quinta-feira, março 01, 2007

A guerra por vir

Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia
Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia

Contagem decrescente?

Previsões pessimistas realizadas por vários observadores independentes, normalmente expressando-se através de canais online (os média comerciais chegam cada vez mais tarde...), têm vindo a chamar a atenção do mundo para a extrema perigosidade do actual declínio da hegemonia anglo-saxónica. Tal supremacia custou à humanidade duas guerras mundiais atrozes, os dois primeiros bombardeamentos nucleares da história, uma guerra fria interminável (pois parece que continua...) e dezenas de "conflitos regionais" sangrentos e derrubes de regimes políticos instituídos, ao longo de todo o século 20. A profunda crise da economia estado-unidense, associada ao seu imparável belicismo (1), por um lado, e a emergência de uma Eurásia territorialmente extensíssima, multitudinária, repleta de fontes energéticas essenciais e em rápido crescimento económico, por outro, configuram uma situação potencialmente explosiva. Até agora, vimos ingleses e norte-americanos (acolitados por uma Europa sem rei nem roque) tentando aplicar as receitas da dissimulação, mentira, guerra e pilhagem que tantas vantagens trouxeram à Europa e aos Estados Unidos durante todo o século 20. Entretanto, algo começou a dar para o torto...

A guerra contra Iraque, assente numa mentira rasteira (que todos engolimos com indisfarçável desconforto), é um atoleiro horrível. O Afeganistão continua tão perigoso como antes (Dick Cheeney, que ontem escapou por pouco a uma execução às mãos de um homem-bomba da Al Qaeda, em plenas instalações militares "aliadas" - a Base Aérea de Bagram - sabe-o melhor que ninguém). O Dólar não pára de deslizar, havendo quem diga que valerá apenas meio euro no fim deste ano! O fim do boom imobiliário nos EU e uma simples frase do ex-governador da Reserva Federal americana - Alan Greenspan - sobre a possibilidade de a maior economia do planeta entrar em recessão no fim de 2007, provocou um ataque cardíaco nos mercados bolsistas de todo o mundo, agudizado pela queda de 9% na bolsa de Xangai. A obsessão militarista de Bush-Cheney parece, porém, não ter limites. Ou será que tem?

A superioridade militar norte-americana é esmagadora. Com a ajuda da NATO (uma sobrevivência descaracterizada e perversa do velho tratado atlantista anti-soviético), os EUA prosseguem uma perigosa estratégia de cerco das principais reservas petrolíferas e de gás natural situadas no Médio Oriente, nas antigas repúblicas soviéticas e na Rússia. O objectivo táctico é garantir o acesso às preciosas fontes energéticas da região. O objectivo estratégico é mais amplo ainda: impedir a emergência da Eurásia como o império que se segue. Para atingir este objectivo, Bush e Cheney crêem que é preciso impedir a formação de um eixo entre Moscovo e Pequim, transformando o Iraque e o Irão num inferno e as suas reservas energéticas em coutada privada. A simples hipótese de um ataque nuclear de precisão e limitado ao Irão dá uma arrepiante dimensão dos actuais perigos. A guerra nuclear e o aquecimento global parecem ter acertado os cronómetros da extinção da humanidade actual!

É neste cenário de guerra que teremos que saber interpretar a oratória de Putin, ou o modo expedito e silencioso como a China calou a Coreia do Norte. O que está neste momento em jogo é demasiado importante para se deixar perturbar por jogos de guerra subsidiários. Todos queremos saber quem está em condições de ir a jogo nesta roleta russa. Tenho para mim que a desproporção de território e de populações não é nada favorável ao Ocidente. E que seria muito bom para todos que as mentes sãs deste lado do problema conseguissem agir em tempo útil, de modo a evitar a catástrofe certa que ocorrerá se as mentes doentes que alimentam a alcolémia do Sr Bush tiverem êxito nos seus sinistros cálculos e desenhos de poder.



