sábado, março 17, 2007

Governo PS 2

Manuel Pinho, de Portugal, e Manuel, the spanish waiter, de Faulty Towers
Manuel Pinho, de Portugal, e Manuel, the spanish waiter, de Faulty Towers

All Manuels!

Allgarve Low Cost Weekend: come and enjoy our unforgetable minister of economy for only €100


O Governo português vai investir, só este ano, nove milhões de euros na promoção e realização de eventos no Algarve. E, para vender melhor a região, o Governo aprova e paga uma mudança do nome do Algarve, de português para "um género" de inglês: Allgarve!

Em primeiro lugar, constata-se que abriu antecipadamente a temporada de caça ao voto.
Em segundo, que para distrair a atenção pública dos sérios problemas do país, que o actual governo está longe de começar a resolver, nada melhor do que o grande "stand-up comediant" do governo Sócrates, Sua Excelência o Imberbe Ministro da Economia, Manuel Pinho!

Para este Manuel, tal como para o extraordinário personagem de Faulty Towers, o mundo que pisa está escrito num idioma que não entende, e por isso faz invariavelmente as maiores confusões na sua cabeça e pronuncia frases cómicas, pela sua óbvia falta de oportunidade e sentido de estado, de cidadania ou da mais simples prudência cultural.

Em Portugal, diz aos desempregados que os seus salários subiram demasiado e que as empresas de calçado e vestuário vão naturalmente para a China e para o Paquistão.
Na China, diz aos empresários chineses que venham para Portugal porque aqui ainda há salários baixos e um proletariado simpático e dócil.
No Algarve, explica aos indígenas que all é uma palavra inglesa que quer dizer tudo ou todo, e que portanto, Allgarve quer dizer... Todo-o-Algarve!
Ao perguntarem-lhe porque motivo se muda o nome de uma região portuguesa para um nome género inglês (de Algarve para Allgarve), o Manuel afirma candidamente: é que, como sabem, os turistas que vêm para o Algarve são sobretudo estrangeiros.

Onde está o Basil do governo Sócrates, para dar uma palmada na nuca deste peripatético?

OAM #179 17 MAR 07

quarta-feira, março 14, 2007

Socrates 7

Jose Socrates na capa do semanario Sol
A biografia de José Sócrates montada pelo Sol apresenta todos os contornos de uma
cortina de fumo e revela o estado andrajoso da imprensa portuguesa actual.

As misteriosas Fábricas de Canudos

Há alguns anos atrás a estatal Tabaqueira foi privatizada e adquirida pela Philip Morris. Uma das primeiras decisões da nova administração foi emitir uma ordem de serviço proibindo o tratamento por Dr., Eng. Arq., etc., dos licenciados assalariados da nova empresa. Uma boa decisão que, se já adoptada entre nós, evitaria muitas das cenas tristes a que frequentemente assistimos na pastelarias, nas empresas, nas repartições públicas e na cada vez mais insuportável televisão. O Senhor Durão Barroso é o actual presidente da Comissão Europeia. O Senhor Dr. Durão Barroso não existe, a não ser no aparvalhado sítio lusitano.

Na realidade, nos países anglo-saxónicos, doutores são tradicionalmente os médicos e também se admite tal tratamento quando dirigido aos licenciados nalgum curso universitário depois de cumprido um doutoramento, sobretudo entre pares. Já nos países latinos, mais atrasados na chegada à moralidade laica da ética capitalista, do que os povos protagonistas das cisões protestantes e puritanas, as habilitações académicas tenderam quase sempre (não é o caso da Espanha, por exemplo) a ser consideradas como um sucedâneo dos títulos da antiga nobreza. No século XIX, os endinheirados compravam títulos nobiliárquicos, tal como mais tarde, no queiroziano século XX português (e italiano, por exemplo) se cobiçaram, forjaram e compraram (com cunhas e com dinheiro) os novos prefixos da pequena burguesia ascendente e da crescente massa de funcionários públicos que foram acudindo às necessidades crescentes de um Estado cada vez mais complexo e oneroso. Ao licenciado queiroziano (o célebre Conde de Abranhos) sucederam os doutores, arquitectos e engenheiros de hoje. Estes prefixos, sem os quais muitos dos nossos conterrâneos se sentem nus, não passam, afinal, de penduricalhos ridículos, espécie de nódoa indelével da nossa alarve ignorância, arreigado conservadorismo e teimosa hipocrisia. Em vez de senhores da sua própria liberdade, os doutores da mula russa preferem exibir a pluma do seu pequeno privilégio pós-rural e, se possível, ascender ao conforto de uma carreira no funcionarismo público. Tal pluma serve, entre outros fins, para sonhar com conselhos de administração de empresas públicas, ou com a pequena carreira política.... Mas aqui a porca, por vezes, torce o rabo!

O escândalo que envolve a Universidade Independente, onde, está dito, José Sócrates obteve uma licenciatura, prende-se com suspeitas sobre a prática de actos ilícitos como sejam o branqueamento de capitais, o tráfico de diamantes (de sangue?), a falsificação de documentos e a forja de canudos universitários. As três primeiras suspeitas fizeram os cabeçalhos dos OCS lusitanos durante algum tempo (ver por ex.: notícia na TVI). A suspeita de irregularidades na atribuição de títulos académicos tem vindo a ser abordada sobretudo nalguns blogues portugueses (ver nomeadamente Do Portugal Profundo).

John Major não completou sequer o ensino secundário. No entanto, tal não o impediu de seguir uma promissora carreira bancária e de se tornar primeiro ministro do Reino Unido. Nada na legislação portuguesa obriga o presidente da república, ou qualquer membro de um governo a possuir uma licenciatura académica. Basta, creio eu, que saiba ler, escrever e contar. E assim deve ser. Ou melhor, deveria obrigar a que, já agora, tivesse alguma experiência de vida e de administração.

