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quinta-feira, fevereiro 07, 2019

Pedro Marques e as Berlengas

G2 approaching from Shanghai Hongqiao on the first day of 350km/h operation on Beijing-Shanghai HSR.
Photo: N509FZ

A história da bitola explicada às criancinhas

“Ferrovia 2020 tem uma taxa de execução de 40%”, diz Pedro Marques 
SAPO, Ana Sofia Franco, 06/02/2019, 13:18 
“A nova ligação ferroviária a construir entre Évora e Elvas pretende reforçar a conexão ferroviária dos portos e das zonas industriais e urbanas do sul de Portugal a Espanha e ao resto da Europa.”
Esta é uma daquelas afirmações mecanicamente reproduzida por todos os jornais, seguramente fazendo copy-paste dum despacho da Lusa que, por sua vez, foi buscar a frase ao sítio da Infraestruturas de Portugal, sem sentido, nem verdade, mas que retrata bem o pântano de propaganda em que estamos mergulhados.

A Espanha vai ter todas as suas linhas ferroviárias transfronteiriças, quer em direção a França, quer em direção a Portugal, mudadas para bitola europeia (UIC), até 2023. Sendo assim, nenhum comboio oriundo de Portugal poderá em breve cruzar a fronteira, pois o anunciado plano ferroviário do ministro Pedro Marques continua a prever apenas linhas férreas de bitola ibérica. Sabendo deste atavismo ferroviário dos sucessivos governos lusitanos, os espanhois começaram a construir portos secos em Badajoz e Salamanca. Ou seja, os comboios portugueses levam as mercadorias até à fronteira e depois haverá que fazer o respetivo transbordo para a rede ferroviária espanhola de bitola europeia.

Os estados falidos não têm, por definição, capital. Logo, devem evitar negócios cada vez mais competitivos e assentes em capital intensivo, financeiro e humano. É por isso que a CP Carga foi entregue aos italianos da MSC, que a CP irá ser privatizada mais cedo do que tarde, e que a TAP acabará por colapsar, e o governo de turno será, então, obrigado a terminar o processo de privatização que ficou a meio.

Temos um país sem capitalistas, sem bancos, e com um Estado sem capital. Logo, não é assim tão difícil saber o que fazer... E no entanto, António Costa e o seu caricato ministro das infraestruturas, curiosamente semi-demissionário e a caminho de Bruxelas (dizem), insistem em despejar centenas de milhões de euros em soluções ferroviárias sem futuro. Fazem-no, quero crer, porque ninguém até hoje lhes desmontou a doutrina Cravinho sobre o território, e também porque simplesmente desconhecem o que é uma bitola ferroviária, e para que serve!

Vamos, enfim, esclarecer este mistério que tanto confunde governantes, políticos e jornalistas.

O mérito vai inteirinho para o Professor do Técnico, Jorge Faria Paulino, uma das vozes mais autorizadas em matéria de mobilidade e transportes que, como eu, participa num dos mais animados grupos de discussão da blogosfera sobre ferrovia, aeroportos e transporte aéreo, barragens e energia.

Pedro Marques leva mercadorias, de Sines até Badajoz...

Aqui vai...
Um pequeno esclarecimento relativamente à bitola... 
1. Em meados do século 19, quando o transporte ferroviário se implantou nos países do Mundo, as duas superpotências eram a França e o Reino Unido. E eram elas que controlavam o Globo, em termos tecnológicos, militares, comerciais e económicos.

2. A França utilizava a bitola [distância entre carris] internacional, também chamada "bitola francesa" (1,435 a 1,50 m). O Reino Unido usava duas bitolas: uma bitola larga (1,667 a 1,70 m ), para zonas planas e de grande circulação; e uma bitola estreita (0,90 a 1,0 m), para percursos sinuosos, pouco utilizados ou de montanha. 
A França estava na Europa Continental. Quem se queria ligar a ela e permutar produtos com a sua poderosa economia, tinha de ter a bitola francesa. Por isso a leste da França (Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, etc) todos os países usaram a bitola francesa (aliás, politicamente, quem mandava nesses países ainda era o que restava das monarquias implantadas por Napoleão e sua família ao redividir a Europa). 
Os britânicos implantaram a bitola inglesa larga e estreita no seu país (então, Reino Unido e na Irlanda) e no seu império (Áfricas, India e outras Ásias, América do Sul e central). A bitola larga era muito mais cara do que a bitola estreita, pelo que, nos territórios que constituiam o Império Britânico, se passou a privilegiar sempre a bitola estreita ou métrica (que ainda hoje lá está...). 
Por questões de marketing e de estratégia militar, o Reino Unido procurou assustar a Espanha e a Rússia, que tinham sofrido na pele com as invasões napoleónicos, afirmando que para melhor defesa dos seus territórios, deveria haver uma descontinuidade na via férrea. Assim não seriam tão rapidamente invadidos (as tropas napoleonicas andavam em marcha a pé; com o caminho de ferro passaram a circular de comboio e assim aconteceu até à 2ª Guerra Mundial). E foi assim que a Espanha e a Rússia passaram a ter bitola larga e a bitola estreita, britânicas.

