terça-feira, dezembro 04, 2012

A queda de um touro

O grande ícone da Ibéria visto por um artista espanhol, SAM3

A TAP deve olhar para a Ibéria!

Iberia, la antigua aerolínea de bandera española, está en crisis y solo una profunda transformación puede salvarla. Este es el argumento dado por la dirección de la compañía para elaborar el ajuste más duro al que ha tenido que enfrentarse y que supone una significativa reducción de su tamaño: menos rutas, menos negocio y, sobre todo, un cuarto menos de la plantilla. El plan ha hecho saltar todas las alarmas entre los representantes de los trabajadores, que han convocado seis jornadas de huelga en diciembre que amenazan con paralizar los aeropuertos. La inquietud ha llegado hasta el Gobierno, que teme que el adelgazamiento de Iberia reduzca la actividad en Barajas, donde se han invertido 6.000 millones de euros para una nueva terminal. El País, 2 dic 2012 - 00:18 CET.

Escrevi este comentário na página Facebook do António Maria:

Tal como no caso da TAP, há tão só duas hipóteses: 1) reestruturar a companhia de alto a baixo, começando pela redefinição estratégica da mesma; ou 2) deixá-la falir, como sucede no resto da sociedade, sem mais uma dose de proteção pública injustificável e injusta, sobretudo para as dezenas de milhar de espanhóis que são expulsos das suas casas hipotecadas por falta de pagamento :(

A Ibéria, tal como a TAP, já há muito que deveriam ter-se transformado em companhias Low Cost, com um segmento de Longo Curso competitivo. Infelizmente nenhuma percebeu que o negócio aeronáutico mudou e que o prolongado período de crescimento (quando o turismo mundial crescia a 8% ao ano) acabou — seja porque a procura agregada mundial tocou o pico, seja porque, mais grave ainda, essa procura está num processo acelerado e dramático de redistribuição, nomeadamente em direção à Ásia e à América Latina, mas também para os extremos do poder de compra: os ricos passarão a voar em Corporate Jets e os novos pobres, ou seja, a classe média alargada/empobrecida, os reformados e boa parte das empresas, passarão a voar Low Cost. Dentro de uma década haverá provavelmente menos uns bons milhões de passageiros profissionais no ar, por efeito da generalização das redes sociais de trabalho, de banda muito larga e segurança acrescida.

Em Espanha, como em Portugal, os principais responsáveis dos colapso de ambas as companhias aéreas são, em primeiro lugar, os governos e  partidos, em segundo lugar, os sindicatos e trabalhadores até agora protegidos da concorrência, e em terceiro lugar, a indigente imprensa que temos, por não ter feito a pedagogia da mudança e, pelo contrário, ter servido apenas de câmara de eco das agências de comunicação a soldo dos governos e dos lóbis de devoristas que lucraram e lucrarão ainda muitos milhões de euros com a queda desta duas históricas empresas públicas.

A isto, que escrevi no FB, o meu amigo Hugo Elias contestou:
“Em primeiro lugar existe a relação directa entre a TAP e a Iberia que, actuando e competindo a partir da mesma zona geográfica, beneficia uma com o prejuízo da outra. Tal e qual como se, num exemplo grosseiro, numa auto-estrada com duas bombas de gasolina, uma delas avariar a outra fica com a totalidade da oferta.

Em segundo, há a relembrar que o negócio das duas companhias depende da deslocalização de passageiros entre zonas externas ao território nacional e não depende do turismo nacional. O negócio da TAP é o transporte entre o Brasil, os países ricos de África e a Europa. O da Iberia é o transporte entre a América do Sul e a Europa.

Com a aquisição da TAP por parte do grupo Sinergy, há uma mudança estratégica de negócios, em que a TAP alarga o seu quinhão de mercado para a América do Sul (através da Avianca e da TAM), adquirindo as vantagens competitivas da Iberia (língua e história) neste local. Passa a ter um papel importante no transporte aéreo entre 3 continentes. Assim também se compreende melhor as dificuldades que a espanhola está a passar neste momento, na perspectiva eminente de perder um importante sector de mercado onde durante muitos anos não teve concorrência.

Mais ainda a manutenção do Hub estratégico é uma garantia de funcionamento empresarial que se traduz nas boas ligações entre a Europa do grupo Star Aliance e o mercado em desenvolvimento da América do Sul.

