 Trillion dollars. So they are playing a game with a pool of fictional money that is 16 times bigger than our economy."

... "When thinking about the next Fed move, consider the implications of a 180 trillion dollar mistake. And even if you eliminate the derivatives that are netted out, that still leaves a pool more than double the size of the US economy.

Who is the Fed working for? Who is the Fed most concerned about? Who is the Fed likely to consider before making any moves. Given the choice between a Dollar crash or a major bank failure and closure, which do you think the Fed fears most? If you think the Fed doesn't take the bank's derivatives holdings into consideration, you have not been paying attention. It seems everything the Fed has been proposing since the summer is designed to throw the Dollar under the bus and let inflation run. All to protect the banks." -- in John Riley, The Trillion Dollar Secret.



NOTAS
  1. O Estado português acaba de mudar, sem aviso, as regras de cálculo dos prémios de permanência dos certificados de aforro, poupando com a aldrabice, 95 milhões de euros, ou seja, prejudicando 700 mil aforradores, na sua maioria cidadãos com mais de 50 anos!
  2. O crescimento especulativo dos mercados de ouro e outros metais preciosos chegou entretanto ao fim. Tendo surgido como resposta e escape ao colapso do mercado imobiliário especulativo e de alto risco, a especulação com o ouro, a platina e a prata, que atirou em apenas um ano o preço da onça troy de ouro dos 600 para os 900 dólares, começou a recuar dramaticamente ao meio de Sexta-Feira passada (01-02-2008). Os maiores consumidores de ouro do mundo, os indianos, deixaram de comprar, devido ao alto preço do metal. Este recuo acabou por se reflectir no mercado virtual de aplicações em metais preciosos, caindo a pique no fim da semana que passou.

OAM 305 02-02-2008, 02:37

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Socrates 16

projecto de arquitectura assinado por José Sócrates
"Moradia (ampliação para 3 pisos no meio das casas velhas) na aldeia de Faia, concluída em 1983 com projecto e responsabilidade de José Sócrates. A obra estava a ser feita ilegalmente e a Câmara mandou demoli-la em 20 de Setembro de 1983. No dia 10 do mês seguinte o projecto de José Sócrates entrou na Câmara e no dia 10 Abílio Curto [autarca que viria a cumprir pena de prisão por corrupção passiva enquanto presidente da Câmara da Guarda - OAM] aprovou-o." -- in Público.

Corram-me com este gajo!
Sócrates assinou durante uma década projectos da autoria de outros técnicos.

José Sócrates assinou numerosos projectos de edifícios na Guarda, ao longo da década de 80, cuja autoria os donos das obras garantem não ser dele. Nalguns casos, esses documentos eram manuscritos com a letra de Fernando Caldeira, um colega de curso do actual primeiro-ministro que era funcionário do município e que, por isso, não podia assumir a autoria de projectos na área do concelho.

O primeiro-ministro diz que assume "a autoria e a responsabilidade de todos os projectos" que assinou e que a sua actividade profissional privada se desenvolveu "sempre nos termos da lei". Embora se trate de uma prática sem relevância criminal, as chamadas "assinaturas de favor" em projectos de engenharia e arquitectura constituem uma "fraude à lei", no entendimento do penalista Manuel Costa Andrade, e são unanimemente condenadas pelas organizações profissionais dos engenheiros técnicos e dos engenheiros.

... "a assinatura de favor é uma fraude que devia ser criminalizada, porque quem assina um projecto que não elaborou está a subverter todas as regras da Engenharia e da Arquitectura e a pôr em causa a segurança dos cidadãos" -- Augusto Guedes, presidente da Associação Nacional de Engenheiros Técnicos."

... "Assinar projectos sem os ter feito é uma coisa inaceitável" -- Fernando Santo, bastonário da Ordem dos Engenheiros.

-- in Público, 31.01.2008 - 23h25 José António Cerejo.

Agora percebo melhor as palavras do bastonário da Ordem dos Advogados, quando referia o facto de o cancro da corrupção chegar até às mais altas instâncias do Estado. Agora entendo o súbito recuo do actual governo no sector da saúde. Até luz se me fez a propósito da simpatia orçamental com que foi inesperadamente tratado o rapazola da Madeira! O imprestável primeiro-ministro que temos, posto onde está, não por nós, incautos votantes no socialismo, mas por uma tríade de piratas vorazes e sem escrúpulos, revela-se, a cada nova crise, como o pior de nós mesmos. O homem é a imagem mesma do pintas e do tuga, meio-maratonista, bem parecido e sedutor. Conseguiu (porque não escrutinamos previamente, como devíamos, quem elegemos) ludibriar um país inteiro sem que o mesmo tivesse, até agora, coragem para lhe dar uma boa biqueirada no cu, perdão, exigir a sua imediata demissão, por manifestamente defraudar as expectativas criadas em seu redor, e por actos obscuros, cada vez mais extraordinários, incompatíveis com a idoneidade exigível a qualquer político, sobretudo se exerce as funções de primeiro-ministro de Portugal.

O homem rebentou com uma fábrica de diplomas universitários quando se descobriu a trapalhada mirabolante da sua formação de engenheiro da mula russa. E agora, que descobrimos que também é arquitecto de conveniência, que fará? E que arquitecto! O actual primeiro-ministro andou a assinar dezenas, se não mesmo centenas de projectos de arquitectura, na sua qualidade de putativo "engenheiro técnico", em descarada contravenção das mais elementares normas éticas e deontológicas, ainda por cima para ajudar correlegionários de partido a contornar limitações legais justas e apropriadas, naquilo que há de mais medíocre na corrupção endémica municipal. Ou seja, José Sócrates colaborou activamente naquele que é um dos mais renitentes esquemas de corrupção e prepotência autárquicas: obrigar os pobres munícipes a encarregar as suas obras aos bandos de engenheiros e arquitectos municipais.

Tem sido precisamente contra esta lepra municipal que José Saldanha Sanches tem levantado a sua voz. É desta doença endémica -- a da promiscuidade de interesses e lucros entre especuladores imobiliários, construtores, políticos e agentes municipais -- que falamos quando falamos da crise que levou à queda da Câmara Municipal de Lisboa, ou dos processos-crime levantados contra Carmona Rodrigues, Fontão de Carvalho e Eduarda Napoleão. O facto de a corrupção estar num caso bem tipificada como crime ("participação económica em negócio e de prevaricação de titular de cargo político"), e noutro como fraude sem relevância criminal, não retira nada à substância ética do problema. Em ambos os ilícitos ocorre prejuízo efectivo de alguém, por manifesto sequestro da liberdade de escolha do cidadão (que se vê forçado a escolher autores e técnicos para os seus investimentos), por imposição de práticas anti-concorrenciais no mercado dos projectos e obras de construção, por abuso de informação privilegiada e por manifesto tráfico de influências políticas. Tudo mais do que suficiente, em alguns países, para demitir um primeiro-ministro e levá-lo à barra dos tribunais.

