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quinta-feira, fevereiro 07, 2019

Pedro Marques e as Berlengas

G2 approaching from Shanghai Hongqiao on the first day of 350km/h operation on Beijing-Shanghai HSR.
Photo: N509FZ

A história da bitola explicada às criancinhas

“Ferrovia 2020 tem uma taxa de execução de 40%”, diz Pedro Marques 
SAPO, Ana Sofia Franco, 06/02/2019, 13:18 
“A nova ligação ferroviária a construir entre Évora e Elvas pretende reforçar a conexão ferroviária dos portos e das zonas industriais e urbanas do sul de Portugal a Espanha e ao resto da Europa.”
Esta é uma daquelas afirmações mecanicamente reproduzida por todos os jornais, seguramente fazendo copy-paste dum despacho da Lusa que, por sua vez, foi buscar a frase ao sítio da Infraestruturas de Portugal, sem sentido, nem verdade, mas que retrata bem o pântano de propaganda em que estamos mergulhados.

A Espanha vai ter todas as suas linhas ferroviárias transfronteiriças, quer em direção a França, quer em direção a Portugal, mudadas para bitola europeia (UIC), até 2023. Sendo assim, nenhum comboio oriundo de Portugal poderá em breve cruzar a fronteira, pois o anunciado plano ferroviário do ministro Pedro Marques continua a prever apenas linhas férreas de bitola ibérica. Sabendo deste atavismo ferroviário dos sucessivos governos lusitanos, os espanhois começaram a construir portos secos em Badajoz e Salamanca. Ou seja, os comboios portugueses levam as mercadorias até à fronteira e depois haverá que fazer o respetivo transbordo para a rede ferroviária espanhola de bitola europeia.

Os estados falidos não têm, por definição, capital. Logo, devem evitar negócios cada vez mais competitivos e assentes em capital intensivo, financeiro e humano. É por isso que a CP Carga foi entregue aos italianos da MSC, que a CP irá ser privatizada mais cedo do que tarde, e que a TAP acabará por colapsar, e o governo de turno será, então, obrigado a terminar o processo de privatização que ficou a meio.

Temos um país sem capitalistas, sem bancos, e com um Estado sem capital. Logo, não é assim tão difícil saber o que fazer... E no entanto, António Costa e o seu caricato ministro das infraestruturas, curiosamente semi-demissionário e a caminho de Bruxelas (dizem), insistem em despejar centenas de milhões de euros em soluções ferroviárias sem futuro. Fazem-no, quero crer, porque ninguém até hoje lhes desmontou a doutrina Cravinho sobre o território, e também porque simplesmente desconhecem o que é uma bitola ferroviária, e para que serve!

Vamos, enfim, esclarecer este mistério que tanto confunde governantes, políticos e jornalistas.

O mérito vai inteirinho para o Professor do Técnico, Jorge Faria Paulino, uma das vozes mais autorizadas em matéria de mobilidade e transportes que, como eu, participa num dos mais animados grupos de discussão da blogosfera sobre ferrovia, aeroportos e transporte aéreo, barragens e energia.

Pedro Marques leva mercadorias, de Sines até Badajoz...

Aqui vai...
Um pequeno esclarecimento relativamente à bitola... 
1. Em meados do século 19, quando o transporte ferroviário se implantou nos países do Mundo, as duas superpotências eram a França e o Reino Unido. E eram elas que controlavam o Globo, em termos tecnológicos, militares, comerciais e económicos.

2. A França utilizava a bitola [distância entre carris] internacional, também chamada "bitola francesa" (1,435 a 1,50 m). O Reino Unido usava duas bitolas: uma bitola larga (1,667 a 1,70 m ), para zonas planas e de grande circulação; e uma bitola estreita (0,90 a 1,0 m), para percursos sinuosos, pouco utilizados ou de montanha. 
A França estava na Europa Continental. Quem se queria ligar a ela e permutar produtos com a sua poderosa economia, tinha de ter a bitola francesa. Por isso a leste da França (Bélgica, Holanda, Alemanha, Itália, etc) todos os países usaram a bitola francesa (aliás, politicamente, quem mandava nesses países ainda era o que restava das monarquias implantadas por Napoleão e sua família ao redividir a Europa). 
Os britânicos implantaram a bitola inglesa larga e estreita no seu país (então, Reino Unido e na Irlanda) e no seu império (Áfricas, India e outras Ásias, América do Sul e central). A bitola larga era muito mais cara do que a bitola estreita, pelo que, nos territórios que constituiam o Império Britânico, se passou a privilegiar sempre a bitola estreita ou métrica (que ainda hoje lá está...). 
Por questões de marketing e de estratégia militar, o Reino Unido procurou assustar a Espanha e a Rússia, que tinham sofrido na pele com as invasões napoleónicos, afirmando que para melhor defesa dos seus territórios, deveria haver uma descontinuidade na via férrea. Assim não seriam tão rapidamente invadidos (as tropas napoleonicas andavam em marcha a pé; com o caminho de ferro passaram a circular de comboio e assim aconteceu até à 2ª Guerra Mundial). E foi assim que a Espanha e a Rússia passaram a ter bitola larga e a bitola estreita, britânicas.

3. Mais tarde, os ingleses acharam que era uma tolice ter 2 bitolas, porque assim tinham necessidade de ter vias algaliadas em muitos locais e percursos. E acabaram com a bitola larga e a bitola estreita e passaram tudo para a bitola francesa (que assim se passou a chamar de bitola internacional). E na Inglaterra e zonas limitrofes onde a Revolução Industrial fizera do Reino Unido a maior superpotência, eles mudaram a bitola em questão de poucos anos.

