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domingo, outubro 14, 2007

Partido Democrata Europeu 3

Pin do Partido Democratico (EUA)
Pin do Partido Democratico (EUA)

Tirem-me desta telenovela!

"When Andrew Jackson ran for president in 1828, his opponents tried to label him a "jackass" for his populist views and his slogan, "Let the people rule." Jackson, however, picked up on their name calling and turned it to his own advantage by using the donkey on his campaign posters. During his presidency, the donkey was used to represent Jackson's stubbornness when he vetoed re-chartering the National Bank." - A história do burro do Partido Democrata americano.

Depois de ouvir Luís Filipe Menezes no discurso da sua consagração como novo líder do PPD-PSD fiquei esclarecido: este partido, tal como as demais forças parlamentares, continuam a pique na direcção da liquefacção pastosa do actual sistema partidário.

Tinha a expectativa, por não conhecer a personalidade, de que Menezes fosse capaz de introduzir um discurso populista q.b., mas fracturante, e sobretudo com uma agenda política actualizada. Mas não, saiu-nos uma sebentinha gasta de banalidades, com sucessivos atropelos à semântica, à gramática e à ortofonia. Os lapsos conceptuais ao longo da chata e comprida arenga da posse partidária, bem como a falta de uma única ideia que ficasse no ouvido para cogitação futura, desviaram a atenção geral, sobretudo a dos média, para o impaciente que andava por ali.

Os mais optimistas poderão crer que Menezes e Santana darão uma boa dupla Norte-Sul, à maneira dos exemplos de Felipe González e Alfonso Guerra, ou de Tony Blair e Gordon Brown. Menezes correria as fábricas e as creches do país, invectivando o chefe do governo e os seus inenarráveis ministros da economia, das obras públicas e do trabalho. Santana dançaria mensais e espectaculares tangos com Sócrates no parlamento. Seria divertido se houvesse substância. Mas o que sobrou do deserto de Torres Vedras não dá para tanto! Presumo que iremos ter outra telenovela para neurónios solitários, com os vários barões assinalados fugindo da nau da Lapa como ratos assustados. Aquela do passeio triunfal com o filho pela mão, a caminho do palco, nem no Paraguai!

A implosão partidária de que há umas semanas falou Manuel Maria Carrilho vai seguir o seu curso mais depressa do que poderia prever. Escrevi em Abril, a propósito de François Bayrou, que
"(...) é preciso promover a formação de partidos de centro na Europa. Doutro modo, os eleitores sairão sempre frustrados, como se tem visto em França e em Portugal nas últimas duas décadas. A velha dicotomia esquerda-direita já não existe, mas existe no seu lugar o mais improdutivo dos oportunismos: o oportunismo dos interesses sem cor. Também existe o definhamento dos extremos, é certo, mas esse não conta para os problemas reais das pessoas, embora custe dinheiro à democracia." - in O terceiro excluído.
Ainda no mesmo mês, a propósito de uma entrevista dada ao La Vanguardia por Pascual Maragall, sobre a necessidade de criar um partido democrático geneticamente europeu, comentei que não conhecia
"(...) qualquer referência na imprensa portuguesa à formação do novo Partido Democrata italiano, impulsionado por Romano Prodi e Francesco Rutelli, e para o qual convergem protagonistas e forças partidárias heteróclitas, de algum modo fartos da adiantada putrefacção e impotência, estratégica e governativa, dos sistemas partidários nacionais. A actual crise da União Europeia é sobretudo uma crise política. O absurdo projecto de Tratado Constitucional que os eleitores franceses e holandeses chumbaram foi o sinal de alarme de um bloqueio que urge ultrapassar, em nome do projecto europeu e do protagonismo do velho continente nas decisões globais, cruciais para lidar com os gravíssimos problemas que afectam a humanidade." - in Uma luz ao fundo do túnel.
e ainda que:
"O caso lusitano, face ao processo de liquefacção em curso nos principais partidos parlamentares (PS, PSD, PP, BE), encontra-se curiosamente maduro para a emergência de um Partido Democrata português..." - idem
O Partito Democratico italiano está em marcha e vale a pena passar os olhos pelo respectivo Manifesto. É este o menu da página principal do correspondente sítio web:
  • Justiça
  • Mobilidade e Infraestruturas; Desenvolvimento Sustentável, Energia e Ambiente
  • Investigação, saber e inovação
  • Segurança cidadã e imigração
  • Reforma da Administração Pública
  • Questão meridional
  • Desenvolvimento, consumidores e imprensa
  • Bem-estar, trabalho e segurança social
Se substituirmos o item "Questão meridional" por "Autonomia, regionalização e descentralização", teremos o esquema plausível de prioridades programáticas para um novo partido português que ousasse avançar na reforma do nosso exangue sistema partidário. É, porém, provável, que tenhamos que esperar ainda pelo aprofundamento da crise do PPD-PSD, e por mais e maiores desaires do governo de Sócrates, antes de Portugal aderir ao movimento de renovação partidária que desponta no espaço europeu.

Post-scriptum
15-10-2007, 10:21 -- O resultado do XXX Congresso do PPD-PSD acentua as condições propícias para a sua cisão. Se não ocorrer depois dos primeiros desaires eleitorais de 2008, será inevitável após as legislativas de 2009. O PS, por sua vez, perderá a actual maioria absoluta, escancarando então as portas da crise inconciliável que separa a actual ala liberal, no poder, das tendências social-democrata e socialista, propiciando a segunda grande ruptura necessária à clarificação no nosso corrompido sistema partidário. Os pequenos partidos não contam, embora alguns dos seus protagonistas mais atentos e responsáveis possam vir a ter um papel importante na carambola partidária que se avizinha. Os principais cenários que antevejo são estes:
  1. cisão dorsal dos dois maiores partidos portugueses e surgimento de quatro novas formações com vocação governamental;
  2. cisões minoritárias em todos os partidos do espectro parlamentar (PS, PPD-PSD, PCP, BE e CDS-PP) com formação de um novo Partido Democrata, que atrairá personalidades e simpatizantes de outros pequenos partidos sem assento parlamentar (Partido da Terra, Partido Popular Monárquico...) e ainda independentes, assumindo na forma, no método e nos conteúdo, uma postura radicalmente inovadora face aos actuais desafios da política;
  3. manutenção do actual quadro partidário, sem grandes cisões internas, mas exibindo um imparável esvaimento de quadros e de votos, conduzindo à formação de um partido de iniciativa presidencial, com uma clara agenda presidencialista. Esta opção será tanto mais verosímil quanto mais se agravarem os actuais quadros de crise financeira e política global e a insustentável situação económica e financeira portuguesa.
Seja como for, o apodrecimento do actual quadro partidário e parlamentar é insustentável e sobretudo perigoso. Precisamos de abrir o espaço da democracia à renovação profunda dos seus pressupostos e sobretudo à possibilidade de uma participação mais directa e responsável dos cidadãos na condução dos destinos do país. Quanto mais cedo melhor.


OAM 261, 14-10-2007, 22:51

quarta-feira, outubro 10, 2007

Mobilidade

Shrek_donkey-Logo_estudo
Estudo espontâneo para o MOPTC.
Img: Donkey (Shrek) by DreamWorks Animation.


O asno do MOPTC


e a revolta de Venda das Raparigas
04-10-2007. "Não queremos prejudicar o país, nem as pessoas que não têm nada a ver com isto, queremos apenas chamar a atenção para este problema", afirmou Bruno Letra, acrescentando que o traçado proposto "mata uma zona industrial que criaria emprego e mata freguesias inteiras, para aproximar Lisboa e Porto de comboio".
-- Lusa/Fim, Expresso.

Esta manhã cedo, durante o jogging pela praia de Carcavelos, dei comigo a pensar no dromedário da Margem Sul. E comecei a filosofar: o camelo é um animal extraordinário, e bem poderia ser uma excelente metáfora para qualquer ministério dos transportes. Há milhares de anos que acompanha o homem na resolução dos seus problemas de mobilidade, e provavelmente continuará a fazê-lo depois de esta civilização tecnológica passar à história. Mas para logotipo do nosso MOPTC, tem um inconveniente: não é propriamente uma raça ibérica!

Foi então que me veio à memória o alinhamento extraordinário das turbinas eólicas na serra da Archeira, ao longo da A8, no concelho de Torres Vedras. As espectrais e intrusivas torres seguem a antiga linha dos moinhos saloios que durante centenas de anos ajudaram a alimentar o país. Nesse tempo, não tão longínquo como os mais jovens poderão crer, burros pacientes combinavam com os humanos a melhor maneira de levar o trigo até ao moleiro, e depois, a farinha até ao padeiro. Foi assim ao longo dos últimos seis mil anos. Continua a ser assim em muitas partes do planeta.

Quando o petróleo chegar aos 300 euros/barril (muito antes de 2015), camelos e burros voltarão a ser chamados a ajudar-nos um pouco por toda a parte. Até lá, este decidido e fiel quadrúpede deveria inspirar o nosso Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC), tornando-o menos propagandista, menos vazio de ideias, menos preguiçoso, mais humilde e sobretudo mais inteligente e honesto nas decisões. Mas para que tal ocorresse o MOPTC deveria começar por estudar a história da parceria milenar entre homens e asnos na definição dos padrões de mobilidade e transporte que ainda marcam boa parte da organização do território e cidades portuguesas. Um dos princípios básicos de todo o antigo sistema, chama-se economia!

Os burros, para além de caminharem serra acima, serra abaixo, levavam a água, o leite, o vinho, as batatas, a lenha, o carvão e um sem fim de utilidades a nossas casas. E como se todo este trabalho ainda fosse pouco, o burro foi o nosso transporte individual e colectivo por excelência antes da chegada dos motores de explosão. O cavalo era uma espécie demasiado frágil e cara, reservada aos ricos.

Nos tempos que se avizinham, muito difíceis para todos, o uso da riqueza acumulada, que no caso português não existe ou se encontra hipotecada às escandalosas dívidas externa e pública, terá que dar lugar aos empréstimos que formos conseguindo e cuja aplicação transparente, inteligente e criteriosa, é absolutamente decisiva à sustentabilidade do nosso sistema e redes de mobilidade e transportes.

Aquilo que se sabe é que Mário Lino, ou melhor, o governo Sócrates, não tem a mais pequena ideia sobre o que fazer em matéria de transportes e mobilidade!


Aeroportos


O governo andou a dormir relativamente à alteração do paradigma do transporte aéreo na Europa, e o resultado foi este: comprou escandalosamente uma companhia falida (a PGA), tem nas mãos uma companhia de bandeira sem futuro nenhum à vista, e não soube dar resposta ao desafio das Low Cost, que dado o modo e rapidez da sua aparição e arrasador poder concorrencial, só poderia ter sido uma: a privatização atempada da TAP (agora já será tarde) e a adequação sem grandes custos da actual rede de infra-estruturas aeroportuárias ao novo fenómeno.

No aeroporto Sá Carneiro cuidou-se da gare, mas nada se fez do que falta fazer e é absolutamente necessário que se faça rapidamente na parte da segurança e navegação aérea: a introdução do ILS, e o prolongamento do Taxiway por forma a permitir aumentar a cadência das descolagens e aterragens, dando assim resposta ao aumento da procura que deverá continuar a crescer até 2012.