Caso isto não fosse suficiente, cabe ainda proclamar que um país com semelhante gente a dirigi-lo perde toda a credibilidade internacional, nomeadamente numa área cada vez mais crítica nos tempos que correm e se avizinham. Refiro-me ao sector financeiro. A banca internacional aprendeu, com a implosão da URSS, que os Estados podem falir e deixar de assumir os seus compromissos. O efeito actual desta percepção traduz-se numa crescente dificuldades de crédito por parte dos países a caminho da insolvência (que é o nosso caso!)

Depois da chamada crise do Subprime, e sobretudo antevendo a grande crise sistémica que aí vem, resultante da mais que provável implosão do gigantesco mercado mundial de derivados, Portugal vai estar exposto a uma verdadeira seca de liquidez e afogado numa tempestade de juros cada vez mais altos. Só um governo credível e sob direcção de uma pessoa verdadeira, e não da Cinderela que a tríade macaense fabricou e colocou no bolo do poder, poderá evitar o pior. Chegou o tempo de agir. Os piratas devem ser expostos e metidos na prisão. Os falhos de toda a ética, mesmo que não tenham cometido crimes (à luz no nosso suavíssimo quadro legal), devem ser apeados do poder sem hesitação.

Resta apenas uma dificuldade: como proceder a esta cirurgia?
Há dois modos: ou esperar que o país, por um lado, e os socialistas convictos, por outro, se levantem em uníssono para despedir o senhor José Sócrates e pedir um novo primeiro-ministro. Ou então, se a indolência cidadã persistir, aguardar mais alguns meses, até que o colapso financeiro mundial faça sentir os seus terríveis efeitos, e exigir então ao senhor Presidente da República que ponha ordem imediata no regime constitucional, apeando José Sócrates e convidando um socialista do PS para formar novo governo.


Post scriptum
: vamos ver como se comporta a Oposição perante mais esta extraordinária historieta sobre o primeiro ministro de Portugal. O Santana e o Portas talvez tenham que encolher os ombros e balbuciar umas vacuidades de circunstância. Mas já o Menezes tem aqui uma óptima oportunidade para arengar!

Resposta de José Sócrates às perguntas do Público.

Imagens de 23 projectos do "arquitecto" José Sócrates Pinto de Sousa.

OAM 304 01-02-2008, 13:08

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Portugal 17

El Toro!

A remodelação do actual governo não conseguiu abafar dois factos bem mais relevantes: a frente anti-corrupção proclamada no âmbito das cerimónias de abertura do ano judicial, e a nova investigação dos voos ilegais da CIA sobre território nacional.

Ontem a caixa de e-mail, os SMS e os telefonemas não paravam. Primeiro, por causa das mais recentes declarações de António Marinho Pinto, recém eleito bastonário da Ordem dos Advogados, sobre a epidemia de corrupção que grassa em Portugal. Depois seguiu-se a varredela para debaixo do tapete governamental de um ministro aselha e de uma ministra que nunca deveria tê-lo sido. O dia fechou com a reabertura do dossier sobre os voos ilegais da CIA em território nacional, que a covardia política do Bloco Central, apesar das excepções (Ana Gomes e Carlos Coelho), prefere ignorar.

Arrumemos rapidamente o assunto da micro remodelação governamental.

Os erros clamorosos de Correia de Campos na localização das receitas importadas para a reforma do Sistema Nacional de Saúde, a par da cupidez neoliberal do actual governo, iam transformando uma das mais importantes reformas prometidas por José Sócrates no seu caixão prematuro. Assim sendo, não havia outro remédio que não fosse despedir o ministro. Ao fazê-lo, José Sócrates Pinto de Sousa, exemplar genuíno de Chico esperto lusitano, conseguiu matar dois coelhos de uma cajadada só: viu-se livre dum ministro assassino (assassino do governo, entenda-se) e deixou aparentemente Manuel Alegre, uma vez mais, a vocalizar no deserto! Resta saber se o arrependimento de Sócrates não chegou tarde demais, e se as tropelias em curso pela tríade de piratas que o pôs onde está, não irão precipitar a queda antecipada deste prometido anjo da nossa democracia. Tudo depende, em última instância, do juízo e sentido de oportunidade de Cavaco Silva.

A minha intuição e o meu querer dizem-me que o regime precisa urgentemente de um reajustamento partidário sério. O Bloco Central já não vai a lado algum. E se a agonia política do actual sistema se prolongar por muito mais tempo, acabaremos por colocar em risco o próprio regime constitucional. O Portas e o Santana devem casar-se de uma vez por todas, e formarem um partido populista à medida das suas fantasias. O PSD deve voltar a ser um partido de empresários patriotas (e despedir rapidamente o Menezes). E quanto ao PS, tem apenas uma alternativa e uma oportunidade: parir um partido liberal-democrata (com a gente que entretanto tomou de assalto o PS e nos governa), e deixar o velho Partido Socialista assumir uma direcção social-democrata lúcida, intransigente e ancorada nas novas classes criativas. Quanto ao Bloco de Esquerda, o seu futuro há muito que deixou de fazer sentido útil. Não passa duma obtusa elite universitária às voltas com os fantasmas do trotskismo, do maoísmo e do estalinismo. O PCP, por fim, ainda que cada vez mais senil e insuportável, sobreviverá enquanto os socialistas de gema continuarem a esbracejar no pântano deixado por António Guterres.

A crise económica que temos pela frente não deixará de produzir efeitos nefastos nesta conjuntura. O espírito de colaboração e decoro entre os pares do reino está por um fio. Tal como no dilema do prisioneiro, todos parecem dispostos a trair o amigo. Rouba o mais que puderes, o mais depressa que conseguires, e foge! -- parece ser o lema instalado na classe política nacional e autárquica. Se não houver travão a este descalabro, teremos pela certa um desastre de enormes proporções e duração.