4. Em Portugal, os técnicos superiores (leiam-se engenheiros) tinham formação teórica na França (École Nationale de Ponts et Chaussées, onde tudo era republicano e defensor da Revolução Francesa). Por isso, em Portugal, a primeira linha que se fez na zona de Lisboa também tinha bitola francesa (ou internacional). 
Como os espanhóis tinham enveredado pela bitola larga e a bitola estreita britânicas, Portugal teve de seguir a mesma metodologia, para não ficar uma ilha ferroviária que não se poderia ligar à Europa. 
Agora os espanhóis estão a mudar progressivamente as suas grandes linhas para bitola internacional e Portugal estará de novo em risco de se tornar numa ilha ferroviária. Em suma, pensava-se melhor em meados do século 19 em Portugal do que agora... 
Jorge Paulino Pereira

domingo, agosto 23, 2015

Moscas pagas a peso d'ouro


Precisamos de reverter o buraco negro das PPP


As Parcerias Público Privadas (PPP) foram, à época, um estratagema financeiro engendrado pelo Bloco Central da Corrupção como meio de financiar obras públicas sem aparentemente carregar no défice público.

Este estratagema, que viria a envolver sucessivos governos, bancos, construtoras e os rendeiros do regime, aplicou-se à construção de autoestradas, barragens, hospitais, sistemas de saneamento e de captação, tratamento e distribuição de águas, e ainda estações de tratamento de lixos.

Ou seja, quando as receitas fiscais e a despesa do estado já aconselhavam maior prudência e responsabilidade no lançamento de obras públicas, a nomenclatura partidária e os cleptocratas do regime resolveram apostar numa fuga em frente, em nome do crescimento, da criação de emprego e — claro, mas não dito— do enriquecimento ilícito de rendeiros, devoristas, partidos e governantes de um país que pouco depois sucumbiria à sua terceira bancarrota desde 1974 (cortesia invariavelmente cor-de-rosa), e cujo resgate implicou uma transferência sem precedentes de ativos preciosos do país, embora a saque, para os credores. Acrescendo a isto, o inevitável cortejo de desemprego, empobrecimento e emigração, de que se salvou, também invariavelmente, a nomenclatura partidária.

Posso imaginar que os piratas financeiros alemães e americanos tenham apostado nesta armadilha.

O que não posso aceitar, nem deixar passar em claro, é a cumplicidade dos piratas indígenas neste saque programado do país. É que, ao contrário do que a maioria dos portugueses —sempre embasbacados diante do futebol, das telenovelas e dos concurso desmiolados da TV— imaginam, ou nem sequer imaginam, a maioria das faturas das PPP estão por pagar e serão um verdadeiro flagelo ao longo das próximas duas, três ou mais décadas.

Estamos, porém, a tempo de reverter este assalto aos bens, às poupanças e ao emprego dos portugueses. Mas para isso é preciso correr com a cleptocracia que tomou de assalto o país, mudando de alto a baixo a composição do parlamento. Mais do mesmo, não!

Vale a pena, a este propósito, ler o elucidativo email dirigido pelo Professor Jorge Paulino Pereira, do IST, a Clara Teixeira, a propósito dum importante artigo publicado pela Visão do passado dia 6 de agosto.

Cara Clara Teixeira

1. Como lhe tinha dito, parti para fora de Portugal na 5ª feira de manhã (dia em que saiu o artigo da Visão sobre as Auto-estradas desertas). Apenas cheguei anteontem à noite, e só ontem consegui ler a sua peça na íntegra. Entretanto, soube que esta notícia teve algum impacto em certos sectores, tendo em conta os ecos que me chegaram de vários conhecidos e amigos de vários quadrantes políticos.

2. Antes de mais quero-lhe testemunhar o meu apreço pelo facto de ter utilizado os nossos dados e pela feliz escolha das figuras que deram uma ideia muito clara dos tráfegos existentes (e muito baixos). Também a forma como conseguiu condensar a informação que tivemos ocasião de discutir, me pareceu um trabalho interessante.

3. Contudo, no texto, julgo que se deveria ter separado a análise relativa às auto-estradas do Sul de Portugal, daquilo que falámos sobre as SCUT's (estradas Sem CUstos para o UTilizador) porque se trata de duas situações diferentes. Ao não se fazer essa separação, o leitor poderá ter ficado com uma ideia distorcida do que foi a nossa conversa e do que eu disse e penso.

4. Recapitulando o meu pensar. A BRISA foi durante muitos anos a única concessionária de auto-estradas em Portugal tendo sido constituída no Governo de Marcelo Caetano, ainda antes do 25 de Abril. Tinha uma instituição financeira portuguesa subjacente (o BIC de Jorge de Brito). Nesses tempos, a Junta Autónoma das Estradas (JAE), brilhantemente reestruturada por Duarte Pacheco, Ministro de Salazar na distante década de 40, era o motor do desenvolvimento rodoviário nacional e assim permaneceu durante largas dezenas de anos.

No Governo de Cavaco Silva, foi a JAE que permitiu "abrilhantar" a imagem desse período porque era das poucas instituições que fazia um planeamento de curto, médio e longo prazo, tendo uma estratégia nacional com projectos preparados para diferentes estádios (ao nível de estudo prévio e de projecto de execução). E como veio o dinheiro da União Europeu e os outros ministérios que tinham a seu cargo outros sectores económicos e institucionais do País não tinham nada preparado, o Ministro das Obras Públicas de então, sacava de um dos projectos que estavam na gaveta da JAE, e ele era feito para não se perderem as verbas que a Europa punha à nossa disposição.

No Governo de Guterres (quando João Cravinho era Ministro) foi definida uma política rodoviária diferente. A antiga Junta Autónoma das Estradas (JAE) foi considerada como "corrupta" e até como "incompetente" para levar por diante o Programa Rodoviário Nacional (PRN), que incluía a construção de muitos Itinerários Principais (IP) e de Itinerários Complementares (IC). Paralelamente, a BRISA foi vista como pouco vocacionada para fazer esse mesmo programa e, além disso, queriam-se criar concorrentes a esse monopólio de auto-estradas. Por isso, nesse Governo, a JAE foi "destruída" e criaram-se novos concessionários para fazer concorrência à BRISA, por meio das famosas PPP (Parcerias Público Privadas).

