sábado, janeiro 21, 2017

American carnage

President Donald Trump speaks on tax reform during a meeting in the Oval Office on December 5, 2017. (Photo credit: SAUL LOEB/AFP/Getty Images)

Estado de negação


O mundo, sobretudo o mundo da burocracia, dos interesses que capturam sistematicamente os orçamentos públicos, a comunicação social endividada, e o demo-populismo partidário, continuam em estado de negação perante o que aconteceu nos Estados Unidos de Donald Trump, e que antes ocorrera (e continua!) na França de Le Pen, na Itália de Berlusconi e de Beppe Grillo, ou mais recentemente com o Brexit, e o que ainda irá acontecer até ao fim deste ano, na Alemanha, na França e na Holanda. A ilusão de que a colocação de mais um filtro de crítica politicamente correta na realidade agora escancarada nos livrará da desgraça é o maior perigo de todos. Estudar as causas do que torna a realidade política actual tão inconcebível é a nossa única opção racional para evitar o pior, e assim nos adaptarmos ao que aí vem.

Em 1972 foi escrito um livro fundamental: Os Limites do Crescimento. Curiosamente, 2030 aparece neste livro como uma das datas prováveis de um colapso do modelo de crescimento demográfico e económico que julgávamos eterno, e que assentou até hoje na ideia de que o PIB deve progredir todos os anos, a par dos salários e do consumo de bens e serviços. Este modelo está pura e simplesmente errado, e chegou mesmo ao fim. 2030 está bem mais perto do que parece, se é que não chegou já.

O modelo que o pensamento politicamente correto tanto criticou, a famosa globalização, está, enfim, a rebentar pelas costuras, tendo entretanto colocado no corredor da extinção uma espécie social conhecida como 'classe média', e atirado ainda dezenas de milhões de trabalhadores industriais e de serviços, americanos e europeus, para o desemprego permanente e a miséria.

Este problema começou, na realidade, no início dos anos 70 do século passado, com a primeira grande crise mundial do petróleo. Desde então, entalados pela perda de competitividade causada pela subida imparável dos preços do trabalho e da energia, os países ricos do Ocidente, a começar pelos EUA, não fizeram nada mais do que mitigar o problema: exportar as atividades produtivas para as regiões onde o trabalho era muito mais barato, distrair as suas comunidades com uma economia virada sobretudo para o entretenimento e o consumo, ou ocupar um número crescente de cidadãos numa espiral educativa sem fim, sabendo que fora dessa espiral haveria cada vez menos oportunidades de trabalho propriamente remunerado e estável.

Assim como o trabalho produtivo não parou de diminuir nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental, também o capital emigraria para onde era possível obter maiores graus de exploração do trabalho. O resultado só poderia ser um: Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental foram-se endividando para importar o que não produziam, e para subsidiar os direitos de uma população desempregada ou improdutiva que continuava a crescer, a consumnir cada vez mais, e a envelhecer.

Outra consequência desta distorção económica e social foi a globalização ter dado lugar ao maior processo de concentração capitalista que alguma vez existiu.

Porém, só o facto de a nova elite financeira nascida da globalização ter tido a capacidade e necessidade de corromper os governos e algumas elites intelectuais e profissionais dos seus países de origem permitiu esconder o empobrecimento real de 99% das populações americana e europeia ao mesmo tempo que os 1% iam ficando cada vez mais ricos e poderosos. Na realidade, só quando as dívidas públicas e externas americana e europeias explodiram é que nos apercebemos que algo ia efetivamente muito mal no reino das democracias.

Talvez, depois desta introdução, possamos ler o discurso de posse de Donald Trump sem sermos imediatamente assaltados pelo medo de pensar.

Discurso de posse de Donald Trump

“Chief Justice Roberts, President Carter, President Clinton, President Bush, President Obama, fellow Americans and people of the world, thank you.

We, the citizens of America, are now joined in a great national effort to rebuild our country and restore its promise for all of our people.

Together, we will determine the course of America and the world for many, many years to come. We will face challenges. We will confront hardships. But we will get the job done.

Every four years we gather on these steps to carry out the orderly and peaceful transfer of power.

