E se um Estado da Zona Euro entrar em incumprimento, deixando de pagar as suas dívidas?
Tratado de Lisboa, Artigo 122.º — 2. Sempre que um Estado-Membro se encontre em dificuldades ou sob grave ameaça de dificuldades devidas a calamidades naturais ou ocorrências excepcionais que não possa controlar, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode, sob certas condições, conceder ajuda financeira da União ao Estado-Membro em questão. O Presidente do Conselho informará o Parlamento Europeu da decisão tomada.
Eurozone Meltdown — The default of a member state, an event not at all implausible, is very frequently cited as the trigger mechanism for the euro zone to breakup. Credit Default Swaps (CDS) for euro zone government bonds have been on the rise since September 2009 as shown in the figure (...), especially for Greece and Ireland. Bond spreads rose less dramatically, but this is not necessarily a conforting sign. CDS were an early indicator for Iceland’s financial troubles well before bond spreads reflected this. A country in default is unable to raise money on the primary bond market. Investors simply refuse to finance the country’s public sector deficits, or they drive up interest rates to such horrific heights, that the country can no longer afford to raise new finance. An escalation of this situation would occur, if a country needed to refinance existing short-term loans, and was not in a position to do so because interest rates had risen to punitive levels. — in "Scenario 1: A default by a small member state", Eurozone Meltdown, Eight Scenarios how the unthinkable might happen. By Wolfgang Münchau and Susanne Mundschenk; Euro Intelligence (3-4-2009).
Ao contrário das insistentes tentativas de exibir um sorriso confiante perante a actual crise sistémica e global do Capitalismo, os dados e os estudos continuam a mostrar que não há qualquer razão para optimismo. 2010 vai ser pior do que 2009, e depois teremos muito provavelmente pela frente (refiro-me sobretudo aos Estados Unidos e à Europa) uma década, ou mesmo vinte anos, de crescimento zero, com recessões e depressões abaixo de zero, e alguns breves períodos de crescimento medíocre, entre 1 e 2%. Não vale pois a pena deixar de discutir seriamente este enorme problema económico e financeiro, cujas consequências sociais, políticas e militares tenderão a ser cada vez mais explosivas. O aviso do moribundo Fidel sobre o que pode vir a ocorrer de novo na América Latina, ou a incontrolável questão muçulmana que ameaça lançar agora a China numa espiral de fragmentação nacionalista, ou ainda as bombas-relógio do Irão, da Coreia do Norte, mas também do Japão, Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Portugal, etc., não são de molde a sossegar ninguém com dois neurónios activos na caixa craniana.
O aspecto mais difícil de controlar da desencadeada crise sistémica global do Capitalismo é a sincronização inesperada, ou em que ninguém queria crer, de várias crises esperadas, cada uma das quais é, por si só, potencialmente catastrófica e de muito difícil resolução:
- a crise do modelo económico: crescimento baseado no consumo e na destruição do trabalho humano em larga escala;
- a crise do modelo financeiro, baseado no endividamento, na monetarização da economia e na especulação bolsista tecnologicamente assistida;
- a crise energética, pela via da exaustão das energias fósseis baratas, que possibilitaram a extraordinária expansão da espécie humana, mas para a qual não existe nenhuma alternativa efectiva (estas, ou são insuficientes —energia eólica e energia solar—, ou são ambientalmente inviáveis — nuclear e carvão);
- a crise ambiental: aquecimento global, exaustão dos recursos hídricos, eutrofização e contaminação química das águas potáveis (com a consequente contaminação das cadeias alimentares), desflorestação galopante, destruição dos solos (pedosfera), assassínio dos rios, esgotamento das reservas alimentares marinhas e fluviais, poluição e aquecimento oceânicos, contaminação e esgotamento dos aquíferos, e last but not least, o silencioso espermicídio em curso em numerosas espécies animais, humanos incluídos, pela dispersão assassina de quantidades intoleráveis de toxinas progressivamente infiltradas na biosfera pela acção inconsciente, ou criminosa, do homem;
- a crise geo-estratégica: por um lado, os países que mais consomem e mais prejudicam os equilíbrios gerais da biosfera já não dispõem dos recursos necessários e suficientes para a prossecução dos respectivos hábitos de vida; por outro, os países menos desenvolvidos, parte dos quais concentra o que resta dos principais recursos energéticos, minerais, agro-alimentares, laborais e até financeiros, em condições de serem explorados, deixaram de estar disponíveis para alimentar o desperdício e os maus hábitos dos chamados "países ricos", não querem ver degradar mais as suas condições de vida, em nome do "progresso" e da "modernidade" de quem há séculos explora as suas fragilidades, e têm —facto esperado, mas novo— condições estratégicas, diplomáticas, e mesmo militares, para defender um reajustamento —que vai ser dramático e violento— das placas geo-estratégicas mundiais.