É aqui que entra a corajosa intervenção de António Marinho Pinto. Bastou-me ouvir o barão da advocacia portuguesa, José Miguel Júdice (com uma formidável dor de corno), insultar o recém eleito bastonário, na SIC Notícias, como o fez, para perceber que tínhamos um personagem incómodo à frente da Ordem dos Advogados. Fiquei satisfeito por ver que se vai formando uma fronda de gente honesta e corajosa contra o manifesto afundamento do país por uma classe de parasitas, profundamente ignorante e disposta a vender-nos por umas férias no Ilhéu das Rolas. Nomes como José Silva Lopes, Medina Carreira, Maria José Morgado, e outros, emergiram da sopa de generalidades e pessimismo vago que infelizmente ainda domina boa parte da maledicência mediática que temos, para nos avisar dos perigos reais que corremos enquanto nação independente, apontando ao mesmo tempo novos comportamentos colectivos, medidas preventivas e acções executivas inadiáveis. Não menos importante e saudável, é a coragem que têm demonstrado estes democratas nas acusações e desafios lançados às poderosas máfias e tríades que, insensíveis ao mal que causam, apenas obedecem à sua escancarada gula económica e política.

Algumas hienas aflitas uivaram que o bastonário não podia fazer acusações genéricas, que tinha que concretizar, repetindo o alarido dos autarcas contra as invectivas que lhe foram dirigidas há algum tempo por Saldanha Sanches. Pobres animais! Então não leram o discurso de posse do actual Procurador-Geral? Eu recordo-lhes:
"Compete ao Ministério Público não só dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras autoridades, como também promover e realizar a acção de prevenção criminal. Todo o crime deve ser investigado. Há, porém, crimes que pela sua especial gravidade, pela sua enorme repercussão em várias áreas da sociedade, necessitam de uma maior colaboração entre os vários órgãos do Estado, de uma maior participação dos cidadãos e também de um maior dispêndio de tempo e de meios. É o caso da corrupção.

A problemática da corrupção não é específica deste ou daquele território, de um ou outro regime político, tendo antes uma dimensão universal.

E não é um fenómeno que tenha surgido subitamente como praga dos tempos modernos. A corrupção é tão antiga como as sociedades organizadas. Platão e Aristóteles falam da corrupção e entre nós já a ela se referia o cronista Fernão Lopes.

Várias leis foram elaboradas com o fim de combater a corrupção, várias experiências foram tentadas, várias iniciativas tomadas, mas a corrupção está aí, tão viva como sempre, minando a economia, corroendo os alicerces do Estado democrático.

Independentemente de novas leis que venham a ser criadas, dos novos meios de que se passe a dispor, há um aspecto que gostaria de realçar.

Se a ordem jurídica não se pode confundir com a ordem ética, sob pena de se poder cair num qualquer fundamentalismo, a verdade, é que em cada povo e em cada época tem que existir aquele mínimo de valores éticos a respeitar, e subjacentes à feitura e aceitação das leis.

É aqui, penso, que se coloca um dos pontos chave da luta contra a corrupção em Portugal. É fundamental a criação de um juízo de censura, de um desejo de punibilidade existente na consciência moral do homem médio, que por isso deve ser sensibilizado para o problema.

Não havendo essa consciência moral e a certeza de que todos serão tratados de igual forma, existindo antes a convicção de que "todos se governam" e que a corrupção é um mal menor e inevitável, os esforços contra a corrupção serão sempre votados ao fracasso.

Havendo vários graus de corrupção, desde a pequena corrupção até à corrupção de Estados, a verdade é que a grande corrupção, arrastando grandes interesses, torna os poderosos mais poderosos e os fracos mais fracos. Até por isso, o Ministério Público, que por definição tem que proteger os mais desprotegidos, deve empenhar-se seriamente no combate à corrupção. E desde já, aproveitando os meios de que dispõe, enquanto não forem melhorados e não esperando por novas leis, antes fazendo uso das que existem.

Combate esse a travar com total respeito pelos direitos, liberdades e garantias de cada um, como é regra num Estado de Direito.

É gratificante para quem desde há muito considera a corrupção como um dos crimes mais demolidores das estruturas democráticas e esteve empenhado, num passado não muito distante, no seu combate, verificar que o senhor Presidente da República, Governo e partidos políticos estão profundamente interessados na luta contra esse crime e preocupados com os efeitos do mesmo."

in discurso de posse do Procurador-Geral da República, Fernando Pinto Monteiro.

António Marinho Pinho não faz mais do que seguir à risca as palavras sábias do mais alto representante do poder judicial. E o mais significativo da situação é a sintonia crescente entre o Presidente da República, o Procurador-Geral e o Bastonário da Ordem dos Advogados nesta essencial questão da democracia. Sem Justiça, perante a indolência interesseira do Parlamento, e perfilando-se no horizonte a tomada de assalto das principais instâncias do poder por parte de tríades e hordas de vigaristas de todos os matizes, está de facto em causa a própria segurança do Estado em áreas nevrálgicas, que a não serem acauteladas, formarão um cancro incurável, não apenas da democracia, mas da própria independência do país. A corrupção é uma peste, atingindo hoje proporções de verdadeira pandemia, que urge atacar sem dó nem piedade. Como noutros males que nos afligem, o melhor remédio é sempre a prevenção. No caso português, é urgente prevenir em lei, de forma clara e transparente, as situações de conflitos de interesses, de abuso de informação privilegiada e de pagamento de favores. Alguns exemplos inaceitáveis:
  • Joaquim Ferreira do Amaral, que presidiu enquanto ministro a um negócio ruinoso para o Estado -- esquema de financiamento da construção da Ponte Vasco da Gama (ver Relatório do Tribunal de Contas) -- veio depois a ser cooptado para Presidente do Conselho de Administração da Lusoponte, empresa que explora a Ponte Vasco da Gama, onde continua a exercer funções, pretendendo mesmo conduzir-nos a novo fiasco, com a construção da Ponte Chelas-Barreiro (uma aberração técnica e um embuste semelhante ao da Ota).
  • O caso escandaloso do Hospital Amadora-Sintra, que corre em tribunal, tendo como arguida a antiga responsável pela ARS, por ilícito praticado, com prejuízo imenso para o Estado, regressa à opinião pública porque o julgamento do caso está para muito breve, e porque a arguida e a recém-empossada Ministra da Saúde são a mesma pessoa: Ana Jorge!
  • Membros do PP, no governo de Santana Lopes, estiveram envolvidos em operações relacionadas com a compra de submarinos militares, de que teriam resultado pagamentos de luvas e tratamentos de favor ilegais em benefício do Grupo BES, no caso a declaração de "utilidade pública" de um empreendimento turístico em Benavente.
  • A TAP, uma empresa pública, comprou a PGA ao Grupo BES por 135 milhões de euros, quando se sabia que a mesma PGA era já uma empresa sem futuro, com prejuízos crescentes (por isso não apresentou as contas de 2006), excesso de recursos humanos e aviões inúteis. Em consequência deste negócio, só possível com o acordo do actual governo, a TAP apresentou em 2007 resultados operacionais distorcidos da realidade, anunciando, por um lado, mais passageiros transportados, e por outro, resultados operacionais aquém dos traçados pelo governo.
  • Armando Vara, militante de topo do PS e muito próximo do actual Primeiro-Ministro, é um dos novos vice-presidentes do BCP, mantendo porém vínculo contratual com a concorrente Caixa Geral de Depósitos, de onde transitou, numa das mais controversas operações realizadas até à data na banca portuguesa. Como é possível tamanha acumulação de interesses?
  • Vítor Constâncio, Governador do Banco de Portugal, não só aufere vencimento escandaloso, quando comparado com congéneres, por exemplo, norte-americanos (ler este minucioso quadro comparativo); não só mantem uma estrutura de pessoal desproporcionada aos reais afazeres do banco; como mal-acompanhou e mal-supervisionou as tropelias do maior banco privado português -- o BCP --, permitindo assim que o descalabro chegasse ao triste fim a que chegou.
  • Dias antes de o relatório do LNEC sobre o Novo Aeroporto de Lisboa ser entregue ao Primeiro-Ministro, a Sociedade Agrícola do Rio Frio foi vendida a uma empresa off-shore chamada Trasset Investments BV, com sede em Amesterdão, por 250 milhões de euros! Como foi possível uma operação desta envergadura sem se conhecer antecipadamente qual seria a decisão do Primeiro-Ministro?