A estratégia então defendida consistia no seguinte: partia-se do princípio que bastava fazer uma estrada para qualquer região, para a poder desenvolver. Logo a seguir à abertura da estrada, apareciam mais empresas na zona servida; e elas geravam mais emprego e maior crescimento do PIB local. E, como corolário desta "brilhante teoria", a estrada era paga pelo próprio crescimento económico gerado ao nível regional e local. Como exemplos, eram utilizados os desenvolvimentos verificados noutros países europeus por via da construção de estradas.

Para demonstrar que se tratava de um estratégia excepcional e bem sucedida, o Governo entendia que não haveria portagens. Eram as tais estradas Sem CUstos para o UTilizador (em alternativa às estradas com portagem). Elas seriam a chave do desenvolvimento do interior de Portugal. Como é sabido, as portagens devem existir quando se põem, à disposição do público, trechos alternativos em auto-estrada, mais rápidos e mais directos, ou qualquer ponte ou túnel de certa dimensão que permita encurtar traçados.

Para além disso, com as PPP rodoviárias, o Estado não pagava nada (ou quase nada) durante a construção e os primeiros anos, e só depois começava a pagar os investimentos efectuados quando a região se começasse a estruturar e a desenvolver. A "nova ideia" parecia ter uma justificação logística técnica e uma envolvente política inovadora. A História recente já mostrou que ela se revelou completamente desapropriada e irrealista, com resultados desastrosos para o País e para as gerações vindouras que vão ter de pagar infra-estruturas rodoviárias que estão “às moscas”...

Logo esta estratégia utópica, apresentada pelos governantes, foi secundada pelos habituais seguidores (e servidores do poder), existentes no meio académico, que são sempre benvidos para assegurar as necessárias "bases e fundamentos teóricos" que tornam essas estratégias mais bem aceites pelo público em geral (que são afinal os votantes).

Diga-se que as Parcerias Público Privadas (PPP), por si sós, não são um mal. Considera-se que as PPP podem ser úteis para despoletar e fazer funcionar alguns projectos de alguma dimensão. Sobretudo naqueles onde há risco envolvido e o Estado receia que os objectivos e receitas a atingir possam não ser assegurados em tempo útil. Deste modo, o risco associado passa a ser do privado e, paralelamente, o Estado irá pagar uma contribuição mais elevada para motivar o privado. Ou seja, uma obra feita por meio de uma PPP sai sempre mais cara do que se tivesse sido feita directamente pelo Estado (pelas entidades do Estado). E isso tem lógica, como se procurou mostrar. Contudo, o uso generalizado de PPP para fazer obras é penalizante para o País, porque o Estado deixa de ter condições de financiamento mais favoráveis junto da Banca e das instituições mutuárias e financeiras internacionais. Ora, no caso de Portugal, as PPP rodoviárias não envolviam quaisquer riscos para os privados, pelo que se tratou apenas de uma política de transferir para terceiros o papel do Estado que passou obviamente a pagar muito mais pelas obras que deveria fazer.

Os grandes construtores nacionais perceberam a estratégia e posicionaram-se de forma adequada. Estas empresas (principais financiadores dos partidos)  são grandes empregadoras de mão-de-obra, geram um efeito multiplicador junto de subempreiteiros e no local onde se fazem os trabalhos, e possuem elevados volume de negócios. Contudo, não têm capacidade financeira para efectuar esses investimentos relacionados com as PPP e estão sempre dependentes da Banca. Por isso, quando se deu início à política das PPP, a Banca Portuguesa surgiu à tona e, nomeadamente, o papel do Banco Espírito Santo tornou-se hegemónico. Pela sua forma de actuar, pela sua hábil capacidade de gerar uma teia de contactos políticos, económicos e financeiros, controlando, na prática, as lideranças dos partidos do Arco da Governação (PS e PSD) mas também de alguns dos sectores influentes dos outros partidos menores, pela sua inteligente estratégia de se apoiar em grupos económicos e em pequenos bancos emergentes, pela forma como decapitou o seu rival directo (o BCP actual Millenium), o chefe do BES, Ricardo Salgado, rapidamente se assumiu como o verdadeiro Primo-Ministro Económico de Portugal. E daí que ele se tenha de facto tornado no líder económico e financeiro de Portugal nas últimas décadas, imprimindo a sua estratégia na maioria dos grandes projectos nacionais.

Por meio destas PPP, os grandes construtores portugueses e a Banca portuguesa auto-financiaram-se com base no dinheiro que provinha do próprio Estado. Ora, como a Banca Portuguesa também não tem dinheiro, teve de recorrer à Banca Internacional para se prover de fundos para fazer as obras, e esta exigia o aval ou garantia do Estado Português para estas várias operações financeiras. Deste modo, o Estado português foi-se endividando sistemática e progressivamente, tal como um empresário medíocre e incompetente, que não sabe gerir o seu negócio empresarial, o vê afundar-se também de modo progressivo e sistemático.

Os Bancos internacionais mais importantes, a que a Banca portuguesa recorreu, estavam localizados nos países europeus mais industrializados e que controlam a União Europeia e o Euro, nomeadamente na Alemanha e na França.  Por isso, esses Governos que dominam a Europa passaram a promover uma mera política de "colonialismo financeiro", tratando os países que pediam os tais "empréstimos bancários" como seus reles servidores. E tal como qualquer agiota, a sua estratégia política consistiu em defender arduamente os partidos e os governos desses países dependentes que ajudassem a promover esse mesmo colonialismo. Aliás, este "dinheiro emprestado" passou a representar uma das principais fontes de rendimento desses novos países colonizadores do Sul da Europa... Em abono da verdade, deve referir-se que muitos dos bancos envolvidos estão associados no chamado EuroGrupo (uma cabeça que domina a Europa e que só é controlada pelo poder financeiro e que funciona como uma hidra de numerosos contactos financeiros internacionais).

