sexta-feira, outubro 25, 2013

Do Panamá a Badajoz

Comboio com amoníaco descarrila no Poceirão, 24/10/2013

Enquanto os comboios portugueses continuam a descarrilar, a rede espanhola de bitola europeia, articulada com os seus portos de águas profundas e o resto da Europa, avança!

Um vagão de um comboio de mercadorias que transportava amoníaco descarrilou na tarde desta quinta-feira na estação do Poceirão, em Setúbal, levando à queda de uma cisterna com 30 toneladas daquele produto. Segundo fonte do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS), não há risco de fuga nem feridos — Público, 24/10/2013 - 19:06.

Segue-se uma epístola aos incompetentes e perdulários sobre a falta de tino e de estratégia portugueses em matéria de transportes, de onde ninguém sai vivo, do governo moribundo, à ADFER, passando pelo outrora confiável Instituto Superior Técnico.
Caro Senhor Engº ML,

O Congresso da ADFER foi uma revelação: nem sequer projecto existe para aceder às verbas do QREN para o 2014-2020 :(

A malta que entenda lá o que quiser entender; acreditem no vidente de Pamplona, rezem à virgem de Guadalupe, vão de joelhos até Fátima, mas qualquer porto português que queira competir com os espanhóis, que queira ser interessante para estrangeiros, ou que pelo menos queira sobreviver —e neste ponto a questão é mesmo de sobrevivência— teremos que explicar aos responsáveis políticos o que significa a sigla UIC, dê lá por onde der!

Face ao estado em que está o material circulante de passageiros —a vida útil da maioria já está mais para lá do que para cá— gastar dinheiro em bitola ibérica seria pura perda de tempo e de recursos financeiros que não temos. Trate-se, pois, de mudar a bitola, por exemplo na remodelação da Linha de Cascais, desviando temporariamente e por troços os tráfegos para a estrada, enquanto se substitui a via. Idem para as vias existentes em direção à fronteira. Caso não saibam fazê-lo, questionem os japoneses sobre o assunto.
Mau seria começarmos todos a ver, ano sim, ano não, descarrilamentos de comboios por falta de aderência aos carris!

Quanto aos portos portugueses, quem dera à Espanha ter a nossa costa atlântica...

Se qualquer porto português quer ter uma dimensão pelo menos europeia, terá que considerar a incontornável bitola UIC. O apregoado porto da Trafaria sem UIC seria mais uma réplica de Sines —qual aeroporto de Beja na Trafaria—, a não ser que fossem usados camiões de 60 toneladas, ou se fizesse o sempre desejado (pela malta da Mota, do senhor Ho e do BES, claro) aeroporto da OTA em Alcochete, para aí operar os famosos A380 de carga aérea tão queridos do banqueiro Ricardo. Subsistiria, porém, uma dúvida: como levar metade ou mais da carga até Espanha? Ninguém está a ver contentores da Trafaria e de Setúbal a voarem até Madrid, ou mesmo até Barcelona, a não ser um completo lunático, que acredite em renas voadoras, claro.

Realize-se uma listagem sobre as prioridades dos portos portugueses, atendendo à sua importância e necessidades de investimento. Em qual é mais urgente investir, e que retorno se irá obter desse investimento. É de apostar já em Aveiro, dada a localização das nossas empresas exportadoras? Ou em Sines?

Uma coisa afigura-se-me mais ou menos óbvia: a questão do Panamá irá por certo promover um maior acesso de e para os portos europeus. Atente-se, por exemplo, na experiência canadiana e americana na costa virada ao Pacífico, face ao aumento das trocas comerciais com a Ásia. Na aviação comercial é a mesma coisa: o seu principal equipamento (aviões) dirige-se para a onde? Para a Europa? Não, os 777 voam para a China, Índia, Japão, Coreia e o resto da Ásia e Austrália!

Ora havendo um aumento das trocas comerciais com a Ásia, alemães, franceses, mas também os asiáticos, estão a tratar de antecipar soluções. Este é um cenário que Espanha soube reconhecer e aproveitar para rentabilizar por três ou mais vias:
1) investimentos da UE via fundos do QREN 2007-2013 e 2014-2020,
2) taxas que os utilizadores irão pagar;
3) e redução da importação de energias fósseis necessárias à operação de veículos térmicos (locomotivas e camiões diesel).

