Antonio Cerveira Pinto Basement, #08, 2010 |
Gentrificação ou falta de habitação social?
“Um quinto dos proprietários venderam as casas que tinham no mercado de arrendamento desde que o pacote Mais Habitação foi anunciado a 16 de fevereiro, conclui o 7º barómetro da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).”
Estamos no meio de novos movimentos de substituição social nas áreas residenciais das nossas principais cidades. Em Lisboa, como no Porto, Braga, Viana do Castelo, Funchal, etc., a degradação dos centros urbanos era há alguns anos gritante, sobretudo ao longo das décadas de oitenta e noventa do século passado. Prédios devolutos, alguns com mais de seis ou sete pisos, caíam literalmente à rua. Milhares de outros exibiam as suas tripas a quem perto dos mesmos passasse. A principal causa deste descalabro era a impossibilidade de os proprietários tirarem qualquer rendimento dos alugueres das suas propriedades urbanas alugadas. Esta circunstância (rendas ridiculamente baratas) convivia com o envelhecimento e o empobrecimento dos inquilinos cujas rendas baratas não estimulavam qualquer propensão para o diálogo com os senhorios, nem qualquer desejo de manutenção das casas, seja pelo senhorios, seja pelos inquilinos. Havia que fazer alguma coisa! E fez-se, acabando progressivamente com as rendas congeladas, e tornando menos morosos os processos de despejo. A partir daqui teve início a afluência expectável de potenciais compradores e de novos inquilinos aos centros urbanos em fase, cada vez mais evidente, de renovação. Dezenas de milhar de proprietários não tinham sequer capacidade de endividamento para assumirem eles próprios a iniciativa da renovação (demolições necessárias, novos projetos, indemnizações de inquilinos, etc.). E assim nasceu o processo de gentrificação à portuguesa! Aconteceu depois de os municípios terem construído milhares de habitações sociais, sobretudo em Lisboa e no Porto, ainda assim muito aquém das necessidades. Segundo o INE, havia em 2015 120 mil fogos de habitação social — 26 mil edifícios —, com uma renda média mensal de 56 euros. Ou seja, 2% do parque habitacional era habitação social. Uma percentagem apesar de tudo ridícula quando comparada com, por exemplo, a situação inglesa, com mais de 16% do parque habitacional em regime de renda social... Não é tentando travar a famosa ‘gentrificação’ que a esquerda falida que temos conseguirá evitar mais um prego nas promessas de Abril: a habitação, mas sim apostando numa profunda reforma do papel da habitação no novo equilíbrio social necessário. Basta olhar para o que se está a passar no resto da Europa!
PS: Portugal teve, de facto, um regime de arrendamento social durante todo o salazarismo e os quase cinquenta anos que levamos de democracia, que ainda não terminou (as rendas antigas permanecem congeladas). Ou seja, o estado social salazarista permaneceu de pé até à chegada da Troika a Portugal (com uma diferença, a inflação salazarista era residual, ao contrário da explosão de salários e preços ocorrida nos quase cinquenta anos de democracia que se seguiu à ditadura). Não me venham, pois, com conversas de esquerda e direita! Dos 6 milhões de alojamentos existentes no país, 923 mil estão legalmente alugados, sendo que 70% destes alugueres estão abaixo dos 400 euros/mês. Apenas 2% dos contratos estão nos mil ou mais euros (pouco mais de 20 mil contratos). Curiosamente, esta forma de socialismo em que os senhorios subsidiam os inquilinos tem um contrapeso liberal: o número elevadíssimo de proprietários de casa própria. Conclusão: a sociedade portuguesa não gosta do socialismo, mas suporta-o quando tem que ser — seja na forma salazarista, seja na forma populista de esquerda.
LINKS
Proprietários ‘fogem’ das rendas e começam a vender casas — Expresso
Mais de 70% dos contratos de arrendamento valem menos de 400 euros — Dinheiro Vivo
Proportion of households occupied by social renters in England from 2000 to 2022
Home ownership rate in Germany from 2010 to 2021