As suspeitas que têm vindo a ser levantadas relativamente ao CV do primeiro ministro José Sócrates não incidem pois, pois não poderiam incidir, na questão dos atributos académicos do político, mas na legítima curiosidade de saber se o atributo que ostenta é apropriado ou inapropriado. Se é apropriado, não deve ser confusamente descrito nas biografias oficiais e jornalísticas do protagonista, lançando razoáveis dúvidas entre os mais obsessivos. Se não é apropriado, então a coisa é grave, pois somos levados a perguntar: é ou não verdadeira a biografia oficial do primeiro ministro, distribuida pelo governo, no que se refere ao grau académico de José Sócrates? É ou não correcta a atribuição académica de José Sócrates inscrita na entrada (protegida) da Wikipedia ? Se não é, estamos perante um lapso ou diante de uma mentira?

Antes de escrever este postal, depois de receber insistentes mensagens na minha caixa de correio, pensei que o assunto é demasiado melindroso para ser levianamente abordado. Estive por isso em silêncio durante meses. Mas depois cheguei a esta conclusão: se de facto houver alguma dúvida nesta matéria, alguma incorrecção que não seja prontamente esclarecida pelo próprio José Sócrates, a dúvida vai começar a inchar como uma bolha imparável, até que rebentará. Por outro lado, se forem realmente falsas as atribuições da sua carreira académica, o mais certo é que alguém se aproveite subrepticiamente do facto, fazendo chantagem. Ora isto é o pior que nos poderia acontecer como país civilizado!

Que sucederia se os portugueses viessem a saber (por um diário madrileno) que a biografia académica do primeiro ministro é falsa? Depende de como a coisa fosse deslindada e explicada. O Bill Clinton pediu desculpa por andar a fazer coisas inapropriadas com uma jovem colaboradora e safou-se. No caso de José Sócrates, a ser verdade que houve falsificação das habilitações académicas, não sei se o país seria capaz de perdoar o homem. Só mesmo uma confissão pública sincera e bem feita poderia impedir a sua previsível demissão do cargo.

Entretanto, pode ser que tudo isto passe, mas seria mau que passasse sem esclarecimento. Pois ficaria para sempre a dúvida sobre a independência de acção do principal governante do país.

OAM #178 14 MAR 07

Actualizações:

PSD pede "cabal esclarecimento" sobre licenciatura de Sócrates
22.03.2007 - 17h03 PÚBLICO

O PSD pediu hoje na, Assembleia da República, o "cabal esclarecimento" sobre a investigação, "legítima e baseada em factos", avançada pelo PÚBLICO sobre as falhas no processo de licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates.

Em declarações aos jornalistas, o deputado Pedro Duarte classificou ainda como "inaceitável" a nota do gabinete do primeiro-ministro que acompanha a investigação.

Na nota, Sócrates considera "lamentável que se utilize a situação actual da Universidade Independente para se atingirem os seus antigos alunos" e "lastimável que o jornal PÚBLICO se disponha a dar expressão e publicidade a este tipo de insinuações".

Porém, o deputado adiantou que o PSD vai "serenamente aguardar" pelo "esclarecimento devido".

"Não queremos acreditar que o gabinete do primeiro-ministro não vá emendar a mão", afirmou Pedro Duarte.

Os restantes partidos recusaram fazer quaisquer comentários.

Segundo a investigação do PÚBLICO, o dossier relativo à licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente tem várias falhas. Há alguns documentos por assinar, ou sem data, timbre ou carimbo, tal como há elementos contraditórios, nomeadamente os relativos às notas atribuídas a José Sócrates. (fim de citação)

Comentário: o caso chegou, como previa e é bom que tenha acontecido, aos OCS tradicionais. Entretanto, o sítio oficial do governo Sócrates apressou-se a emendar os atributos académicos do primeiro ministro, deixando de lhe chamar "Engenheiro" para atribuir-lhe, agora, uma "licenciatura em engenharia civil", que tendo sido putativamente conferida pela Universidade Independente (sim, essa!) não o autoriza o dito licenciado a dizer-se e dizer aos outros que é engenheiro, pois a respectiva Ordem não confere automaticamente carteira profissional e licença de actividade ao que quer que saia da tal Universidade Independente. O caso, aprofundado pelo Público, na sequência das investigações, nomeadamente Do Portugal Profundo, vem confirmar haver fortes suspeitas de que o actual primeiro ministro mentiu sobre o seu CV universitário. Se for verdade, não sei como poderá continuar no cargo. -- OAM #178 23 MAR 2007

sábado, março 03, 2007

Paulo Portas

Paulo Portas

Fora do armário?


Paulo Portas, líder dum insignificante partido de direita português, decidiu que era chegada a hora de copiar o novo conservadorismo inglês, tal como há pouco mais de uma década António Guterres decidira substituir a lógica maçónica (e muito "cota") do socialismo português pelo espírito New Labor de Tony Blair e da sua musa inspiradora, o sociólogo inglês Anthony Giddens. O momento é oportuno. Por um lado, a segunda metade da governação de José Sócrates vai revelar com dramatismo crescente as fissuras criadas no actual edifício social pelas correcções sistémicas ditadas pela necessidade absoluta de estancar a hemorragia económica do Estado. Por outro, o partido que terá forçosamente que colonizar, para atingir tão ambicioso projecto, o chamado Partido Social Democrata, vem sendo dirigido por um anão político e navega ao sabor da mais desorientada deriva da sua história, sem protagonista à vista, capaz de superar a orfandade pós-cavaquista. Ora um tal protagonista é absolutamente necessário à sua sobrevivência no preciso momento (e o momento será de 10 anos) em que a tal aura perdida, Aníbal Cavaco Silva, é Presidente da República. A menos que Durão Barroso decida acorrer a tal emergência, o que tem fortes probabilidades de acontecer, Paulo Portas terá de facto um extenso campo de oportunidades pela frente. Pelo sim, pelo não, o actual deputado do Partido Popular, decidu jogar aquela que será certamente a sua maior e porventura derradeira cartada política. O actual líder do PP, Ribeiro e Castro, é uma nódoa de insuportável oportunismo e um verdadeiro imbecil de direita. Resta agora saber até onde estará Paulo Portas disposto a ir no revisionismo do seu próprio e indisfarçável direitismo.