No Algarve, onde a possibilidade de um segundo aeroporto de apoio a Faro emergiu recentemente, é preciso dar resposta célere.

Finalmente, em Lisboa, a solução mais óbvia, mais barata, e de execução imediata, passa por duas coisas muito simples:
  1. Aeroporto da Portela: aumentar o Taxiway da pista principal, a 03/21; esticar esta mesma pista uns 300 a 400 metros na sua cabeceira Norte (por forma a minorar o ruído sobre as zonas de Alvalade e Campo Grande); ampliar a aerogare, aumentando o número de mangas de embarque/desembarque; libertar os Landing Slots ocupados por rotas sub-aproveitadas da TAP; e, finalmente, construir uma linha de metro entre a Gare do Oriente e este aeroporto.
  2. operacionalizar a Base Aérea do Montijo, no prazo máximo de dois anos, para complementar a Portela enquanto prosseguem os estudos e a captação de interessados para o lançamento previsível do célebre Novo Aeroporto de Lisboa, para o qual, de momento, não existem nem ideias claras, nem projecto, nem orçamento, nem investidores particularmente entusiasmados (sobretudo tendo em vista a ameaça de depressão económica mundial que paira e pairará sobre os Estados Unidos e a Europa durante os próximos dois anos.)

Ferrovia


No que respeita ao transporte ferroviário, o vazio conceptual é igualmente penoso. A ideia peregrina de consultar as populações do Oeste sobre um putativo corredor de 317Km de comprimento por 120m de largura, destinado a um TGV que não tem sequer nome, nem estudo de impacte ambiental, nem projecto de viabilidade económica, nem financiamentos minimamente assegurados, só para entreter os desmiolados média lusitanos e desviar a nossa atenção do colapso iminente da economia (e pior ainda, do insustentável sistema político actual), brada aos céus! Quem disse àquela gente do MOPTC (Mário Lino e Ana Paula Vitorino), e ao pessoal desembestado do Gabinete do Primeiro Ministro, que o país precisa de uma Linha de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto? Ainda por cima, arrasando, no lunático corredor proposto pelo MOPTC, toda uma estrutura territorial, económica e urbana construída ao longo de séculos?! Então esta gentinha não sabe que a Virgin está a bater aos pontos as ligações aéreas entre Manchester e Londres (distância idêntica à que medeia entre Lisboa e o Porto) com os seus comboios, por serem muito mais económicos, frequentes, isentos de CO2 e rentáveis? E não sabem que o patrão a Virgin veio a Portugal precisamente para estudar o sistema pendular usado entre as duas capitais portuguesas, tendo-o adoptado no Reino Unido? E não sabem que os Alfa Pendulares só não transportam em 2h30mn as pessoas de Gaia (General Torres) a Entre-Campos por absoluta incompetência do MOPTC? E para que precisamos nós, mais do que uma solução deste tipo, permitindo ligações entre as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto de meia em meia hora?

A ligação de Alta Velocidade entre Lisboa-Madrid é a única linha de AV que faz sentido equacionar para entrada em funcionamento antes de 2015. Por três razões fáceis de compreender:
  1. ligar as capitais dos dois únicos países ibéricos, sabendo-se que o plano espanhol de Alta Velocidade ligará até 2020 todas as principais cidades espanholas;
  2. o terreno e o território é particularmente propício a este tipo de infra-estrutura;
  3. o especial interesse espanhol em concretizar esta ligação a Lisboa (e a Sines) facilitará a emergência das condições financeiras do projecto, quer na sua fase de construção, quer na sua fase de exploração.
As demais ligações (Porto-Vigo e Aveiro-Salamanca) deverão fazer-se, não em Alta Velocidade, mas na chamada Velocidade Elevada, muito menos dispendiosa e ajustada às necessidades previsíveis.

Ainda sobre este capítulo, torna-se fundamental realçar a necessidade urgente de agir em duas direcções imediatamente estruturantes e inadiáveis do ponto de vista da adaptação do país à longa emergência energética que se aproxima a passos de gigante:
  1. substituir rapidamente a bitola ibérica (actualmente quase hegemónica na rede ferroviária nacional) pela bitola europeia, de modo a potenciar ao máximo a inter-modalidade ferroviária (metro, comboios suburbanos e interurbanos);
  2. reajustar drástica e racionalmente os sistemas de transportes das duas principais áreas metropolitanas do país, por forma a torná-los mais densos, integrados, eficientes, frequentes, rápidos e económicos.
Só a ferrovia urbana, sub-urbana e inter-urbana (subterrânea e de superfície) será capaz de responder à necessidade crescente de abandonar o automóvel. Este abandono tornar-se-à claramente visível ao longo da presente década, traduzindo-se, no início (que já começou!), por uma fase de diminuição progressiva, mas consistente, do uso quotidiano do transporte individual. Por causa do modo como as estruturas urbanas cresceram por aí, não há outra alternativa colectiva ao colapso invitável do transporte privado individual. Os políticos que não tiverem coragem para enfrentar esta metamorfose devem abandonar o barco quanto antes, e permitir que outros façam as reformas urgentes que se impõem!

Os parques eólicos nacionais seguem quase sem excepção as linhas de implantação dos antigos moinhos de cereais. Pouparam-se, ou deveriam ter-se poupado muitos milhões na avaliação da qualidade dos lugares para a nova indústria. Aprendamos com os moleiros e com os seus inseparáveis burros!

OAM 260, 11-10-2007, 02:42

terça-feira, outubro 09, 2007

Portugal 14

Sócratintas

Prometeu que não subiria os impostos, mas subiu-os e vai voltar a subi-los no orçamento de 2008, retirando nomeadamente mais direitos fiscais aos reformados e deficientes, podendo mesmo decidir subir de novo o IVA, para uns 23% ou 24%. Basta, para tal, que a Espanha suba este imposto, seguindo a tendência recém inaugurada pela Alemanha, que em Maio de 2006 decidiu aumentar o seu IVA de 16% para 19%!

Prometeu que iria criar 150 mil novos empregos, mas o que temos é a terceira maior taxa de desemprego da Europa a 25 e a mais alta taxa de desemprego em Portugal nos últimos nove anos.

Estes números seriam ainda mais escandalosos se fossem contabilizadas as centenas de milhar de novos emigrantes que saíram do país nos primeiros sete anos deste novo século, juntando-se ao contingente de 4,5 milhões de portugueses que não encontram no seu país as condições mínimas para nele viverem. Como se este panorama não fosse por si só uma vergonha, avizinham-se tempos ainda mais difíceis pela frente, pelo que são de esperar ainda maiores quebras na população activa nacional. Chegaremos ao fim deste século com um acréscimo populacional pouco superior a 280 mil almas, pelo que todas as previsões aéreas sobre crescimento urbano e económico não passam de onanismo político.

Prometeu uma reforma profunda na Administração Pública, mas o que vimos até agora foi espectáculo, jobs for the boys, nenhuma definição clara sobre aquilo que o Estado deve assegurar e o que pode e deve ser devolvido à esfera e à iniciativa privadas, ou comunitárias.

Não tendo uma visão integrada e racional do sistema, o governo de maioria absoluta, em vez de proceder a uma redução criteriosa dos efectivos da Função Pública, está a rebentar literalmente com a arquitectura organizativa do Estado, atacando inconscientemente dois dos seus pilares fundamentais: a sua distribuição territorial e a sua diversidade cultural. Através da implementação de uma partidarização inconstitucional dos processos de redução dos efectivos da Função Pública fragiliza-se de forma inaceitável a democracia. Fechando, sem mais, escolas, hospitais e delegações regionais da Administração Pública no interior do país, enfraquecem-se de forma criminosa todas as regiões transfronteiriças! Uma reforma do Estado, para além de dever ser uma reforma moral (o que a caricatura actual não tem sido), tem que ser uma reforma racional, isto é, com uma estratégia de eliminação do que é efectivamente supérfluo, mas com a criação simultânea do que há muito falta para termos um Estado eficiente, fiável, pagador, democrático, solidário e justo.

Prometeu crescimento económico, mas o que se aproxima é um tsunami financeiro com epicentro na nossa descomunal dívida externa: US$272.200 milhões (est. 2006) (1).

Portugal ocupa a posição 23 (numa lista de 200) entre os países mais devedores do mundo, sendo que os Estados Unidos ocupam a primeira posição (a maior dívida externa do planeta), o Reino Unido, a segunda e a Espanha, a sexta (o que só nos pode desassossegar.) A dívida externa de cada americano é de US$33.339 (para um PIB/capita de US$43.800), a dívida externa de cada português é de US$25.576 (para um PIB/capita de US$19.800). Ou seja, enquanto cada um dos 10.642.836 portugueses estimados em Julho de 2007, precisaria de contribuir com 470 dias de trabalho para ajudar a pagar instantaneamente a dívida externa portuguesa actual, os súbditos de Bush, Cheney e Cª precisam de 277 dias para atingirem o mesmo fim. Por outro lado, não indo a população trabalhadora portuguesa além dos 5,58 milhões de pessoas (est. 2006), a tal dívida média por pessoa activa foi em 2006, na realidade, de US$48.781, i.e. 36.975 euros (câmbio de 31-12-2006). Concluindo, estamos numa situação ainda mais crítica que a dos Estados Unidos e da Espanha.
Se somarmos a este dado arrepiante o facto de a dívida pública corresponder a 67,4% do PIB (2), ficamos com uma ideia muito aproximada das reais dificuldades do governo. Numa situação desta gravidade, não podemos ter maus governos, nem governos cabotinos. (3)

Prometeu justiça, mas proliferam os escândalos de manipulação da mesma.

O actual ministro da Administração Interna fez ou não parte de uma conspiração para derrubar o anterior Procurador Geral da República?

Houve ou não uma manipulação grosseira na publicação do actual Código Penal, precisamente na vírgula e no "inciso final" do seu do Artigo 30º, cuja inclusão, não tendo sido aprovada pelo PS na sessão da comissão especializada que redigiu o texto do Código, acabou por aparecer impressa no Diário da República? E sendo, por oportuna coincidência, esta presumível manipulação, muito favorável aos presumíveis culpados de crimes de pedofilia e de participação em rede pedófila, actualmente em julgamento no âmbito do chamado processo "Casa Pia", não deve o país ficar profundamente indignado e exigir o esclarecimento de tão sinistra ocorrência? E o silêncio dos envolvidos nesta trapalhada? Não merecem os portugueses explicações cabais sobre tudo isto?!

E notícias dos presumíveis crimes de colarinho branco?

Como não pode cumprir...

Assistimos incrédulos à tentativa de controlar a comunicação social, com pressões editoriais (ver caso actualmente em curso contra José Rodrigues dos Santos) e chantagens várias (retirada de publicidade, mexidas no estatuto dos jornalistas, etc.).

Assistimos à emergência de práticas policiais pidescas, em nome, veja-se, da fotogenia do Senhor Sócrates, pois não quer aparecer na televisão, sobretudo agora que preside à Europa, rodeado de manifestantes e cartazes que lhe estraguem o semblante comercial. Não quer que lhe chamem mentiroso, ao que parece. Mas se não tem sido outra coisa...