Segundo Sal L. Arnuk e Joseph Saluzzi (1) 70% do volume de negócios em bolsa tem origem em sistemas de processamento informático ultra-rápidos (high-frequency program trading) — o que torna os malandros do Subprime, um pouco menos malandros, e a Goldman Sachs e quejandos, bem mais responsáveis pelo incomensurável buraco negro da economia mundial, que dá pelo nome de Derivados (Derivatives), e cujo valor facial (notional value) ronda ou ultrapassa mesmo os 600 biliões de dólares, ou seja, 10 vezes o PIB mundial, ou dito doutro modo, quase duas vezes a riqueza total do planeta!
Só nos Estados Unidos (2), os contratos de Derivados subiram 14% no último trimestre de 2008, atingindo o valor "nocional" de 200,4 biliões de dólares, i.e. 14 vezes o PIB americano! Sintomaticamente, 96% desta aterradora exposição ao risco concentra-se apenas em cinco bancos: JPMorgan, Bank of America, Citibank, Goldman Sachs e HSBC. A América de Barack Obama vai aliás ter que encontrar, por esse mundo fora e nos próximos anos, 5 biliões de dólares, ou seja 9% do PIB mundial, para financiar a sua dívida pública (3). Mas como?! Mas como vai consegui-lo, se o mundo está cheio de caloteiros?! A lista de devedores aflitos é interminável e não deixa lugar a dúvidas sobre a dimensão do problema: Japão, Itália, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Holanda, Irlanda, Suíça, Bélgica,... Portugal (4).
Uma das discussões teóricas do momento incide sobre a possibilidade de um colapso da Zona Euro. Os casos irlandês, grego, belga, austríaco, português, italiano, mas sobretudo espanhol, e mesmo alemão, conferem verosimilhança ao cenário de um colapso do Euro, sobretudo se a China, o Brasil e os países Árabes avançarem para a criação de moedas de reserva regionais no decurso da próxima década. E já agora, os casos britânico, islandês e mais recentemente sueco (5), apesar das suas moedas soberanas, nem por isso deixam de poder levar o Euro à beira de um ataque de nervos. Para culminar este cenário sombrio, registe-se a recente deliberação do tribunal constitucional alemão (6) sobre a necessidade de colmatar o "défice democrático estrutural" existente na União Europeia, que o Tratado de Lisboa não acautela como devia.
O mundo não está para brincadeiras, como vem insistindo Manuela Ferreira Leite, ou o insuspeito Príncipe Carlos de Inglaterra:
Just 96 months to save world, says Prince Charles
By Robert Verkaik; The Independent.
Capitalism and consumerism have brought the world to the brink of economic and environmental collapse, the Prince of Wales has warned in a grandstand speech which set out his concerns for the future of the planet.
The heir to the throne told an audience of industrialists and environmentalists at St James's Palace last night that he had calculated that we have just 96 months left to save the world.
As fábricas e os entrepostos comerciais de automóveis têm todos os seus parques de estacionamento a abarrotar. O petróleo fica nos navios, esgotada que está a capacidade de armazenamento instalada junto às refinarias. As refinarias, por sua vez, param, como vimos há dias a Repsol fazer em Sines. Os grandes transitários, como o gigante Evergreen, acaba de anunciar a venda de navios e a entrega de barcos em leasing aos seus donos (7). Os aviões em terra da Ibéria rumam ao deserto de Ciudad Real, o grande hub aeroportuário privado recém-inaugurado... mas vazio! Os aviões parados da TAP atravancam as placas de estacionamento da Portela, e não tardarão a ser clientes inesperados do aeromoscas de Beja, um dos caricatos elefantes brancos da era socratina. Vamos ver como se sairão as companhias de aviação Low Cost na competição com a Alta Velocidade ferroviária assim que as companhia de bandeira —às moscas— deixarem os slots vazios à Ryanair, easyJet e demais companhia de voos baratos. Para já, o principal responsável pela manutenção dos fluxos turísticos no nosso país, apesar da estagnação económica em curso, não é nenhuma decisão ou iniciativa governamental, e muito menos as faraónicas obras públicas anunciadas, mas tão simplesmente a possibilidade de realizar voos baratos de e para Portugal, sobretudo na grande circunferência europeia. O Porto está cheio de turistas, tal como Lisboa, Faro menos, porque a easyJet e a Ryanair elegeram as cidades de Lisboa, Porto, Faro e Funchal como destinos rentáveis, apesar das tropelias às boas regras da livre concorrência desencadeadas pelo gaúcho da TAP e pelo inenarrável dromedário das Obras Públicas.