Os resultados do referendo ao aborto marcaram uma viragem sociológica e cultural decisiva em Portugal. Pela primeira vez, a reaccionaríssima hierarquia católica portuguesa e a direita sociológica mais bronca do país foram acantonadas para o lugar de onde não deverão voltar a sair tão cedo: o lugar das convicções religiosas privadas, que é de cada um, e por isso mesmo, não deve permitir as instrumentalizações de poder, sobretudo por parte de quem tutelou de modo tão cruel a nossa secular incultura e a nossa não menos secular hipocrisia colectiva.

Paulo Portas não é burro, e percebeu a mensagem. O tempo para um discurso de direita renovado chegou. E ele quer vertê-lo numa nova carta programática, adaptada e sobretudo adaptável aos novos tempos, se não em nome do seu imediato acesso ao lugar da alternância democrática, pelo menos, em nome de um acto de originalidade e de coragem que o colocará bem melhor do que agora está na galeria histórica dos formadores da democracia lentamente saída do fim do Salazarismo. O país continua cheio de tiques de autoritarismo, compadrio, corrupção endémica, proteccionismos corporativos, irresponsabilidade, provincianismo e obscuridade. Tudo isto pode constar de uma nova agenda reformista de direita, ou melhor dito, neo-conservadora. No que se refere ao modelo económico, o tempo de um novo proteccionismo (complexo, flexível e de geometria variável) vai chegar, nomeadamente pela mão da exangue economia estado-unidense, às agendas políticas das esquerdas e das direitas. Energia, água, segurança alimentar, infra-estruturas portuárias e aeroportuárias, protecção ambiental e redes de conhecimento vão ser as novas prioridades da política, onde o ultra-liberalismo e a hiper-concentração capitalista sofrerão brevemente muitos e sérios reveses. Para quê esperar pelos factos, em vez de nos anteciparmos, ainda que seja, para já, na reformulação do discurso programático?

A vantagem de Paulo Portas sobre Sócrates é que este anda demasiado absorvido pela difícil governação (e não se vê quem no Partido Socialista ande activamente preocupado com a ideologia). A vantagem sobre o PSD decorre da óbvia menoridade intelectual do seu actual líder e da escumalha que o rodeia, nomeadamente nas câmaras municipais de Lisboa e do Porto. Curiosamente, o antigo director do saudoso Independente poderá até surpreender os preguiçosos à esquerda do PS: o PCP (que continua a ser uma gerontocracia maniqueísta) e o Bloco de Esquerda, cada vez mais um saco de gatos sem réstea de imaginação política.

Mas estará Paulo Portas disposto a fazer um acto de contricção relativamente aos atavismos ideológicos promovidos pelo alarve bispo de Leiria? Jura que não enviará mais fragatas de guerra contra raparigas irreverentes, artistas, que promovem o direito ao aborto responsável? Estará disposto a votar a favor do casamento entre homossexuais e a aceitar a homossexualidade publicamente, como deveria? E no plano da grande estratégia, seria capaz de discutir publicamente, sem complexos, a necessidade de pôr fim à nossa subalternidade canina face ao amigo americano, em nome de uma independência de juízos mais afirmativa, e em nome de uma vocação moderadora mais explícita e irrenunciável? Estará disposto a falar menos em terrorismo e mais em direito internacional, em justiça distributiva global e na paz?

Se Paulo Portas for capaz de iniciar uma renovação efectiva do modelo de discussão política actualmente em curso, renunciando simultaneamente à judicialização e à dramatização televisiva do debate público, então estará a caminhar numa direcção favorável simultaneamente aos interesses de um futuro partido conservador arejado e inteligente, mas também do segundo mandato de José Sócrates, para tristeza de José Manuel Durão Barroso.
Escrevi neste mesmo blog que Santana Lopes e Paulo Portas tenderiam para a formação de um novo partido de direita com vocação governativa. A primeira tentativa falhou, por culpa do boémio do PSD. Desta vez, fica claro que é Portas que terá que conduzir o processo do princípio ao fim. O tempo dirá se tive razão ou não.

Portugal está muito perto do grau zero da política. Acossado por uma patente inviablidade estratégica fora do colo europeu, este pequeno país pós-colonial, ou sai do seu ancestral estado de estupidez filosófica e hipocrisia moral, ou caminhará irremediavelmente para a insolvência económica, o banditismo e a submissão plena à lógica de balcanização que de um momento para o outro poderá regressar à península ibérica e ao resto da Europa. A nova guerra fria em curso e o regresso do espectro de uma guerra nuclear no território euroasiático tem vindo a desafiar a consistência estratégica da União Europeia. As provocações e os preliminares da nova confrontação global começaram na sequência da queda do Muro de Berlim e da implosão da União Soviética. Não houve uma voz europeia que impedisse o regresso da Jugoslávia à balcanização; não houve acerto europeu em nenhuma das duas guerras desencadeadas pelos Estados Unidos contra o Iraque; a Europa na NATO pós-atlântica não passa de uma sonâmbula; não se sabe o que andam alguns dos seus estados-membros a defender no Afeganistão; teme-se pela sua posição no caso de a dupla Bush-Cheney decidir desencadear um ataque nuclear contra o Irão, nomeadamente através do cliente sionista. Como se tudo isto fosse pouca coisa, a par do recomeço não-declarado da corrida armamentista nuclear, começa a ganhar terreno a opinião de que só a energia nuclear poderá fazer frente à escassez energética derivada do rápido esgotamento das energias fósseis que alimentaram o crescimento mundial e o modelo de civilização técnica em que vivemos há cerca de duzentos anos: o carvão, o petróleo e o gás natural.