Notas

1. (16/02/07) "As anticipated last January in GEAB N°11, the « fog of statistics » is now clearing and US economic trends appears clearly (retail sales at a standstill in January 2007, record high trade deficit in 2006, downward revision of US growth for 2006, Fed's confirmation of economic slowdown, serial defaults among mortgage lending organisations, continued collapse of US housing market,...). Therefore, according to LEAP/E2020, and contingent on the specific evolution of each component of the US economy, the month of April will account for the inflexion point of the impact phase of the global systemic crisis, that is to say the moment when all negative consequences of the crisis pile up exponentially. More precisely, April will be the time when negative trends will converge, transforming many « sectorial crises » into a generalised crisis, a « very great depression », involving all economic, financial, commercial and political players.

In April 2007, nine practical consequences of the unfolding crisis will converge:

1. Acceleration of the pace and size of bankruptcies among US financial organisations: from one per week today to one per day in April
2. Spectacular rise of US home foreclosures: 5 million Americans out on the street
3. Accelerating collapse of housing prices in the US: - 25%
4. Entry into recession of the US economy in April 2007
5. Precipitous rate cut by the US Federal Reserve
6. Growing importance of China-USA trade conflicts
7. China's shift out of US dollars / Yen carry trade reversal
8. Sudden drop of US dollar value against Euro, Yuan and Yen
9. Tumble of Sterling Pound"

in Global Europe Antecipation Bulletin.
Global systemic crisis - April 2007: Inflexion point of the phase of impact / US economy enters recession


Algumas leituras oportunas:

"The former Soviet Union disintegrated after attacking Afghanistan. It created a train of events that eventually led to the birth of Al Qaeda. We will wait and see what the United States attack on Iraq means for the future of the United States. In the meanwhile, it has created 50 new terrorist organisations."

(...) Approximately 400 millions died in the wars of the last two millennia. About 100 million of them died in the last century alone. If a major war takes place in this century, and if it escalates to such an extent that some of the players use nuclear weapons, we can foresee at least 4 or 5 times these deaths sometime in the next few decades. A world moving towards a war is also bound to neglect poverty, health, climate change and other priorities of human development. Such policy neglect will result in the death of at least 500 million children in the next 50 years at the current rate. Thus, we face the prospect of about a billion people being killed for no fault of their own if our leaders do not make conflict prevention and poverty alleviation their top priorities – in particular conflict prevention involving the big powers. -- Sundeep Waslekar. "Preventing Global Conflicts". February 27, 2007

(...) we are already deep in a New Cold War, which literally threatens the future of life on this planet. The debacle in Iraq, or the prospect of a US tactical nuclear pre-emptive strike against Iran are ghastly enough. In comparison to what is at play in the US global military build up against its most formidable remaining global rival, Russia, they loom relatively small. The US military policies since the end of the Soviet Union and emergence of the Republic of Russia in 1991 are in need of close examination in this context. Only then do Putin’s frank remarks on February 10 at the Munich Conference on Security make sense.

(...) A new Armageddon is in the making. The unilateral military agenda of Washington has predictably provoked a major effort by Russia to defend herself. The prospects of a global nuclear conflagration, by miscalculation, increase by the day. At what point might an American President, God forbid, decide to order a pre-emptive full-scale nuclear attack on Russia to prevent Russia from rebuilding a state of mutual deterrence?

The new Armageddon is not exactly the Armageddon which George Bush's Christian fanatics pray for as they dream of their Rapture. It is an Armageddon in which Russia and the United States would irradiate the planet and, perhaps, end human civilization in the process." -- F William Engdahl -- "Putin and the Geopolitics of the New Cold War: Or what happens when Cowboys don`t shoot straight like they used to ..." . February 18, 2007

"Can anyone stop them? Possibly. There is the now widespread and quite vocal resistance within the armed forces. For the first time in my lifetime, I have seen speculation in the press about a military coup. I doubt it would occur, but the very speculation shows how extensive are the misgivings."
-- Immanuel Wallerstein - "Bush's Healong Rush Into Iran" . February 15, 2007

"O Pentágono já redigiu planos para ataques patrocinados pelos EUA ao Irão e à Síria. Apesar da dissimulação pública da diplomacia dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, tal como na Invasão do Iraque, o Irão e a Síria sentem outra guerra anglo-americana no horizonte. Ambos os países têm estado a fortalecer as suas defesas para a eventualidade da guerra com a aliança anglo-americana." -- Mahdi Darius Nazemroaya - "Marcha para a guerra: Concentração naval no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental" . Outubro 1, 2006



OAM #176 28 FEV 07

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Conversar com Innerarity

Foto: ©©Lothar Herzog from Kassel, Germany. Wikipedia.