Não tenho nada de princípio contra a tentativa da Orey Antunes salvar o BPP (8), ainda que na minha modesta opinião, seja de evitar mais envolvimento do Estado neste caso de polícia, a não ser, precisamente, pelo lado da Justiça, contra as donas brancas do pseudo banco. Assim como até acho muito bem que a Mota-Engil tente desesperadamente atrair os chineses a Lisboa, em vez de insistir em cidades aeroportuárias e novas autoestradas. Mas já agora, uma pergunta a propósito: que lhes exigimos em troca do privilégio de desfrutarem dos nossos magníficos estuários? Nada? Mal, senhor Coelho! Muito mal, senhor Vitorino! É preciso negociar como deve ser, e não como pedintes! Eu exigiria, no mínimo, que pagassem, em troca duma posição privilegiada nos nossos portos atlânticos, a completa substituição da nossa decadente rede ferroviária de bitola ibérica, por uma ferrovia de bitola europeia, completamente electrificada. Por menos do que isto, nada!
O mundo está endividado. E num mundo sem dinheiro vivo, todos pretendem encontrar e servir-se da pouca liquidez disponível, procurando-a desesperadamente para si. Só que não é fácil. E o recurso à guerra de pilhagem, também já foi mais fácil! Assim sendo, resta-nos negociar com muito jeitinho.
Com o medo da escassez de bens e de dinheiro, vem uma natural tendência para poupar e amealhar, como fazem os esquilos antes do Inverno. Só que há dois tipos de esquilo: o vermelho, e o cinzento (10). O esquilo vermelho armazena sem cessar avelãs e bolotas no alto das árvores, onde parte dos frutos acaba por apodrecer e, pior do que isso, ameaça a reprodução das aveleiras, dos carvalhos, das azinheiras e dos sobreiros. Pelo contrário, o distraído esquilo cinzento também colecciona e armazena os seus alimentos para o Inverno, distribuindo-os pelo solo húmido (de modo a manter os frutos tenros), mas de maneira tão dispersa que se esquece onde deixou boa parte deles, a qual, por via desta distracção criativa, acaba por germinar, assegurando assim a sobrevivência do seu próprio habitat.
Tal como o esquilo faz, também todos nós temos que saber poupar e armazenar para o nosso futuro, para o futuro dos nossos filhos e para o futuro do planeta que habitamos e partilhamos com milhões de outros seres vivos, dos quais dependemos para muito mais do que imaginamos. O tempo do touro enraivecido da especulação e do gasto terminou. Mas não é caso para hibernar, como faz o urso, nem para cair em depressão. Precisamos de agir como o esquilo, ou melhor como o esquilo cinzento: coleccionar, poupar, acumular, mas de uma forma criativa e alegre, dispersando as acções e descentralizando a autoridade e a iniciativa — em nome dos nossos próprios interesses, que só serão bem defendidos quando alcançarem também, ainda que inconsciente e distraidamente, os interesses de toda a comunidade.
NOTAS
- Toxic Equity Trading Order Flow on Wall Street
The Real Force Behind the Explosion in Volume and Volatility
By Sal L. Arnuk and Joseph Saluzzi.
Retail and institutional investors have been stunned at recent stock market volatility. The general thinking is that everything is related to the global financial crisis, starting, for the most part, in August 2007, when the Volatility Index, or VIX, started to climb. We believe, however, that there are more fundamental reasons behind the explosion in trading volume and the speed at which stock prices and indexes are changing. It has to do with the way electronic trading, the new for-profit exchanges and ECNs, the NYSE Hybrid and the SEC’s Regulation NMS have all come together in unexpected ways, starting, coincidently, in late summer of 2007. (ler PDF integral). - Ler este esclarecedor PDF: "OCC's Quaterly Report on Bank Trading and Derivatives Activities, Fourth Quarter 2008".
- Buddy, Can You Spare $5 Trillion?
in John Mauldin's Thoughts from the Frontline (10-07-2009).