Estará Paulo Portas disposto a encetar verdadeiramente uma renovação estratégica da agenda política portuguesa, deixando de lado o que é secundário e atendo-se ao essencial? Por exemplo, uma agenda estratégica para Portugal capaz de nos preparar para a crise energética, para a deterioração ambiental, e para uma reformulação radicalmente criativa do nosso modelo de vida e de felicidade? Uma grande crise, e é disso que se trata, é também uma grande oportunidade. Se ele souber aproveitá-la, naturalmente à sua maneira (que não é obviamente a minha), todos ganharemos. Do cretinismo galopante, nada se aproveita.

OAM #177 03 MAR 07

quinta-feira, março 01, 2007

A guerra por vir

Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia
Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia

Contagem decrescente?

Previsões pessimistas realizadas por vários observadores independentes, normalmente expressando-se através de canais online (os média comerciais chegam cada vez mais tarde...), têm vindo a chamar a atenção do mundo para a extrema perigosidade do actual declínio da hegemonia anglo-saxónica. Tal supremacia custou à humanidade duas guerras mundiais atrozes, os dois primeiros bombardeamentos nucleares da história, uma guerra fria interminável (pois parece que continua...) e dezenas de "conflitos regionais" sangrentos e derrubes de regimes políticos instituídos, ao longo de todo o século 20. A profunda crise da economia estado-unidense, associada ao seu imparável belicismo (1), por um lado, e a emergência de uma Eurásia territorialmente extensíssima, multitudinária, repleta de fontes energéticas essenciais e em rápido crescimento económico, por outro, configuram uma situação potencialmente explosiva. Até agora, vimos ingleses e norte-americanos (acolitados por uma Europa sem rei nem roque) tentando aplicar as receitas da dissimulação, mentira, guerra e pilhagem que tantas vantagens trouxeram à Europa e aos Estados Unidos durante todo o século 20. Entretanto, algo começou a dar para o torto...

A guerra contra Iraque, assente numa mentira rasteira (que todos engolimos com indisfarçável desconforto), é um atoleiro horrível. O Afeganistão continua tão perigoso como antes (Dick Cheeney, que ontem escapou por pouco a uma execução às mãos de um homem-bomba da Al Qaeda, em plenas instalações militares "aliadas" - a Base Aérea de Bagram - sabe-o melhor que ninguém). O Dólar não pára de deslizar, havendo quem diga que valerá apenas meio euro no fim deste ano! O fim do boom imobiliário nos EU e uma simples frase do ex-governador da Reserva Federal americana - Alan Greenspan - sobre a possibilidade de a maior economia do planeta entrar em recessão no fim de 2007, provocou um ataque cardíaco nos mercados bolsistas de todo o mundo, agudizado pela queda de 9% na bolsa de Xangai. A obsessão militarista de Bush-Cheney parece, porém, não ter limites. Ou será que tem?

A superioridade militar norte-americana é esmagadora. Com a ajuda da NATO (uma sobrevivência descaracterizada e perversa do velho tratado atlantista anti-soviético), os EUA prosseguem uma perigosa estratégia de cerco das principais reservas petrolíferas e de gás natural situadas no Médio Oriente, nas antigas repúblicas soviéticas e na Rússia. O objectivo táctico é garantir o acesso às preciosas fontes energéticas da região. O objectivo estratégico é mais amplo ainda: impedir a emergência da Eurásia como o império que se segue. Para atingir este objectivo, Bush e Cheney crêem que é preciso impedir a formação de um eixo entre Moscovo e Pequim, transformando o Iraque e o Irão num inferno e as suas reservas energéticas em coutada privada. A simples hipótese de um ataque nuclear de precisão e limitado ao Irão dá uma arrepiante dimensão dos actuais perigos. A guerra nuclear e o aquecimento global parecem ter acertado os cronómetros da extinção da humanidade actual!

É neste cenário de guerra que teremos que saber interpretar a oratória de Putin, ou o modo expedito e silencioso como a China calou a Coreia do Norte. O que está neste momento em jogo é demasiado importante para se deixar perturbar por jogos de guerra subsidiários. Todos queremos saber quem está em condições de ir a jogo nesta roleta russa. Tenho para mim que a desproporção de território e de populações não é nada favorável ao Ocidente. E que seria muito bom para todos que as mentes sãs deste lado do problema conseguissem agir em tempo útil, de modo a evitar a catástrofe certa que ocorrerá se as mentes doentes que alimentam a alcolémia do Sr Bush tiverem êxito nos seus sinistros cálculos e desenhos de poder.



Notas

1. (16/02/07) "As anticipated last January in GEAB N°11, the « fog of statistics » is now clearing and US economic trends appears clearly (retail sales at a standstill in January 2007, record high trade deficit in 2006, downward revision of US growth for 2006, Fed's confirmation of economic slowdown, serial defaults among mortgage lending organisations, continued collapse of US housing market,...). Therefore, according to LEAP/E2020, and contingent on the specific evolution of each component of the US economy, the month of April will account for the inflexion point of the impact phase of the global systemic crisis, that is to say the moment when all negative consequences of the crisis pile up exponentially. More precisely, April will be the time when negative trends will converge, transforming many « sectorial crises » into a generalised crisis, a « very great depression », involving all economic, financial, commercial and political players.

In April 2007, nine practical consequences of the unfolding crisis will converge:

1. Acceleration of the pace and size of bankruptcies among US financial organisations: from one per week today to one per day in April
2. Spectacular rise of US home foreclosures: 5 million Americans out on the street
3. Accelerating collapse of housing prices in the US: - 25%
4. Entry into recession of the US economy in April 2007
5. Precipitous rate cut by the US Federal Reserve
6. Growing importance of China-USA trade conflicts
7. China's shift out of US dollars / Yen carry trade reversal
8. Sudden drop of US dollar value against Euro, Yuan and Yen
9. Tumble of Sterling Pound"

in Global Europe Antecipation Bulletin.
Global systemic crisis - April 2007: Inflexion point of the phase of impact / US economy enters recession


Algumas leituras oportunas:

"The former Soviet Union disintegrated after attacking Afghanistan. It created a train of events that eventually led to the birth of Al Qaeda. We will wait and see what the United States attack on Iraq means for the future of the United States. In the meanwhile, it has created 50 new terrorist organisations."