A estratégia de construção das SCUT's também tinha outros inconvenientes. Por um lado, não permitia efectuar um faseamento das estradas, porque cada troço tinha de ser feito todo de uma só vez para o ano horizonte. Deste modo, não podia ser feita uma estrada por fases (primeiro, com menos vias; e depois com maior número de vias) para ter em conta o crescimento do tráfego. Também a estrada tinha de ter o aspecto final quer em termos de equipamentos de controlo e segurança, quer doutros. Para além disso, como eram os construtores que estavam envolvidos como patrões e eles queriam reduzir custos, a própria qualidade do projecto foi afectada para optimizar os investimentos do ponto de vista do empreiteiro (redução do comprimento de viadutos sobre baixas aluvionares, minimização dos gastos com a pavimentação, etc).

Também o papel das empresas que fizeram projecções de tráfego merece ser criticado desfavoravelmente. Para justificar os investimentos, os tráfegos foram empolados, tendo-se verificado que actualmente e na realidade, eles estão completamente afastados do que foi antecipado (estão muito abaixo das suas previsões optimistas).

Entretanto, colocaram-se sistemas de pagamento do tipo portagem, o que se deveria ter feito desde o início. Mas o sistema utilizado, recorrendo a pórticos, novamente penaliza o utente, ou seja, penaliza essencialmente os Portugueses. Não foi instalado um sistema de pagamento com as portagens convencionais (com ou sem portageiro). De facto, em cada trecho definido pelos pórticos, não se sabe o que se paga nem porque se paga.

Em vários países da Europa (por ex. na Áustria, na República Checa, na Eslováquia, na Eslovénia, etc), é obrigatório pagar uma vinheta sazonal (10 dias, mensal, anual) para andar pela rede de auto-estradas e não se pagam portagens localizadas. Ali, têm pórticos iguais aos das nossas SCUT’s para detecção dos veículos que estão em infracção (sobretudo os pesados). Nesses países, em algumas auto-estradas ou túneis ou pontes, construídas no âmbito de PPP, continua a haver adicionalmente portagens localizadas nos inícios e nos finais dos vários lanços.

Em Portugal, de forma abusiva, apenas se colocaram pórticos. E estes têm apenas lógica para quem tem uma vinheta (a Via Verde da Brisa) e não para o condutor que pontualmente circula pelo trecho de auto-estrada.

Como seria de esperar a introdução de sistemas de pagamento provocou uma quebra de tráfego nas auto-estradas do tipo SCUT porque a alternativa existente, apesar de pior, é gratuita. Por isso, a realidade que se observa actualmente em muitas SCUT’s é desoladora, com tráfegos diminutos a muito diminutos. E este panorama até é bem pior do que o que está retratado nos mapas que foram apresentados para algumas das auto-estradas do Sul de Portugal e da região de Lisboa.

E agora o que se deve fazer?

Se se tratasse de uma empresa privada que não gera receitas para cobrir as despesas e os encargos dos empréstimos, a solução seria fácil. Bastava fechá-las, despedir as pessoas que iriam para o Fundo de Desemprego e vender equipamentos e bens para tentar fazer dinheiro para pagar aos principais credores. A falência de qualquer empresa acarreta sempre inevitavelmente este tipo de procedimentos.

No caso das auto-estradas do tipo SCUT, as empresas (ou seja, os consórcios construtores e financeiros) também estão falidas porque as receitas geradas pelos tráfegos são, em, muitos casos, irrisórias. Deveriam pois ser tratadas do mesmo modo. Ou seja, se uma auto-estrada não tem tráfego, então deveria ser fechada por ter entrado em falência a empresa concessionária. Os gastos com dívidas ficariam para os construtores e para as instituições financeiras que os apoiaram e o resto da população nada teria a ver com isso. De facto, seria fácil, se fossem só consórcios privados (só construtores e financeiros). Que ficassem com o seu investimento ruinoso! Depois haveria uma eventual renegociação para que o Estado ficasse com a infra-estrutura a “bom preço” (preço da chuva) pondo-a ao serviço da população, mas sem suportar os gastos associados com uma estratégia de planeamento incorrecta e demasiado optimista, feita pelo privado.

Agora, no caso das PPP não é possível esta estratégia porque o Estado é um dos envolvidos. Que fazer? Neste caso, dever-se-ia proceder do mesmo modo que no caso dos privados. A auto-estrada fechava (ficava para os construtores e os financeiros). Mas a política do Estado é que deveria ser outra. As entidades portuguesas deveriam ir junto das entidades financeiras internacionais que emprestaram o dinheiro, comunicando que elas, apesar de estrangeiras, eram co-responsáveis pelo investimento e tinham integrado um processo estranho (para não dizer fraudulento) para sacar dinheiro ao Estado Português. Nestes casos, as dívidas que existiam porque o Estado deu o seu aval, deveriam ser renegociadas. Obviamente que alguns políticos e empresários também teriam de ser penalizados e criminalizados à luz da Lei (existente ou a criar) para credibilizar a reclamação do Estado Português.

Esta política de renegociação das dívidas das PPP deveria ser efectuada não apenas relativamente às PPP rodoviárias, mas em relação a todas as PPP que existem onde o Estado deu a face e o Povo Português está a ser penalizado (e irá ser penalizado) por várias gerações. No caso das PPP rodoviárias até existem alternativas (quem não quiser não vai por aquela auto-estrada). Mas que dizer do escândalo das PPP ao nível da Energia e das rendas que se pagam às empresas distribuidoras e fornecedoras de Electricidade onde de facto não há alternativas? Ou do que já se avizinha em termos de política de Águas e Esgotos, etc?