3. Mais tarde, os ingleses acharam que era uma tolice ter 2 bitolas, porque assim tinham necessidade de ter vias algaliadas em muitos locais e percursos. E acabaram com a bitola larga e a bitola estreita e passaram tudo para a bitola francesa (que assim se passou a chamar de bitola internacional). E na Inglaterra e zonas limitrofes onde a Revolução Industrial fizera do Reino Unido a maior superpotência, eles mudaram a bitola em questão de poucos anos.

4. Em Portugal, os técnicos superiores (leiam-se engenheiros) tinham formação teórica na França (École Nationale de Ponts et Chaussées, onde tudo era republicano e defensor da Revolução Francesa). Por isso, em Portugal, a primeira linha que se fez na zona de Lisboa também tinha bitola francesa (ou internacional). 
Como os espanhóis tinham enveredado pela bitola larga e a bitola estreita britânicas, Portugal teve de seguir a mesma metodologia, para não ficar uma ilha ferroviária que não se poderia ligar à Europa. 
Agora os espanhóis estão a mudar progressivamente as suas grandes linhas para bitola internacional e Portugal estará de novo em risco de se tornar numa ilha ferroviária. Em suma, pensava-se melhor em meados do século 19 em Portugal do que agora... 
Jorge Paulino Pereira

domingo, agosto 23, 2015

Moscas pagas a peso d'ouro


Precisamos de reverter o buraco negro das PPP


As Parcerias Público Privadas (PPP) foram, à época, um estratagema financeiro engendrado pelo Bloco Central da Corrupção como meio de financiar obras públicas sem aparentemente carregar no défice público.

Este estratagema, que viria a envolver sucessivos governos, bancos, construtoras e os rendeiros do regime, aplicou-se à construção de autoestradas, barragens, hospitais, sistemas de saneamento e de captação, tratamento e distribuição de águas, e ainda estações de tratamento de lixos.

Ou seja, quando as receitas fiscais e a despesa do estado já aconselhavam maior prudência e responsabilidade no lançamento de obras públicas, a nomenclatura partidária e os cleptocratas do regime resolveram apostar numa fuga em frente, em nome do crescimento, da criação de emprego e — claro, mas não dito— do enriquecimento ilícito de rendeiros, devoristas, partidos e governantes de um país que pouco depois sucumbiria à sua terceira bancarrota desde 1974 (cortesia invariavelmente cor-de-rosa), e cujo resgate implicou uma transferência sem precedentes de ativos preciosos do país, embora a saque, para os credores. Acrescendo a isto, o inevitável cortejo de desemprego, empobrecimento e emigração, de que se salvou, também invariavelmente, a nomenclatura partidária.

Posso imaginar que os piratas financeiros alemães e americanos tenham apostado nesta armadilha.

O que não posso aceitar, nem deixar passar em claro, é a cumplicidade dos piratas indígenas neste saque programado do país. É que, ao contrário do que a maioria dos portugueses —sempre embasbacados diante do futebol, das telenovelas e dos concurso desmiolados da TV— imaginam, ou nem sequer imaginam, a maioria das faturas das PPP estão por pagar e serão um verdadeiro flagelo ao longo das próximas duas, três ou mais décadas.

Estamos, porém, a tempo de reverter este assalto aos bens, às poupanças e ao emprego dos portugueses. Mas para isso é preciso correr com a cleptocracia que tomou de assalto o país, mudando de alto a baixo a composição do parlamento. Mais do mesmo, não!

Vale a pena, a este propósito, ler o elucidativo email dirigido pelo Professor Jorge Paulino Pereira, do IST, a Clara Teixeira, a propósito dum importante artigo publicado pela Visão do passado dia 6 de agosto.

Cara Clara Teixeira

1. Como lhe tinha dito, parti para fora de Portugal na 5ª feira de manhã (dia em que saiu o artigo da Visão sobre as Auto-estradas desertas). Apenas cheguei anteontem à noite, e só ontem consegui ler a sua peça na íntegra. Entretanto, soube que esta notícia teve algum impacto em certos sectores, tendo em conta os ecos que me chegaram de vários conhecidos e amigos de vários quadrantes políticos.