(...) Approximately 400 millions died in the wars of the last two millennia. About 100 million of them died in the last century alone. If a major war takes place in this century, and if it escalates to such an extent that some of the players use nuclear weapons, we can foresee at least 4 or 5 times these deaths sometime in the next few decades. A world moving towards a war is also bound to neglect poverty, health, climate change and other priorities of human development. Such policy neglect will result in the death of at least 500 million children in the next 50 years at the current rate. Thus, we face the prospect of about a billion people being killed for no fault of their own if our leaders do not make conflict prevention and poverty alleviation their top priorities – in particular conflict prevention involving the big powers. -- Sundeep Waslekar. "Preventing Global Conflicts". February 27, 2007

(...) we are already deep in a New Cold War, which literally threatens the future of life on this planet. The debacle in Iraq, or the prospect of a US tactical nuclear pre-emptive strike against Iran are ghastly enough. In comparison to what is at play in the US global military build up against its most formidable remaining global rival, Russia, they loom relatively small. The US military policies since the end of the Soviet Union and emergence of the Republic of Russia in 1991 are in need of close examination in this context. Only then do Putin’s frank remarks on February 10 at the Munich Conference on Security make sense.

(...) A new Armageddon is in the making. The unilateral military agenda of Washington has predictably provoked a major effort by Russia to defend herself. The prospects of a global nuclear conflagration, by miscalculation, increase by the day. At what point might an American President, God forbid, decide to order a pre-emptive full-scale nuclear attack on Russia to prevent Russia from rebuilding a state of mutual deterrence?

The new Armageddon is not exactly the Armageddon which George Bush's Christian fanatics pray for as they dream of their Rapture. It is an Armageddon in which Russia and the United States would irradiate the planet and, perhaps, end human civilization in the process." -- F William Engdahl -- "Putin and the Geopolitics of the New Cold War: Or what happens when Cowboys don`t shoot straight like they used to ..." . February 18, 2007

"Can anyone stop them? Possibly. There is the now widespread and quite vocal resistance within the armed forces. For the first time in my lifetime, I have seen speculation in the press about a military coup. I doubt it would occur, but the very speculation shows how extensive are the misgivings."
-- Immanuel Wallerstein - "Bush's Healong Rush Into Iran" . February 15, 2007

"O Pentágono já redigiu planos para ataques patrocinados pelos EUA ao Irão e à Síria. Apesar da dissimulação pública da diplomacia dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, tal como na Invasão do Iraque, o Irão e a Síria sentem outra guerra anglo-americana no horizonte. Ambos os países têm estado a fortalecer as suas defesas para a eventualidade da guerra com a aliança anglo-americana." -- Mahdi Darius Nazemroaya - "Marcha para a guerra: Concentração naval no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental" . Outubro 1, 2006



OAM #176 28 FEV 07

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Conversar com Innerarity

Foto: ©©Lothar Herzog from Kassel, Germany. Wikipedia.

Clube PS convida Daniel Innerarity

2007 Qua 28 Fev 18h00
Auditorio Edifício Novo da Assembleia da República

A promoção de debates públicos abertos na Assembleia da República, temáticos ou com base na apresentação de personalidades e livros, é uma boa iniciativa de Jaime Gama, o actual presidente do parlamento português. Desta vez, por iniciativa do Clube PS e a convite de Manuel Maria Carrilho, teremos Daniel Innerarity, seguramente um dos pensadores inovadores da actualidade. O pretexto é o lançamento da tradução portuguesa de La Transformación de la Política pela Editorial Teorema. O título da versão francesa parece-me, todavia, mais sugestivo: La démocratie sans l'État: essai sur le gouvernement des sociétés complexes.

Soube desta inicitiava pelo boletim electrónico de Manuel Maria Carrilho, a quem escrevi um bilhetinho, que não resisto a partilhar com os leitores do António Maria:
Caro MMC,

Parabéns pela nomeação!
Apenas me entristece o facto de a sua promoção e a do Cravinho parecerem um modo expedito de afastar vozes eventualmente incómodas de um hemiciclo socialisticamente anestesiado.

Tenho pensado muito no futuro deste país e chego sempre à mesma conclusão: a única saída que temos pela frente passa por uma visão ambiciosa de Portugal nas perigosas circunstâncias actuais. E essa visão implica, para mim, imaginar uma outra noção de desenvolvimento, de progresso e de crescimento. Algo como uma agenda para um futuro imaterial, que implicaria desmaterializar a própria natureza da produção, do consumo e do desenho das comunidades.

Daí que a sua partida para a UNESCO possa ser um bom prenúncio!
Antes de tudo, precisamos de uma VISÃO (como diria a desaparecida Donnela Meadows). Uma visão cultural da condição humana e do armistício que a humanidade terá necessariamente que acordar com o resto da Natureza.

Para Portugal, a estratégia reside, no essencial, em saber tirar todo o partido das suas actuais desvantagens materiais (fraca industrialização, baixa densidade populacional, distância dos centros mais densamente povoados e industrializados), mas também das suas vantagens, por exemplo, os fracos níveis de poluição no cômputo nacional. Até o baixo nível educativo (refiro-me sobretudo ao número de licenciados) pode ser transformado numa vantagem!