And we are grateful to President Obama and first lady Michelle Obama for their gracious aid throughout this transition.

They have been magnificent.

Thank you.

Today’s ceremony, however, has a very special meaning because today we are not merely transferring power from one administration to another or from one party to another, but we are transferring power from Washington, D.C., and giving it back to you, the people.

For too long, a small group in our nation’s capital has reaped the rewards of government while the people have bore the cost. Washington flourished, but the people did not share in its wealth. Politicians prospered but the jobs left and the factories closed.

The establishment protected itself, but not the citizens of our country. Their victories have not been your victories. Their triumphs have not been your triumphs. And while they celebrated in our nation’s capital, there was little to celebrate for struggling families all across our land.

That all changes starting right here and right now because this moment is your moment.

It belongs to you.

It belongs to everyone gathered here today and everyone watching all across America.

This is your day.

This is your celebration.

And this, the United States of America, is your country.

What truly matters is not which party controls our government, but whether our government is controlled by the people.

January 20th, 2017, will be remembered as the day the people became the rulers of this nation again.

The forgotten men and women of our country will be forgotten no longer. Everyone is listening to you now. You came by the tens of millions to become part of a historic movement, the likes of which the world has never seen before.

At the center of this movement is a crucial conviction that a nation exists to serve its citizens. Americans want great schools for their children, safe neighborhoods for their families and good jobs for themselves.

These are just and reasonable demands of righteous people and a righteous public.

But for too many of our citizens, a different reality exists.

Mothers and children trapped in poverty in our inner cities rusted out factories scattered like tombstones across the landscape of our nation.

An education system flush with cash but which leaves our young and beautiful students deprived of all knowledge.

And the crime and the gangs and the drugs that have stolen too many lives and robbed our country of so much unrealized potential. This American carnage stops right here and stops right now.

We are one nation, and their pain is our pain.

Their dreams are our dreams, and their success will be our success. We share one heart, one home, and one glorious destiny.

The oath of office I take today is an oath of allegiance to all Americans.

For many decades we’ve enriched foreign industry at the expense of American industry, subsidized the armies of other countries while allowing for the very sad depletion of our military.

We’ve defended other nations’ borders while refusing to defend our own. And we’ve spent trillions and trillions of dollars overseas while America’s infrastructure has fallen into disrepair and decay.

We’ve made other countries rich while the wealth, strength, and confidence of our country has dissipated over the horizon.

One by one, the factories shuttered and left our shores with not even a thought about the millions and millions of American workers that were left behind.

The wealth of our middle class has been ripped from their homes and then redistributed all across the world. But that is the past, and now we are looking only to the future.

We assembled here today are issuing a new decree to be heard in every city, in every foreign capital and in every hall of power. From this day forward, a new vision will govern our land.

From this day forward, it’s going to be only America first, America first. Every decision on trade, on taxes, on immigration, on foreign affairs will be made to benefit American workers and American families. We must protect our borders from the ravages of other countries making our product, stealing our companies and destroying our jobs.

Protection will lead to great prosperity and strength. I will fight for you with every breath in my body, and I will never ever let you down.

America will start winning again, winning like never before.

We will bring back our jobs.

We will bring back our borders.

We will bring back our wealth, and we will bring back our dreams.

We will build new roads and highways and bridges and airports and tunnels and railways all across our wonderful nation.

We will get our people off of welfare and back to work, rebuilding our country with American hands and American labor.

We will follow two simple rules: Buy American and hire American.

We will seek friendship and goodwill with the nations of the world, but we do so with the understanding that it is the right of all nations to put their own interests first.

We do not seek to impose our way of life on anyone, but rather to let it shine as an example.

We will shine for everyone to follow.

We will re-enforce old alliances and form new ones and unite the civilized world against radical Islamic terrorism, which we will eradicate completely from the face of the earth.

At the bedrock of our politics will be a total allegiance to the United States of America, and through our loyalty to our country we will rediscover our loyalty to each other.

When you open your heart to patriotism, there is no room for prejudice.