A opinião que transmiti é a de um técnico e não a de um político. E eu sei que este olhar de técnico é sempre visto com alguma desconfiança pelo poder político que receia qualquer opinião ou pergunta incómoda que possa fazer levantar dúvidas ao nível do seu rebanho de eleitores ou que ajude a promover os seus rivais.



Cara Clara Teixeira

Que fique claro que não estou à espera que faça uma qualquer adenda à sua excelente peça, em qualquer outro número da revista Visão. Nem lhe peço que publique este meu complemento como qualquer artigo de opinião. Mas assim fica claro o meu ponto de vista, também para si.

Tentei reencaminhar este e-mail para o João Garcia, mas desconheço se o e-mail dele está certo. Por favor, faça-lhe chegar uma cópia.

Por último, irei enviar cópia desta minha opinião a alguns amigos e conhecidos que ficaram um pouco confusos com o texto ou com a forma como lhes pareceu estar apresentado o modo como eu penso.

Melhores cumprimentos e Parabens

Jorge Paulino Pereira

segunda-feira, dezembro 22, 2014

Pertence à Maçonaria?

Beija-cu, portal da catedral de Saint-Pierre, Troyes, sec. XII.

A propósito de uma tempestade parlamentar e do perigo da caça às bruxas


Eu preferia que as Maçonarias e as Opus Dei, que são ou se tornaram grupos de pressão, tal como as igrejas, os partidos políticos, as confederações patronais, as ordens profissionais e os sindicatos, fossem instituições públicas, quer dizer formalizadas e escrutináveis. O que não significa transformá-las em peep-shows da laia da Casa dos Segredos.

E preferia, assim, que houvesse igualdade de oportunidades e um regime de incompabilidades, racional e transparente, no exercício de cargos públicos, mas também na concorrência privada.

Como as coisas estão, sem discutirmos estes temas, incidentes como o que ocorreu na Assembleia da República em volta da indigitação do próximo diretor do SIS tenderão a ser recorrentes.

“Está disponível para divulgar o seu registo de interesses e revelar se pertence a alguma sociedade secreta de natureza maçónica no âmbito da qual tenha deveres de obediência que possam, por essa via, pôr em causa a prioridade do interesse público?” — Teresa Coelho, deputada do PSD.

“Tenho dever de obediência à Constituição da República, à lei, à ética e à minha consciência” — Neiva da Cruz, novo diretor indigitado do SIS.

“Pertence ou não à maçonaria ou a alguma associação secreta que condicione ou influencie o cumprimento das suas funções?” — Teresa Coelho, deputada do PSD.

“Não me sinto condicionado por absolutamente nada, a não ser pela lei” — Neiva da Cruz, novo diretor indigitado do SIS

in Observador, 19/12/2014, 17:10

Recebi a este propósito uma correspondência de que transcrevo dois notáveis emails em defesa da liberdade individual, nomeadamente da liberdade de organizar e fazer parte de uma agremiação secreta e elitista desde que de semelhante praxis não resultem conflitos com as leis gerais, nem o prejuízo de terceiros.


Email de Jorge Paulino Pereira

Caro Eng.,

1. Li o texto que me enviou. Não tinha sabido o que se passara na Assembleia Nacional, ou Assembleia da República, e fui tentar perceber o que ocorrera.

Confesso que fiquei chocado que alguém, na sua qualidade de deputado, tivesse perguntado a uma qualquer pessoa que irá ocupar um lugar público e com um carácter de quase interrogatório policial, se ele era maçon. Não perguntou se ele era católico ou islâmico, se era da Opus Dei ou de uma Ordem religiosa, se ele era do Benfica, do Porto ou do Sporting, se ele gostava de meninas ou se era homossexual. Mas pela mesma forma de pensar, poderia também ter feito essas perguntas, o que me parece mal e profundamente incorrecto porque obviamente nenhuma destas questões se deveria colocar a alguém que vai exercer um cargo público.

2. Ao pensar nisto tudo, veio-me à memória Fernando Pessoa. Ele defendeu a liberdade das pessoas se associarem entre si da forma como quisessem quando, em 1935, um tal deputado Cabral impôs no Parlamento uma lei contra associações secretas.

Essa lei foi aprovada, por larga maioria, pelos deputados do Estado Novo. Contudo, na prática, foi utilizada apenas como instrumento de dissuasão e nunca foi legalmente aplicada para condenar mações do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU), a única Obediência Maçónica então existente.

Essa lei tinha em mente essencialmente atacar e desfazer as carbonárias anarco-sindicalistas e comunistas que ameaçavam, revolucionariamente e de forma violenta, o status quo social (e obviamente o status quo político). No entanto, impôs que organizações iniciáticas e secretas (como o Grande Oriente Lusitano Unido ou outras de carácter irregular associadas a antigas ordens religiosas ou do tipo alquímico) se tornassem de facto clandestinas.

Mais tarde, também foi sugerido que esta mesma lei fosse utilizada para impedir que a Opus Dei se instalasse em Portugal porque ela era vista, por certos sectores do regime de então, como uma estrutura secreta e iniciática que pretendia tomar o poder (curiosamente, Salazar e Cerejeira foram sempre contra a Opus Dei porque diziam que ela representava a vinda dos Novos Jesuítas. E apesar de não ser público, e agora a sua forma de pensar até ter sido completamente distorcida pelos pseudo-historiadores da actualidade, Salazar e Cerejeira e Bissaia Barreto foram sempre todos anti-jesuítas na sua mocidade, estando na onda do que defendia o então Bispo de Coimbra, também ele, ferozmente anti-jesuíta).

3. E porque é que Fernando Pessoa defendeu a Liberdade de existirem Associações Iniciáticas e secretas ou quaisquer outras?