Estes sinais são particularmente preocupantes quando vistos em perspectiva. E a perspectiva, neste caso, é a do agravamento da situação geral do país, com graves incidências na economia, e no crescente mal-estar dos portugueses.

O governo actual permitiu chamar "terroristas" a um bando de jovens que numa acção simbólica destruiu umas quantas maçarocas de milho num campo privado.

O governo actual assinou estupidamente um protocolo de colaboração com as autoridades espanholas, para lidar com um problema meramente interno do país vizinho, sobre o qual Portugal sempre manteve uma rigorosa neutralidade. Que farão amanhã estes aprendizes de feiticeiros se o governo espanhol de turno decidir que precisa de invadir o nosso território por uns dias para perseguir uns perigosos nacionalistas catalães, ou galegos? E que vão fazer agora, depois de a ETA (ou alguém por ela) ter respondido à provocação com outra provocação?

Este governo não presta e deve cair por mérito dos próprios socialistas, antes das próximas eleições. A renovação da maioria absoluta está definitivamente perdida. Com Menezes à frente do PPD-PSD, o Bloco Central já foi. Creio que é tempo de o PS se clarificar e de se subdividir, deixando os parasitas liberais fazerem o seu caminho, mas sem com isso esmagar os socialistas que esbracejam neste momento como náufragos nas suas águas estagnadas. O tempo escasseia e Menezes abriu, de facto, uma janela de oportunidade para a renovação do sistema político. Coragem! Vão ver que é muito mais simples e produtivo do que alimentar a corja de socratintas que tomou de assalto o Partido Socialista.


REFERÊNCIAS
  • O CIA World Factbook é um instrumento precioso para análises comparativas simples mas elucidativas do mundo actual.
  • Patologia Social é um excelente e corajoso blog do advogado e professor de direito José António Barreiros, onde se pode ler a sua excelente desmontagem do affair sobre o artigo 30º do Código Penal.

NOTAS
  1. Há alguma discrepância entre os números da CIA e os recentemente publicados no Relatório do Orçamento de Estado de 2008. Pelo que convém compará-los (tendo em conta que os primeiros são estabelecidos em USD de 2006 e os segundos em euros de 2007).
    Aqui vão, pois, as cifras do documento governamental, onde se anuncia a redução do défice para os 3%.

    Dívida Pública, ou Dívida Bruta Consolidada das Administrações Públicas
    (est. Dez 2007, em Euros) = 104.607.000.000 (~64,4% do PIB). A CIA refere uma percentagem superior: 67,4% (est. Dez 2006)

    Dinâmica da Dívida das Administrações Públicas (em % do PIB)

    2003 = 56,9
    2004 = 58,3
    2005 = 63,7
    2006 = 64,8
    2007 = 64,4

    Défice Público ou Défice Orçamental, correspondente ao saldo negativo das Contas Públicas, i.e. à diferença entre as despesas do Estado e as suas receitas ao longo de 1 ano

    2005 = -6,1
    2006 = -3,9
    2007 = -3,0

    O controlo do défice, no caso português, é uma medida indispensável (que graças a Bruxelas, lá nos vai sendo administrada como se de óleo de fígado de bacalhau se tratasse.) Mas os números verdadeiramente assustadores são os da dívida acumulada e sempre crescente das administrações públicas - central, regional e local. Ora aqui, só mesmo uma mudança radical de filosofia económica poderá trazer alguma mudança na trajectória imparável do nosso endividamento. Tal mudança passa forçosamente por separar politicamente as responsabilidades que devem competir ao Estado daquelas que podem e devem transitar para a economia privada das sociedades, das comunidades e dos indivíduos.

    Esta percentagem é contrariada pelo Relatório do Orçamento de 2008, que aponta o valor (est. 2006) de 64,8%.


  2. Há pergunta que me foi dirigida sobre quais são as actuais reservas de ouro portuguesas disponíveis no Banco de Portugal (ou em Fort Knox), a verdade é que não se sabe!

    O fenómeno ocorre em muitos bancos centrais deste mundo, nomeadamente nos EUA, onde se presume que boa parte do ouro de Fort Knox tenha "voado" a ritmo acelerado desde a presidência de Ronald Reagan.

    As reservas em ouro, gold swaps e divisas, declaradas pelo Banco de Portugal e relativas a Dezembro de 2006 somam US$9.880 milhões. Não se sabe pois quantas toneladas efectivamente possui o país, ou se as toneladas vendidas sob contrato de re-compra foram ou não recompradas, e portanto as nossas reservas de ouro oscilam entre 462,2 ton., 417,4 ton. e 166 ton.! E o respectivo valor (tomando a onça troy ao valor de hoje, 10-09-2007: US$ 740.4) oscilaria assim (se não me enganei nas contas) entre estas três possibilidades: US$11.002.399.577,400; US$9.935.961.885,779; US$3.951.532.518,062.

    Em 1974 Portugal dispunha efectivamente de 865,9 ton. de ouro.


OAM 259, 09-10-2007, 19:19 | 14-10-2007, 17:41

sábado, outubro 06, 2007

Portugal 12

Monarquia?
Unos 300 estudiantes se han concentrado en la plaza Cívica de la Universidad Autónoma de Barcelona (UAB) donde un joven, en medio de gritos como "yo también quemo la corona española" o "los catalanes no tenemos rey", ha prendido fuego a un gran retrato del monarca pintado a mano junto al que había otras dos fotografías del Rey. Además, dos jóvenes han desplegado desde el techo de un edificio de la universidad una gran pancarta en la que podía leerse "La UAB también quema la corona española" y han colgado un muñeco hecho a mano ataviado con una corona, una bandera española a modo de banda y la cara de don Juan Carlos. -- Libertad Digital, 04-10-2007
O meu último post provocou algumas reacções epidérmicas provenientes de uma "esquerda" acomodada ao actual pântano rotativista, mas sempre pronta a puxar do gatilho enferrujado da censura "marxista-leninista" quando alguém procura reflectir sobre realidades difíceis. Neste caso, trata-se de um episódio recalcado no inconsciente do republicanismo jacobino e maçónico que move boa parte da "esquerda" portuguesa: o regicídio. A reacção ao meu artigo sobre o assassínio do rei Carlos I de Portugal (e do seu filho primogénito), fruto de evidente preguiça mental e indesculpável desistência moral, apanhou-me desprevenido. Nunca me passaria pela cabeça que o tema da monarquia, ou do regicídio, em Portugal, pudesse ser um tabu. Mas é!

Escrevi claramente o que penso sobre as monarquias actuais: não fazem sentido e a sua sobrevivência, por exemplo na Europa, pouco mais é do que uma encenação forçada e puramente imaginária do poder, arcádica nos países nórdicos, e completamente kitsch no caso inglês (embora seja difícil imaginar o que resta do respectivo império colonial -- a Commonwealth -- sem a coroa britânica.) A monarquia negociada do pós-franquismo é, porém, um caso especial, na medida em que a integridade territorial da Espanha parece depender criticamente da própria sobrevivência do regime monárquico. Porque será?

O retorno das monarquias à Europa só faz sentido num cenário cataclísmico decorrente, por exemplo, de uma guerra nuclear devastadora, da qual viesse a resultar a emergência lenta de novas sociedades medievais, socialmente atomizadas, no limiar da subsistência económica, mas progressivamente organizadas em torno de uma qualquer rede cognitiva sobrevivente ao apagão tecnológico que inevitavelmente se seguiria a uma guerra nuclear global. Quer dizer, a monarquia não deixou de ser um tema atraente de reflexão, continuando a inspirar muita da imaginação literária e cinematográfica actual. Pergunta-se, pois, porque se tornou num tema tabu, tanto em Portugal, como em Espanha?

Vejamos o caso português.

O grau de penetração da banca espanhola em Portugal é tal que, se a actual crise do crédito mal-parado atingir duramente, como se prevê, o país vizinho, e em particular o seu mercado imobiliário, as ondas que daí chegarão ao nosso país podem ter o efeito de um autêntico tsunami económico-financeiro. Por outro lado, se virmos o modo pimpão e satisfeito como ex-ministros e secretários de estado portugueses representam hoje no nosso país os interesses das maiores empresas energéticas espanholas, com o propósito directo de virem a dar um abraço de urso à nossa autonomia energética, percebemos até que ponto o bloco central dos interesses, na sua desfaçatez e mediania intelectual, acredita (como Saramago de Lanzarote) ser inevitável a integração de Portugal numa Ibéria espanhola. Em suma, vimos hoje em Ílhavo, com o logo da Pescanova bem escancarado na cabeceira e no púlpito, o Senhor Sócrates, primeiro ministro de Portugal, anunciar, como se estivesse num comício publicitário, os efeitos benéficos de, depois de destruída a frota pesqueira nacional (nomeadamente a favor da expansão da frota espanhola... da Pesca Nova!), passarmos a produzir e comer peixe alimentado com soja transgénica produzido pela mesma Pescanova! A grande oferta dos jacobinos lusitanos de hoje parece pois resumir-se a isto: vender Portugal à Espanha por um prato de enguias. Mas então, neste caso, onde fica a República? Não passaremos todos a ser monárquicos, por força do beijo fatal entre Sócrates e Zapatero?

Vejamos agora o caso espanhol.

A Espanha tem as chamadas contas do Estado em dia, ao contrário de Portugal, onde os ministros ganham, como se sabe, mais do que em Espanha. No entanto, a dívida externa da Espanha, 145% do PIB, é a oitava maior dívida externa do mundo! Consegue ser ainda pior do que a nossa: 130% do PIB, i.e. a vigésima terceira maior dívida externa num planeta com mais de 200 países!! Bush desvaloriza o dólar todos os dias, entre outras razões, para passar a dever menos dinheiro ao resto do mundo (e em especial aos chineses, japoneses e árabes.) E nós, portugueses e espanhóis, como vamos fazer?

Se as taxas de juros e o preço do petróleo (já indexado ao euro, como se tem visto na sincronia das últimas subidas face aos movimentos inversos do dólar) continuarem a sua tendência de subida, como é provável, podemos imaginar facilmente a catástrofe que aí vem. A Espanha, para fazer face a este desequilíbrio da balança de pagamentos, vendeu mais de 25% das suas reservas de ouro entre Janeiro e Maio deste ano, ou seja, 108 toneladas do precioso metal, numa altura em que faria todo o sentido não vendê-lo, dada a rápida valorização do mesmo. A onça custava 400 USD em 2004, chegou aos 746,90 USD em 1 de Outubro de 2007, e os analistas estimam que poderá subir, à medida que a crise financeira do subprime se revelar como uma crise económica sistémica e global, até aos 1000-2000 USD! Pergunta óbvia: quanto mais ouro poderá Zapatero colocar no mercado antes que uma crise política monumental o varra da cena política?

Se a gigantesca economia virtual que tem sustentado os Estados Unidos e muitas economias europeias implodir, que ocorrerá na casa do nosso vizinho? Suportará ele então o redobrar das actuais tensões nacionalistas, que revelaram já o seu tremendo poder a propósito da gestão dos rios e o polémico projecto de transvase do Ebro? É neste ponto particular que a questão das recentes manifestações iconoclastas contra a monarquia espanhola devem ser lidas cuidadosamente.