Clube PS convida Daniel Innerarity

2007 Qua 28 Fev 18h00
Auditorio Edifício Novo da Assembleia da República

A promoção de debates públicos abertos na Assembleia da República, temáticos ou com base na apresentação de personalidades e livros, é uma boa iniciativa de Jaime Gama, o actual presidente do parlamento português. Desta vez, por iniciativa do Clube PS e a convite de Manuel Maria Carrilho, teremos Daniel Innerarity, seguramente um dos pensadores inovadores da actualidade. O pretexto é o lançamento da tradução portuguesa de La Transformación de la Política pela Editorial Teorema. O título da versão francesa parece-me, todavia, mais sugestivo: La démocratie sans l'État: essai sur le gouvernement des sociétés complexes.

Soube desta inicitiava pelo boletim electrónico de Manuel Maria Carrilho, a quem escrevi um bilhetinho, que não resisto a partilhar com os leitores do António Maria:
Caro MMC,

Parabéns pela nomeação!
Apenas me entristece o facto de a sua promoção e a do Cravinho parecerem um modo expedito de afastar vozes eventualmente incómodas de um hemiciclo socialisticamente anestesiado.

Tenho pensado muito no futuro deste país e chego sempre à mesma conclusão: a única saída que temos pela frente passa por uma visão ambiciosa de Portugal nas perigosas circunstâncias actuais. E essa visão implica, para mim, imaginar uma outra noção de desenvolvimento, de progresso e de crescimento. Algo como uma agenda para um futuro imaterial, que implicaria desmaterializar a própria natureza da produção, do consumo e do desenho das comunidades.

Daí que a sua partida para a UNESCO possa ser um bom prenúncio!
Antes de tudo, precisamos de uma VISÃO (como diria a desaparecida Donnela Meadows). Uma visão cultural da condição humana e do armistício que a humanidade terá necessariamente que acordar com o resto da Natureza.

Para Portugal, a estratégia reside, no essencial, em saber tirar todo o partido das suas actuais desvantagens materiais (fraca industrialização, baixa densidade populacional, distância dos centros mais densamente povoados e industrializados), mas também das suas vantagens, por exemplo, os fracos níveis de poluição no cômputo nacional. Até o baixo nível educativo (refiro-me sobretudo ao número de licenciados) pode ser transformado numa vantagem!

Como vê, tudo ao contrário do actual discurso de José Sócrates e da generalidade dos partidos políticos que temos.
Regressando a Innerarity, vale a pena ler um extracto do prefácio de Jorge Semprún à edição francesa do livro em apreço:
«Professeur de philosophie à l'Université de Saragosse, Daniel Innerarity consacre sa réflexion théorique aux pro­blèmes de l'évolution de la politique, de sa transformation, dans nos sociétés occidentales, nos démocraties d'opinion, c'est-à-dire, plus précisément : démocraties de masse et de marché, exposées par leur essence même aux exigences et aux avatars contradictoires de la mondialisation.
Cette recherche, sans doute la plus nécessaire à notre époque, s'articule à une analyse rigoureuse de la fonction du politique dans le monde changeant qu'est le nôtre, où se détruisent et se déplacent sans cesse les valeurs établies de la modernité des démocraties représentatives.
Ainsi, Daniel Innerarity parvient, avec brio dialectique et vaste savoir, à réhabiliter le concept et le rôle du politique.
Les chapitres de son essai qui abordent les questions du concept du politique et de la nouvelle logique sociale, par l'acuité des analyses et l'érudition sous-jacente, permettent de dégager la perspective d'une synthèse conceptuelle qui prenne en compte les principaux problèmes, les exigences historiques fondamentales pour le déploiement de la Raison démocratique de notre temps.
Synthèse opérationnelle, mais qui se conçoit et se veut provisoire. L'un des mérites principaux de ce travail, en effet, réside à mon avis dans sa vision lucide de la complexité de nos sociétés, du caractère instable et conflictuel de leurs structures consensuelles.»