Porque ele defendia a Liberdade Humana, ou a Liberdade do Indivíduo (ou liberdade individual), ou a liberdade de pensar e de actuar de cada um dos homens que vive temporariamente nesta Terra, como um ser racional.

Defendia que cada homem podia fazer o que quisesse e o que lhe apetecesse, desde que não colidisse com a Liberdade do seu outro vizinho. Só um pensamento sem baias e sem condicionalismos de qualquer ordem pode dar a dimensão transcendental ao Homem. Uma pessoa só é verdadeiramente livre quando puder pensar como quiser, se puder contactar com outros como entender, se puder falar como achar correcto. Ou seja, o Homem só será livre quando for livre o seu pensar e quando estiver livre o seu Pensamento e a sua acção do dia-a-dia.

E o Homem, como ser racional, deve questionar tudo: a existência de Deus, a estupidez humana, a existência de vida para além da Morte, os princípios e valores inerentes à forma deste ou daquele pensar ou actuar, os credos políticos e religiosos, os caminhos que ele acha serem os correctos para se emancipar.

Nesse âmbito, as pessoas têm o direito de se associarem fraternalmente entre si do modo como pretenderem, independentemente ou dependentemente, dos seus credos políticos ou religiosos, ou dos seus gostos pessoais, confessionais ou clubísticos. As pessoas podem-se associar num grupo de amigos, ou numa organização qualquer, ou numa tertúlia, ou nos almoços de 3ª feira ou de 4ª feira ou de outro qualquer dia da semana ou do mês. E podem ter os seus critérios, manias, rituais ou quaisquer metodologias estranhas para organizar e proceder aos seus trabalhos, se assim o entenderem.

Podem começar o almoço por saudar um qualquer ente desaparecido ou o chefe bem-amado, ou Deus ou o Partido Político onde estão. Não interessa! Podem fazê-lo, se assim o quiserem. Ou antes, devem ter a Liberdade de o poder fazer. Podem e devem fazê-lo em Liberdade, sem que sejam importunados por isso. Afinal, para mim, as revoluções do 25 de Abril e do 5 de Outubro e todas as demais revoluções, só servem para alguma coisa, se for esse o princípio básico que estiver subjacente a elas. Só a Liberdade leva à Democracia.

Fernando Pessoa considerava que essa Liberdade  era o princípio basilar da Democracia. E a Democracia pressupõe a igualdade das pessoas serem respeitadas por todos os outros e não serem excomungadas ou perseguidas ou discriminadas. E se houver entre essa gente um qualquer espírito de comunhão religiosa, política ou qualquer outra, não serei eu que lhes irei atirar uma pedra ou que os procurarei perseguir ou destruir. Como também não deve haver qualquer outra pessoa que o possa fazer, em nome da Democracia ou da Santa Liberdade.

Se forem católicos e se se encontrarem secretamente, não devem ser perseguidos; se forem protestantes e se quiserem ter os seus conciliábulos, não devem ser importunados; se forem maçons e se se juntarem, não devem ser inquiridos ou questionados. A Liberdade de Pensamento pressupõe a Liberdade  de Associação e a liberdade das pessoas se juntarem do modo como entenderem.

E só pela Polícia (e nunca por uma deputada de um qualquer parlamento) as pessoas devem ser inquiridas se pertencem a uma qualquer associação, seja política, seja religiosa, seja clubística, confessional ou doutro tipo.

Tal como não se espera que nenhum deputado venha a perguntar a alguém, no âmbito da sua função de deputado, se ele é paneleiro ou se ela é fressureira, qual a forma como gosta de fazer amor com a mulher, ou se reza o terço à noite antes de se deitar ou se vai à missa aos domingos e dias santos, ou se vê os jogos do Benfica, do Sporting ou do Porto em casa deste ou daquele amigo, e que tipo de bebida é que toma, e se se encontra às 2ªas feiras ou aos fins-de-semana com estes ou aqueles amigos.

Um deputado, ou deputada, não pode, nem deve, fazer esse tipo de perguntas, sob pena de se auto-excluir como deputado (ou deputada). Ponto final parágrafo.

4. Segundo consta e também por aquilo que estudei, a Maçonaria é uma organização iniciática que, teoricamente, procura agrupar gente que tem certo tipo de valores e de princípios; e onde está, com certeza, gente que tem esses princípios e valores; e também gente que não tem esses mesmos princípios e valores e que obviamente deve representar uma pequena minoria no seio da maioria.

E todos eles devem poder agrupar-se e associar-se entre si, sem que para o efeito sejam importunados. Como as pessoas da Opus Dei se devem poder associar e agrupar nas suas reuniões, e devem poder defender os seus valores e os princípios que entendem ser os correctos, Como qualquer franja ou tendência de um Partido Politico se pode agrupar, dentro dele ou fora dele, para formar um conjunto restrito de pessoas que pensam de certo modo e que secretamente procuram levar a sua organização partidária para um certo objectivo que eles consideram correcto.

Eu sou o mais tolerante possível. Acho que este princípio de associação e de reunião deve ser estendido aos comunistas e aos fascistas e aos anarquistas, aos socialistas ou aos conservadores, aos republicanos ou aos defensores da Monarquia. São livres de pensar e de se reunir e não devem ser questionados por isso. Todos se devem poder associar do modo como entenderem, todos devem ter a liberdade de poderem exprimir os seus propósitos e ideais e princípios, mesmo que sejam contrários à forma de viver da maioria das outras pessoas.

Compete ao Estado saber se eles são perigosos ou não. E, se o forem, no âmbito das leis que regem esse país, poderão ser perseguidos. Mas apenas quando provoquem situações que provoquem revoluções ou banhos de sangue (e mesmo assim, mais tarde, os que lhes sucederem até podem consagrar esses tais extremistas mortos ou presos, como seus heróis ou heróis nacionais).