Como vê, tudo ao contrário do actual discurso de José Sócrates e da generalidade dos partidos políticos que temos.
Regressando a Innerarity, vale a pena ler um extracto do prefácio de Jorge Semprún à edição francesa do livro em apreço:
«Professeur de philosophie à l'Université de Saragosse, Daniel Innerarity consacre sa réflexion théorique aux pro­blèmes de l'évolution de la politique, de sa transformation, dans nos sociétés occidentales, nos démocraties d'opinion, c'est-à-dire, plus précisément : démocraties de masse et de marché, exposées par leur essence même aux exigences et aux avatars contradictoires de la mondialisation.
Cette recherche, sans doute la plus nécessaire à notre époque, s'articule à une analyse rigoureuse de la fonction du politique dans le monde changeant qu'est le nôtre, où se détruisent et se déplacent sans cesse les valeurs établies de la modernité des démocraties représentatives.
Ainsi, Daniel Innerarity parvient, avec brio dialectique et vaste savoir, à réhabiliter le concept et le rôle du politique.
Les chapitres de son essai qui abordent les questions du concept du politique et de la nouvelle logique sociale, par l'acuité des analyses et l'érudition sous-jacente, permettent de dégager la perspective d'une synthèse conceptuelle qui prenne en compte les principaux problèmes, les exigences historiques fondamentales pour le déploiement de la Raison démocratique de notre temps.
Synthèse opérationnelle, mais qui se conçoit et se veut provisoire. L'un des mérites principaux de ce travail, en effet, réside à mon avis dans sa vision lucide de la complexité de nos sociétés, du caractère instable et conflictuel de leurs structures consensuelles.»

Finalmente, algumas passagens da versão portuguesa do livro:
«A aversão à política é bastante velha, mas as suas causas mudam com o correr dos tempos (...) Se fizéssemos um inventário das queixas actualmente correntes, teríamos talvez a surpresa de verificar que o seu teor se modificou radicalmente em poucos anos, ao passo que ainda não há muito tempo se criticava o abuso de poder, critica-se agora a impotência dos supostamente poderosos.»

«No quadro da transformação da política que as novas circunstâncias reclamam, o fundamental é determinar as exigências a apresentar à profissão política. É inevitável que a política se caracterize por uma estranha mescla de incompetência e habilidade quando não estão clarificadas as funções dela esperadas. O problema está no que poderemos pedir à política que não nos possa ser dado por outras funções sociais. O facto de isto não ser muito claro pode ser a causa que explica a irrupção na política de empresários, juízes ou jornalistas, açulados por uma demagogia simplista que diz desprezar a incompetência da classe política quando, na realidade, despreza as exigências da vida democrática»

«O lamento pelo mau funcionamento da política é muito lógico: a política é a arte mais difícil, na qual mais incerteza é tramitada e em que assuntos somente verosímeis, contingentes, são tratados com informação escassa e urgências de tempo (...) A principal função da política é a produção e distribuição dos bens colectivos necessários ao desenvolvimento de uma sociedade, para o que é preciso tomar uma série de decisões em tempo limitado, com escassez de dados e de recursos, num meio extremamente complexo que as novas condições sociais parecem emaranhar ainda mais.»

«O perfil que define a competência profissional do político é uma excepcional capacidade para tomar decisões colectivas em situações de elevada complexidade. A política é um âmbito de inovação, e não só de gestão. E a capacidade criadora tem estreitas relações com a invenção de uma linguagem apropriada para tratar o novo. Poderíamos encontrar aqui um novo eixo para delimitar a esquerda da direita, um indicativo para distinguir o progresso da tradição (...) As novas situações lembram à política que, perante cada reforma, terá de formular uma interrogação: está na presença de problemas que pode, simplesmente, resolver, ou de transformações históricas que exigem uma nova maneira de pensar? A inovação procede sempre de alguém ter querido saber se o que até então era dado por válido se ajustava às novas realidades.»

«A meu ver, a política, especialmente quando a queremos distinguir de outras actividades, exige fundamentalmente duas coisas: 1. ter-se dado conta de que o seu terreno próprio é o da contingência, e 2. uma especial habilidade para conviver com a decepção. Haverá, sem dúvida, outras definições mais exactas, mas nenhuma delas deixa, com certeza, de incluir em alguma medida estas duas propriedades.»

«Os tempos mudaram tanto que até mudou o tipo de mudança. A ideia do progresso já não tem préstimo, se com ela se quiser indicar que o futuro será menos complexo, menos ambivalente que o passado. Já só a direita pode acreditar na historieta do progresso que necessariamente nos trará um futuro menos regulado, com menos limitações e maior liberdade de escolha que no passado. O que, pelo contrário, nos espera, é um desenvolvimento futuro radicalmente mais complexo. O curso do tempo continua a existir, claro está, mas já não indica o caminho da servidão para a liberdade: indica o da complexidade para uma maior complexidade.»

OAM #175 27 FEV 07

domingo, fevereiro 25, 2007

Aeroportos 18

Vueling 100 mil lugares a 20 Euros!
Vueling oferece 100 mil lugares a 20 Euros! Adeus TAP...

O livro negro da Ota e o fim da TAP...