There is no doubt that the US is in financial trouble. Those talking of a strong recovery are just not dealing with reality. But the US is in better shape than a lot of countries. This week, we begin by looking at Japan. I have written for years about how large their debt-to-GDP ratio is, yet they keep on issuing more debt and seemingly getting away with it. But now, several factors are conspiring to create real problems for the Land of the Rising Sun. They may soon run into a very serious-sized wall. And it is not just Japan. Where will the world find $5 trillion to finance (US) government debt? We look at some very worrisome graphs. Those in the US who think that what happens in the rest of the world doesn't matter just don't get it.
Sobre o Japão, John Mauldin escreve ainda:
Over the last ten years, the (Japanese) government has seen the level of debt-to-GDP rise from 99% to over 170%, not including local governments. They ran those deficits to try and pull themselves out of the doldrums of their Lost Decade of the '90s, following the crash of their real estate and stock markets, starting in 1989. They built bridges and roads to nowhere, all sorts of programs, quantitative easing, etc. Sound familiar? - Vale a pena comparar os valores das dívidas públicas e externas dos principais devedores no World Fact Book da CIA.
- The Riksbank said the economy had worsened further since its previous meeting, in April, and it expected the repo rate to remain at 0.25 percent until autumn 2010.
... The deposit rates are actually negative now. In some sense they are creating a money machine for banks.— in Forex Yard (3-7-2009)
Negative Global Interest Rates, Sweden Cuts Deposit Rate to NEGATIVE .25%
Jul 03, 2009 - 03:48 AM. By: Mike_Shedlock
There has been a lot of ludicrous recommendations recently to combat deflation by making deposit rates negative. I did not think any central bank would be dumb enough to try it. I thought wrong.
... The global economy is in a mess because of the lack of savings not because of an excess of it. People spent money they did not have, pushing asset prices to ridiculous levels. Banks, in belief that asset prices would keep rising exponentially, increased leverage. Now consumers everywhere are retrenching in the wake of the collapse, a much needed phenomenon.
In light of the above, punishing savers with negative deposit rates is the height of stupidity.
It would be fitting if there was an immediate run on deposits. And if that happens what will Sweden do? Halt deposits? Sweden risks (and deserves) a currency collapse and bank runs for this insane effort. Look for capital flight in Sweden. — in Negative Global Interest Rates, Sweden Cuts Deposit Rate to NEGATIVE .25%; by Mike_Shedlock; The Market Oracle. - O Tribunal Constitucional considera que existe “um défice democrático estrutural” a nível da União Europeia e que, por esta razão, os direitos de co-decisão do Parlamento alemão devem ser claramente inscritos numa lei, adianta a AFP. Isto para “garantir a eficácia do direito de voto” dos cidadãos alemães, e velar para que a UE “não ultrapasse as competências que lhe foram outorgadas”. — in Público (30-06-2009)
- Evergreen quer desfazer-se de 31 porta-contentores
A Evergreen propõe-se devolver aos donos ou desmantelar 31 navios porta-contentores, que representam cerca de um sexto da sua frota, anunciou a companhia de Taiwan.
... A companhia de Taiwan é quarta no ranking mundial de transporte marítimo de contentores, com uma capacidade de 600 mil TEU, que representam 4,5% do mercado. — in Transportes & Negócios (10-07-2009). - Acções da Orey Antunes sobem 15 por cento desde início de Julho
Em termos de ilustração, refira-se que na sessão em que tocou nos mínimos do ano, a Orey Antunes só negociou 130 papéis, e que antes de anunciar o interesse no banco agora liderado por Adão da Fonseca a liquidez da empresa era muito reduzida, passando inúmeras sessões sem serem movimentados quaisquer títulos. in Público/Por Lusa (10-7-2009). - Mota assina acordo com o grupo chinês Nam Kwon para Poceirão
A Mota-Engil vai assinar amanhã com o grupo chinês Nam Kwon um acordo para a utilização da plataforma logística do Poceirão como “hub” atlântico para empresas chinesas, anunciou hoje a empresa liderada por Jorge Coelho e que está a executar este projecto.
A assinatura, que vai decorrer durante o Fórum de Cooperação Económica e Comercial China-Portugal. “A parceria entre a Mota-Engil e o grupo Nam Kwong iniciou-se com um acordo de parceria para os estudos de uma plataforma logística atlântica em Portugal celebrado em Janeiro de 2007”, durante a visita de José Sócrates à China. — in Jornal de Negócios (10-07-2009). - Squirrel invasion sows seeds of change for future forests
WEST LAFAYETTE, Ind. - As squirrels gather nuts for winter, they also plant the seeds of future forests - but the different ways squirrel species hoard nuts, coupled with changes in squirrel populations, may significantly alter the course of forest regeneration, according to a Purdue University study. — in Science Blog.
OAM 600 12-07-2009 17:50