The Bible tells us how good and pleasant it is when God’s people live together in unity. We must speak our minds openly, debate our disagreements honestly, but always pursue solidarity. When America is united, America is totally unstoppable. There should be no fear. We are protected and we will always be protected. We will be protected by the great men and women of our military and law enforcement. And most importantly, we will be protected by God.

Finally, we must think big and dream even bigger. In America, we understand that a nation is only living as long as it is striving. We will no longer accept politicians who are all talk and no action, constantly complaining but never doing anything about it.

The time for empty talk is over. Now arrives the hour of action.

Do not allow anyone to tell you that it cannot be done. No challenge can match the heart and fight and spirit of America. We will not fail. Our country will thrive and prosper again.

We stand at the birth of a new millennium, ready to unlock the mysteries of space, to free the earth from the miseries of disease, and to harness the energies, industries, and technologies of tomorrow.

A new national pride will stir ourselves, lift our sights and heal our divisions. It’s time to remember that old wisdom our soldiers will never forget, that whether we are black or brown or white, we all bleed the same red blood of patriots.

We all enjoy the same glorious freedoms and we all salute the same great American flag.

And whether a child is born in the urban sprawl of Detroit or the windswept plains of Nebraska, they look up at the same night sky, they fill their heart with the same dreams and they are infused with the breath of life by the same almighty creator.

So to all Americans in every city near and far, small and large, from mountain to mountain, from ocean to ocean, hear these words: You will never be ignored again. Your voice, your hopes, and your dreams will define our American destiny. And your courage and goodness and love will forever guide us along the way.

Together we will make America strong again, we will make America wealthy again, we will make America proud again, we will make America safe again.

And, yes, together we will make America great again.

Thank you.

God bless you.


And God bless America.”

sábado, janeiro 14, 2017

O flop teórico da Geringonça

Ricardo Paes Mamede
Foto © autor desconhecido

Orgulhosamente sós m-l


“O Rui Peres Jorge (RPJ, jornalista do Jornal de Negócios) escreveu o melhor texto que li sobre o Novo Banco (NB). Alerta-nos para um facto básico: "o que as ofertas conhecidas até agora nos dizem é que o terceiro maior banco nacional, já aliviado de muitos passivos e perdas, com mais de seis mil colaboradores, 20% de quota de mercado e a maior carteira de clientes empresariais não vale nada!". 
Este paradoxo só pode ser compreendido se assumirmos que não é apenas o NB que está em causa. Não há propostas de jeito para o NB porque ninguém espera que os bancos em Portugal tenham lucro elevado no futuro previsível. Isto por causa do crédito mal-parado que os bancos têm em carteira, mas também porque toda a economia está endividada e as perspectivas de crescimento são fracas (por vários factores, incluindo uma estrutura produtiva débil, que não se muda do dia para a noite).” 
- in Ricardo Paes Mamede, “O presente envenenado de um eventual resgate europeu da banca portuguesa”, 13/01/2017, Ladrões de Bicicletas


Ricardo Paes Mamede é um jovem economista que sofre dos males da maioria dos economistas: é um economista político! Pior ainda, é um economista da Geringonça. Ou seja, engoliu o DVD do Orgulhosamente Sós - versão marxista-leninista - e não consegue pensar. É pena, pois, se pensasse, chegaria à mesma conclusão que todos nós, i.e. que o marxismo leninismo foi um desastre em toda a linha e custou milhões de mortos pelo planeta fora. E quanto ao Capitalismo de Estado que Mamede, Louçã e outras luminárias da Geringonça advogam, a coisa é muito simples de desmontar: o Capitalismo de Estado (forma económica do Socialismo num só país) só é viável em países com escalas continentais, e além do mais submetidos a regimes autoritários (despotismo marxista-leninista), ou, à escala de uma globalização arquipelágica, onde a Europa, se conseguir manter a sua trajetória, será um dos arquipélagos determinantes. Ou seja, as teorias tardias de Ricardo Paes Mamedes e Francisco Louçã são um embuste fácil de desmontar, e revelam sobretudo que não aprenderam nada com a história das ideologias. E ainda, o Capitalismo de Estado não é democrático, nem permite a liberdade, e, portanto, está em permanente desvantagem competitiva com as democracias liberais. São uma espécie de ácaros (e hackers) do capitalismo real. A dívida portuguesa não é uma dívida odiosa, como Bloco e PCP propagandeiam a toda a hora. É mesmo o retrato de um país onde o marxismo-leninismo (estalinista e trotsquista), que durante mais de quarenta anos condicionou a praxis mole do PS e do PSD, representantes de uma burguesia estúpida e indigente, voltou a falhar clamorosamente.