2. Antes de mais quero-lhe testemunhar o meu apreço pelo facto de ter utilizado os nossos dados e pela feliz escolha das figuras que deram uma ideia muito clara dos tráfegos existentes (e muito baixos). Também a forma como conseguiu condensar a informação que tivemos ocasião de discutir, me pareceu um trabalho interessante.

3. Contudo, no texto, julgo que se deveria ter separado a análise relativa às auto-estradas do Sul de Portugal, daquilo que falámos sobre as SCUT's (estradas Sem CUstos para o UTilizador) porque se trata de duas situações diferentes. Ao não se fazer essa separação, o leitor poderá ter ficado com uma ideia distorcida do que foi a nossa conversa e do que eu disse e penso.

4. Recapitulando o meu pensar. A BRISA foi durante muitos anos a única concessionária de auto-estradas em Portugal tendo sido constituída no Governo de Marcelo Caetano, ainda antes do 25 de Abril. Tinha uma instituição financeira portuguesa subjacente (o BIC de Jorge de Brito). Nesses tempos, a Junta Autónoma das Estradas (JAE), brilhantemente reestruturada por Duarte Pacheco, Ministro de Salazar na distante década de 40, era o motor do desenvolvimento rodoviário nacional e assim permaneceu durante largas dezenas de anos.

No Governo de Cavaco Silva, foi a JAE que permitiu "abrilhantar" a imagem desse período porque era das poucas instituições que fazia um planeamento de curto, médio e longo prazo, tendo uma estratégia nacional com projectos preparados para diferentes estádios (ao nível de estudo prévio e de projecto de execução). E como veio o dinheiro da União Europeu e os outros ministérios que tinham a seu cargo outros sectores económicos e institucionais do País não tinham nada preparado, o Ministro das Obras Públicas de então, sacava de um dos projectos que estavam na gaveta da JAE, e ele era feito para não se perderem as verbas que a Europa punha à nossa disposição.

No Governo de Guterres (quando João Cravinho era Ministro) foi definida uma política rodoviária diferente. A antiga Junta Autónoma das Estradas (JAE) foi considerada como "corrupta" e até como "incompetente" para levar por diante o Programa Rodoviário Nacional (PRN), que incluía a construção de muitos Itinerários Principais (IP) e de Itinerários Complementares (IC). Paralelamente, a BRISA foi vista como pouco vocacionada para fazer esse mesmo programa e, além disso, queriam-se criar concorrentes a esse monopólio de auto-estradas. Por isso, nesse Governo, a JAE foi "destruída" e criaram-se novos concessionários para fazer concorrência à BRISA, por meio das famosas PPP (Parcerias Público Privadas).

A estratégia então defendida consistia no seguinte: partia-se do princípio que bastava fazer uma estrada para qualquer região, para a poder desenvolver. Logo a seguir à abertura da estrada, apareciam mais empresas na zona servida; e elas geravam mais emprego e maior crescimento do PIB local. E, como corolário desta "brilhante teoria", a estrada era paga pelo próprio crescimento económico gerado ao nível regional e local. Como exemplos, eram utilizados os desenvolvimentos verificados noutros países europeus por via da construção de estradas.

Para demonstrar que se tratava de um estratégia excepcional e bem sucedida, o Governo entendia que não haveria portagens. Eram as tais estradas Sem CUstos para o UTilizador (em alternativa às estradas com portagem). Elas seriam a chave do desenvolvimento do interior de Portugal. Como é sabido, as portagens devem existir quando se põem, à disposição do público, trechos alternativos em auto-estrada, mais rápidos e mais directos, ou qualquer ponte ou túnel de certa dimensão que permita encurtar traçados.

Para além disso, com as PPP rodoviárias, o Estado não pagava nada (ou quase nada) durante a construção e os primeiros anos, e só depois começava a pagar os investimentos efectuados quando a região se começasse a estruturar e a desenvolver. A "nova ideia" parecia ter uma justificação logística técnica e uma envolvente política inovadora. A História recente já mostrou que ela se revelou completamente desapropriada e irrealista, com resultados desastrosos para o País e para as gerações vindouras que vão ter de pagar infra-estruturas rodoviárias que estão “às moscas”...

Logo esta estratégia utópica, apresentada pelos governantes, foi secundada pelos habituais seguidores (e servidores do poder), existentes no meio académico, que são sempre benvidos para assegurar as necessárias "bases e fundamentos teóricos" que tornam essas estratégias mais bem aceites pelo público em geral (que são afinal os votantes).