A Espanha não recuperou ainda, apesar das aparências, da Guerra Hispano-Americana, isto é, da derrota sofrida contra uma potência então emergente, chamada Estados Unidos da América, a qual viria, no essencial, a destruir o império colonial espanhol. Depois desta catástrofe política, a Espanha voltou a ser basicamente um Estado peninsular, abraços com a abrupta redução do seu espaço vital, e progressivamente confrontada com o velho problema das suas nacionalidades históricas mais fortes: Catalunha, Galiza e País Basco. Enquanto durou a expansão imperial espanhola, as tensões centrífugas foram sendo contidas com sucesso, mas depois, depois de 98, tudo mudou.

A Espanha republicana ambicionada pelos anarquistas, socialistas e sindicalistas operários, se tivesse triunfado, teria dado lugar, mais cedo ou mais tarde, a uma república federal, ou mesmo a uma federação de estados independentes, à qual os iberistas portugueses se juntariam de bom grado. Mas não foi isto que sucedeu! A vitória de Franco, pelo contrário, impôs-se como uma espécie de reacção violenta e castradora dos sonhos libertários, que sem dó nem piedade esmagou. A guerra civil foi assim e acima de tudo uma vacina anti-autonómica destinada a ganhar tempo na necessária redefinição e acomodação da identidade espanhola depois de a Espanha se ter retirado da Europa transpirinaica, acossada pela França revolucionária e napoleónica, e depois do colapso colonial que se seguiu ao "desastre del 98".

No intervalo franquista, a monarquia exilou-se no Estoril. Por alguma razão Franco e as elites espanholas decidiram conservá-la. Eu creio que foi única e exclusivamente para manter o fio histórico da continuidade da Espanha como uma herança legítima dos reis católicos. Se o regime de excepção franquista tivesse acabado com a monarquia, substituindo-a por uma ditadura republicana, o fio da legitimidade histórica teria sido quebrado e jamais voltaria a ser refeito. A morte do ditador teria então aberto uma crise de transição possivelmente explosiva, marcada por uma inevitável balcanização da Espanha, à semelhança da que ainda está ocorrendo na ex-Jugoslávia. Creio ter sido a antevisão deste cenário que levou as forças políticas que orientaram a transição democrática espanhola a optarem por conservar a monarquia. No entanto, à medida que as tensões nacionalistas progredirem, e tenderão a progredir à medida que se forem percebendo as dificuldades económicas de um país altamente endividado como actualmente é o caso da Espanha, a questão da monarquia voltará a colocar-se. Para que serve afinal? Deverá ser abandonada em nome de uma ainda por desenhar Federação de Estados Ibéricos? Poderá servir, em tão dramático transe, como um verdadeiro honest broker, pairando acima de uma tal federação como mero regime de ligação, até que um dia, porventura depois de Portugal aderir à novel Federação Ibérica, se decida encerrar festivamente o ciclo monárquico da península? Para já são só conjecturas. Mas os recentes incidentes anti-monárquicos ocorridos em vários pontos de Espanha, recheados de pesadas metáforas jacobinas, mostram que a nora da história pode estar a mover-se mais depressa do que se pensa.

Ibéria: Monarquia ou República?

A Espanha terá dificuldades crescentes em sustentar o actual sistema autonómico. Em primeiro lugar, porque é caríssimo: a dívida externa deste país passou de 716.455.000.000 euros, em 2003, para 1.450.000.000.000 euros, em 2007, ao mesmo tempo que as reservas de ouro do banco de Espanha, que valiam em 1992, 72.368.000.000 euros, valem hoje pouco mais de 9 mil milhões de euros. E em segundo, porque o grau alcançado pelas actuais autonomias, sobretudo no País Basco e na Catalunha, conduzirá inevitavelmente a um crescendo da pressão política e popular na direcção de um estado federal, ou mesmo de uma federação de estados ibéricos, da qual Portugal poderia vir a fazer parte integrante. O travão mais poderoso a esta evolução histórica natural e coerente com o espírito profundo da União Europeia, é precisamente a monarquia espanhola. Resta saber até quando os poderes fáticos daquele país estarão interessados em manter o staus quo, e que estratégia prosseguirão quando decidirem mudar de regime. Uma coisa é certa: por enquanto, lá como cá, a questão monárquica é, por razões distintas, um tabu.

OAM 258, 07-10-2007, 01:23

sexta-feira, outubro 05, 2007

Portugal 11

Rei D. Carlos I de Portugal, assassinado pela Carbonária em 1908.

5 de Outubro

"I sincerely believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing armies. Already they have raised up a money aristocracy that has set the government at defiance. The issuing power should be taken from the banks and restored to the people to whom it properly belongs". -- Thomas Jefferson

As monarquias europeias morreram do agravamento depressivo de uma fragilidade genética chamada endogamia (os ingleses chamam-lhe imbreeding), e dos efeitos sistémicos, deletérios para as monarquias feudais, da acumulação burguesa do capital.

Esta acumulação foi sobretudo consequência do incremento da circulação de pessoas e bens no continente europeu, e entre este continente e o resto do mundo, do reaparecimento em força dos cambistas e ourives-banqueiros, do desenvolvimento rápido das cidades europeias, dos primeiros despertares anti-coloniais, e finalmente do encadeamento das revoluções anti-feudais, contra monarquias corruptas, falidas e autoritárias. Esta revolução em cadeia foi ideologicamente escorada em nome da "liberdade", da "igualdade" e da "fraternidade". Durou até que a implementação dos novos regimes "democráticos" (na realidade regimes capitalistas demo-populistas) permitisse a efectiva consolidação de uma plutocracia verdadeiramente planetária.

Neste momento, a depressão económica mundial que se adivinha no horizonte, a qual poderá ou não ser catastroficamente agravada pelo desencadeamento de uma III Guerra Mundial (varrendo do mapa mais de 50 milhões de pessoas e algumas centenas de cidades), significa basicamente que começámos a assistir à transferência tectónica do centro de gravidade da acumulação, emissão e distribuição do capital mundial, da placa euro-atlântica (comandada pela aliança anglo-americana) para a placa asiática. Bush, Blair-Brown, Cheney e Sarkozi defendem que é preciso interromper este desfavorável curso da história à força de bombas nucleares e fazendo um reset ao dólar; a Alemanha, e porventura a Rússia, acreditam nas virtualidades de um multi-lateralismo euro-asiático e opõem-se, por isso, a uma escalada bélica que, no caso de a Síria e o Irão serem atacados (em Novembro?) --, dificilmente evitará uma tragédia termo-nuclear de proporções dantescas. E no entanto, é precisamente isto que uma parte dos usurários deste mundo quer!

Vem esta pequena reflexão a propósito da comemoração do dia da implantação da República em Portugal. Por alguma razão tal data nunca foi comemorada com grande entusiasmo pelos portugueses, à excepção das elites maçónicas que sucederam à Carbonária que planeou e assassinou o então rei português, D. Carlos I, um tipo simpático, culto, agricultor, pintor, fotógrafo, amante das novas tecnologias (instalou a luz eléctrica no Palácio das Necessidades e fez planos para a electrificação das ruas de Lisboa), ornitólogo e apaixonado pela oceanografia. Criou o Aquário Vasco da Gama e não consta que tenha alguma vez violentado o "seu" povo. O seu maior erro foi ter confiado o país ao Rotativismo enquanto procurava remediar diplomaticamente o desastre do Ultimato Inglês. A monarquia portuguesa estava condenada, e se tivesse sobrevivido seria como as actuais caricaturas monárquicas que ainda sobrevivem na Europa: cara, inútil e pirosa. No entanto, o modo como foi removida das nossas preocupações continua a ser uma nódoa negra cultural da qual, no fundo, existe uma espécie de remorso nacional mal disfarçado.

Sobretudo agora que os políticos, devidamente aconchegados pela propaganda mediática, passam a vida a falar de terrorismo, não se percebe como o atentado que vitimou o rei português e o seu filho primogénito possa ser ainda hoje motivo de orgulho de alguns, ao ponto de terem enterrado um escritor pretensioso no Panteão Nacional, quando se conhece perfeitamente a conivência fanfarrona de Aquilino Ribeiro no indecoroso e traiçoeiro acto.

Elogiar Aquilino Ribeiro e a República, ao mesmo tempo que se assinam acordos anti-terroristas com a Espanha, sem um acto de contrição relativamente ao regicídio, continua a comprovar quão boçais são e perdidas estão as nossas elites políticas e culturais. Não lhes auguro nada de bom, e isso é mau para todos nós.

OAM 257, 05-10-2007, 20:00

Post-scriptum

08-10-2007. Lei das Sesmarias. Nuno Cardoso da Silva é um radical de esquerda e publica um blog oportuno sobre o país e o mundo que temos, vistos pelo óculo imprevisto de um monárquico revolucionário!
Em 5 de Outubro de 1910 uma pseudo-revolução derrotou uma pseudo-monarquia para implantar uma pseudo-democracia sob forma pseudo-republicana. O que não ficou na mesma ficou pior, com talvez a excepção da área da educação. Noventa e sete anos depois não há nada para comemorar, mas talvez valha a pena reflectir sobre o tema da Revolução.
OAM 257, 08-10-2007, 18:28

quinta-feira, outubro 04, 2007

Portugal 10

Absolut Corruption
Corrupção Absoluta: substitua a pandilha de Bush por vilões locais.

Vozes socialistas
João Cravinho acusa o PS de "absoluta incompreensão" do fenómeno da corrupção. 04.10.2007 - 09h50 Lusa
Apesar de estar em completo desacordo com a teimosia de Cravinho pela Ota, apoio-o na sua vontade de lutar contra a corrupção. Ver em tal combate mais um perigoso sintoma de populismo seria um erro fatal.

A posição publicitada ontem por Carlos César, presidente da Região Autónoma dos Açores -- a já célebre "união de facto" com Alberto João Jardim --, a propósito do amadorismo do "subsistema" governamental criado por Sócrates, em temas tão sensíveis como o da cedência de soberania marítima portuguesa (ver reacção de António Brotas ao projecto de Tratado Constitucional Europeu), ou o da falta de uma política de transportes adequada às regiões autónomas, e sobre a qual estas deveriam ter uma palavra bem mais activa, também não é uma manifestação de populismo, mas apenas um sinal de partida para a necessária transparência, simplificação, descentralização e responsabilização do nosso sistema político.

A TAP voa cada vez menos para Faro e Porto, e vai voar cada vez menos para o Funchal. Em 2008 poderá perder mais de 500 mil passageiros para as ligações ponto-a-ponto. O seu crescimento efectivo actual, na ordem dos 3% (e não 6%, como demagogicamente anunciou a sua obscura administração), irá continuar a ser erodido pela tenaz montada pelas principais Low Cost que vêm atacando o mercado português: easyJet e Ryanair. Se não agir depressa e bem, a transportadora aérea do Estado português ficará muito brevemente na mesma situação da Alitália, i.e. à venda, mas sem comprador!