Resposta às duas perguntas de RPM e a uma tese improvável:

RPM -- "como reduzir o peso da dívida pública" ?
ACP -- reduzindo, nomeadamente reduzindo o paquiderme do regime que é a aliança entre a burocracia inútil, o capitalismo corportivo indigente que nada mudou desde Salazar, e um sistema partidário insaciável. E ainda mudando de alto a baixo a filosofia do Estado Social, sem perdas para os que precisam, mas grandes perdas para os intermediários da fome e da ignorância popular. O exemplo do Rendimento Básico Incondicional, por exemplo, seria uma forma experimental de iniciar uma inadiável ‘revolução’ no Welfare State.

RPM -- "como compatibilizar uma estrutura produtiva débil com a participação numa zona monetária dominada por economias muito mais avançadas, sem que sejam criados mecanismos compensatórios"?
ACP -- deixando funcionar a concorrência, limitando a atividade predadora fiscal e acabando de vez com o intervencionismo político-partidário constante na vida das pessoas e das empresas. Desde logo, parando e revertendo a invasão partidária dos média.

RPM:  Isto implica enfrentar a necessidade de reestruturar a dívida pública e de alterar as regras de funcionamento da zona euro (ou desmantelá-la).
ACP: a restruturação está em curso desde que o BCE começou a comprar dívida pública dos países endividados e a prolongar as maturidades das obrigações; está em curso desde que o BCE começou a promover novas regras de confiança no sistema bancário; está em curso desde que todos nós percebemos que o dinheiro fácil para falsos investimentos e falsas necessidades acabou.

Concluindo, fechar Portugal para supostamente curar as suas doenças endémicas seria o mesmo que transformar o país numa leprosaria nacional!

PS: que tal um referendo sobre a presença de Portugal na União Europeia e na Zona Euro? Perguntas do referendo:

  1. Quer continuar na União Europeia? 
  2. Quer continuar com o Euro ou prefere mudar de moeda?

sexta-feira, janeiro 13, 2017

Rendimento Básico Incondicional, já!

Robot pelo Rendimento Básico Incondicional - WEF16

Quem diria...


Lembram-se quando, em fevereiro de 2016, mencionei no programa da RTP3, Política Sueca, a necessidade de um Rendimento Básico Incondicional para atacar de frente a deterioração do Estado Social? Pois vejam lá, ontem, dia 12 de janeiro de 2017, os deputados europeus reclamaram isto mesmo!

Meps Want 'Free Cash' To Address Job-Killer Robots Threat 
By Jorge Valero | EurActiv.com  
Pre-Davos report calls for reforming capitalism to survive global backlash. 
A World Economic Forum study warns that democracy is in “deeper crisis” and champions more ‘inclusive’ growth, amid growing inequality fuelled by technological disruption.
The mood will be rather gloomy (again) this year when at least 50 heads of state and government and hundreds of business leaders meet next week (17-20 January) in Davos Switzerland.

MEPs want ‘free cash’ to address job-killer robots threat 
By Jorge Valero | EurActiv.com 
EU legislators today (12 January) called for a universal basic income to combat the looming risk of job loss by the onward march of robots, as well as concerns about European welfare systems. 
Technological progress is no longer seen as safe path toward prosperity. A new generation of robots and the development of artificial intelligence may improve how we manufacture goods or how we spend our leisure time. 
But this new wave of intelligent gadgets and autonomous robots could also destroy thousands of jobs without creating new ones in the same proportion, warned a non-legislative report adopted by the European Parliament’s Legal Affairs Committee (JURI).
The development of robotics and AI has raised “concerns about the future of employment, the viability of social welfare and security systems” and, ultimately, is “creating the potential for increased inequality in the distribution of wealth and influence”. 
MEPs have, as a result, told member states that a universal basic income should be “seriously considered”.