Os exemplos poderiam multiplicar-se, mas interessa apenas sublinhar o estilo e a gravidade do que está em causa. Para que não se fique a pensar que estamos a falar de generalidades.

Para colocar um ponto final neste postal, que já vai longo, diria que o regresso do dossier das torturas e dos voos clandestinos da CIA em Portugal, vem demonstrar que não temos só um grave problema de corrupção pela frente, mas dois: o que pilha sem vergonha o erário público, e o que escancara a nossa subserviência canina diante de uma potência imperial, mesmo quando esta atropela flagrantemente o Direito Internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e se limita a copiar, neste seu perigoso declínio, os piores métodos de qualquer ditador latino-americano da década de 70.

OAM 303 31-01-2008, 00:41 (actualização: 11:26)

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Crise Global 10

Jerome Kerviel, hacker genial ou bode expiatório dos piratas da Societe General?
Jérôme Kerviel, hacker genial ou bode expiatório
dos piratas da Société Generale.


O colapso de um grande casino

"Na minha opinião, quem deveria estar preso são os seus patrões e empregadores." -- Sylviane Le Goff, Tia de Jérôme Kerviel. -- BBC News.

SocGen Failed to Notice Kerviel's $73 Billion in Bets

French bank Societe Generale has admitted that its internal controls failed to catch bets worth over $73 billion -- far more than the bank was worth. It is now being accused of contributing to the European market crash last week when it offloaded the bad bets. -- Der Spiegel.

La crise mondiale est pour demain
La financiarisation, la prise du pouvoir sur l'activité économique par l'actionnaire ont entrainé une diminution des revenus du travail, un chômage et une précarisation généralisés qui remettent en cause l'équilibre du système en étranglant la demande, et en privilégiant la spéculation à court terme sur l'investissement productif. Jusqu'à présent, ce déséquilibre structurel a été compensé par un recours au crédit de plus en plus massif par les états et les ménages . Mais tout le monde sait que cette pyramide de dettes ne sera jamais remboursée. L'heure - douloureuse - de régler les comptes a-t-elle sonné ? -- Michel Rocard, Le Nouvel Observateur.

O colapso anunciado da Société Generale (Soc Generale) conta-se em duas penadas, mas como é uma história dramática, houve que dá-la a conhecer a conta-gotas e exibindo à opinião pública um bode expiatório que arcasse com a responsabilidade por um buraco financeiro de 4,9 mil milhões de euros (um aeroporto em Alcochete!), em resultado de uma parada programada de investimentos especulativos, entretanto interrompida, na ordem dos 50 MIL MILHÕES DE EUROS! Este valor, posto em jogo pela Soc Generale, é superior ao próprio valor daquele que é o segundo maior banco francês, 35 mil milhões de euros, e equivale ao deficit orçamental anual da França!!

Sabe-se já que o discreto e muito apreciado corretor, apressadamente responsabilizado pelo maior prejuízo alguma vez ocorrido numa instituição financeira, desde que há registos oficiais, em resultado de um esquema de apostas automáticas no mercado altamente especulativo dos chamados "derivados" e "futuros", não meteu um cêntimo ao bolso. Imagina-se que, por outro lado, dada a sua posição técnica, os 100 mil euros que auferia por ano na sociedade corretora que trabalha para a Société Generale (Soc Generale), e como em qualquer casino de Las Vegas, Jérôme Kerviel não teria qualquer possibilidade de realizar tamanhas apostas especulativas sem o pleno conhecimento, autorização e supervisão permanente do banco. Fontes bem informadas adiantam que o dito corretor não teria porventura liberdade de acção para lá dos 2 milhões de euros. Assim, quando este "Einstein" pôs em movimento, no início de Janeiro, um carrocel informático de 140 mil apostas ("puts"), na Bolsa de Frankfurt, com base em informação privilegiada, a qual apontaria para uma subida do DAX, tal operação foi inexoravelmente supervisionada, hora a hora, pelos donos do casino, perdão, da Bolsa de Frankfurt, e da Soc Generale, como refere a Der Spiegel em crónica sobre este filme de ficção tornado realidade. Em qualquer casa de jogo, para se obterem fichas, alguém tem que confirmar a solvabilidade do jogador. No money, no play!

Por cada ponto que o DAX subisse, a Soc Generale (não o pobre corretor) ganharia 25 euros por aposta ("put"). Mas como o índice não subiu, e pelo contrário desceu 600 pontos entre 1 e 18 de Janeiro, o banco francês perdeu nesse período 140.000 x 600 x 25 = 2.100.000.000 euros. Daqui aos 4,9 mil milhões de perdas vai todo um rosário ainda por contar. Da compra de crédito de risco americano (Subprime) ao que ainda falta saber, o retrato do ultra-liberalismo não poderia ser mais sugestivo. De momento, lá como cá, temos os piratas que dirigem os bancos e os piratas da política a mentir com todos os dentes sobre as verdadeiras causa do tsunami financeiro mundial. Não acreditem em nada do que vos dizem! Serão quase sempre mentiras ou meia-verdades. E sobretudo muito cuidado com o dinheiro que deixam à guarda dos bancos em acções ou quaisquer planos de poupança, seguros de saúde, etc.) Um autêntico perigo!