A SATA, por sua vez, corre igualmente o risco de desaparecer, ou de reduzir drasticamente o âmbito das suas actividades, já que a sua situação financeira e perspectivas não devem andar longe das da Portugália Airlines pouco antes de o Ricardo Salgado a ter impingido a José Sócrates. A SATA precisa de atenção urgente. Uma possibilidade seria transformá-la numa espécie de mini Low Cost voando sobre as ilhas da Macaronésia, beneficiando para tal de apoios europeus especiais. Quando decidir aliviar o seu actual lastro de prejuízos, poderá colocar as ligações ponto a ponto com a Europa e a América no mercado. Faz sentido? Seja como for, quanto mais tarde se pensar no problema, mais caro custará aos contribuintes do continente e sobretudo das ilhas a solução deste problema.

O país precisa de acautelar frontal e rapidamente cinco problemas cruciais para o seu futuro:
  1. segurança energética e hídrica (atenção ao controlo nacional dos recursos!)
  2. segurança alimentar e biológica em terra, nos rios e no mar
  3. sistema de transportes (ferroviário, aéreo, automóvel e marítimo-fluvial)
  4. soberania marítima (territorial, energética, biológica, alimentar)
  5. sustentabilidade dos seus principais tecidos urbanos
Se exceptuarmos a questão energética e das águas, onde têm sido dados passos certos, nas demais áreas críticas está tudo por fazer. Não vale a pena pensar na prioridade da educação e da qualificação dos recursos humanos, na competitividade, no emprego ou na saúde, se não tivermos um horizonte claro de prioridades estratégicas. É em função destas que tudo o mais se organiza e prepara, e não pondo a realidade de pernas para o ar, como fazem os partidos de direita e os empresários subsídio-dependentes ao exigirem obras públicas sem mais (aeroportos, barragens, tanto faz!), e como fazem os partidos de esquerda ao exigirem menos despedimentos e mais emprego, sem pensarem um minuto porquê? e para quê? A ausência de uma visão clara é o que precisamente nos conduz para os becos sem saída do populismo... e da corrupção.

No que se refere a corrupção, em cerca de 194 países, Portugal encontra-se na posição 29, com 6,5 pontos, numa tabela de 0 a 10, de acordo com os critérios da Transparency International. Algumas outras pontuações de referência: Espanha = 6,7; EUA = 7,2; Dinamarca (melhor classificada) = 9,4; Angola = 2,2: Somália = 1,4. Em termos europeus, porém, a posição portuguesa é preocupante, na medida em que temos 17 países melhor classificados que nós. O segredo para a superação desta medíocre situação passa por quatro vectores essenciais: fim da promiscuidade entre poder económico e poder político, maior transparência, simplificação e publicitação dos processos, definição clara das regras de incompatibilidades e celeridade nos processos judiciais. Será preciso uma monitorização parlamentar do combate à corrupção? Muito provavelmente, sim.

No que ao fenómeno do populismo se refere, é preciso dizer que está entre nós há muitos anos, como uma espécie de gripe, que ataca mais fortemente quando baixam as defesas naturais do organismo social.

OAM 256, 04-10-2007, 16:38

Post scriptum -- Corrupção e Bonapartismo - o caso que se segue

O grupo parlamentar do PS ficou escandalizado com as acusações de Cravinho e veio a terreiro defender-se, falando de inversão do ónus da prova e de outras iguarias demagógicas.
Mas não foi precisamente o pacto entre o PS e o PSD (pelo qual o PP de Portas certamente anseia) que acaba de restringir drasticamente a possibilidade de realização e divulgação de escutas telefónicas?
Mas não foi este governo, apoiado pela sua maioria parlamentar
(como sempre) de cócoras, reforçada pelo sim angélico de Marques Mendes, que desenhou de facto as novas leis contra a liberdade de imprensa, precisamente na zona onde a liberdade deveria ser completa, i.e. a divulgação de crimes públicos de abuso de poder, corrupção económica, pedofilia, raptos e assassínios?
E não é verdade haver suspeitas razoáveis de que o actual chefe do governo não só prestou informação contraditória sobre as suas habilitações literárias, como usou indevidamente o título de engenheiro, tendo-se abatido sobre este escandaloso caso um manto de silêncio fabricado?
E não é verdade que ninguém explicou até hoje como foi possível a dita Autoridade da Concorrência ter autorizado a extraordinária compra
de uma empresa privada inviável (a PGA) por uma empresa pública igualmente em dificuldades e sem rumo estratégico (a TAP)?
E não é óbvio que os chamados PIN (Projectos de Potencial Interesse Nacional) subvertem de forma grosseira o princípio da generalidade e universalidade das leis, em nome de decisões discricionárias da competência exclusiva do governo?
E não cheiram mal as manobras de esvaziamento dos processos de pedofilia, de branqueamento de capitais e de tráfico de influências em curso?
Será preciso que tudo o que não deve acontecer nas relações entre interesses económicos e política comece por ser analisado pela blogosfera, para depois, face à acumulação de indícios e perplexidades, o país tradicional comece a reagir?
Já agora: que aconteceu ao Zé? Desde que o ex-ministro da Administração Interna se deslocou para a Câmara Municipal de Lisboa que não lhe ouvimos uma lamúria. Diz a tudo que sim! Estará bem para ele, e para o Bloco de Esquerda, a trapalhada do Sporting? Estará bem para ele, e para o Bloco de Esquerda, enviar os doentes de cancro para o corredor de aterragem/descolagem dos aviões da Portela, que, como é sabido, vai estar a funcionar, pelo menos, até 2015-2020?
Há quem defenda insistentemente que Cavaco um dia destes poderia mesmo invocar o não regular funcionamento das instituições, para chutar a actual maioria sócratintas para o caixote do lixo da história. Pelo caminho que as coisas estão a tomar, nada melhor do que a actual degradação da Justiça Portuguesa, a par da tentativa de captura do Estado por um bloco "mexicano" de poder tendencialmente incompetente, discricionário, prepotente e corrupto, para justificar a mais do que provável evolução do actual sistema político para um verdadeiro presidencialismo. O povo, o tal que os anti-populistas temem, agradecerá. O novo presidencialismo português não será porém semelhante ao bonapartismo da Primeira República. Os modelos serão outros e estão à vista de todos, na Europa e nos Estados Unidos (para não citar o Brasil, que pode ofender os mais sensíveis.) Por mim, seria melhor que o Bloco Central se escaqueirasse e desse lugar a quatro partidos programáticos decentes, em vez de continuarmos nesta pepineira terceiro-mundista, fazendo sonhar mais de um "sebastianista" pós-moderno!

OAM 256, 04-10-2007, 23:55

quarta-feira, outubro 03, 2007

Portugal 9

Açores, São Miguel - plantação de chá Gorreana
Açores, São Miguel - plantação de chá Gorreana (23-06-2006)

Coisas importantes (e vão cinco...)
Presidente açoriano acusa Governo de descurar o país devido à presidência da UE
03.10.2007 - 09h02 PUBLICO.PT

O Governo da república estará demasiado ocupado com a presidência da UE e a descurar a governação do país, na opinião do presidente do Governo Regional dos Açores, o socialista Carlos César.

O presidente do executivo açoriano, citado pela rádio TSF, considera ainda que o país está a ser governado por um subsistema de ministros sem peso político e de directores-gerais que não representam necessariamente a linha política do Governo nacional, nomeadamente no que respeita às regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

Carlos César fez estas afirmações ontem à noite no Funchal, onde se encontra para participar na XIII Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas da União Europeia. E justificou-as com o forte envolvimento do primeiro-ministro, José Sócrates, e dos seus principais ministros na presidência portuguesa da UE, que se iniciou em Julho e vai até ao fim de Dezembro.

Na ocasião, César estava reunido com o presidente da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim, que disse que as duas reigiões estão agora em união de facto. "Foi um namoro de doze anos, doze anos a namorar, a mandar pérolas um ao outro", disse Jardim. "E agora passou-se, não propriamente a um casamento, [mas a uma] união de facto política", rematou o presidente açoriano.

Creio que Alberto João Jardim começou finalmente a fazer escola quanto à interpretação dos poderes locais e regionais. Primeiro, foi a guerra de Rui Rio contra os capangas do futebol e a subserviência canina dos políticos portugueses à imbecilidade do esférico, a que se seguiria o distanciamento do autarca face aos queques-cortesãos; depois, seguiu-se a maratona de Luís Filipe Menezes contra os pés-ligeiros do seu partido; por sua vez, António Costa, que deve estar horrorizado com o que até agora viu na Câmara Municipal de Lisboa, e sabe que não pode reduzir o seu mandato a cosméticas ridículas -- Terreiro do Paço sem carros, pintura das passadeiras, ou a fantochada da tolerância zero ao estacionamento ilegal (continua tudo na mesma) --, acaba por comprar uma guerra contra Sócrates por causa da urbanização discricionária do porto de Lisboa, preparando-se para voos futuros; entretanto, Manuel Maria Carrilho avisa os seus correlegionários sobre o perigo da liquefacção partidária; em suma, e para culminar, Carlos César abraça Alberto João Jardim e ambos anunciam uma "união de facto" contra o cabotinismo de quem redige o tele-ponto de Sócrates. Populismo? Pois sim, populismo q.b., para aplacar a ignorância, a irresponsabilidade, a leviandade e o sórdido patuá ("tio Jorge", "patrão", "gato constipado") que as elites urbanas e sub-urbanas do Bloco Central e apêndice desenvolveram ao longo das últimas duas décadas para se haverem com os negócios do país. Como do futuro da nossa integração europeia já só se adivinha o fim dos fundos, a divergência, a defecção e facadas traiçoeiras, o melhor mesmo é promover e garantir uma saudável descentralização democrática dos orçamentos e das decisões.

O país resolve-se com uma regionalização clara e assumida por todos, assente em seis vértices de peso -- as cidades-região de Lisboa e Porto, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, o Algarve e o cordão das regiões transfronteiriças --, a par da intensificação requalificada do poder local. Ao estado central deverá caber sobretudo a obrigação de produzir uma visão inteligível do país, a regulação dos equilíbrios entre os vários centros de poder e regiões, a integração nacional, a soberania, a solidariedade e a justiça. Tudo o resto pode e deve ser descentralizado e ou regionalizado, potenciado-se desta forma a criatividade, a emulação e a responsabilidade portuguesas.

Creio que conheço o país todo, e por isso tenho a convicção plena de que em Portugal não existe qualquer género de ameaça interna à coesão nacional, uma só quebra de solidariedade nacional que seja. Somos todos portugueses e isso sente-se por toda a parte. É um bem inestimável nos dias que correm e devemos honrá-lo com exigência. Daí que o nervosismo dos inside traders pacóvios do país já não convença ninguém. A brutalidade da afirmação de Pacheco Pereira, comparando os vencedores das eleições directas do PSD ao Gang do Multibanco (1), testemunha até que ponto a sarna partidária que este medíocre intelectual representa está desesperada com a evolução do mundo e do país. Eu se fosse o Menezes, punha-o hoje mesmo na rua do PSD. Para não empatar mais a vida do PPD-PSD, que bem precisa de mudar de rumo.