Finalmente, algumas passagens da versão portuguesa do livro:
«A aversão à política é bastante velha, mas as suas causas mudam com o correr dos tempos (...) Se fizéssemos um inventário das queixas actualmente correntes, teríamos talvez a surpresa de verificar que o seu teor se modificou radicalmente em poucos anos, ao passo que ainda não há muito tempo se criticava o abuso de poder, critica-se agora a impotência dos supostamente poderosos.»

«No quadro da transformação da política que as novas circunstâncias reclamam, o fundamental é determinar as exigências a apresentar à profissão política. É inevitável que a política se caracterize por uma estranha mescla de incompetência e habilidade quando não estão clarificadas as funções dela esperadas. O problema está no que poderemos pedir à política que não nos possa ser dado por outras funções sociais. O facto de isto não ser muito claro pode ser a causa que explica a irrupção na política de empresários, juízes ou jornalistas, açulados por uma demagogia simplista que diz desprezar a incompetência da classe política quando, na realidade, despreza as exigências da vida democrática»

«O lamento pelo mau funcionamento da política é muito lógico: a política é a arte mais difícil, na qual mais incerteza é tramitada e em que assuntos somente verosímeis, contingentes, são tratados com informação escassa e urgências de tempo (...) A principal função da política é a produção e distribuição dos bens colectivos necessários ao desenvolvimento de uma sociedade, para o que é preciso tomar uma série de decisões em tempo limitado, com escassez de dados e de recursos, num meio extremamente complexo que as novas condições sociais parecem emaranhar ainda mais.»

«O perfil que define a competência profissional do político é uma excepcional capacidade para tomar decisões colectivas em situações de elevada complexidade. A política é um âmbito de inovação, e não só de gestão. E a capacidade criadora tem estreitas relações com a invenção de uma linguagem apropriada para tratar o novo. Poderíamos encontrar aqui um novo eixo para delimitar a esquerda da direita, um indicativo para distinguir o progresso da tradição (...) As novas situações lembram à política que, perante cada reforma, terá de formular uma interrogação: está na presença de problemas que pode, simplesmente, resolver, ou de transformações históricas que exigem uma nova maneira de pensar? A inovação procede sempre de alguém ter querido saber se o que até então era dado por válido se ajustava às novas realidades.»

«A meu ver, a política, especialmente quando a queremos distinguir de outras actividades, exige fundamentalmente duas coisas: 1. ter-se dado conta de que o seu terreno próprio é o da contingência, e 2. uma especial habilidade para conviver com a decepção. Haverá, sem dúvida, outras definições mais exactas, mas nenhuma delas deixa, com certeza, de incluir em alguma medida estas duas propriedades.»

«Os tempos mudaram tanto que até mudou o tipo de mudança. A ideia do progresso já não tem préstimo, se com ela se quiser indicar que o futuro será menos complexo, menos ambivalente que o passado. Já só a direita pode acreditar na historieta do progresso que necessariamente nos trará um futuro menos regulado, com menos limitações e maior liberdade de escolha que no passado. O que, pelo contrário, nos espera, é um desenvolvimento futuro radicalmente mais complexo. O curso do tempo continua a existir, claro está, mas já não indica o caminho da servidão para a liberdade: indica o da complexidade para uma maior complexidade.»

OAM #175 27 FEV 07

domingo, fevereiro 25, 2007

Aeroportos 18

Vueling 100 mil lugares a 20 Euros!
Vueling oferece 100 mil lugares a 20 Euros! Adeus TAP...

O livro negro da Ota e o fim da TAP...