Diga-se que as Parcerias Público Privadas (PPP), por si sós, não são um mal. Considera-se que as PPP podem ser úteis para despoletar e fazer funcionar alguns projectos de alguma dimensão. Sobretudo naqueles onde há risco envolvido e o Estado receia que os objectivos e receitas a atingir possam não ser assegurados em tempo útil. Deste modo, o risco associado passa a ser do privado e, paralelamente, o Estado irá pagar uma contribuição mais elevada para motivar o privado. Ou seja, uma obra feita por meio de uma PPP sai sempre mais cara do que se tivesse sido feita directamente pelo Estado (pelas entidades do Estado). E isso tem lógica, como se procurou mostrar. Contudo, o uso generalizado de PPP para fazer obras é penalizante para o País, porque o Estado deixa de ter condições de financiamento mais favoráveis junto da Banca e das instituições mutuárias e financeiras internacionais. Ora, no caso de Portugal, as PPP rodoviárias não envolviam quaisquer riscos para os privados, pelo que se tratou apenas de uma política de transferir para terceiros o papel do Estado que passou obviamente a pagar muito mais pelas obras que deveria fazer.

Os grandes construtores nacionais perceberam a estratégia e posicionaram-se de forma adequada. Estas empresas (principais financiadores dos partidos)  são grandes empregadoras de mão-de-obra, geram um efeito multiplicador junto de subempreiteiros e no local onde se fazem os trabalhos, e possuem elevados volume de negócios. Contudo, não têm capacidade financeira para efectuar esses investimentos relacionados com as PPP e estão sempre dependentes da Banca. Por isso, quando se deu início à política das PPP, a Banca Portuguesa surgiu à tona e, nomeadamente, o papel do Banco Espírito Santo tornou-se hegemónico. Pela sua forma de actuar, pela sua hábil capacidade de gerar uma teia de contactos políticos, económicos e financeiros, controlando, na prática, as lideranças dos partidos do Arco da Governação (PS e PSD) mas também de alguns dos sectores influentes dos outros partidos menores, pela sua inteligente estratégia de se apoiar em grupos económicos e em pequenos bancos emergentes, pela forma como decapitou o seu rival directo (o BCP actual Millenium), o chefe do BES, Ricardo Salgado, rapidamente se assumiu como o verdadeiro Primo-Ministro Económico de Portugal. E daí que ele se tenha de facto tornado no líder económico e financeiro de Portugal nas últimas décadas, imprimindo a sua estratégia na maioria dos grandes projectos nacionais.

Por meio destas PPP, os grandes construtores portugueses e a Banca portuguesa auto-financiaram-se com base no dinheiro que provinha do próprio Estado. Ora, como a Banca Portuguesa também não tem dinheiro, teve de recorrer à Banca Internacional para se prover de fundos para fazer as obras, e esta exigia o aval ou garantia do Estado Português para estas várias operações financeiras. Deste modo, o Estado português foi-se endividando sistemática e progressivamente, tal como um empresário medíocre e incompetente, que não sabe gerir o seu negócio empresarial, o vê afundar-se também de modo progressivo e sistemático.

Os Bancos internacionais mais importantes, a que a Banca portuguesa recorreu, estavam localizados nos países europeus mais industrializados e que controlam a União Europeia e o Euro, nomeadamente na Alemanha e na França.  Por isso, esses Governos que dominam a Europa passaram a promover uma mera política de "colonialismo financeiro", tratando os países que pediam os tais "empréstimos bancários" como seus reles servidores. E tal como qualquer agiota, a sua estratégia política consistiu em defender arduamente os partidos e os governos desses países dependentes que ajudassem a promover esse mesmo colonialismo. Aliás, este "dinheiro emprestado" passou a representar uma das principais fontes de rendimento desses novos países colonizadores do Sul da Europa... Em abono da verdade, deve referir-se que muitos dos bancos envolvidos estão associados no chamado EuroGrupo (uma cabeça que domina a Europa e que só é controlada pelo poder financeiro e que funciona como uma hidra de numerosos contactos financeiros internacionais).

A estratégia de construção das SCUT's também tinha outros inconvenientes. Por um lado, não permitia efectuar um faseamento das estradas, porque cada troço tinha de ser feito todo de uma só vez para o ano horizonte. Deste modo, não podia ser feita uma estrada por fases (primeiro, com menos vias; e depois com maior número de vias) para ter em conta o crescimento do tráfego. Também a estrada tinha de ter o aspecto final quer em termos de equipamentos de controlo e segurança, quer doutros. Para além disso, como eram os construtores que estavam envolvidos como patrões e eles queriam reduzir custos, a própria qualidade do projecto foi afectada para optimizar os investimentos do ponto de vista do empreiteiro (redução do comprimento de viadutos sobre baixas aluvionares, minimização dos gastos com a pavimentação, etc).