E Portugal? Bom, Portugal comporta-se como uma verdadeira ilha (1) pejada de meias soluções, cada uma 'melhor' do que a outra. Diga-se em abono da verdade que nunca vi tanto caço previsível junto. Por vezes, com os meus amigos, até lhes chamo "UNS PORTENTOSOS CAÇOS, DE PRIMEIRA!"

O material ferroviário em Portugal atingiu, todo ele, pelo menos, metade da sua vida útil. Na linha de Cascais é já um cadáver. Será assim rentável um investimento em bitola ibérica para durar 20 a 25 anos? Não me parece. Aliás, a primeira linha a ser reconvertida para UIC será a Linha de Cascais. O traçado é o mesmo. Basta mudar balastro, travessa UIC, carril de 56, e fazer um acordo com a Bombardier para fornecer comboios numa base de parceria. Se o transporte for bom para nós, vocês lucram, se não for, também terão que arcar com parte do prejuízo. Assuma-se que durante dois anos vai haver comboios em condições de circulação muito especiais, recorrendo-se ao transporte rodoviário para mitigar as faltas, e faça-se uma Linha de Cascais em condições. Acreditem numa coisa: as pessoas voltam à Linha e todos ficam a ganhar. O que temos neste momento, e a evidente falta de perspetivas aceitáveis, é que não nos leva a lado algum.

Voltando aos portos...

Nas ligações com a Europa há APENAS 2 LINHAS QUE INTERESSAM.

Já vi o mapa 2, 3, 4 e 5 vezes e não me parece haver muitas alternativas. Temos duas linhas - a da Beira Alta e a Linha do Leste (agora Poceirão / Caia), que me faz recordar o PowerPoint do "Conde Costa Cabral".  Simples, mais simples, é impossível.

Assim sendo, temos que decidir o que realmente queremos:

—Potenciar a indústria nacional (aquela que exporta)? Então estamos a falar da Beira Alta.
—Ou fazer transbordo de contentores de navios para comboios? E então estamos a falar de Sines.

Por mais volta que se dê, é assim, não é preciso nenhum Viegas de palanque para nos iludir, exceptuando aqueles que gostam de ser enganados, e olhe que também os há, ... UNS CAÇOS DE PRIMEIRA.

A opção Beira Alta.

Como já se escreveu, a Beira Alta potencia os portos da Figueira e Aveiro.

Em praticamente toda a linha da Beira Alta existe feixe de linhas nas estações mais importantes, o que potencia o transporte de mercadorias. A linha está feita (o investimento maior está realizado). É só trazer a dita até à Figueira, como era na origem, e da Figueira levá-la, não pela Linha do Norte, que está congestionada, mas até Aveiro.

Para sul, é puxada até Coimbra, onde se poderá ligar ao Metro de Coimbra, que funciona igualmente em UIC. Ficamos, assim, com o problema do Centro resolvido, e escusamos de recorrer ao porto seco de Salamanca, bem como ao parque de estacionamento aí construído para passageiros com destino a Madrid.

Os tráfegos de passageiros da Linha da Beira Alta não se relacionam com Lisboa, mas sim com Coimbra, por questões de saúde, educação, trabalho,.... . Alguém que se dirija a Lisboa ou ao Porto terá que fazer transbordo em comboios de bitola ibérica em Coimbra para a Linha do Norte. Desde que os comboios circulem à tabela e existam boas condições de enlace, ninguém se queixa.

A opção é Sines.

Se for Sines a opção escolhida, a única solução para circulação de comboios em total segurança é, no mínimo, uma via dupla UIC. Ao lado da atual (que é ibérica) que deve ser aproveitada para o transporte de materiais e iniciar a duplicação em UIC. Inicialmente poderão conviver as duas bitolas, considerando situações como a do Pego. É claro que Setúbal terá de se articular com Sines apesar do 'estrangulamento' do Outão.

Caso queira, posso aprofundar mais este assunto, muito embora muita coisa esteja publicada neste blogue sobre o mesmo tema.

De Ermidas-Sado até à fronteira a única bitola que interessa (A ÚNICA) é a UIC.