Vamos saber, até ao final de Março, quais as repercussões de tudo isto na economia portuguesa (parece que a Jerónimo Martins era um bom cliente da Société Generale...), e sobretudo na banca portuguesa, nomeadamente na Caixa Geral de Depósitos, que alguns suspeitam estar envolvida no fiasco do Subprime.

Actual crise financeira global resulta da combinação explosiva entre o endividamento generalizado das economias americana e europeia e os múltiplos esquemas artificiais de superação e encobrimento da mesma, entre os quais se encontram os mercados virtuais de derivados, os jogos especulativos com divisas (FOREX), de que há a destacar o chamado carry trade japonês, e produção sistemática de dívida especulativa, como forma de estimular o consumo. A entrevista dada por Michel Rocard em Dezembro do ano passado ao Nouvel Observateur é, a este propósito, muito reveladora.

(OAM/ FBC)


ÚLTIMA HORA
30-01-2008. Apesar de Sarkozy ter defendido, contra os avisos de Bruxelas (a 4 ou a 27?), a protecção francesa da Soc Generale, face aos predadores que circulam à volta do gigante ferido (mercado livre, liberalismo, quem disse?!), a verdade é que os seus melhores quadros (incluindo os hackers financeiros) estão a ser assediados pela concorrência. O Capitalismo já não é o que era!

29-01-2008. Lá como cá, a dança da concentração bancária europeia entrou numa nova vaga. O segundo maior banco francês, a Société Génerale (Soc Generale), está com o cio, perdão está "opável"! Entretanto, Jérôme Kerviel foi libertado e Sarkozy pede a cabeça do PDG da Société Generale. Deveria também pedir a cabeça do presidente do Banco de França! (OAM/FBC)

29-01-2008. La presse financière spécule sur la faiblesse de la Société générale, dont le cours a atteint son plus bas niveau depuis trois ans. Selon le Wall Street Journal, la BNP Paribas aurait commencé à discuter, en interne, sur l'opportunité d'une OPA sur sa rivale. Le Financial Times constate qu'outre BNP Paribas, le Crédit agricole s'est invité au bal des prétendants, qui pourrait se dénouer d'ici plusieurs mois. Le New York Times souligne, quant à lui, que les analystes de Citigroup, dans une note à leurs clients, indiquent que HSBC et Barclays pourraient également faire partie des banques tentées par une OPA sur la Société générale. -- Le Monde.


OAM 302 28-01-2008, 13:13

sábado, janeiro 26, 2008

Ferrovia 1


Comemoração dos 50 anos da electrificação da Linha de Sintra.

Alguém que tome conta da ferrovia!

Por ocasião do 50º aniversário da electrificação da Linha de Sintra (19-01-2008) a CP organizou um comboio especial com uma Unidade Tripla Eléctrica da 1ª / 2ª fase, repleta de convivas, sobretudo do PS e do PSD (Bloco Central oblige!)

À chegada a Sintra, a rapaziada apanhou um grande susto. Quem desenhou o evento desconhecia obviamente o significado da palavra Gabarit. Isto é, um conjunto de medidas que descrevem a secção espacial livre de obstáculos imprescindível à progressão de um comboio, ou "unidade", como se diz no jargão dos amantes da ferrovia.

Resultado, o comboio à chegada a Sintra, levou pela frente, a plataforma da linha (até as pedras da calçada saltaram) e uma rampa para desembarque de deficientes, enviando directamente um aficionado do caminho de ferro para o hospital, isto sem falar no facto do comboio ter ficado sem estribos e tudo aquilo que o Gabarit não arrancou!

Responsabilidades, é claro que não há. Ou antes, este facto, a avaliar pela imprensa que temos nem sequer existiu! E se o tipo que foi parar ao hospital não era deficiente, pois então passou a sê-lo. Aliás, ninguém o mandou ir assistir à chegada do comboio!

Se não fosse grave o que possibilitou esta ocorrência, seria apenas cómico. O episódio faz aliás lembrar o ocorrido com a inauguração do caminho-de-ferro em Portugal, no longínquo ano de 1856, depois de enormes polémicas entre Velhos-do-Restelo e Fontistas. A revista Única, do Expresso (12-01-2008), traz um saboroso artigo de Filipe Santos Costa sobre a primeira grande polémica em volta da política de transportes no nosso país. Transcrevo o último parágrafo, para comparar com o fiasco de Sintra, ocorrido há precisamente uma semana:
A 28 de Outubro de 1856, após anos de polémicas, "vinha festivamente embandeirado o wagon em que viajava el-rei D. Pedro V", na muito esperada inauguração do caminho-de-ferro. Infelizmente, a festa durou pouco. Logo nessa viagem, as locomotivas inglesas deixaram para trás algumas carruagens, por manifesta incapacidade para as puxarem. O relato publicado nas "Memórias da Marquea de Rio Maior" é eloquente: algumas carruagens com convidados ficaram nos Olivais; a do cardeal patriarca foi deixada em Sacavém; outra, "recheada de dignitários, ficou ao desamparo na Póvoa. (...) Até andou gente com archotes pela linha, em procura dos náufragos do progresso."

São dois episódios pitorescos, mas ainda assim reveladores do estilo desenrasca e trapalhão que caracteriza, por vezes, a alma lusitana. A comparação só é reveladora e oportuna porque temos pela frente, nos próximos 20 a 25 anos, a mais importante renovação de paradigma no transporte ferroviário, realizada, se não desde que o caminho-de-ferro surgiu entre nós, pelo menos desde que passámos das locomotivas a carvão para as "unidades técnicas" movidas a energia eléctrica. O transporte ferroviário, diante do irreversível pico petrolífero, e das alterações climáticas induzidas pela exponencial produção e lançamento para a atmosfera de gases com efeito de estufa, já é uma prioridade europeia. Mas para que não fiquemos na última carruagem da nova revolução em curso -- redes de Alta Velocidade e Velocidade Elevada -- teremos que proceder rapidamente e em força à substituição da rede de bitola ibérica (1668 mm de largura entre carris) por uma rede de bitola europeia, ou standard (1435 mm). Só assim poderemos ligar os nossos portos, aeroportos, cidades e centros de produção a Espanha e ao resto da Europa (Paris, Londres, Berlim, Varsóvia, Kiev, Istambul, Moscovo...)