Também o papel das empresas que fizeram projecções de tráfego merece ser criticado desfavoravelmente. Para justificar os investimentos, os tráfegos foram empolados, tendo-se verificado que actualmente e na realidade, eles estão completamente afastados do que foi antecipado (estão muito abaixo das suas previsões optimistas).

Entretanto, colocaram-se sistemas de pagamento do tipo portagem, o que se deveria ter feito desde o início. Mas o sistema utilizado, recorrendo a pórticos, novamente penaliza o utente, ou seja, penaliza essencialmente os Portugueses. Não foi instalado um sistema de pagamento com as portagens convencionais (com ou sem portageiro). De facto, em cada trecho definido pelos pórticos, não se sabe o que se paga nem porque se paga.

Em vários países da Europa (por ex. na Áustria, na República Checa, na Eslováquia, na Eslovénia, etc), é obrigatório pagar uma vinheta sazonal (10 dias, mensal, anual) para andar pela rede de auto-estradas e não se pagam portagens localizadas. Ali, têm pórticos iguais aos das nossas SCUT’s para detecção dos veículos que estão em infracção (sobretudo os pesados). Nesses países, em algumas auto-estradas ou túneis ou pontes, construídas no âmbito de PPP, continua a haver adicionalmente portagens localizadas nos inícios e nos finais dos vários lanços.

Em Portugal, de forma abusiva, apenas se colocaram pórticos. E estes têm apenas lógica para quem tem uma vinheta (a Via Verde da Brisa) e não para o condutor que pontualmente circula pelo trecho de auto-estrada.

Como seria de esperar a introdução de sistemas de pagamento provocou uma quebra de tráfego nas auto-estradas do tipo SCUT porque a alternativa existente, apesar de pior, é gratuita. Por isso, a realidade que se observa actualmente em muitas SCUT’s é desoladora, com tráfegos diminutos a muito diminutos. E este panorama até é bem pior do que o que está retratado nos mapas que foram apresentados para algumas das auto-estradas do Sul de Portugal e da região de Lisboa.

E agora o que se deve fazer?

Se se tratasse de uma empresa privada que não gera receitas para cobrir as despesas e os encargos dos empréstimos, a solução seria fácil. Bastava fechá-las, despedir as pessoas que iriam para o Fundo de Desemprego e vender equipamentos e bens para tentar fazer dinheiro para pagar aos principais credores. A falência de qualquer empresa acarreta sempre inevitavelmente este tipo de procedimentos.

No caso das auto-estradas do tipo SCUT, as empresas (ou seja, os consórcios construtores e financeiros) também estão falidas porque as receitas geradas pelos tráfegos são, em, muitos casos, irrisórias. Deveriam pois ser tratadas do mesmo modo. Ou seja, se uma auto-estrada não tem tráfego, então deveria ser fechada por ter entrado em falência a empresa concessionária. Os gastos com dívidas ficariam para os construtores e para as instituições financeiras que os apoiaram e o resto da população nada teria a ver com isso. De facto, seria fácil, se fossem só consórcios privados (só construtores e financeiros). Que ficassem com o seu investimento ruinoso! Depois haveria uma eventual renegociação para que o Estado ficasse com a infra-estrutura a “bom preço” (preço da chuva) pondo-a ao serviço da população, mas sem suportar os gastos associados com uma estratégia de planeamento incorrecta e demasiado optimista, feita pelo privado.

Agora, no caso das PPP não é possível esta estratégia porque o Estado é um dos envolvidos. Que fazer? Neste caso, dever-se-ia proceder do mesmo modo que no caso dos privados. A auto-estrada fechava (ficava para os construtores e os financeiros). Mas a política do Estado é que deveria ser outra. As entidades portuguesas deveriam ir junto das entidades financeiras internacionais que emprestaram o dinheiro, comunicando que elas, apesar de estrangeiras, eram co-responsáveis pelo investimento e tinham integrado um processo estranho (para não dizer fraudulento) para sacar dinheiro ao Estado Português. Nestes casos, as dívidas que existiam porque o Estado deu o seu aval, deveriam ser renegociadas. Obviamente que alguns políticos e empresários também teriam de ser penalizados e criminalizados à luz da Lei (existente ou a criar) para credibilizar a reclamação do Estado Português.

Esta política de renegociação das dívidas das PPP deveria ser efectuada não apenas relativamente às PPP rodoviárias, mas em relação a todas as PPP que existem onde o Estado deu a face e o Povo Português está a ser penalizado (e irá ser penalizado) por várias gerações. No caso das PPP rodoviárias até existem alternativas (quem não quiser não vai por aquela auto-estrada). Mas que dizer do escândalo das PPP ao nível da Energia e das rendas que se pagam às empresas distribuidoras e fornecedoras de Electricidade onde de facto não há alternativas? Ou do que já se avizinha em termos de política de Águas e Esgotos, etc?