Notas
1 - Assisti entretanto à Quadratura do Círculo desta noite. As afirmações de Pacheco Pereira foram mesmo provocatórias. Comparou a gente que trabalhou para a vitória de Luís Filipe Menezes nas eleições directas da passada Sexta-Feira ao famoso Gang do Multibanco, explicando que se tratava de uma espécie de tropa de choque sem escrúpulos, ávida de poder e disposta a decapitar as inteligências brilhantes do partido (como a dele.) Talvez tenha razão, mas não pode tê-la mantendo-se como militante do partido que tão radicalmente ataca, usufruindo, precisamente por essa condição, de uma representatividade mediática que lhe é conferida informalmente pelos indigentes média que temos, mas a que em rigor não tem nenhum direito. Só num país onde a pequena corrupção se tornou um estado natural, é que ele, o Marcelo Rebelo de Sousa, o Jorge Coelho ou o Paulo Portas podem entrar pelas nossas casas dentro, tranquilamente, como comentadores políticos. Ora esta gente não faz parte da classe dos moldadores de opinião (ou por outra, faz, mas indevidamente!) Eles são, pura e simplesmente, agentes de propaganda ao serviço de interesses puramente partidários. Como tal podem e devem ser ouvidos pelos média. Como observadores independentes, nunca! -- 4-10-2007, 00:50


OAM 255, 03-10-2007, 07:15

segunda-feira, outubro 01, 2007

Portugal 7

Yulia Tymoshenko, líder da Revolução Laranja, Ucrânia, 2007
Yulia Tymoshenko, líder da Revolução Laranja, Ucrânia, 2007

O Populismo Laranja

Populism is a political doctrine or philosophy that purports to defend the interests of the common people against an entrenched, self-serving or corrupt elite. Wikipedia (en)

Chamam-se de populismo uma série de movimentos políticos que propõem-se a colocar, no centro de toda ação política, o povo enquanto massa, em oposição - ou ao lado - dos mecanismos de representação próprios da democracia representativa. Wikipedia (pt-br)

El populismo es un término político, para designar corrientes heterogéneas pero caracterizadas por su aversión a las élites económicas e intelectuales, su denuncia de la corrupción política por parte de las clases privilegiadas y su constante apelación al Pueblo. Wikipedia (es)

Le populisme désigne un courant politique, critiquant les élites et prônant le recours au peuple (d'où son nom), s'incarnant dans une figure charismatique et soutenu par un parti acquis à ce corpus idéologique. Il suppose l'existence d'une démocratie représentative qu'il critique. C'est pourquoi ses manifestations ont réapparu avec l'émergence des démocraties modernes, après avoir connu selon certains historiens une première existence sous la République romaine. Wikipedia (fr)

Os barões do PSD acordaram de um pesadelo. Chama-se Populismo. José Pacheco Pereira convidava há dias esta gente indecorosa a sair do partido. Talvez seja o momento de ser ele a sair, quanto mais não seja por sentir que a maioria dos militantes do PSD deseja, como reconheceu Marcelo Rebelo de Sousa, precisamente, um PSD mais populista, ou seja, menos conformista, menos amiguista, menos nepotista, menos incestuoso e mais PPD, embora porventura menos notívago, menos homofóbico, menos preguiçoso, menos mediático e menos vago que o populismo de Santana Lopes. Terá Pacheco Pereira coragem para mudar-se? Mas para onde? Esta é a pergunta que toda gente graúda do PSD que ainda não trabalha com o PS ou para o actual governo Sócrates faz depois da vitória de Luís Filipe Menezes.

O papão do populismo não passa disso mesmo: de um papão. Não convém, por isso, exagerar a sua importância.

Em primeiro lugar, porque a matriz ideológica e social do PPD-PSD é geneticamente populista, na modulação muito própria que lhe foi dada desde o início por Francisco Sá Carneiro, e que o Cavaquismo I não eliminou, em boa medida porque o Cavaquismo I, com um modo de estar na política mais conservador (embora num quadro de regras obviamente democráticas e com um jackpot financeiro a ajudar), durou apenas o tempo da ilusão dourada permitida pelos gigantescos afluxos de moeda dos primeiros dois Quadros Comunitários de Apoio (1989-93 e 1994-99), que a entrada no Euro em 2002 viria a desfazer progressivamente, à medida que fomos percebendo que uma inflacção não declarada, tornada imperceptível através da brutal diminuição das taxas de juro, mas não menos real, de 300% a 500%, se foi abatendo insidiosamente sobre o cabaz de compras quotidianas à medida que a transição dos escudos para os euros foi tendo lugar. Basta pensar (apesar da escassez de informação publicada) na evolução dos preços do pão, leite, café, massa, arroz, peixe, carne, ovos, fruta, vinho, azeite, salsa e coentros! A convergência ilusória do nosso desenvolvimento com a média comunitária desaparecera, e no seu lugar fomos tendo deslocalização de empresas, desemprego, falências, descontrolo da dívida pública, corrupção à vista e muita miséria envergonhada.

Ou seja, regressados à divergência com a Europa melhor organizada e rica, os portugueses deparam-se hoje com um poder sucessivamente incapaz de lhes resolver os problemas, sem norte, fracturado, e onde a cada dia que passa se acumulam os escândalos e os encobrimentos. Os políticos que enriqueceram à custa da democracia sumiram-se nos conselhos de administração de empresas outrora públicas e hoje parcialmente privatizadas, ou permanecem camuflados no seio de companhias e institutos ineficientes, irresponsáveis e progressivamente inviáveis. Em geral, tais oportunistas não querem ouvir falar de política, e só puxados a ferros aceitam dar a cara pela coisa pública. O comportamento dos barões do PSD é a este título o mais escandaloso dos exemplos. E é pois neste contexto que novos afloramentos de tipo populista são inevitáveis, não apenas num partido geneticamente populista, como o PPD, mas também no PS, como avisava precocemente Mário Soares num comentário alarmista sobre a eleição de Luís Filipe Menezes.

Em segundo lugar, não devemos afunilar a discussão do futuro do PPD-PSD para o tema, aliás cada vez mais actual e interessante, do populismo(1), entre outras razões, porque há populismos para todos os gostos. Populismos históricos (Espartacus, Júlio César), de esquerda (Perón, Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Evo Morales, Hugo Chavez, Néstor Kirchner), de extrema-esquerda (Fidel Castro, Daniel Ortega), de centro (Theodore Roosevelt, Charles de Gaulle), de direita (Margaret Thatcher, Nicolas Sarkozy, Alberto João Jardim), de extrema direita (Jean Marie Le Pen) e pós-modernos (Yulia Tymoshenko, Ségoléne Royal ou François Bayrou). Há mesmo quem defenda que nenhum regime político ou formação partidária escapa aos tiques populistas, nomeadamente desde que a profissionalização do marketing e das relações públicas tomou conta dos discursos e das aparências dos políticos. Ora a origem clássica do populismo informacional aplicado ao exercício da acção política encontra-se plenamente estabelecida desde a colaboração do sobrinho de Sigmund Frëud, Edward L. Bernays, com o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt, e a publicação, em 1928, do seu livro seminal, Propaganda.

Eu não sei como vai aparecer hoje Luís Filipe Menezes. Creio que iria mal se desse demasiada trela a Santana Lopes, ou se mostrasse preocupação com posições passadas. Ao contrário de José Sócrates, que já prometeu e recebeu votos por tais promessas, lançando-as borda fora assim que chegou ao governo, o novo líder ainda não prometeu nada, e só começam a contar as promessas que fizer daqui para a frente. É uma verdade óbvia que só mesmo os atarantados barões e comentadores profissionais do PSD não entendem nesta difícil hora da derrota.

O que penso sobre uma possível trajectória útil do novo líder já o escrevi no artigo anterior sobre esta eleição. Não sou eleitor do partido laranja. Não tenho qualquer interesse pessoal no seu êxito ou fracasso. Limito-me a observar criticamente a situação e formular intimamente o desejo que não seja mais uma falsa partida e mais uma oportunidade perdida para a imprescindível e inadiável metamorfose do nosso sistema político-partidário.


Notas
1) Sobre este tema valerá seguramente a pena ler Twenty-First Century Populism: The Spectre of Western European Democracy, por Daniele Albertazzi, Duncan McDonnell, com data de publicação prevista para 26 de Dezembro de 2007. ($80.00 na Amazon)
Over the last decade, the main area of sustained populist growth has been Western Europe, with populist movements reaching new heights in countries such as France, Italy, Austria and Holland. Twenty-First Century Populism analyses this phenomenon by looking at the conditions facilitating the emergence and success of populism in specific national contexts and then examining why populism has flourished or floundered in those countries. The book also discusses the degree to which populism has affected mainstream politics in Western Europe and examines the inter-relationship between populism, political parties, the media and democracy. Containing chapters by a series of country experts and renowned political scientists from across the continent, this volume is the first to offer an in-depth account of the reasons behind the populist wave in twenty-first century Europe.

-- OAM 252, 01-10-2007, 02:45

sábado, setembro 29, 2007

Portugal 6

Luis Filipe Menezes
Luis Filipe Menezes, líder do PSD

O Partido do Norte?


Não sei, mas seria bom estudar qual o impacto da democracia electrónica --web, blogs, SMS (1)-- na vitória de Luís Filipe Menezes nas Directas que o levaram à direcção do PSD. Não tenho dados neste momento, mas suponho que o éter electrónico, a par do trabalho de sapa persistente do agora novo líder da Oposição, e da eficácia democrática das eleições directas, foram porventura decisivos para que o médico e presidente da Câmara de Gaia adquirisse de forma limpa e transparente as suas novas responsabilidades.

Os barões da Quinta da Marinha e algumas melgas que esvoaçam ao lado de Cavaco não gostaram. É caso para dizer: pois vão ter que adaptar-se, ou criar um novo partido. Até porque, ou muito me engano, ou vamos ter um PSD enérgico, assertivo e proponente na oposição ao governo Sócrates, colocando-se sucessivamente à esquerda deste em matérias sociais de primeiro plano (desemprego, saúde, equilíbrio regional, modelo energético, sustentabilidade e justiça), especialmente consciente da importância cada vez maior do poder local e regional para o equilíbrio e consistência da democracia portuguesa.

Colocando-se ao lado do povo (um populismo q.b.), das regiões e de uma defesa incisiva da integridade social do país, Menezes poderá fazer mossas imprevisíveis no Bloco Central. Se for por aqui, tem um futuro certo pela frente, sem precisar de entrar nas intrigas do Terreiro do Paço. Como um tipo do Norte que é, estará porventura melhor preparado para entender algumas questões estratégicas profundas que não entram, nem à força, nos neurónios de José Sócrates. Num certo sentido, é o grão de areia que faltava para fazer mover a roda encalhada do actual regime. Vamos esperar pelos efeitos. -- OAM 250, 29.09-2007, 01:25, 11:59

Ouvi o discurso de vitória. Pareceu-me arrancado a ferros. Mas é natural, se atendermos a que foi uma vitória suada contra um aparelho de notáveis bem instalados na vida, preguiçosos e oportunistas, boa parte dos quais passada ou à espera de passar-se para o vagão "socialista", atraída pelo canto cabotino de José Miguel Júdice. Bem vistas as coisas, a penetração social-oportunista profunda no PS começou há muito, e deu já como resultado palpável a subordinação deste partido ao ex-PSD José Sócrates. Num certo sentido, a alternativa de Menezes é uma e uma só: fazer reviver o PPD de Sá Carneiro (não a caricatura populista que dele faz Santana Lopes), i.e., um partido republicano enraizado, democrata radical e social-liberal, ou seja, uma forte organização partidária talhada para defender uma sociedade onde a muito pequena, pequena e média propriedade continuam a ser dominantes e resistem diariamente ao avanço demolidor e sem futuro da social-democracia plutocrata que tem hegemonizado o poder político europeu nas últimas décadas. Nunca como hoje, e no futuro que se aproxima, vertiginosamente, small is beautiful!