5. Aliás, Fernando Pessoa era muito mais tolerante e liberal do que a grande maioria das pessoas e entendia que as minorias não deveriam ser anuladas. Por isso também defendeu, no seu tempo, a liberdade da existência de paneleiros. Ele não era homossexual, mas entendia que quem quisesse ser, podia sê-lo e não deveria ser perseguido por isso.

As minorias não devem ser perseguidas embora não seja obrigatório que se tenha de estar obrigatoriamente com elas. Cada qual pode escolher os amigos e as pessoas com quem quer estar, ou com quer falar, ou com quem quer conviver ou reunir.

Contrariamente ao que também consta por aí, posto a circular obviamente por paneleiros ou seus defensores (e depois pelos muitos historiadores de meia-tigela ou da moda que pululam por cá), Fernando Pessoa não era homossexual. Até vou relatar um episódio verídico e curioso que me foi contado por um amigo meu que era chegado à família de Almada Negreiros.

A viúva de Almada Negreiros ter-lhe-á contado que Fernando Pessoa, volta e meia, “ia às putas” e tinha geralmente umas duas ou três raparigas, que eram certas durante algum tempo. Procurava-as, esvaziava os tomates, e conversava com elas durante pouco tempo antes de se ir embora. Sobre uma dessas prostitutas, que o atraiu mais ou que despertou o seu sentido poético, compôs uma qualquer quadra ou poema.

Ora, um dia, Fernando Pessoa apanhou uma blenorragia com essa rapariga, o que foi um caso sério porque não era a primeira vez que ele tinha tido esse mal. Mas acho que, daquela vez, terá sido particularmente doloroso e, na época, ainda não havia penicilina para tratar essa doença.

Mais tarde, num grupo de amigos, alguém terá comentado que a Poesia era um Bálsamo para todas as doenças e que curava todos os males. E, com a sua ponta de humor britânico, de carácter arguto e de fino estilo, Fernando Pessoa disse que não era bem assim. E, como exemplo, disse que tinha estado com uma puta a quem tinha feito uns versos, e essa poesia e versos não o tinham safado de ter apanhado um valentíssimo esquentamento (blenorragia) por ter relações com ela.

6. Agora, algumas informações de carácter histórico. Contrariamente ao que se diz por aí, Fernando Pessoa  não era maçon do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU ou GOL), única obediência maçónica então existente. E apesar de não o ser, defendeu abertamente a liberdade de existência dos maçons do GOLU ou GOL e o direito à legalidade institucional da Maçonaria Portuguesa e noutros países.

E neste caso também é espantoso como se fabrica a História, invertendo completamente a realidade para servir propósitos de grupo ou para arranjar acólitos ou heróis para engrossar o grupo dos que defendem um qualquer tipo de pensamento.

Contudo, Fernando Pessoa pertencia a uma organização secreta e iniciática onvde estavam Bissaia Barreto e Salazar e Cerejeira e Duarte Pacheco e Almada Negreiros e Cotinelli Telmo e Mendes Cabeçadas e Carmona e muitos mais, que formaram a elite do regime implantado no 28 de Maio de 1926, E onde, antigamente ou no seu tempo, tinha estado gente que pouco tinha a ver politicamente com estes, como Alexandre Herculano e Norton de Matos e José da Silva Carvalho e Fontes Pereira de Melo, e António Augusto de Aguiar e Teófilo Braga, e António José de Almeida e Batalha Reis e Brito Camacho e muitos mais. Afinal, foi esta gente que constituiu a nata do Estado Novo e a nata da organização das comemorações nacionalistas e nacionais do século 19 e a nata da Monarquia e da República. E essa organização sobreviveu no Estado Novo, sem obviamente nunca ter sido questionada por ninguém, apesar de ser iniciática e secreta, porque tinha no seu seio, o poder, e também o contra-poder; enfim, porque agrupava as elites de Portugal.

Que isto ajude a fazer a luz em alguns espíritos que se julgam iluminados, sem o serem…

Melhores cumprimentos

Jorge Paulino Pereira


Réplica do Eng.
[...]

Resposta de Jorge Paulino Pereira

Caro Eng.,

1. Eu falo por mim e represento-me a mim próprio. Não falo pelos maçons nem pela Maçonaria... Eles devem-se representar a si próprios, a título individual; e os chamados altos graus da Maçonaria devem falar por ela, a título de representantes das várias Obediências Maçónicas a que pertencem. E actualmente há muitas Obediências maçónicas, como sejam o Grande Oriente Lusitano, a Grande Loja de Portugal, a Mênfis-Misrain, a Maçonaria Feminina, etc, etc, etc. E, para além destas estruturas que se assumem como maçónicas, há muitas outras, secretas e de caracter iniciático e que até são mais restritas porque de mais dificil acesso e divulgação e entrada de membros.

2. Aliás, o Mundo tem estruturas iniciáticas deste tipo, bem montadas e protegidas, e que envolvem até pessoas de vários países, numa rede que passa despercebida à maioria das pessoas e que envolve os sectores financeiros e os sectores políticos e os sectores religiosos. Desse modo, às vezes, do nada surge um nome de uma pessoa que ninguém conhecia e que, de um momento para o outro, aparece na ribalta e parece ter sido sempre uma figura de proa sem que ninguém o soubesse... Os Estados poderosos infiltram essas estruturas restritas de poder para daí tirarem os seus proveitos ou defenderem os seus interesses. E não vou falar nem da Assembleia dos 500, nem do Grupo de Bildeberg, etc. Em suma, os maiores países (e o Mundo em geral) são governados, geridos e perspectivados por elites que se agrupam nos vários países e que, não raramente, têm uma organização transnacional.