A opinião que transmiti é a de um técnico e não a de um político. E eu sei que este olhar de técnico é sempre visto com alguma desconfiança pelo poder político que receia qualquer opinião ou pergunta incómoda que possa fazer levantar dúvidas ao nível do seu rebanho de eleitores ou que ajude a promover os seus rivais.



Cara Clara Teixeira

Que fique claro que não estou à espera que faça uma qualquer adenda à sua excelente peça, em qualquer outro número da revista Visão. Nem lhe peço que publique este meu complemento como qualquer artigo de opinião. Mas assim fica claro o meu ponto de vista, também para si.

Tentei reencaminhar este e-mail para o João Garcia, mas desconheço se o e-mail dele está certo. Por favor, faça-lhe chegar uma cópia.

Por último, irei enviar cópia desta minha opinião a alguns amigos e conhecidos que ficaram um pouco confusos com o texto ou com a forma como lhes pareceu estar apresentado o modo como eu penso.

Melhores cumprimentos e Parabens

Jorge Paulino Pereira

sexta-feira, outubro 25, 2013

Do Panamá a Badajoz

Comboio com amoníaco descarrila no Poceirão, 24/10/2013

Enquanto os comboios portugueses continuam a descarrilar, a rede espanhola de bitola europeia, articulada com os seus portos de águas profundas e o resto da Europa, avança!

Um vagão de um comboio de mercadorias que transportava amoníaco descarrilou na tarde desta quinta-feira na estação do Poceirão, em Setúbal, levando à queda de uma cisterna com 30 toneladas daquele produto. Segundo fonte do Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS), não há risco de fuga nem feridos — Público, 24/10/2013 - 19:06.

Segue-se uma epístola aos incompetentes e perdulários sobre a falta de tino e de estratégia portugueses em matéria de transportes, de onde ninguém sai vivo, do governo moribundo, à ADFER, passando pelo outrora confiável Instituto Superior Técnico.
Caro Senhor Engº ML,

O Congresso da ADFER foi uma revelação: nem sequer projecto existe para aceder às verbas do QREN para o 2014-2020 :(

A malta que entenda lá o que quiser entender; acreditem no vidente de Pamplona, rezem à virgem de Guadalupe, vão de joelhos até Fátima, mas qualquer porto português que queira competir com os espanhóis, que queira ser interessante para estrangeiros, ou que pelo menos queira sobreviver —e neste ponto a questão é mesmo de sobrevivência— teremos que explicar aos responsáveis políticos o que significa a sigla UIC, dê lá por onde der!

Face ao estado em que está o material circulante de passageiros —a vida útil da maioria já está mais para lá do que para cá— gastar dinheiro em bitola ibérica seria pura perda de tempo e de recursos financeiros que não temos. Trate-se, pois, de mudar a bitola, por exemplo na remodelação da Linha de Cascais, desviando temporariamente e por troços os tráfegos para a estrada, enquanto se substitui a via. Idem para as vias existentes em direção à fronteira. Caso não saibam fazê-lo, questionem os japoneses sobre o assunto.
Mau seria começarmos todos a ver, ano sim, ano não, descarrilamentos de comboios por falta de aderência aos carris!

Quanto aos portos portugueses, quem dera à Espanha ter a nossa costa atlântica...

Se qualquer porto português quer ter uma dimensão pelo menos europeia, terá que considerar a incontornável bitola UIC. O apregoado porto da Trafaria sem UIC seria mais uma réplica de Sines —qual aeroporto de Beja na Trafaria—, a não ser que fossem usados camiões de 60 toneladas, ou se fizesse o sempre desejado (pela malta da Mota, do senhor Ho e do BES, claro) aeroporto da OTA em Alcochete, para aí operar os famosos A380 de carga aérea tão queridos do banqueiro Ricardo. Subsistiria, porém, uma dúvida: como levar metade ou mais da carga até Espanha? Ninguém está a ver contentores da Trafaria e de Setúbal a voarem até Madrid, ou mesmo até Barcelona, a não ser um completo lunático, que acredite em renas voadoras, claro.

Realize-se uma listagem sobre as prioridades dos portos portugueses, atendendo à sua importância e necessidades de investimento. Em qual é mais urgente investir, e que retorno se irá obter desse investimento. É de apostar já em Aveiro, dada a localização das nossas empresas exportadoras? Ou em Sines?

Uma coisa afigura-se-me mais ou menos óbvia: a questão do Panamá irá por certo promover um maior acesso de e para os portos europeus. Atente-se, por exemplo, na experiência canadiana e americana na costa virada ao Pacífico, face ao aumento das trocas comerciais com a Ásia. Na aviação comercial é a mesma coisa: o seu principal equipamento (aviões) dirige-se para a onde? Para a Europa? Não, os 777 voam para a China, Índia, Japão, Coreia e o resto da Ásia e Austrália!