Então, a haver a privatização da TAP, esta passa a ter dois caminhos prováveis: ou cresce, adquirindo novos aviões, aumentando os slots na Europa e nos países orientais, ou mingua nos serviços terrestres reestruturando a companhia através de uma diminuição de peso. Portanto, ou crescem os lucros através de investimento (ver AirBus) ou através da diminuição de despesa.

O caminho irremediável da TAP não é o Low-cost, porque simplesmente o negócio da TAP não é regional mas intercontinental. As ligações de Portugal para a Europa, ou vice-versa, onde há concorrência Low-cost, são o prolongamento do core business entre a Europa, África e a América do Sul. Posto de uma forma prática, o passageiro sueco que se dirige ao Brasil vai adquirir um bilhete Star-Aliance porque é mais barato e fácil que adquirir um bilhete na Easy-Jet para Portugal e depois outro na TAP para o Brasil (porque não tem que fazer novo check-in de bagagem, porque os bilhetes ficam menos caros para cada novo trajecto na mesma companhia, porque a oferta é conjunta, etc.)”
Hugo, a teoria é coerente, mas não adere à realidade, salvo erro meu...

V. escreve: “O caminho irremediável da TAP não é o Low-cost, porque simplesmente o negocio da TAP não é regional mas inter-continental.”

Tem números para fundamentar a tese?

Os dados que tenho são públicos:
  1. Os voos de longo curso na Portela representam apenas 9% dos movimentos...
  2. a easyJet e a Ryanair, mais a Vueling, a Germanwings e a Transavia, entre outras companhias Low Cost têm vindo a roubar de forma galopante o mercado interno da TAP assim como o mercado interno da Iberia. Se a ANA estatal não tivesse até agora bloqueado a entrada da Ryanair em Lisboa, o rombo seria ainda maior! Em Faro a TAP foi pura e simplesmente pulverizada pelas ofertas de baixo custo, e no Funchal teve que baixar drasticamente os preços, sob pena de perder ainda mais tráfego para as companhias Low Cost. Por outro lado, o anúncio de despedimento de 4.500 trabalhadores da Iberia, a redução dos ordenados dos pilotos em 50% e o encerramento de várias ligações internas para cidades tão importantes como Santiago, ou Bilbau, dá bem a medida do rombo que o novo modelo de negócio, inventado e experimentado com sucesso nos EUA, acabou por forçar a maior reestruturação de sempre na aviação comercial europeia, desde logo em matéria de fusões —Air France-KLM, IAG (British Airways-Iberia), Lufthansa-SWISS— e de Codeshare partnerships (a lista da Lufthansa Codeshare partners é impressionante e mostra bem o que se está a passar na Europa)
  3. os prejuízos da TAP, por sua vez, ao contrário dos lucros de outras companhias, Low Cost ou mesmo de bandeira, atestam a perda de competitividade e de mercado, sobretudo por erros crassos de estratégia e má gestão;
  4. há quem diga que o Efromovich quer a TAP por um motivo principal: desalojá-la de algumas rotas europeias onde tem, ou passará a ter (!) prejuízo, para ficar com os preciosos slots para a Avianca. Não é a TAP que entra no mercado iberoamericano que habla español, através da Avianca e da TAM, mas o senhor Efromovich que desembarca diretamente na Europa, sem passar por Lisboa, mas passando, talvez, quem sabe, por Madrid. Afinal, assim como os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal, os colombianos, peruanos, argentinos, etc., são o maior contingente de emigrantes que vive e trabalha em Espanha. Os doze A350 encomendados por Fernando Pinto, com intermediação financeira do BES e da banca suíça, vão ter que servir para alguma coisa, e não creio que a Ásia e a África ultrapassem os pedidos de ligações diretas entre São Paulo, Rio de Janeiro (Olimpíadas...), Brasília, Lima, Bogotá, Santiago, Caracas, Buenos Aires, Porto Alegre, Belo Horizonte, etc.;
  5. o hubezinho da Portela manter-se-á sobretudo por causa da comunidade brasileira que vive em Portugal, mas haverá dois novos hubezinhos em Madrid e Barcelona (e aqui a nova companhia desafiará efetivamente uma parte do mercado intercontinental da Iberia);
  6. quanto aos voos no interior da Ibéria, bem como no resto do espaço europeu, assistiremos ao acelerar da migração dos passageiros para as companhias Low Cost... da IAG, da Air France-KLM e da Lufthansa (1);
  7. a sucata da TAP será vendida para África e América Latina, e a que for imprestável irá para o novo sucateiro aeronáutico do Alentejo, mais conhecido por aeromoscas de Beja;
  8. e por fim, percebe-se agora porque motivo o futuro dono da TAP defende que os aeroportos Sá Carneiro e de Faro (Fátima, etc.) abram as portas de par em par às Low Cost: é que o negócio do senhor Efromovich é outro, e não passa pela imobiliária de aeroportos!
Com tudo isto podemos realmente suspeitar que a TAP, neste momento, valha mesmo menos de um euro :(


ÚLTIMA HORA!