Ora o que as recentes declarações sobre a Terceira Travessia do Tejo (TTT), a propósito da ligação Madrid-Lisboa em Alta Velocidade e Velocidade Elevada, e o fiasco de Sintra revelam, é que o sector ferroviário português continua sem norte e prisioneiro da lógica partidária corrupta do Bloco Central. Saco sem fundo de financiamentos partidários e enriquecimentos pessoais ocultos, a Refer, a RAVE e o Metro de Lisboa, correm o sério risco, se não houver uma purga impiedosa nas respectivas administrações, e sobretudo uma alteração radical dos respectivos métodos de gestão, filosofia de acção, transparência e responsabilidade social, de se manter este e os futuros governos no limbo da mais lamentável incompetência executiva.

Os políticos com assento parlamentar, do Bloco ao PP, passando pelo PS e PSD, têm que estudar, de um ponto de vista estratégico e político, e abandonando de vez a sempre conveniente e hipócrita delegação de competências nos técnicos (como se os partidos não tivessem sempre a obrigação de pensar politicamente sobre bases bases científicas e técnicas sólidas), o que é urgente fazer relativamente à mobilidade ferroviária que temos, para apanharmos o comboio da eficiência energética, da integração europeia e da criação dos paradigmas imprescindíveis ao desenvolvimento sustentável.

Os dados estão lançados: a ferrovia será cada vez mais a solução mais eficiente para mitigar o duplo problema da escassez de petróleo e das alterações climáticas. A renovação da rede ferroviária ibérica (que implica desde logo substituir milhares de quilómetros de ferrovia) é uma condição irremediável da integração deste sistema de transporte de pessoas e mercadorias na grande rede ferroviária europeia (de Lisboa a Moscovo, de Lisboa a Istambul).

A exploração comercial da rede ferroviária europeia será completamente liberalizada a partir de 2012, tal como ocorreu na rodovia e vem ocorrendo no transporte aéreo. A perspectiva mais provável é a da emigração da filosofia Low Cost para este modo de transporte, e mesmo, o da integração multimodal dos vários tipos de transporte por parte de grandes operadores tecnológicos de transportes a baixo custo. Empresas como a Ryanair, a easyJet, e outras, irão permitir que cada um de nós programe e administre racionalmente à nossa própria mobilidade económica, social e cultural, independentemente de utilizarmos automóveis híbridos partilhados, comboios, metros de superfície, barcos ou aviões. O sector público será sobretudo responsabilizado pela garantia dos direitos políticos e económicos de circulação, detendo a propriedade de algumas das infraestruturas críticas, cujas concessões administrará em defesa estrita dos interesses estratégicos da comunidade. O resto irá parar inevitavelmente ao sector privado concorrencial.

O futuro é amanhã, pois a longa emergência energética já começou e esmagará todos aqueles que não souberem adaptar-se a tal contingência estrutural. No caso do Grande Estuário, isto é, da Lisboa-região, e no que à polémica das pontes, agora iniciada, se refere, só existe uma solução racional e economicamente justificável: uma nova ponte exclusivamente ferroviária entre o Montijo e Chelas (que faça chegar o AVE de Madrid a Lisboa) e, lá para o ano 2020, uma nova travessia entre Algés e Trafaria (permitindo a circulação de automóveis e Tram Train). Mas para aqui chegarmos teremos que fazer duas coisas: obrigar os políticos a trabalhar com a cabeça e não com os bolsos, e correr com os piratas da Lusoponte.

OAM 301 26-01-2008, 12:11

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Bloco de Esquerda

Joana Amaral Dias
Joana Amaral Dias discursa em comemoração do 25 de Abril (2006).

Uma linda menina na política!

Pedro Ferraz da Costa delicia-se a divergir de Joana Amaral Dias.

"As of early 2007, it is estimated that as much as US$1 trillion may be staked on the yen carry trade. Since the late-1980's, the Bank of Japan has set Japanese interest rates at extremely low levels making it profitable to borrow Japanese yen to fund activities in other currencies. Many of these activities included things like subprime lending in the USA, but also include funding of emerging markets, especially BRIC nations and resource rich nations." -- in "Carry (investment)", Wikipedia.

Quando ontem ouvi o maoista da UDP e deputado Bloquista, Luís Fazenda, criticar Jean-Claude Trichet, Presidente do Banco Central Europeu, por manter as taxas de juro, em vez de as baixar, como fizeram George W. Bush e os gurus da Reserva Federal, fiquei siderado. Então o Bloco de Esquerda quer inundar a Europa com mais notas de Monopólio e de crédito, aumentar a inflação e, em última análise, forçar a economia europeia a colocar-se ainda mais ao colo dos Países Árabes do Golfo e da... China?! Ou achará o Bloco de Esquerda que as dívidas não são para pagar? Ou achará o Bloco de Esquerda que a Europa também deve, como parecem querer os americanos, copiar o carry trade japonês?

A taxa de desconto oficial do Banco Central Japonês é de 0,10% desde Setembro de 2001! O Federal Open Market Committee dos EUA, ao baixar no dia 22, em 75 pontos-base, a sua taxa de juro de referência, colocou o preço do dólar nos 3,50%. Trichet reafirmou no dia seguinte que a taxa de referência do BCE se manteria nos 4,0%. Mas atenção: os bancos japoneses só emprestam dinheiro barato aos importadores de Toyotas e aos grandes especuladores! Ou seja, quando se regozijam com a recente baixa das taxas de juro americanas, estão apenas a dizer ao mercado que vão poder retomar o ciclo das suas exportações para a maior economia do mundo (que assim se endividará ainda mais!) É também isso que os europeus, no fundo, querem: poder aumentar as suas exportações, insensíveis ao buraco negro da dívida americana.

Os especuladores e os banqueiros falidos querem obviamente mais IOU (I Owe You), e obtiveram-no dos helicópteros de liquidez do BCE, ao mesmo tempo que aguardam ansiosamente os raids de SWF (Sovereign Wealth Funds) lançados pela China e pelos países Árabes sobre as áridas paragens financeiras dos Estados Unidos e da Europa. Só que, apesar deste gigantesca operação de salvamento dos mercados especulativos (com dinheiros públicos!), a crise sistémica está aí e promete fazer mais vítimas. Ontem o terceiro maior banco francês (a Société General) exibiu um buraco negro nas suas contas que dava para construir o Novo Aeroporto de Alcochete; hoje, o BPI, cuja viabilidade parece cada vez mais difícil imaginar fora de um take over por parte da Caixa catalã, ou dos endinheirados angolanos, mostra como a telenovela BCP-BPI está longe do fim!