Ora havendo um aumento das trocas comerciais com a Ásia, alemães, franceses, mas também os asiáticos, estão a tratar de antecipar soluções. Este é um cenário que Espanha soube reconhecer e aproveitar para rentabilizar por três ou mais vias:
1) investimentos da UE via fundos do QREN 2007-2013 e 2014-2020,
2) taxas que os utilizadores irão pagar;
3) e redução da importação de energias fósseis necessárias à operação de veículos térmicos (locomotivas e camiões diesel).

E Portugal? Bom, Portugal comporta-se como uma verdadeira ilha (1) pejada de meias soluções, cada uma 'melhor' do que a outra. Diga-se em abono da verdade que nunca vi tanto caço previsível junto. Por vezes, com os meus amigos, até lhes chamo "UNS PORTENTOSOS CAÇOS, DE PRIMEIRA!"

O material ferroviário em Portugal atingiu, todo ele, pelo menos, metade da sua vida útil. Na linha de Cascais é já um cadáver. Será assim rentável um investimento em bitola ibérica para durar 20 a 25 anos? Não me parece. Aliás, a primeira linha a ser reconvertida para UIC será a Linha de Cascais. O traçado é o mesmo. Basta mudar balastro, travessa UIC, carril de 56, e fazer um acordo com a Bombardier para fornecer comboios numa base de parceria. Se o transporte for bom para nós, vocês lucram, se não for, também terão que arcar com parte do prejuízo. Assuma-se que durante dois anos vai haver comboios em condições de circulação muito especiais, recorrendo-se ao transporte rodoviário para mitigar as faltas, e faça-se uma Linha de Cascais em condições. Acreditem numa coisa: as pessoas voltam à Linha e todos ficam a ganhar. O que temos neste momento, e a evidente falta de perspetivas aceitáveis, é que não nos leva a lado algum.

Voltando aos portos...

Nas ligações com a Europa há APENAS 2 LINHAS QUE INTERESSAM.

Já vi o mapa 2, 3, 4 e 5 vezes e não me parece haver muitas alternativas. Temos duas linhas - a da Beira Alta e a Linha do Leste (agora Poceirão / Caia), que me faz recordar o PowerPoint do "Conde Costa Cabral".  Simples, mais simples, é impossível.

Assim sendo, temos que decidir o que realmente queremos:

—Potenciar a indústria nacional (aquela que exporta)? Então estamos a falar da Beira Alta.
—Ou fazer transbordo de contentores de navios para comboios? E então estamos a falar de Sines.

Por mais volta que se dê, é assim, não é preciso nenhum Viegas de palanque para nos iludir, exceptuando aqueles que gostam de ser enganados, e olhe que também os há, ... UNS CAÇOS DE PRIMEIRA.

A opção Beira Alta.

Como já se escreveu, a Beira Alta potencia os portos da Figueira e Aveiro.

Em praticamente toda a linha da Beira Alta existe feixe de linhas nas estações mais importantes, o que potencia o transporte de mercadorias. A linha está feita (o investimento maior está realizado). É só trazer a dita até à Figueira, como era na origem, e da Figueira levá-la, não pela Linha do Norte, que está congestionada, mas até Aveiro.

Para sul, é puxada até Coimbra, onde se poderá ligar ao Metro de Coimbra, que funciona igualmente em UIC. Ficamos, assim, com o problema do Centro resolvido, e escusamos de recorrer ao porto seco de Salamanca, bem como ao parque de estacionamento aí construído para passageiros com destino a Madrid.

Os tráfegos de passageiros da Linha da Beira Alta não se relacionam com Lisboa, mas sim com Coimbra, por questões de saúde, educação, trabalho,.... . Alguém que se dirija a Lisboa ou ao Porto terá que fazer transbordo em comboios de bitola ibérica em Coimbra para a Linha do Norte. Desde que os comboios circulem à tabela e existam boas condições de enlace, ninguém se queixa.

A opção é Sines.

Se for Sines a opção escolhida, a única solução para circulação de comboios em total segurança é, no mínimo, uma via dupla UIC. Ao lado da atual (que é ibérica) que deve ser aproveitada para o transporte de materiais e iniciar a duplicação em UIC. Inicialmente poderão conviver as duas bitolas, considerando situações como a do Pego. É claro que Setúbal terá de se articular com Sines apesar do 'estrangulamento' do Outão.

Caso queira, posso aprofundar mais este assunto, muito embora muita coisa esteja publicada neste blogue sobre o mesmo tema.