Defendo, como pão para a boca da democracia portuguesa, uma profunda alteração do actual panorama partidário. Precisamos de uma separação de águas no PS e no PSD, isto é, precisamos que estes partidos dêem lugar a quatro formações mais coerentes e programaticamente transparentes, todas elas com efectiva vocação governativa e aptas a formar coligações inteligentes. A existência de um joker, quer dizer, de um quinto partido, geneticamente europeu, no sentido de a sua geração ocorrer no quadro da formação em curso de um Partido Democrata à escala europeia, com directas europeias internas, um presidente europeu e 27 vice-presidentes nacionais, seria igualmente muito bem-vindo. Os partidos do táxi continuariam a andar de táxi e o PCP passaria também a andar de táxi.

Neste cenário, não creio que Luís Filipe Menezes deva perder um minuto sequer a estudar as contradições dos seus discursos passados. Estamos num tempo novo, e o que vale são as suas ideias para o futuro, agora que iniciou uma carambola monumental no sistema partidário português. Há questões de método e de estilo em que pode modernizar desde já o comportamento quotidiano dos actores políticos.

Por exemplo: estabelecer uma rotina inteiramente nova de comunicação com os média. Uma reunião semanal com os jornalistas, à americana, com jornalistas convidados e sem atropelo de vozes, faria toda a diferença.

Por exemplo: integrar de forma clara e clarividente a democracia electrónica no campo da sua acção política quotidiana.

Por exemplo, propor uma agenda política para o século 21, da qual conste um número limitado de grandes questões a enfrentar, e da qual decorreriam em cascata as políticas e os programas políticos conjunturais.

Por exemplo, contrapor ao actual governo uma agenda claramente alternativa, nomeadamente nas seguintes áreas:
  • política energética sustentável, baseada sobretudo num enorme esforço de eficiência energética, que será também uma excelente oportunidade de desenvolvimento, de muito emprego e de negócio;
  • política de transportes (que José Sócrates não tem), com o lançamento de um vasto programa de actualização/modernização/expansão da rede ferroviária urbana, interurbana, regional, nacional e internacional (pondo a ênfase na passagem completa da bitola ibérica para a bitola europeia, e na sincronização com Espanha da rede de Alta Velocidade e Velocidade Elevada), a qual traria desenvolvimento, muito emprego e grandes oportunidades de negócio à escala nacional, ibérica e europeia;
  • segurança alimentar, com especial ênfase numa política radical de precaução e controlo em matéria de biotecnologia;
  • saúde pública, recuperando a universalidade, nomeadamente territorial, do Serviço Nacional de Saúde, sem que para tal tenha que ir atrás de qualquer interesse corporativo instalado;
  • defesa criativa das vantagens da pequena escala num futuro de energias caras, promovendo o aumento do poder e das responsabilidades das autarquias, e a modernização social e tecnológica da pequena propriedade e da pequena empresa;
  • defesa intransigente do projecto europeu, nomeadamente no que se refere à consolidação da ideia de que uma Europa com peso pacificador no mundo precisa de ir, pelo menos, de Lisboa até Kiev e Istambul, e se possível, integrar no seu espaço privilegiado de democracia, Marrocos e Cabo Verde.
O PSD de Menezes é e continuará a ser um partido nacional. Mas isso não significa que deixe de ser um partido para quem uma visão estratégica completa do país é cada vez mais decisiva nas decisões do dia a dia. Portugal não pode continuar no "nim" sempre que fala com Espanha. Tem que saber o que quer e defender as suas posições. Portugal é o flanco extremo ocidental de um potência em ascensão chamada Europa, e tem que assumir essa responsabilidade. Em termos de geometria, há claramente uma letra grega que define a nossa estrutura óssea estratégica: é a letra π (Pi), quer dizer, um eixo litoral atlântico, de Valência a Sagres (que se prolonga a Norte, pela Galiza) e dois eixos transversais que seguem para Espanha e o resto da Europa: o eixo Lisboa-Madrid-Barcelona-França-resto da Europa e o eixo Porto-Aveiro-Salamanca-San Sebastián (Donostia)-França-resto da Europa. Por outro lado, o desenvolvimento da regiões transfronteiriças entre Portugal e as regiões da Galiza, León, Extremadura e Andaluzia é igualmente fundamental para o futuro estratégico do país, não se podendo permitir (como está fazendo o actual governo) que a fuga do Estado português às suas responsabilidades para com a longa faixa de contacto entre Portugal e Espanha acabe por fazer objectivamente regredir a fronteira das nossas responsabilidade colectivas como nação antiga e mais velho estado ibérico consolidado. Ser europeu não significa desistir da história. Creio que Menezes perceberá melhor o significado desta questão que o parvenu que hoje ocupa o cargo de primeiro ministro de Portugal.

-- OAM 250, 29.09-2007, 01:25, 13:15


Notas
1 - A falta de actualização (e o desenho pobre), tanto do sítio web como do blog de Luís Filipe Menezes, após a sua vitória nas eleições que o levaram à direcção do PSD é sinal de amadorismo que conviria ultrapassar quanto antes.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Portugal 5



Um país de doidos...

A história conta-se numa frase: Santana Lopes foi convidado pela SIC Notícias para comentar a actual situação política portuguesa e em particular o estado calamitoso do seu partido, provavelmente à beira de uma cisão Norte-Sul, mas decidiu abandonar o estúdio depois de ser interrompido, sem aviso público prévio de que tal poderia ocorrer, por causa da chegada ao aeroporto da Portela do mais bem pago treinador de futebol do mundo -- José Mourinho.

Então a SIC não sabe o que são rodapés?! Tinha mesmo que interromper (por ordem de Ricardo Costa) um convidado de um noticiário seu, para mostrar uma cambada de baratas tontas atrás dum treinador de futebol mudo, de costas e pago com o ouro roubado ao povo russo por um crápula doentio chamado Roman Abramovic?! Não chegam já as horas a fio que tem dedicado ao tema, como se fosse uma coisa importante para o país?

Pelo bar-amostra que tenho diante de minha casa, onde uma módica massa cinzenta por lá se junta diariamente, entre imperiais, atropelos gramaticais e gritos, o mundo é uma bola de ouro, pela qual vibra que nem uma igreja em êxtase. Nenhuma das criaturas psicologicamente aturdidas que frequentam aquele e outros bares deste país parece saber que o bezerro que move a bola é um bandido. E lá vão cantando, chorando e rindo...

O comentador desportivo Santana Lopes (espécie de Menem alfacinha) marcou, inesperadamente, um golo. Disse, na sua qualidade de putativo candidato à liderança de um novo partido populista-liberal, que o país está doido (o que é verdade), e mandou a Ana Lourenço (a profissional de comunicação mais sexy da TV) às urtigas.

Portanto, já não são só o Ricardo Salgado e o Luís Filipe Vieira quem mandam Pinto Balsemão - dono da Impresa e selecto convidado do poderoso Bilderberg Group - às urtigas. Sinal dos tempos... -- OAM 247

quarta-feira, setembro 26, 2007

Portugal 4

Palácio de Belém, Gabinete de Trabalho do Presidente
Palácio de Belém, Gabinete de Trabalho do Presidente

Poder: cenários futuristas

Não pertenço à classe de portugueses que inclui Manuel Maria Carrilho (MMC) entre os seus inimigos de estimação. Enquanto foi, foi um bom ministro da cultura, num país inculto, preguiçoso, ciumento e subsídio-dependente. Quem lhe sucedeu, ou foi gente cuja memória pura e simplesmente se apagou, ou são criaturas que confundem efusivamente dromedários, especuladores sem escrúpulos e a falta de ideias com política cultural.

Por outro lado, Carrilho denunciou a tempo e horas a balbúrdia da autarquia lisboeta e os seus desavergonhados protagonistas, sem que uma agulha bulisse na quieta melancolia dos apparatchiks do caminho, até que se incendiaram! A crise partidária, por outro lado, não parece ter remédio, nem no CDS/PP, nem no PSD, nem no Bloco, nem (ver-se-à muito em breve...) no Partido Socialista. Embora com pinças, o actual vice-presidente da bancada parlamentar do PS decidiu que era o momento certo para iniciar um debate público sobre os principais desafios que o país enfrenta:
-- o seu atraso económico (não confundir com crescimento do PIB), político e cultural;
-- a desorientação intelectual aflitiva que parece ter-se apoderado de todos nós, sobretudo quando é patente a crise sistémica global em que o mundo acaba de entrar em consequência da loucura imperial norte-americana e do cada vez mais irritante e perigoso anti-europeísmo das sombras rothchildianas que há muito comandam os destinos do Reino Unido;
-- a preocupante falta de visão estratégica, por parte de Portugal, face à Europa e ao seu flanco ocidental (Reino Unido, Espanha, Portugal);
-- em suma, a liquefacção do actual sistema politico-partidário.

Seleccionei as passagens que me pareceram mais sintomáticas das preocupações de MMC: a iminência de uma implosão do actual sistema partidário, face à qual as dissidências conhecidas parecem fraca alternativa (Manuel Alegre, Helena Roseta, Carmona Rodrigues); a necessidade de um "golpe de asa" na acção do governo de José Sócrates, com a suspensão de projectos inviáveis (como a Ota, digo eu), a correcção de mira noutros e sobretudo novas ideias e iniciativas (por exemplo, um plano ferroviário e aeroportuário urgente, com pés e cabeça, digo eu); e, por fim, a eleição de uma prioridade agregadora em volta dos adjectivos qualificação e qualidade, com direito a ministério próprio.

Sobre a crise partidária, um tema sobre o qual escrevi mais de uma vez e a que volto neste ensejo, insisto nesta ideia chave: ou o actual sistema partidário se reforma, ou teremos forçosamente pela frente um presidencialismo cada mais insidioso, de que o cavaquismo II pode muito bem ser (está a ser...) a rampa de lançamento, e que, no quadro de um crise sistémica (própria e importada), acabará por ser bem-vindo. A maioria de 2/3 para a necessária revisão constitucional não é sequer grande obstáculo a este cenário. Basta que uma maioria clara da opinião pública e parte importante dos empresários do país estejam em sintonia, para que tal "correcção" do sistema ocorra.

O cenário da alteração do quadro partidário, por sua vez, embora parecendo à partida improvável, nomeadamente por causa da debilidade dos protagonistas até agora expelidos do sistema pelas contracções inevitáveis dos actuais aparelhos de poder (corporativo, político e partidário), tem teoricamente pernas para andar. O sistema partidário divide-se basicamente entre duas tipologias de acção política: a situacionista, confundida quase exclusivamente com o Bloco Central (principal responsável das grandezas e misérias do regime); e a pseudo-oposicionista, na qual cabem, com o mesmo tipo de acção e de resultados, o CDS-PP, o PCP e o Bloco (principais responsáveis pela falta de soluções alternativas ao pântano do Bloco Central.)