Flash madrileno
Estive os últimos dez dias em Espanha, onde pude observar algumas realidades interessantes, nomeadamente para nós, portugueses. Em primeiro lugar, o primeiro ministro espanhol, José Luis Zapatero, a propósito da trapalhada nacionalista e da violenta ETA, mas também da ligação AV entre Madrid e Barcelona (quase pronta), anunciava candidamente que a nova rede ferroviária espanhola (nomeadamente a de Alta Velocidade) era o verdadeiro segredo para garantir a unidade da Espanha. Em segundo lugar, a EasyJet inaugurou em Madrid, no passado dia 15 de Fevereiro, pela mão de Esperanza Aguirre (tão liberal quanto promissora política do Partido Popular), a sua primeira base ibérica de operações, com um investimento de 170 milhões de euros na Comunidade de Madrid, que recebeu naturalmente a notícia de braços abertos. Em terceiro lugar, não consegui reservar um bilhete de AVE para ir de Madrid a Toledo no Sábado passado, pois estava esgotado. Em quarto lugar, a luta contra a corrupção, nomeadamente autárquica, é uma coisa séria, com vários alcaides na prisão e a percepção pública de que o "cachondeo" tem os dias contados. Talvez por isto, os debates mediáticos em Espanha se têm vindo a transformar em dramas de faca e alguidar, reality shows e espectáculos de wrestling incríveis! Em quinto lugar, ao visitar a Arco, conhecida feira de arte de Madrid, a que todo o apreciador de arte ibérico (portugueses incluídos) acorre, percebi que a mesma iniciou uma viragem estratégica radical. Sob a nova direcção de Lourdes Fernández, com a ajuda da ambiciosa crítica de arte, Angela Molina (1), a feira de arte de Madrid deixará em breve de ser um fenómeno cultural de massas, onde as várias comunidades ibéricas de artistas, galeristas, directores de museus e centros culturais, professores e alunos se reviam anualmente numa grande festa e numa grande e tumultuosa cidadela das artes, para se transformar numa elitista e corrupta bolsa de valores especulativos da criação estética domesticada pelo capitalismo liberal mais desesperadamente competitivo. Em sexto lugar, a companhia de baixo custo catalã, Vueling, adiantou a Primavera turística europeia oferecendo 100 mil lugares a 20 euros (tudo incluído!) Finalmente, a minha filha, que já não sabe como regressar a Portugal (a não ser em breves incursões, para provar os meus cozinhados), conduziu-me, desta vez, pela Madrid profunda e humana, "pueblerina" e cosmopolita, do bairro da Malazaña. Uma Madrid deliciosa, jovem e de todas as idades e cores, barata e amigável. Um dos grandes corações da capital espanhola. O segredo para amar Madrid é evitar, sempre que possível, a Gan Via, a Castellana e a cidade financeira do grupo Santander, não deixando nunca de rever os jardins do Retiro e o Museu do Prado, e de sorver religiosamente ao fim da manhã o consomé da casa Lardy, venerando templo gastronómico situado junto à Puerta del Sol.

O livro negro da Ota
Como se não bastasse a teimosia governamental na questão escandalosa da Ota (uma indústria de estudos inúteis) e do absurdo e jamais rentável TGV Lisboa-Porto, temos um ministro politicamente avariado que em cada semana que passa lança pela boca fora uma nova e estridente baboseira sobre o aeródromo da Ota. A última tontice (desta vez pela voz da sua secretária de estado, Ana Paula Vitorino), e que o Expresso desta semana divulgou, afiança que o improvável TGV Lisboa-Porto vai ter um apeadeiro no dito projecto fantasma. Claro que ninguém explicou como, nem para quê. Haverá TGV de 15 em 15 minutos entre a Ota e Lisboa? E se não houver, para que servirá tal dispêndio (um aeroporto e uma interface ferroviária entalados em acanhados leitos de rios e ribeiras sob densos e quotidianos nevoeiros, a 52 Km de Lisboa) nas horas de ponta?! Por outro lado, se o malfadado TGV viesse a estar pronto em 2015, como iria tal veículo atravessar o estaleiro da Ota, ainda a dois anos (pelos menos!) de ver concluído o sebastiânico aeroporto?

Sobre a Ota não existe sequer um estudo meteorológico actualizado, como se pode ler no último artigo de Rui Rodrigues (PDF 4,7Mb), nem estudo de impacto ambiental, nem, verdadeiramente, qualquer estudo prévio tecnicamente fundamentado (2), conclusivo e aceitável, sobre a utilidade e viabilidade económica do projecto. A única coisa que existe é uma escandalosa indústria de consultorias e de pareceres que, às custas do herário público, vem engordando a nomenclatura democrática lusitana. Pergunto: quantos milhões de euros foram até agora gastos, directa e subrepticiamente, na telenovela da Ota? Vamos todos querer saber, mais cedo ou mais tarde...
Há duas ou três semanas atrás, Augusto Mateus confessou que também andava a fazer estudos sobre a Ota, revelando-nos que a sua ideia iluminada sobre aeroportos do século 21 era muito parecida com a explanada num artigo do Expresso (por sua vez, uma localização mal amanhada de um artigo estrangeiro) sobre cidades-aeroportos! Primeiro, já pensou este distinto economista porque carga de água é que Lisboa nunca se expandiu para aquelas bandas, remetendo-as para o acolhimento de lixeiras, cimenteiras, depósitos de combustíveis e outras coisas feias? Segundo, já viu com olhos de ver a Ota e o Carregado? Terceiro, conhece alguma coisa mais parecida com uma cidade aeroporto do que a Grande Lisboa, com as suas várias pistas disponíveis (Portela, Montijo, Tires, Sintra) e a sua rede consolidada de transportes e serviços? Parece que andamos todos a dormir!

Em Abril o actual governo diz que vai pôr à discussão pública um estudo de impacte ambiental sobre o putativo aeroporto da Ota. Ou seja, chegou o momento de compilar o livro negro sobre esta aventura governamental. Esperar que algum partido do sistema o faça seria pedir muito aos aburguesados deputados que elegemos. O PS parlamentar não existe, o PSD está bloqueado por um líder impagável, o CDS não não passa de um apêndice parlamentar, o PCP e o Bloco de Esquerda devem pensar que são empregos que aí vêm, e portanto não é assunto em que se queiram molhar. Com esta velha política não vamos a parte nenhuma. Essa é que é essa!