Para seguir o debate pelo Rendimento Básico, que outros chamam de Cidadania, aqui vai um link útil.

Jornalistas à beira dum ataque de nervos

Maria Flor Pedroso, presidente do Congresso de Jornalistas


Passados quase 20 anos desde o último congresso de jornalistas, a classe enfrenta “a mais grave crise das suas vidas profissionais”. Durante este período de tempo abandonaram a profissão duas mil pessoas e há jornalistas que sobrevivem graças ao Rendimento Social de Inserção, afirmou esta quinta-feira o presidente da Casa da Imprensa, Goulart Machado, na sessão de abertura do 4.º Congresso de Jornalistas, que decorre até domingo no Cinema São Jorge, em Lisboa. 
in Público

O mais preocupante desta crise tecnológica do jornalismo é a própria indigência que ameaça o meio, e a auto-censura que se instala a olhos vistos. Outro efeito grave da dependência extrema que as empresas de comunicação social manifestam de modo cada vez mais claro perante o poder político é o assalto de jornais e canais de televisão pela marabunta partidária e pelo futebol. A papa resultante é infumável.

A Internet mudou as regras do jogo da informação, da comunicação, da propaganda e da manipulação ideológica e cultural. Soube-o em 1994, quando pela primeira vez entrei no mundo das BBS, e uns meses depois na World Wide Web. Passei então a mensagem ao principal empório de comunicação social português. Mas não fui entendido. O dinheiro comunitário chegava com fluidez e abundância aos bolsos de políticos, empresários, profissionais, facilitadores e redações (eu era, então, colaborador de O Independente). Para quê pensar no futuro? O problema, como hoje se percebe tardiamente, chegou num ápice de tempo.

Em geral, as empresas de comunicação social do nosso país tardaram a perceber o impacto profundo que o mundo online iria ter nas suas vidas e possibilidades de sobrevivência. Quando as redes sociais explodiram, sobretudo no Facebook (2004) e no Twitter (2006), coincidindo a sua rápida expansão com a mais violenta crise económico-financeira mundial dos últimos oitenta anos (2008 - ...), o jornalismo convencional entrou numa espiral implosiva, com todas as consequências económicas, sociais e culturais que em 1994 já se podiam imaginar, ainda que sem a vertente dramática que desde então viemos a conhecer.

Mas o pior de tudo será crer que os média convencionais poderão salvar-se numa espécie de corrida populista de lémures em direção à mediocridade e à subserviência. A ideia é fraca e os resultados trágicos, como o Congresso dos Jornalistas acaba de o reconhecer.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

Soares, o último estratega



Foi Álvaro Cunhal quem deu a primeira vitória presidencial a Mário Soares.


Na próxima terça-feira o cortejo que acompanhará o corpo de Mário Soares ao Cemitério dos Prazeres será maior ou menor do que o funeral de Álvaro Cunhal? O governo “apela a todos os cidadãos que participem nas cerimónias fúnebres de Estado prestando homenagem a Mário Soares”. 

Independentemente do juízo subjetivo que cada um de nós faça sobre a personalidade em causa, a sua importância enquanto político que influenciou e muito a vida portuguesa ao longo de setenta e dois anos —em 1945 foi um dos organizadores da gigantesca manifestação de regozijo pela vitória aliada contra o nazi-fascismo — é indesmentível. A segunda metade do século 20, mas também a primeira década deste século (mais precisamente até 2012 — ‘Congresso das Alternativas’) têm em Portugal uma marca indelével que é sua. A homenagem a esta figura relevante da nossa História é, assim, inteiramente devida.

A Esquerda estava dividida em 1969 e assim se manteve até hoje. A fratura deu-se, primeiro, entre comunistas estalinistas e socialistas social-democratas, e é a principal. Depois, na sequência do Maio de 68, surgiram inúmeras seitas de extrema esquerda que só muito mais tarde dariam lugar a uma espécie de destilado radical sincrético unido pelas novas causas emergentes de uma sociedade urbana em processo de metamorfose acelerada, e a que chamaram Bloco de Esquerda.

