O PS precisa, como de pão para a boca, dum novo partido à sua esquerda. Por que espera para dar todo o gás a Manuel Alegre?
Lisboa, 04 Jan (Expresso/ Lusa) - O presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, vai coordenar a moção de José Sócrates ao próximo congresso do PS, liderando uma equipa que se define como "força de unidade" na "esquerda democrática" e "preparada para governar".
Creio que a escolha de António Costa para coordenar a moção de José Sócrates ao próximo congresso do PS significa o seguinte: se José Sócrates, por qualquer motivo, for forçado a abandonar as suas actuais funções de primeiro ministro, ou se não tiver condições para liderar um governo de maioria relativa aliado à esquerda, o PS já encontrou um sucessor consensual e apto para o efeito.
A perda da maioria absoluta PS é altamente previsível, e se esta ocorrer, o PS terá que aliar-se ao CDS-PP ou a uma força à sua esquerda. Aliar-se ao que hoje não passa dum micróbio partidário que a nomenclatura do regime transporta ao colo como uma criatura enfezada e débil, nas actuais circunstâncias de iminente insolvência do país e início da maior recessão mundial desde 1929 —que percorrerá toda a próxima legislatura—, seria um suicídio político imediato. Uma tal ocorrência, sempre possível, abriria as portas a uma recuperação fulgurante do PSD depois de aliviada a sua carga populista e tardo-liberal. A menos que a situação do país fosse realmente catastrófica, e aí teríamos, como cenário mais provável, um governo de Bloco Central sob patrocínio presidencial, não vejo como poderá o próximo governo deixar de ser uma coligação de esquerda. Falta, no entanto, o parceiro certo para uma tal parceria. Os que há não servem!
A maior preocupação da tríade que possui o Partido Socialista é evitar uma cisão antes das próximas eleições legislativas. Mas um mau resultado, previsível, nas europeias, poderá precipitar irremediavelmente a tão esconjurada cisão Alegre. O ex-candidato presidencial está em reflexão táctica. Entretanto, até onde chegarão as cedências de José Sócrates à dita "esquerda do PS" (Vera Jardim, Paulo Pedroso, Maria de Belém Roseira, etc.), nomeadamente na gestão da actual crise? Serão suficientes para impedir a emergência duma nova força eleitoral de esquerda com efectiva capacidade de alterar o rotativismo falido dos partidos do Bloco Central?
Se se reparar com atenção, tem havido uma série de cedências: na guerra da avaliação dos professores; no pacote de medidas fiscais de alívio que serão provavelmente incluídas no orçamento rectificativo/complementar anunciado; no programa de obras rápidas contra a crise; na criação de novas vagas para médicos e enfermeiros; no deslizamento subtil mas real da discussão dos grandes investimentos estratégicos —Alta Velocidade e NAL— para 2010; no ponto final colocado à conversa sobre a privatização da TAP, e por aí adiante. Eu se fosse o Mexia começava até a ter mais cuidado com os telefonemas sobre providências cautelares justas contra a sua pirataria de trazer por casa em volta do plano assassino de barragens com que pretende aumentar a qualidade dos seus activos, matando à conta e literalmente recursos patrimoniais insubstituíveis.
Falta esclarecer a predisposição socratina sobre a privatização da ANA. Aparentemente, a decisão de António Costa de reactivar o processo em volta da disputa dos terrenos da Portela, pelo qual a autarquia reclama à ANA cerca de 1500 milhões de euros de mais-valias (suficiente para limpar todas as dívidas da capital), colocará os futuros candidatos à privatização ANA e construção do NAL de Alcochete, perante um cenário menos interessante e espinhoso. Quando estará a disputa judicial resolvida? Haverá recursos? Que papel jogarão na altura os outros proprietários de terrenos privados incluídos no perímetro aeroportuário da Portela?
Persistirá o actual governo na decisão de "abancar" o futuro aeroporto de Alcochete com a privatização da ANA, subsequente desactivação do aeroporto da Portela e venda a patacos dos respectivos terrenos?
Se persistir, vai ser mais um dossier destinado ao fracasso. Primeiro, porque Cavaco Silva não vai aceitar transformar um monopólio público num monopólio privado, sabendo-se que um tal monopólio poderia rapidamente cair sob o domínio da gestora pública de aeroportos espanhola, AENA. Segundo, porque a privatização da ANA, ao implicar uma mudança de propriedade e sobretudo de controlos estratégicos primordiais, do sector público para o sector privado, levará Cavaco Silva a vetar a lei por motivos políticos óbvios, e em todo o caso, a exigir uma maioria de 2/3 para que tal sangria absurda do Estado e diminuição intolerável da nossa soberania possa ter lugar. Quando as luminárias de São Bento acordarem para as dificuldades deste imbróglio, lá terão que explicar ao Jorge Coelho que, infelizmente, também este passará a ser um dossier morto e enterrado pela actual legislatura.
Curiosamente, a tentativa de isentar de concurso público certas obras públicas, até 5 milhões de euros, e certos bens móveis, equipamentos e aquisição de serviços, até 260 mil euros, sob o pretexto da urgência, mostra bem como a cúpula do PS quer esconjurar a todo o custo uma cisão partidária. Que melhor ferramenta para convencer os milhares de autarcas do PS de que a melhor aposta é a permanência do status quo?
E no entanto, nada poderá garantir mais eficazmente a permanência do PS no poder durante a próxima legislatura —que será terrível para decisores e patriotas—, do que a formação duma nova força partidária de esquerda, geneticamente marcada por uma boa percentagem de genes solidários saídos, precisamente, do Partido Socialista!
Estou farto de explicar que um PS sem maioria não poderá aliar-se de forma estável, nem ao PCP, nem ao Bloco de Esquerda. O Partido Socialista, que irá com toda a probabilidade perder a maioria absoluta, com ou sem Alegre nas suas listas, precisará, como do pão para a boca, de um aliado à sua esquerda para formar uma maioria de legislatura estável, pragmática e criativa. Manuel Alegre surgiu como o possível vórtice dessa nova cornucópia de esquerda. Porque esperam para lhe dar todo o apoio?
OAM 513 15-01-2009 02:32 (última actualização: 15:55)
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