Nenhum dos pequenos partidos exerce qualquer influência no curso dos acontecimentos, mas a ânsia de todos eles de subirem a sebenta escada da respeitabilidade parlamentar levou-os ao mais completo descrédito: não pensam nas coisas, não propõem soluções, não decidem nem mandam, mas dispõem-se a compromissos baratos mal lhes acenam com uma qualquer cenoura de respeitabilidade. Daí que, à excepção do PCP (um fóssil cada vez mais imprestável,) os demais corpúsculos partidários, embora impossibilitados de mover uma pedra, podem ser atraídos por forças renovadoras que eventualmente surjam do interior, seja do PS, seja do PSD.

Em tempos pareceu que Santana Lopes poderia atrair Paulo Portas para formarem um partido liberal capaz de partir ao meio o PSD. Noutro momento parecia que Manuel Alegre, e depois Helena Roseta, poderiam conjurar uma cisão oportuna no PS, atraindo para a nova formação parte do Bloco de Esquerda (coligação estagnada num emaranhado de contradições e oportunismo.) Nada disto veio a suceder, nem parece que possa ocorrer, desta maneira, no futuro. Mas uma coisa é certa, e nisto MMC tem plena razão, o actual sistema partidário entrou num ralo implosivo, de que nem o PCP se salvaguardará completamente. Por onde irá o mesmo quebrar e renovar-se, para evitar a implosão, eis o que resta adivinhar.

O ideal seria que o actual sistema parlamentar pudesse contar rapidamente com quatro ou cinco partidos de vocação governamental, isto é, formações ideologicamente diversas, mas analíticas, propositivas e pragmáticas. O velho PS deveria cindir-se em duas modalidades de social-democracia (uma mais socialista, no sentido estatizante da palavra, que incluiria gente descontente do Bloco; e outra mais social-democrata, que corresponderia à clique filo-macaense que domina o PS desde o saneamento de António Guterres.) Por sua vez, o exangue PSD deveria quebrar ao meio tão cedo quanto possível (o ideal é que fosse já, na sequência do fiasco proporcionado por Luis Menezes e Luis Marques Mendes), dando lugar a um partido liberal em Lisboa (com incorporação de parte significativa do actual CDS-PP) e a um partido social-populista no Porto, regionalista, centrado na defesa do Norte do país, que bem precisa! O quinto partido, provavelmente de inspiração presidencial, seria imaginado à imagem e semelhança dos partidos centristas e europeístas anunciados em França, na Itália e em Espanha, tendo por principal vector a ideia de que são necessários novos partidos geneticamente europeus, capazes de produzirem a tão almejada, necessária, mas longínqua unidade estratégica europeia. Neste quadro, o PCP, o BE e o CDS-PP, ou o que destes parques jurássicos sobrasse, dificilmente teriam possibilidades de regressar às áreas institucionais do exercício do poder. Seriam, de facto, as principais vítimas desta necessária metamorfose do sistema político-partidário português.

O momento é propício e exigente. A sociedade encontra-se à beira de um ataque de nervos, e a economia também. Nunca, nos últimos dois séculos, esteve a humanidade perante escolhas civilizacionais tão decisivas: onde começa e acaba a vida? onde começa e acaba o indivíduo? onde começa e acaba a família? onde começa e acaba a sociedade? onde começa e acaba a responsabilidade social? onde começa e acaba a política? onde começa e acaba a prevalência da inteligência humana sobre as demais inteligências e a inteligência global da Terra (Gaia)? Ainda iremos a tempo de evitar o grande colapso da humanidade? Poderemos evitar o aquecimento global? Seremos capazes de instaurar um sistema de eficiência energética à escala planetária? Seremos capazes de reduzir drasticamente as nossas expectativas consumistas? Seremos suficientemente humildes para regressar ao equilíbrio demográfico da nossa própria espécie, deixando espaço vital às demais formas de vida, de que dependemos absolutamente? Seremos capazes de aprender a morrer, deixando morrer a volúpia puritana e assassina do capitalismo? Ou será que iremos preferir o caminho do extermínio fratricida?

Os caminhos do futuro não estão traçados. A crise, se não se agravar subitamente, potenciará a diversidade dos pensamentos e das soluções. Portugal, se não quiser acabar os seus dias numa apagada e vil tristeza, tem aqui uma oportunidade para se renovar a sério. Assim haja coragem! -- OAM 246


Post Scriptum -- Cavaco Silva, por ocasião da segunda reunião do Conselho para a Globalização, uma sua iniciativa, lançada há cerca de um ano, e que terá segunda edição brevemente, sob o tema "Pensar Global, Agir Global", defende três eixos prioritários de reflexão e iniciativa: inovação, competência e flexibilidade. O primeiro, tem sobretudo que ver com estratégia e conhecimento intensivo; o segundo, prende-se com as ideias de Manuel Maria Carrilho sobre qualificação e qualidade; a flexibilidade, por fim, emana de um pragmatismo político associado à defesa de uma ética do capitalismo ("o crescimento económico fundado na destruição social é inaceitável" -- Cavaco dixit.)

Nada disto é fácil, ou dito doutro modo, para que qualquer destes objectivos possa ser alcançado, o caminho para lá chegar não passa por regar mais dinheiro público sobre os problemas e esperar que alguma coisa medre, mas por seleccionar criteriosamente os passos a dar, definindo um conjunto estratégico de unidades de missão e de projecto, um número limitado e muito exigente de parcerias público-privadas transparentes, sustentáveis e rigorosamente avaliadas, a simplificação e responsabilização da administração pública, e a extinção das escandalosas mordomias que ainda beneficiam um número incompreensível de burocratas e faunos de partido. Para aqui chegar, o primeiro que se pede aos políticos é que sejam políticos, em vez de falsos engenheiros ou inside traders, isto é, que definam publicamente o que pensam e que propostas têm para resolver os problemas mais agudos que afligem a nossa sociedade. O tempo escasseia.


ENCRUZILHADAS DO REFORMISMO
Manuel Maria Carrilho, ex-ministro da cultura e vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista

(extractos)

A IMPLOSÃO PARTIDÁRIA

"Poucos o pressentem ainda, mas estamos na concha de uma vaga que pode trazer muitas e assinaláveis surpresas nos próximos tempos.

Por isso, nesta "rentrée", e na perspectiva do que se poderá passar até ao Outono de 2009, gostaria de destacar três aspectos, que me parecem dos mais decisivos: as ameaças que pairam sobre o sistema partidário, que ficaram claras com as eleições intercalares de Lisboa; a tensão entre expectativas e impasses que marcam a acção governativa, e que podem afectar o actual ciclo reformista; e a necessidade de dar forma a um novo impulso estratégico, que robusteça o ânimo e o rumo do Governo e do País." (...)

"É certo que é fácil criticar os partidos – mas é imperioso reconhecer que isso acontece porque eles estão mesmo mal!" (...)

"Da gigantesca abstenção até aos valores obtidos pelos “dissidentes”, da desmotivação dos cidadãos até à fragmentação dos eleitos, tudo veio ajudar a empurrar o descrédito partidário para limiares que podem ser verdadeiramente implosivos.
Porque a implosão está perto: ela apenas depende do agravamento de dois factores: por um lado, da ilusão que os independentes podem representar de um modo mais genuíno a sociedade civil na vida democrática. E, por outro lado, do bloqueador vazio que se vive no interior dos partidos, que se tornaram cada vez mais em organizações de eleitos sobretudo preocupados com a eleição seguinte." (...)

"Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência." (...)

"A situação exige assim que os partidos portugueses - e nomeadamente o PS, como maior partido português - encetem uma profunda transformação, se não querem que cada eleição os torne ainda mais frágeis, acossados entre o descrédito público, o ressentimento activo de alguns dissidentes e as ilusões de outros tantos independentes.
Ameaça que, no caso dos grandes partidos, os poderá condenar à gestão de maiorias relativas cada vez mais impotentes. Hipótese que se reforçará se – na linha de tantos sinais!… - os movimentos que estão em gestação “à esquerda” do PS e “à direita” do PSD, vierem a disputar as próximas eleições, em 2009. Para já não falar do novo «partido de Belém», ideia recentemente defendida por Villaverde Cabral e a fazer o seu caminho…" (...)

"A reconquista da credibilidade dos partidos e dos políticos passa hoje por uma porta estreita, que é a da coerência com que praticam aquilo que proclamam. O PS, talvez porque chegou inesperadamente ao poder em 2005, tem-se socorrido sobretudo de uma cultura, digamos, tecno-ministerial. Mas do que ele agora precisa, é de assumir a receita que prescreve para o país: ou seja, de se reformar a si próprio, dando esse exemplo e esse sinal ao país. (...)

"Reformar-se, dinamizando um - pelo menos um! - think-tank de referência e diversos blogs temáticos que promovam o conhecimento sério e estimulem o debate aberto e regular dos problemas do país e do mundo, criando para o efeito estruturas leves, dinâmicas, descentralizadas, lusófonas e internacionais."

EXPECTATIVAS E IMPASSES

"A meio do mandato, o que é preciso é apurar com o maior acerto possível o que é que se pode concluir, o que é aconselhável adiar, o que é urgente acelerar, o que é incontornável alterar. O país precisa desse balanço, bem como da clarificação de quais as opções que se mantêm para o futuro, e das que se modificaram fruto das circunstâncias e do debate público. E também daquelas em que é necessário improvisar e inovar." (...)

"Em suma, ninguém pode negar, honesta e realisticamente, a existência de tensões entre as expectativas dos portugueses e os diversos impasses que persistem. Tensões que são naturais nesta fase da legislatura, mas a que importa pôr cobro quanto antes, reforçando a confiança dos portugueses.
O que exige, para lá de determinação, um golpe de asa no sentido da renovação. Como afirmou G. Mulgan - que durante sete anos dirigiu o “gabinete de estratégia” de Blair - para um governo reformista, é vital que ele próprio se mantenha capaz de renovação. Joga-se aqui não só a sua credibilidade mas também, em geral, a sua duração. E este ponto é decisivo, porque nenhum reformismo triunfa sem um ciclo de duas ou três legislaturas."

O NOVO IMPULSO

"1 - que sejam afectados à qualificação dos portugueses pelo menos 50% dos recursos financeiros do QREN, e não apenas os 37 % que têm sido previstos. É certo que este valor é superior aos 26% anteriores, mas ainda é insuficiente para dar o salto que se ambiciona. Este salto impõe que se duplique aquela percentagem, bem como o empenho político neste objectivo.
2 - que o desígnio da qualificação dos portugueses se traduza num plano global, estruturado e coerente, para as áreas da educação (do pré-primário à Universidade), da formação, da comunicação, da ciência e da cultura.
Este plano deveria identificar-se com a ambição de transformar o país numa «Nova República», com um programa com que se deveria desde já preparar o próximo 1º Centenário da República em 2010, reinventando nas circunstâncias de hoje o que foi um dos grandes sonhos falhados de 1910.
3 - que se dê peso e força política a este desígnio nacional, institucionalizando um Conselho de Ministros para a Qualificação, sob a direcção de um Vice-Primeiro Ministro para a Qualificação."