Houve, porém, em 2012, uma espécie de milagre das esquerdas quando Mário Soares resolve aproximar-se de Francisco Louçã, e por via desta aproximação lança as bases estratégicas de uma reviravolta impensável no Partido Socialista: aliar-se aos comunistas e à esquerda radical em nome de uma luta contra os mercados, contra o diretório e a burocracia de Bruxelas, e contra a Direita. A mesma direita com quem formara governo e sobretudo com quem moldara o estado constitucional que temos. Ou seja, aos 88 anos, o único estratega que o PS alguma vez teve, perante o maremoto macro-económico e político-social que atinge de novo o país, deixando-o praticamente sem defesas face aos credores externos, aposta tudo na construção de uma espécie de Frente Popular, pronta a zarpar o país da União Europeia se a tal for forçado pelas circunstâncias!

A Geringonça não nasceu na noite em que António Costa perdeu as eleições, mas na tarde em que Mário Soares percebeu que o PS não voltaria a ser governo com alianças à direita, claras ou dissimuladas. Quem não tem cão caça com gato, e desta vez os gatos estavam à esquerda do PS. O Bloco de Francisco Louçã e Miguel Portas queriam convergir com o PS, e ao PCP, perante a erosão imparável da sua base social de apoio, que a globalização, a evolução tecnológica e depois a crise financeira aceleraram, precisavam uma vez mais de levar o PS ao poder, sob pena de cavarem dramaticamente a sua própria sepultura.

Álvaro Cunhal morrera em 2005. Soares sofrera uma encefalite em janeiro de 2013, e em junho de 2015 a sua esposa e companheira de sempre, Maria Barroso, parte. Mário Soares sabe que a sua vida se aproxima do fim. A sua última crónica no Diário de Notícias, de 29 de setembro de 2015, é um Apelo, um apelo ao voto no Partido Socialista, para remover Pedro Passos Coelho do poder.

“Os atuais governantes devastaram nestes últimos quatro anos e meio o nosso querido país. 
O próximo dia 4 de outubro, dia da eleição para a Assembleia da República, é por isso decisivo. 
Além de ser véspera do aniversário da proclamação da República, é um dia em que deve renascer a esperança no futuro. Há que inverter a marcha para o abismo com o grave empobrecimento e a crescente irrelevância internacional de Portugal a que as políticas dos atuais governantes nos conduziram. 
É inadiável, por razões patrióticas substituí-los. Não há outro caminho.”

António Costa não ganharia as eleições, mas Pedro Passos Coelho também as perdeu ao não conseguir a maioria absoluta. O que aconteceu depois e hoje pauta a navegação à vista do governo que temos é conhecido. Mas importa registar, na hora em que nos despedimos de Mário Soares, que foi ainda ele quem abriu as portas à mutação interna no regime constitucional nascido na Constituinte de 1975. Não é uma mutação constitucional, mas pragmática, que veio provavelmente para durar. Só não podemos prever se chegará a produzir os frutos que muitos desejam.

Post scriptum (13/1/2017): não fosse o acompanhamento mediático, a coreografia desenhada por José Manuel dos Santos, e os meios a que foi possível recorrer, por serem exéquias de estado, o funeral de Mário Soares teria sido um fiasco. Não houve adesão popular digna do nome, mas apenas presenças protocolares e de serviço, pontuadas por uma adesão citadina dispersa e raramente compacta. Nem o Largo do Rato encheu! Ou seja, o número de pessoas que homenageou in situ o defunto esteve muito longe do número de militantes que o PS diz ter, quanto mais do número dos seus eleitores.  Conclusão: Mário Soares, apesar da sua imegável importância histórica, dividiu, mais do que uniu, os portugueses, sobretudo depois de ter deixado a presidência da república. Em suma, o soarismo morreu.