Por acaso haverá tráfego que se veja de contentores que justifiquem a bitola ibérica entre Sines e Beja, ou entre Sines e Évora? Terá Beja, por exemplo, indústria que justifique a bitola UIC? Olhe, nem UIC nem aeroporto! Até hoje ainda estou para perceber como é que aquele iluminado do Augustus Mateus foi desencantar aquela do ‘transhipment’ de pescado em Beja. É claro que almoçou uma fantástica sopa de alimado de cação (Fish Dog) que deve ter adorado e saiu do restaurante a abanar o rabo, mas entre um alimado e um aeroporto vai uma grande distância. Olhe, agora têm uma SCUT entre Sines e Beja, toda em estaleiro, que ninguém sabe como nem quando acabar, e no entanto, aos Domingos, os caçadores adoram os viadutos para a caça aos tordos, os cães ficam por baixo dos viadutos à espera que a caça caia. Haja alguém que dê uso à infra-estrutura!

Desculpe a expressão: PORRA QUE É MUITA INCOMPETÊNCIA À SOLTA.

E depois há o outro lado...

ACREDITE O MEU AMIGO QUE AS OPORTUNIDADES DESPERDIÇADAS POR PORTUGAL VÃO SER CRITERIOSAMENTE APROVEITADAS POR ESPANHA.

Acha que os espanhóis perdem uma? Questione a ADFER lá do sítio e pergunte-lhes a opinião. Acha que eles se deixam enrollar?!

E é assim: temos duas linhas que interessam...

A indústria nacional, a tal que é supostamente exportadora, está balanceada numa das linhas, a da Beira Alta, e Sines na outra. Se o Viegas e o seu amigo Tão (o tal dos eixos telescópicos) lhe segredarem que é pelas Termas de Monfortinho, porque o que está a dar é Coria, não acredite. Os últimos que compraram Cória foram os romanos, e até hoje ainda não souberam como lá foram parar!

Trate pois prioritariamente destas duas linhas, aprendendo com Cascais, deixando para a fase seguinte as outras. Olhe que com tanta auto-estrada no sentido norte-sul (são três!) não vai haver certamente falta de transporte.

Os políticos servem para quê? E o que é que se pretende?

A melhor solução é tratar de fazer a coisa com cabeça, tronco e membros, em vez de se tentar privatizar, não a solução, mas o problema. Trate-se de comprar os comboios à Bombardier, definindo no cronograma o tempo para a realização da obra.

Explique-se às pessoas que o encerramento parcial da linha de Cascais tem como objectivo melhorar a qualidade de transporte e de vida das pessoas. Estas não são tão burras como querem fazer parecer que elas parecem. Pela abstenção, votos nulos e brancos das últimas eleições as pessoas bem demonstraram que não andam tão distraídas como nos querem fazer crer.

O Senhor Engº deve saber, bem melhor do que eu, que um comboio não tem a mesma flexibilidade que um autocarro. Quer fazer a obra como? Tipo modernização da Linha do Norte? Então o Sr. escreveu que o processo de modernização da Linha do Norte foi o que se vê - um fiasco, e quer repetir o mesmo em Cascais?!

Já agora falem com a DB, que eles têm uns comboios todos porreiros na margem esquerda do Reno. Aproveite-se uma encomenda de um operador grande para se comprar umas 50 composições para Cascais com 25 Kv.

Acredite, se quiser. Por mais que lhe custe acreditar, não há outra alternativa.

A linha da Beira Alta, creia o meu amigo, desde a sua modernização, não transportou um parafuso! Todo o tráfego escolheu o IP5. Feche a linha para obras que ninguém dá por isso. Quer uma linha com que dimensão: nacional ou internacional? Se é para ser nacional, deixe estar como está e está muito bem. Se é outra a ambição, já começa a ser tarde :(

Zé Ferroviário

NOTAS
  1. A propósito da ilha ferroviária em que o governo moribundo ainda em funções quis transformar Portugal sugere-se a análise atenta das linhas de bitola ibérica que a Espanha vai suprimir junto à fronteira portuguesa. Todas as ideias de construir vias de bitola ibérica para Espanha caíram por terra. Sérgio Monteiro foi muito mal aconselhado (ou quis ser mal aconselhado...). Esta política levou-nos, porém, ao desastre. A Espanha decidiu, não só levar a bitola europeia aos seus principais portos no chamado Corredor Ferroviario Mediterráneo (Algeciras, Barcelona,  Valéncia, etc.), como fechar as linhas, não rentáveis, de bitola ibérica, junto à fronteira portuguesa (ver mapa/ El País). OAM


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