Flash madrileno
Estive os últimos dez dias em Espanha, onde pude observar algumas realidades interessantes, nomeadamente para nós, portugueses. Em primeiro lugar, o primeiro ministro espanhol, José Luis Zapatero, a propósito da trapalhada nacionalista e da violenta ETA, mas também da ligação AV entre Madrid e Barcelona (quase pronta), anunciava candidamente que a nova rede ferroviária espanhola (nomeadamente a de Alta Velocidade) era o verdadeiro segredo para garantir a unidade da Espanha. Em segundo lugar, a EasyJet inaugurou em Madrid, no passado dia 15 de Fevereiro, pela mão de Esperanza Aguirre (tão liberal quanto promissora política do Partido Popular), a sua primeira base ibérica de operações, com um investimento de 170 milhões de euros na Comunidade de Madrid, que recebeu naturalmente a notícia de braços abertos. Em terceiro lugar, não consegui reservar um bilhete de AVE para ir de Madrid a Toledo no Sábado passado, pois estava esgotado. Em quarto lugar, a luta contra a corrupção, nomeadamente autárquica, é uma coisa séria, com vários alcaides na prisão e a percepção pública de que o "cachondeo" tem os dias contados. Talvez por isto, os debates mediáticos em Espanha se têm vindo a transformar em dramas de faca e alguidar, reality shows e espectáculos de wrestling incríveis! Em quinto lugar, ao visitar a Arco, conhecida feira de arte de Madrid, a que todo o apreciador de arte ibérico (portugueses incluídos) acorre, percebi que a mesma iniciou uma viragem estratégica radical. Sob a nova direcção de Lourdes Fernández, com a ajuda da ambiciosa crítica de arte, Angela Molina (1), a feira de arte de Madrid deixará em breve de ser um fenómeno cultural de massas, onde as várias comunidades ibéricas de artistas, galeristas, directores de museus e centros culturais, professores e alunos se reviam anualmente numa grande festa e numa grande e tumultuosa cidadela das artes, para se transformar numa elitista e corrupta bolsa de valores especulativos da criação estética domesticada pelo capitalismo liberal mais desesperadamente competitivo. Em sexto lugar, a companhia de baixo custo catalã, Vueling, adiantou a Primavera turística europeia oferecendo 100 mil lugares a 20 euros (tudo incluído!) Finalmente, a minha filha, que já não sabe como regressar a Portugal (a não ser em breves incursões, para provar os meus cozinhados), conduziu-me, desta vez, pela Madrid profunda e humana, "pueblerina" e cosmopolita, do bairro da Malazaña. Uma Madrid deliciosa, jovem e de todas as idades e cores, barata e amigável. Um dos grandes corações da capital espanhola. O segredo para amar Madrid é evitar, sempre que possível, a Gan Via, a Castellana e a cidade financeira do grupo Santander, não deixando nunca de rever os jardins do Retiro e o Museu do Prado, e de sorver religiosamente ao fim da manhã o consomé da casa Lardy, venerando templo gastronómico situado junto à Puerta del Sol.

O livro negro da Ota
Como se não bastasse a teimosia governamental na questão escandalosa da Ota (uma indústria de estudos inúteis) e do absurdo e jamais rentável TGV Lisboa-Porto, temos um ministro politicamente avariado que em cada semana que passa lança pela boca fora uma nova e estridente baboseira sobre o aeródromo da Ota. A última tontice (desta vez pela voz da sua secretária de estado, Ana Paula Vitorino), e que o Expresso desta semana divulgou, afiança que o improvável TGV Lisboa-Porto vai ter um apeadeiro no dito projecto fantasma. Claro que ninguém explicou como, nem para quê. Haverá TGV de 15 em 15 minutos entre a Ota e Lisboa? E se não houver, para que servirá tal dispêndio (um aeroporto e uma interface ferroviária entalados em acanhados leitos de rios e ribeiras sob densos e quotidianos nevoeiros, a 52 Km de Lisboa) nas horas de ponta?! Por outro lado, se o malfadado TGV viesse a estar pronto em 2015, como iria tal veículo atravessar o estaleiro da Ota, ainda a dois anos (pelos menos!) de ver concluído o sebastiânico aeroporto?