NOTA

Sobre Mário Soares ver esta sucinta mas esclarecedora cronologia publicada pelo CM

quinta-feira, janeiro 05, 2017

O amigo Juncker

Porto de águas profundas na Trafaria é a alternativa estratégica à estupidez partidária do Barreiro


Precisamos de mais Europa para sairmos do aperto em que estamos


European infrastructure needs more than public funding 
Europe’s leaders are stuck on the horns of a huge dilemma: how to invest more in critical infrastructure without burdening taxpayers further. Private capital is ready to invest in transport, energy, telecoms and healthcare, but existing barriers are holding it back, writes Michael Collins. 
Michael Collins is chief executive of Invest Europe. EurActiv, 2/01/2017

O problema da confiança e da estabilidade das leis e regulamentos, já para não falar do respeito pelos contratos assinados (e responsabilização de quem os assina) só pode avançar com maior, mais coerente, e equilibrada integração europeia, nomeadamente ao nível da regulação e das garantias dadas e a dar no futuro aos atores do crescimento: pessoas, conhecimento e capital. É preciso diminuir a discricionariedade populista dos poderes político-partidários e a sua omnipresença mediática, e para isto acontecer temos também que melhorar as instituições democráticas.

Portugal, um país, dois sistemas!

John Grayken - o abutre do fundo abutre Lone Star

Depois do Banif, entregar o Novo Banco a um abutre seria a dose fatal para uma Geringonça cujo estado de graça começa claramente a definhar.


Então não é que o José Maria do Espírito Santo Silva Ricciardi acaba de defender na SIC, em entrevista conduzida por José Gomes Ferreira, a nacionalização —temporária, diz o figurão— do Novo Banco?! Aquele almoço no Ritz foi uma autêntica epifania para António Costa. O PCP e o Bloco, coitados, devem deambular pelas catacumbas dos seus neurónios marxistas totally lost in translation.

Um país, dois sistemas?

Na China (Macau, Hong Kong) funcionou. O BCE manda cada vez mais no sistema financeiro europeu e nos seus bancos. Por outro lado, se os contribuintes já compraram o lixo do BES, porque não hão-de ficar agora com o lombo? Estamos numa tal emergência mundial (rotação tecnológica e sobre-endividamento) que se justifica algum experimentalismo económico, social e político. Tudo dependerá, neste caso, de Bruxelas e do BCE, pois como sabemos, a corja partidária e bancária que temos conduziu o país à condição de protetorado dos credores internacionais.

Jean-Claude Juncker vem a Lisboa nos próximos dias. A nacionalização do Novo Banco poderá obter nesta ocasião um poderoso aliado. O desairado Carlos Costa que se cuide!

Eis o que reza o comunicado do Banco de Portugal, autêntico trombone onde ninguém consegue já segurar uma informação:

Comunicado do Banco de Portugal sobre o processo de venda do Novo Banco
04 jan. 2017

O Banco de Portugal, no cumprimento do seu mandato relativamente ao processo de venda do Novo Banco, concluiu com base nos elementos disponíveis nesta data que o potencial investidor Lone Star é a entidade mais bem colocada para finalizar com sucesso o processo negocial tendente à aquisição das ações do Novo Banco e decidiu convidá-lo para um aprofundamento das negociações.  
A estabilidade do sistema financeiro e o reforço da confiança no futuro do Novo Banco são objetivos do processo de venda que o Banco de Portugal está a conduzir. No momento atual da negociação, a proposta do potencial investidor Lone Star é a que mais assegura estes objetivos mas apresenta condicionantes, nomeadamente um potencial impacto nas contas públicas, que se procurarão minimizar ou remover no aprofundamento das negociações que agora se inicia. 
Esta nova fase de negociações com o potencial investidor Lone Star não exclui a melhoria das propostas dos restantes potenciais investidores que entregaram propostas no âmbito dos dois procedimentos de venda – Procedimento de Venda Estratégica e Procedimento de Venda em Mercado - e que já mostraram disponibilidade para o fazer.
Lisboa, 4 de janeiro de 2017.

LINK

PS: Entretanto, no dia 5/1, Pedro Santana Lopes escreveu no Jornal de Negócios uma crónica que repete ipsis verbis o recado de Ricciardi. É improvável que não tenha sido previamente combinado. Seja como for, esta colagem ao PCP e ao Bloco não deixa de ser cómico-trágica. No fundo, também eu defendo, no estado a que coisa chegou, a nacionalização temporária do Novo Banco!