TAP — do press-release em véspera de saldo da companhia publicado na versão papel do Jornal de Negócios:

Passageiros transportados entre novembro 2011 e novembro de 2012:

Brasil e América Latina: 2 906 000
EUA: 236 000
África: 616 000
Sub-total: 3 758 000
Europa: 5 673 000
Total: 9 431 000

Há, porém, um gato nestas contas: os passageiros em trânsito do Brasil-América Latina, EUA e África para a Europa são contados duas vezes!

Ou seja, embora comprem um bilhete, por exemplo, Rio de Janeiro-Londres, a verdade é que aterram na Portela, ou no aeroporto Sá Carneiro, e mudam de avião. Logo, são contados duas vezes. Admitindo, por outro lado, que os residentes do continente americano e africano em Portugal rondam os 180 000, e que não viajam para outros destinos europeus que não sejam Lisboa e Porto, e que todos eles farão em média uma viagem intercontinental por ano e na TAP, então o número de passageiros que terá feito expressamente uso do hub da TAP para chegar a outros destinos europeus (por exemplo, Itália), entre novembro de 2011 e novembro de 2012, rondará os 3, 578 milhões de passageiros. Subtraindo agora este número ao número de passageiros transportados no espaço europeu teremos 5 673 000 - 3 578 000 =  2 095 000. É esta fatia de dois milhões de bilhetes que as Low Cost disputam e têm capacidade de roubar à TAP assim que a easyJet, Ryanair, Germanwings, Vueling, Transvia, etc. ataquem em voo formado a Portela, o aeroporto Sá Carneiro e Faro. Se os voos intercontinentais da TAP andam cheios, as ligações entre o hub Lisboa-Porto e a Europa vão ter que deixar de dar prejuízo :( À vista está, por conseguinte, a migração de vários slots da TAP para a Avianca, nomeadamente no Reino Unido, Alemanha, França e Itália.

NOTAS
  1. Volar a Madrid con Iberia desde A Coruña cuesta un 66% más que hacerlo desde Santiago y Vigo, al menos hasta el próximo mes de marzo, cuando la compañía tendrá un competidor en Alvedro, Air Europa. Y es que desde el domingo, cuando despegó el último vuelo de EasyJet y hasta marzo, la aerolínea española operará en solitario el destino a Madrid. La Opinión Coruña.

Última atualização: 4 dez 2012 - 17:00 WET

 

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro António,

Antes de mais parabéns pelo blogue. Está muito bom.

Acerca deste artigo queria só fazer uns comentários:

- Acredito que em termos de voos, o longo curso na Portela (ou Tap) representam apenas 9% dos movimentos. Mas movimentos como? Aviões ou passageiros? Seja como for, não se pode dizer que não é viável ou que é uma parcela insignificante. Primeiro porque cada avião leva muitos mais passageiros, com mais executiva, e são voos mais lucrativos, acredite.

- Os voos de longo curso estão em crescimento, ao contrário dos de médio curso que estão estagnados. No longo curso abriram novas rotas para o Brasil e aumentaram a frequência de outras, para Brasil e Angola.
Basta andar num Lisboa-Luanda e saber os preços, para ver a preciosidade desta parte do negócio.

O grupo TAP dá de facto prejuizo, mas a aviação deu lucro nos ultimos 2 anos se não estou em erro (pelo menos em 2001 deu), mesmo com a alta do preço do petroleo (33% dos custos). O que dá prejuizo é o handling que entretanto parte foi vendido (Groundforce) e empresas de manutenção no Brasil - Estes são autenticos survedouros de dinheiro, apesar de me dizerem que no futuro tem condições para ser dos melhores sitios para se fazer manutenção de aviões. Não conheço bem, só o futuro o dirá.

- Concordo inteiramente consigo que os politicos, alguns gestores e o mercado da aviação em geral não se soube adaptar ou não souberam prever as mudanças do sector. Ainda assim, a constituição de grandes grupos como a Star aliance foi uma respota timida a uma mudança. Sem a star aliance a TAP porventura já não existiria.