O fim da TAP
O ultra-liberal Economist, que há duas semanas considerou a parvoíce da Ota, isso mesmo, uma parvoíce, escreve um interessante artigo na edição de 17-23/2/07 sobre um arrasador fenómeno chamado Low Cost. O artigo entitula-se sintomaticamente "Fare Game" e pode resumir-se numa frase: as companhias de voos de baixo custo chegaram, viram e venceram. Para já, venceram no mercado das curtas e médias distâncias aéreas (sobretudo nas chamadas "ligações ponto a ponto"). Resta agora saber o estrago que provocarão nas linhas de longo curso, nomeadamente intercontinentais. As experiências já começaram, nomeadamente na Ásia, onde, por exemplo a Oasis Hong Kong Airlines iniciou no passado mês de Outubro um serviço diário de baixo custo entre Hong Kong e Londres (um trajecto de ida custa, na classe turística, 145 euros!) Segundo um especialista da Universidade de Westminster citado pelo Economist (Nigel Dennis), o desafio do paradigma Low Cost, que terá seguramente mais dificuldades de implantar-se nos voos intercontinentais, irá mesmo assim provocar uma queda nos preços nos voos de longo curso na ordem dos 20%.
A conhecida fórmula das Low Cost --utilizar um ou dois tipos de aeronaves de última geração, silenciosas, com custos de manutenção uniformizados e com rendimentos de combustível até 40%; utilização de aeroportos secundários, sempre que os principais não ofereçam condições vantajosas; sub-contratação de tudo o que puder ser sub-contratado; tripulações reduzidas; serviços complementares de baixo custo (hoteis, veículos de aluguer, etc.) e uma sofisticada utilização de plataformas electrónicas online (sistema de reservas de voos e alojamento, etc.)-- fez o seu caminho. Às tradicionais companhias de bandeira, a braços com os efeitos nefastos desta avassaladora concorrência não lhes resta outra alternativa que não seja adaptar-se ou morrer! Os espanhóis acordaram tarde, mas acordaram. A resposta chama-se Vueling, Click Air e ainda abrir as portas de Madrid-Barajas à EasyJet e demais players dominantes deste mercado emergente, assegurando que o grande hub aeroportuário da capital espanhola sairá a ganhar, e não a perder, com o novo fenómeno. Os russos e até os romenos já lançaram as suas companhias aéreas de baixo custo: SkyExpress e Blue Air. Em Portugal, pelo contrário, assistimos à morte súbita da Air Luxor, à morte anunciada e muito obscura da Portugália Airlines --a qual passa pela sua venda a uma TAP que, em vez de comprar aviões novos, vai comprar sucata e excedentes de pessoal!-- e, finalmente, a uma crise previsível sem precedentes na transportadora aérea nacional. O manto de silêncio comprometedor que sobre esta crise se abateu, com a cumplicidade da generalidade dos média, revela tão só o atavismo triste e suicida que se apoderou das pobres elites nacionais.

Talvez a carnavalesca demissão de Alberto João Jardim, a quem lhe foi recentemente oferecida (oferecida?!; mas então aquilo não é uma Região Autónoma?) a possibilidade de ter as Low Cost no Funchal e em Porto Santo, desencadeie um debate institucional mais alargado do que o previsto. Já não seria mau.



Notas
1. Num artigo especialmente mordaz no El País de 16/02/07 (Elocuente invitación al optimismo) Angela Molina, escreve:
"Por las intenciones de Lourdes Fernández, decidida a acabar con la deficiente contribución de los espacios institucionales, se puede predecir un futuro amable para Arco. Mientras tanto, el provincianismo y el mal gusto permanecen, intelecualmente vandalizados por políticos --podrían ser los pasmados tiburones disecados dentro de una urna, de Damien Hirst-- que se mueven en la etiqueta de la cultura antepasada."
(...)
" Pero hay más, los stands de la Comunidad de Andalucia, Extremadura, Cantabria o de la Diputación de Málaga son los resultados reales de la cortedad mental de los gobiernos autónomos y similares, que pudiendo exponer sus pinturas en los casinos municipales, prefieren ganarse el derecho a remover el ponche costumbrista de la feria".

O efeito desta dinâmica poderá comprometer ainda mais o futuro dos museus de arte contemporânea, já hoje com extremas dificuldades de captação da atenção e vontade dos poderes políticos. Não me admiraria nada que o liberalismo e a insensibilidade da dupla Lourdes Fernández-Angela Molina viesse a provocar um inesperado efeito de boomerang contra a própria viabilidade da Arco.

2. Vale a pena ler o PDF de Rui Rodrigues. A argumentação é meticulosa e demonstra sem margem para dúvidas duas coias: que o argumento de João Cravinho sobre a perigosidade da Portela não colhe quando se tem a Ota como opção alternativa, e que a decisão de avançar para o atoleiro da Ota (que custou o cargo ao primeiro ministro das finanças do governo Sócrates) não teve nenhum fundamento técnico, nomeadamente no ponto crucial da avaliação das condições meteorológicas do local, sendo por isso uma decisão meramente política. Falta, assim, explicar o que está por trás de tal política. Para mim, são duas coisas: a ignorância estratégica militante do actual governo e os poderosos sindicatos financeiros de que o mesmo parece estar refém.

OAM #174 25 FEV 07

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Sismos

Portugal, 10:35 -- 6,1 na escala de Richter


Sismo 6.1


Senti a minha casa a tremer. Um tubo de cartão caíu ao chão, prova de que a sensação traduzia um facto objectivo: a terra tremeu algures. Procurei informação no Instituto de Meteorologia. Nada. Os servidores estavam bloqueados. Busquei então informação internacional na Net. Resposta obtida no Orfeus (This list maintained by ORFEUS and EMSC contains all known institutes, organisations, observatories, universities, etc which operate seismograph stations in the region / European Mediterranean Region) -- 2 links referentes a Portugal: um para o departamento de sismos do Instituto de Meteorologia; outro, para o Instituto Superior Técnico. Respostas? Zero!

Assim vai a protecção civil neste país de opereta.



PS: (12/02/07 12:59). Na ausência de informação online actualizada por parte das instituições portuguesas responsáveis pela monitorização dos fenómenos sísmicos, bem como perante o conservadorismo informativo dos média (que só a conta gotas foram libertando a informação), funcionaram os telemóveis, que uma vez mais disseminaram dados em tempo real.

Info:
Observatório em tempo real
Os Tremores de Terra
Medidas de Autoprotecção (Serviço Nacional Protecção Civil)


OAM #173 12 FEV 2006