3. Em Portugal, os problemas que têm ocorrido com o SIS, envolvem alguns maçons da Grande Loja de Portugal. Não devem ser generalizados para todos os casos, como a imprensa sensacionalista o faz. Também é sabido que alguns maçons, que pertencem a esta e outras Obediências, têm desempenhado lugares públicos e cargos privados, de forma pouco abonatória (em minha opinião, alguns são verdadeiros ladrões e traidores à Pátria, e deviam ter sido afastados das Obediências a que pertencem, se os valores e príncipios que são propalados como sendo os da Maçonaria, fossem seguidos). Mas todos eles, apesar de maçons, fazem-no de forma individual e não como tendo organizado essa estratégia no seio da Maçonaria (e isto apesar de poderem estar envolvidos vários maçons de uma mesma loja ou Obediência maçónica)

4. Permita-me que lhe diga o seguinte: eu defendo que só as elites devem governar um país porque só elas têm os conhecimentos e o saber para o poderem levar para a frente. Foi assim com a Ordem dos Templários e a Ordem de Cister na primeira dinastia, e depois com a Ordem de Cristo e a Ordem de Cister, no período áureo dos Descobrimentos. E também defendo que as elites devem estar agrupadas entre si em organizações de carácter restrito (fechado ou não, mas sempre mais ou menos com carácter secreto). Um País não pode, nem deve, ser governado pelas claques de futebol, embora elas sejam uma maioria. A ignorância e o oportunismo são sempre os apanágios das grandes massas populares ou das massas uluantes como lhes chamo (até apresentei uma Teoria das Massas Ululantes num dos livros que escrevi - J. “Lisa ou a Pentalogia das Cores”).

5. Em conformidade, não acho que seja Democracia o sistema existente em que vivemos e que eu apelido de “Partidocracia”. Actualmente, os Partidos são viveiros de políticos incompetentes e oportunistas que chegam a Primeiros-Ministros em organizações pretensamente abertas e que de facto são dominadas por uma minoria (por vezes, quase parecem ser gente indigente, quase gangsters ou gente que defende os seus interesses e que se reune em reuniões secretas antes de tornarem públicos os seus intentos). E obviamente, não são nas estruturas maçónicas que eles pensam e organizam essas tomadas de poder. Mas fazem-no, em reuniões secretas que ninguém contesta e que toda a gente sabe que existem (afinal, as mesmas críticas que apontou à Maçonaria...)

6. Contudo, é normal que os amigos defendam os amigos, não só no dia a dia, como na política e na sua carreira profissional. Pela sua forma de ver as coisas, então isso queria dizer que organizações como o Rotary ou o Lyons, ou a Opus Dei, ou Associações Empresariais, ou o Benfica ou o Sporting ou o Porto, não deveriam existir, porque pode ter a certeza absoluta que, em todos os lados, os amigos se protegem uns aos outros; que, em todos os lados, os lugares disponíveis são distribuídos pelos amigos; e que, em todos os lados, funcionam “irmandades” que levam “os amigos” a se protegerem entre si. Afinal quando nós nos encontramos e trocamos opiniões nesta tertúlia ou noutra, estamos a fazer uma irmandade de troca de opiniões. E depois exprimimos os nossos pontos de vista também escudados por aquilo que foi essa vivência comum, mesmo que não nos encontremos em almoços ou jantares ou reuniões.

7. Contrariamente ao que se diz por ai, a Maçonaria no século 19 não foi perseguida e eram maçons que estavam na estrutura de poder porque representavam a elite de então. Quase todos os primeiros-ministros de Portugal no século 19 ou 20 eram maçons de várias obediências ou passaram por elas. Os maiores escritores e investigadores de Portugal eram maçons de várias obediências ou passaram por elas. Os próprios reis de Portugal eram maçons ou estiveram em organizações iniciáticas. Importa também registar um aspecto: no século 19, havia poucas centenas de maçons, mas não eram todos da mesma obediência. Por exemplo, o Duque de Saldanha era de uma, Passos Manuel de outra, Costa Cabral de outra (no meu livro A Maçonaria Portuguesa em Torres Vedras desde os os inicios do século 19 até 1910 esse assunto está bem discriminado e explicado). Aliás, eu tenho em preparação um livro (ainda muito atrasado) que mostra que em Portugal desde a sua fundação foram sempre organizações iniciaticas que asseguraram o poder, o governo e a gestão do território. E ainda bem...

8. Em minha opinião, o problema só existe quando passamos a ter Obediências maçónicas que servem os interesses de outras obediências maçónicas estrangeiras e não os interesses de Portugal. Por exemplo, nos inicios e meados do século 19, é obvio que houve maçons portugueses que estiveram ao serviço dos interesses da França e outros ao serviço dos interesses da Inglaterra. E empurrraram as obediências a que pertenciam nessas direcções por vezes afectando seriamente o interesse nacional. E nestes casos, eles até se perseguiram uns aos aoutros, apesar de todos dizerem defender os mesmos valores e príncipios da Maçonaria e serem todos maçons, embora de diferentes obediências.

9. Para concluir: compreendo o seu ponto de vista e a sua preocupação e até concordo com os seus receios. O que descreveu e o que o apoquenta nunca deveria acontecer em qualquer Obediência maçónica (e julgo que não acontece...). Tendo presente o que enunciei, neste e-mail e no anterior, também entendo que não se deve perseguir a Maçonaria ou os maçons, ou a Igreja e os padres, como se não deve perseguir ninguém pela forma como pensa ou como está integrado num grupo de pessoas ou amigos. E, por isso, continuarei sempre a defender a Democracia baseada na Liberdade Individual e na Liberdade de todos os seres humanos, independentemente da forma como pensam ou como vivem nas suas variadas vertentes do dia a dia.

10. Por isso, entendo que a questão colocada pela deputada na 6ª feira é inadmissível porque é uma intromissão no círculo de privacidade de uma pessoa que está a ser avaliada no âmbito de um lugar ou posto na função pública portuguesa.


Melhores cumprimentos

Jorge Paulino Pereira