- A TAP, independentemente dos prejuizos, tem batido recordes de passageiros, mesmo em tempos de crise. Tem contudo crescimentos inferiores às LOwcosts.

- Foi feita uma auditoria externa à Tap durante este ano, devido à sua privatização. Não sei quais as suas conclusões gerais mas disseram-me que tem claramente muito pessoal de terra.

vazelios disse...

- Por fim, e isto é um comentário mais pessoal e abrangente, penso que o mundo e as pessoas estão, com o rebentar desta crise e suas consequências, a caminhar para a busca de uma melhor qualidade, a melhor qualidade. A TAP foi duas ou três vezes eleita a melhor companhia da Europa em termos de manutenção, e ganhou outros premios. Está a anos luz em termos de credibilidade da Iberia. Basta procurar muitos filmes da Ryanair e Vueling (Easyjet não tanto) e ver as formações que o pessoal de cabine tem, que passam nos testes com ajuda do formador, que nem sabem onde estão as coisas dentro do avião. O pessoal de cabine da TAP tem formações de 6 em 6 meses.

- Tem razão, muita gente opta pelas low costs, eu próprio, voei muitas vezes em low cost quando era mais novo. Mas um bilhete até Londres pela TAP para daqui a 2 meses custa-me à volta de 150€, pela Easyjet 90€, pela Ryanair talvez se safe por 60€. Agora pergunto-lhe, valerá a pena? Não é pela sandocha, mas pelo serviço, espaço entre pernas, arrumação e limpeza, é diferente.

Eu digo-lhe, em tempos preferi lowcosts, hoje em dia prefiro saber que vou seguro e com pessoas que sabem o que fazem, do que ir numa lowcost onde o pessoal ganha muito menos, anda mais desmotivado, não conhece tanto o avião, a empresa tem uma grande rotatividade, tem menos ou pior manutenção, enfim...são opções.

Mas como eu, conheço muitos que mudaram de prespectiva, como eu. Outros que ainda mudarão, outros que nunca mudarão. Mas os novos ricos brasileiros vão querer vir na executiva da Tap e não na easyjet, ou Avianca.

Também já fiz Porto - Girona (barcelona) - Gatwick - para pagar 50€...o problema é que esperei 12 horas em girona pelo avião, tive de ir de autocarro até ao Porto, e apanhar outro autocarro de uma hora e tal em Gatwick até ao centro de Londres.

Valerá a pena?

Para alguns, em certa altura da vida. Mas depois muda, ou não. Mas haverá sempre mercado para uma boa companhia.

É como viajar e ficar em hostels, também já andei sempre de mochila às costas mas agora prefiro mais comodidade...

Não me parece correcto assumir que todos os que conseguem viajar no futuro o farão em jets privados e os outros vão em lowcosts...

Como disse, foi uma nota pessoal.

P.S.: Não trabalho na TAP :)

Cumprimentos

António Maria disse...

Caro Vazellos,

A TAP encomendou 12 (doze) Airbus A350-900, que transporta tipicamente 314 passageiros. Isto quer dizer que quem comprar a TAP vai ficar com uma frota encomendada precisamente para os voos intercontinentais: América, África e Ásia. Aqui nada a criticar, pois sempre defendi que a TAP deveria apostar em ligações Europa-Mundo de alta qualidade (aí vence o brio dos trabalhadores, dos engenheiros e demais técnicos de manutenção, aos pilotos, passando pelos magníficos assistentes de bordo). O problema do handling está resolvido. O boicote que a ANA permitiu ou promoveu na Portela vai acabar. A TAP Maintenance&Engineering é um ativo precioso cujos prejuízos alguém deveria ser chamado a explicar! Resta o Médio Curo na Europa e o famigerado Hub. Aqui é que a porca torce o rabo. A TAP já há muito que deveria ter desenhado uma estratégia flexível de resposta ao femómeno Low Cost (que veio para ficar). Minimizou o impacto desta mudança na massificação do transporte aéreo, e agora tem um problema de competitividade evidente :( A solução que vai ser adotada —despedimentos, precariedade e baixa de salários— é precisamente aquela que não defendo!

O que sempre defendi, e talvez acabe por ser a solução, é a criação de uma TAP Low Cost para a Europa. Talvez, dando-lhe razão, devesse algo especial, por exemplo, uma Low Cost Plus ;)