Resumindo, o dilema é este: se se mantem ou sobe mais as actuais taxas de juros, o crescimento económico europeu tenderá para os 2% ou menos, e não para os almejados 3%, dando lugar à falência de mais algumas centenas de empresas e a dezenas de milhar de novos desempregados, ao mesmo temo que se estimula a valorização do Euro, afectando por aí a competitividade das exportações. Mas se, por outro lado, se baixam as taxas de juro, fomenta-se o endividamento geral da economia (empresas, administrações públicas e famílias), aumentando simultaneamente a inflação, que tornará as exportações ainda menos competitivas. Perante estes dois males, a resposta tem que ser forçosamente a da contenção das despesas, começando por racionalizar a produção, reduzir os desperdícios e aumentar a poupança. Vociferar a favor da irresponsabilidade monetária, quando o próprio Coordenador do Bloco, Francisco Louçã, descobriu finalmente que há uma crise económico-financeira gravíssima no Ocidente, é obra! Joana Amaral Dias parece ter percebido a delicadeza da situação no Frente-a-Frente que hoje manteve com Pedro Ferraz da Costa, antigo presidente da Confederação da Indústria Portuguesa.

Nervosa que nem uma gazela, mas com um domínio crescente das matérias, esta linda política portuguesa parece querer libertar-se das litanias confusas e contraditórias do partido que ainda segue. Notei esta subtileza intelectual no modo como procurou hoje discutir a argumentação do seu quase paternal adversário em volta de temas como o da imigração e do tsunami financeiro em curso. Foi uma pequena delícia para mentes perversas como a minha!

Vou acompanhar mais de perto os seus passos.

OAM 310 24-01-2008, 22:13 (actualização: 12:16)

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Aeroportos 50

Mapa da rede alta Velocidade ferroviária
Rede espanhola Alta Velocidade ferroviária. Falta conhecer o que querem os indecisos lusitanos.

Depois da Ota, em que ficamos?

Um passeio pelo Norte acompanhado de reflexões estratégicas.

Dei a conhecer uma parte do norte do país a uns velhos amigos galegos da Corunha. O primeiro cartão de visita gastronómico, depois das Imperiais e Tapas da praxe no Lais de Guia, uma das melhores esplanadas que conheço para gozar um pôr-de-Sol outonal, foram as Douradas e os Linguados frescos, acompanhados pelo tinto transmontano da Adega Cooperativa de Freixo de Espada à Cinta (Montes Hermos), alegremente consumidos no Salta o Muro, acolhedor, barato e muito estimado restaurante de Matosinhos. Se a ASAE intentar algo de mau contra este exemplar maior do nosso património de hospitalidade e bem confraternizar sob os auspícios de Baco, contem comigo para umas pauladas no fumador do Casino da tríade!

Um passeio a pé pela avenida da praia, espreitando as obras e os preços dos apartamentos à venda, antecedeu o percurso automóvel pela marginal Norte da foz do rio Douro até ao remodelado cais de Gaia, que viria a encerrar com chave de ouro uma manhã surpreendente.

Seguimos depois para Cinfães do Douro pela velha estrada marginal, cheia de curvas e aceleras malucos, mas belíssima como dantes. Pena foram os desvios forçados e sem aviso pelas obras que ainda decorrem à volta das duas novas pontes de Entre-os-Rios. Como sempre, a sinalização ausente permanece uma marca distintiva dos idiotas que pontificam nas Estradas de Portugal e um típico sinal de indolência da maioria dos autarcas. Enfim, por entre buracos e curvas apertadas, lá chegámos à Casa do Lódão, situada numa pequeníssima e muito antiga aldeia chamada Boassas, a meio caminho entre Porto Antigo e a vila de Cinfães. Um dos bons projectos de turismo rural da região, como que anunciando uma vocação em pleno desenvolvimento, de que há que destacar a Estalagem Porto Antigo, a Quinta de Ventuzela e o futuro Douro Palace Hotel em Santa Cruz do Douro, Baião. Chegámos já ao fim da tarde. Inspeccionámos a casa de caseiros remodelada onde iríamos passar duas noites e duas manhãs, o jardim, a quinta e as soberbas vistas sobre o rio Bestança, um dos poucos que até hoje sobreviveu à voragem hídrica do país.

O jantar no restaurante O Meu Gatinho, situado na horrenda zona nova da vila de Cinfães (só lá vou à noite!), faria as honras de encerrar o primeiro dia desta escapadela por entre terras do Douro Litoral e Vinhateiro. Pataniscas de bacalhau para acompanhar as clássicas Imperiais de abertura. Enquanto esperávamos pelo Polvo à Lagareiro e pelos Nacos e Postas de Vitela Arouquesa, abriram-se e puseram-se a arejar duas garrafas de tinto Churchill Estates 2004, enquanto íamos elogiando o Grande Porto, sobretudo a sua nova rede de metro (com estações desenhadas por Eduardo Souto Moura) e o remodelado Aeroporto Sá Carneiro (3.986.748 passageiros em 2007), a robustez da respectiva estrutura urbana, o Funicular dos Guindais e os novos ícones arquitectónicos da cidade: Casa da Música (Rem Koolhaas), Museu de Serralves (Siza Vieira), a Torre Burgo (Eduardo Souto Moura). A Mousse de Limão e um fofinho bolo de chocolate muito húmido fizeram ainda companhia ao Churchill que resistiu durante toda a degustação, apesar do depósito algo irritante detectado numa das garrafas. Claro que o café, num tão fino e inesperado restaurante, só poderia ser bom e adequadamente tirado. Pedi duas Italianas rigorosamente curtas. Souberam-me pela vida. Como sempre faço, reservei meio copo de tinto para o fecho definitivo do pequeno banquete. Resistiu!

O dia seguinte foi dedicado a uma visita à Quinta de Ventozelo, em São João da Pesqueira, responsável pela produção de dois notáveis Vinhos do Porto, o Tawny Reserva e o Vintage, além de um dos meus vinhos correntes, o tinto Cister da Ribeira, e do recomendado tinto Vinzelo 2005, que mereceu em 2007, tal como o Churchill bebido na noite anterior, uma merecida recomendação "TOP VALUE" do Wine Spectator. Um 4R levou-nos pelos estreitos socalcos das vinhas, feitos do interminável xisto da região. A paisagem, sobretudo no Inverno, quando as plantas despidas deixam ver as cicatrizes do labor humano naqueles solos montanhoso, é impressionante. Com imenso respeito acedemos aos lagares onde as uvas são pisadas, primeiro por homens, e depois por mulheres, durante três dias seguidos. Nada de "Robots"! Que os há para este efeito, mas ainda sem a fina sensibilidade das palmas dos pés humanos, que detectam a mais pequena grainha e aliviam instantaneamente a pressão da pisa, evitando que o esmagamento das sementes aumente desnecessariamente o tanino do vinho. No gabinete de prova, onde centenas de copos com anotações se arrumam por prateleiras e por um balcão em L, fomos convidados a provar quatro tintos: Vinzelo 2005, Cister da Ribeira, Quinta de Ventozelo DOC 2000 e o monovarietal Touriga Nacional. Seguimos depois para a adega onde se envelhecem os Portos. Provámos o Ruby Reserva, o Tawny Reserva, o Late Bottled Vintage (LBV) e o Vintage, ouvindo atentamente as explicações da responsável pelas relações públicas da quinta. Com calma e muito agradecimento, depois de adquiridas algumas garrafas, partimos para um almoço na Casa Regional O Forno, em São João da Pesqueira. Alheiras tradicionais com grelos, cabrito, anho, arroz de forno e vinho da região, mais águas, leite-creme e cafés deixaram-nos arrumados para a viagem de regresso a Cinfães.