De Ermidas-Sado até à fronteira a única bitola que interessa (A ÚNICA) é a UIC.

Por acaso haverá tráfego que se veja de contentores que justifiquem a bitola ibérica entre Sines e Beja, ou entre Sines e Évora? Terá Beja, por exemplo, indústria que justifique a bitola UIC? Olhe, nem UIC nem aeroporto! Até hoje ainda estou para perceber como é que aquele iluminado do Augustus Mateus foi desencantar aquela do ‘transhipment’ de pescado em Beja. É claro que almoçou uma fantástica sopa de alimado de cação (Fish Dog) que deve ter adorado e saiu do restaurante a abanar o rabo, mas entre um alimado e um aeroporto vai uma grande distância. Olhe, agora têm uma SCUT entre Sines e Beja, toda em estaleiro, que ninguém sabe como nem quando acabar, e no entanto, aos Domingos, os caçadores adoram os viadutos para a caça aos tordos, os cães ficam por baixo dos viadutos à espera que a caça caia. Haja alguém que dê uso à infra-estrutura!

Desculpe a expressão: PORRA QUE É MUITA INCOMPETÊNCIA À SOLTA.

E depois há o outro lado...

ACREDITE O MEU AMIGO QUE AS OPORTUNIDADES DESPERDIÇADAS POR PORTUGAL VÃO SER CRITERIOSAMENTE APROVEITADAS POR ESPANHA.

Acha que os espanhóis perdem uma? Questione a ADFER lá do sítio e pergunte-lhes a opinião. Acha que eles se deixam enrollar?!

E é assim: temos duas linhas que interessam...

A indústria nacional, a tal que é supostamente exportadora, está balanceada numa das linhas, a da Beira Alta, e Sines na outra. Se o Viegas e o seu amigo Tão (o tal dos eixos telescópicos) lhe segredarem que é pelas Termas de Monfortinho, porque o que está a dar é Coria, não acredite. Os últimos que compraram Cória foram os romanos, e até hoje ainda não souberam como lá foram parar!

Trate pois prioritariamente destas duas linhas, aprendendo com Cascais, deixando para a fase seguinte as outras. Olhe que com tanta auto-estrada no sentido norte-sul (são três!) não vai haver certamente falta de transporte.

Os políticos servem para quê? E o que é que se pretende?

A melhor solução é tratar de fazer a coisa com cabeça, tronco e membros, em vez de se tentar privatizar, não a solução, mas o problema. Trate-se de comprar os comboios à Bombardier, definindo no cronograma o tempo para a realização da obra.

Explique-se às pessoas que o encerramento parcial da linha de Cascais tem como objectivo melhorar a qualidade de transporte e de vida das pessoas. Estas não são tão burras como querem fazer parecer que elas parecem. Pela abstenção, votos nulos e brancos das últimas eleições as pessoas bem demonstraram que não andam tão distraídas como nos querem fazer crer.

O Senhor Engº deve saber, bem melhor do que eu, que um comboio não tem a mesma flexibilidade que um autocarro. Quer fazer a obra como? Tipo modernização da Linha do Norte? Então o Sr. escreveu que o processo de modernização da Linha do Norte foi o que se vê - um fiasco, e quer repetir o mesmo em Cascais?!

Já agora falem com a DB, que eles têm uns comboios todos porreiros na margem esquerda do Reno. Aproveite-se uma encomenda de um operador grande para se comprar umas 50 composições para Cascais com 25 Kv.

Acredite, se quiser. Por mais que lhe custe acreditar, não há outra alternativa.

A linha da Beira Alta, creia o meu amigo, desde a sua modernização, não transportou um parafuso! Todo o tráfego escolheu o IP5. Feche a linha para obras que ninguém dá por isso. Quer uma linha com que dimensão: nacional ou internacional? Se é para ser nacional, deixe estar como está e está muito bem. Se é outra a ambição, já começa a ser tarde :(

Zé Ferroviário

NOTAS
  1. A propósito da ilha ferroviária em que o governo moribundo ainda em funções quis transformar Portugal sugere-se a análise atenta das linhas de bitola ibérica que a Espanha vai suprimir junto à fronteira portuguesa. Todas as ideias de construir vias de bitola ibérica para Espanha caíram por terra. Sérgio Monteiro foi muito mal aconselhado (ou quis ser mal aconselhado...). Esta política levou-nos, porém, ao desastre. A Espanha decidiu, não só levar a bitola europeia aos seus principais portos no chamado Corredor Ferroviario Mediterráneo (Algeciras, Barcelona,  Valéncia, etc.), como fechar as linhas, não rentáveis, de bitola ibérica, junto à fronteira portuguesa (ver mapa/ El País). OAM