A manhã do dia seguinte serviu para passeios e visitas locais, ao Penedo de São João, às campas neolíticas a céu aberto, e a algumas quintas particulares. Durante estes passeios falou-se do Noroeste peninsular: a Galiza e o Norte de Portugal somam mais de 7,7 milhões de habitantes, i.e. uma inter-região bem maior e mais populosa do que a Catalunha!

Os aeroportos galegos têm (não havia pensado nisso) um inconveniente: servem cidades que não chegam a ter, nenhuma delas, 1/3 da população do Grande Porto, e a maioria das ligações destinam-se a cidades espanholas, pelo que exceptuando as Low Cost e uma ou outra companhia de bandeira estrangeira, os voos internacionais são monopolizados e centralizados pela Ibéria, e os que interessam à Galiza passam todos pelo hub de Madrid!

Ou seja, com as actuais vias rápidas rodoviárias e as prioridades já assentes na prossecução dos projectos da Alta Velocidade ferroviária (Ferrol - Corunha - Santiago - Vigo; Corunha - Lugo - Ourense - Vigo; Vigo - Viana do Castelo - Porto), o Porto-região, com o seu aeroporto a crescer a 17,2% ao ano, está a tornar-se na grande plataforma da mobilidade rápida e pólo económico e cosmopolita do Noroeste peninsular! A ligação ferroviária de Velocidade Elevada, para passageiros e mercadorias, entre Vigo e Porto, é pois a mais importante prioridade estratégica para o desenvolvimento do Norte do país e da própria Galiza, dando de barato que o aeroporto Sá Carneiro irá conseguir tirar todo o partido das suas extraordinárias potencialidades.

A este respeito, duas reivindicações parecem lógicas, à vista, e inteiramente justas:
  1. a redefinição das funções da ANA (separar o controlo aéreo e navegação, da administração aeroportuária) e a partição da ANA-aeroportos em três entidades autónomas (Algarve; Alentejo, Lisboa, Centro e Ilhas; e Porto-Norte)
  2. a expansão do Taxiway do aeroporto Sá Carneiro, por forma a permitir mais movimentos do que actualmente; e a instalação do necessário equipamento de ajuda à aproximação às pistas, ainda escandalosamente em falta (ILS).
Voltámos ao Porto a tempo de assistir ao espectáculo de Mafalda Arnauth, na Casa da Música. Fui esmagado por uma voz que não conhecia e por uma performance genial. No fim, trauteou-se Lisboa com humor, depois de termos ouvido Mafalda Arnauth cantar o fado e o amor com absoluta qualidade e maioridade cultural.

Regressei à capital. Alcochete é porventura a única resposta à altura do desafio criado pelas Low Cost no Porto e pela lógica ponto-a-ponto intercontinental a introduzir brevemente pelas actuais companhias Low Cost com o novo Boeing 787 Dreamliner. O desafio é também, necessariamente, ibérico: Lisboa, Madrid, Porto e Barcelona serão, se não formos burros, as quatro grandes plataformas aeroportuárias da Península. Faz sentido um novo e grande aeroporto vocacionado para o Atlântico, para a África e para a Ásia, especializados em ligações ponto-a-ponto? Se o pico petrolífero assim o permitir (o que duvido), sim! Mas até que tal sonho tenha pernas para andar, seria uma estupidez fechar a janela de oportunidade que as Low Cost estão dispostas a abrir desde já na capital do país. A recomendação continua pois a ser a mesma de há muito: reformar a Portela com pés e cabeça; activar o Montijo com custos mínimos se for preciso reforçar a Portela antes de 2013; e finalmente avançar com a opção do Campo de Tiro de Alcochete se o impacto da crise energética não tiver entretanto forçado a pensar noutros paradigmas de transporte e mobilidade.

Mas a par da correcção da actual política aérea, teremos que não perder um minuto na redefinição estratégica do modo de transporte ferroviário (1) para pessoas e mercadorias, nem na salvaguarda e adaptação agressiva dos portos de mar aos tremendos desafios que aí vêm. A multimodalidade e o espírito de rede (de redes fluídas não hierarquizadas, ou seja, o contrário da filosofia centralista dos hubs) é o segredo da competitividade futura. Quanto às estradas, há que reduzir os investimentos ao estritamente necessário: ligação Lisboa-Beja-Sevilha, e pouco mais (fazendo de vez frente ao pouco sofisticado e chulo lóbi da rodovia).

Uma nota final sobre as compensações à zona do Oeste. Basta olhar para o mapa da Alta Velocidade/Velocidade Elevada, para o mapa dos Itinerários Principais rodoviários e para a pujança do desenvolvimento na Ria de Aveiro (por contraposição à estagnação burocrática de Coimbra) para decidir sem hesitação onde deverá nascer um aeroporto de apoio à região e complementar dos aeroportos internacionais de Lisboa e Porto: Aveiro! Não se perca tempo e avance-se rapidamente e em força para uma pista com 3600 metros de comprimento e 60 metros de largura no lugar onde o futuro AVE Aveiro-Salamanca ancorar a sua estação.



NOTAS
  1. Mas para isto é preciso refundar a REFER e prender alguns ladrões! Alfobre de financiamentos partidários escandalosos camuflados e nunca investigados a sério, antro de roubalheira e incompetência sem fim, esta empresa pública só poderá cumprir os exigentes desafios que tem pela frente se for objecto de atenção pública minuciosa e exigente. Estações como as de Castanheira do Ribatejo (às moscas), ou Braga: vinte milhões de contos enterrados num beco sem saída, incapaz de se ligar ao AVE que virá de Vigo, já para não voltar às enormidades feitas na Linha do Norte, são alguns dos exemplos de bradar aos céus que não podem voltar a repetir-se. Caro dromedário-mor do reino, estaremos muito atentos!!

OAM 309 23-01-2008, 03:05 (actualização 11:52)