Sobre a Ota não existe sequer um estudo meteorológico actualizado, como se pode ler no último artigo de Rui Rodrigues (PDF 4,7Mb), nem estudo de impacto ambiental, nem, verdadeiramente, qualquer estudo prévio tecnicamente fundamentado (2), conclusivo e aceitável, sobre a utilidade e viabilidade económica do projecto. A única coisa que existe é uma escandalosa indústria de consultorias e de pareceres que, às custas do herário público, vem engordando a nomenclatura democrática lusitana. Pergunto: quantos milhões de euros foram até agora gastos, directa e subrepticiamente, na telenovela da Ota? Vamos todos querer saber, mais cedo ou mais tarde...
Há duas ou três semanas atrás, Augusto Mateus confessou que também andava a fazer estudos sobre a Ota, revelando-nos que a sua ideia iluminada sobre aeroportos do século 21 era muito parecida com a explanada num artigo do Expresso (por sua vez, uma localização mal amanhada de um artigo estrangeiro) sobre cidades-aeroportos! Primeiro, já pensou este distinto economista porque carga de água é que Lisboa nunca se expandiu para aquelas bandas, remetendo-as para o acolhimento de lixeiras, cimenteiras, depósitos de combustíveis e outras coisas feias? Segundo, já viu com olhos de ver a Ota e o Carregado? Terceiro, conhece alguma coisa mais parecida com uma cidade aeroporto do que a Grande Lisboa, com as suas várias pistas disponíveis (Portela, Montijo, Tires, Sintra) e a sua rede consolidada de transportes e serviços? Parece que andamos todos a dormir!

Em Abril o actual governo diz que vai pôr à discussão pública um estudo de impacte ambiental sobre o putativo aeroporto da Ota. Ou seja, chegou o momento de compilar o livro negro sobre esta aventura governamental. Esperar que algum partido do sistema o faça seria pedir muito aos aburguesados deputados que elegemos. O PS parlamentar não existe, o PSD está bloqueado por um líder impagável, o CDS não não passa de um apêndice parlamentar, o PCP e o Bloco de Esquerda devem pensar que são empregos que aí vêm, e portanto não é assunto em que se queiram molhar. Com esta velha política não vamos a parte nenhuma. Essa é que é essa!

O fim da TAP
O ultra-liberal Economist, que há duas semanas considerou a parvoíce da Ota, isso mesmo, uma parvoíce, escreve um interessante artigo na edição de 17-23/2/07 sobre um arrasador fenómeno chamado Low Cost. O artigo entitula-se sintomaticamente "Fare Game" e pode resumir-se numa frase: as companhias de voos de baixo custo chegaram, viram e venceram. Para já, venceram no mercado das curtas e médias distâncias aéreas (sobretudo nas chamadas "ligações ponto a ponto"). Resta agora saber o estrago que provocarão nas linhas de longo curso, nomeadamente intercontinentais. As experiências já começaram, nomeadamente na Ásia, onde, por exemplo a Oasis Hong Kong Airlines iniciou no passado mês de Outubro um serviço diário de baixo custo entre Hong Kong e Londres (um trajecto de ida custa, na classe turística, 145 euros!) Segundo um especialista da Universidade de Westminster citado pelo Economist (Nigel Dennis), o desafio do paradigma Low Cost, que terá seguramente mais dificuldades de implantar-se nos voos intercontinentais, irá mesmo assim provocar uma queda nos preços nos voos de longo curso na ordem dos 20%.
A conhecida fórmula das Low Cost --utilizar um ou dois tipos de aeronaves de última geração, silenciosas, com custos de manutenção uniformizados e com rendimentos de combustível até 40%; utilização de aeroportos secundários, sempre que os principais não ofereçam condições vantajosas; sub-contratação de tudo o que puder ser sub-contratado; tripulações reduzidas; serviços complementares de baixo custo (hoteis, veículos de aluguer, etc.) e uma sofisticada utilização de plataformas electrónicas online (sistema de reservas de voos e alojamento, etc.)-- fez o seu caminho. Às tradicionais companhias de bandeira, a braços com os efeitos nefastos desta avassaladora concorrência não lhes resta outra alternativa que não seja adaptar-se ou morrer! Os espanhóis acordaram tarde, mas acordaram. A resposta chama-se Vueling, Click Air e ainda abrir as portas de Madrid-Barajas à EasyJet e demais players dominantes deste mercado emergente, assegurando que o grande hub aeroportuário da capital espanhola sairá a ganhar, e não a perder, com o novo fenómeno. Os russos e até os romenos já lançaram as suas companhias aéreas de baixo custo: SkyExpress e Blue Air. Em Portugal, pelo contrário, assistimos à morte súbita da Air Luxor, à morte anunciada e muito obscura da Portugália Airlines --a qual passa pela sua venda a uma TAP que, em vez de comprar aviões novos, vai comprar sucata e excedentes de pessoal!-- e, finalmente, a uma crise previsível sem precedentes na transportadora aérea nacional. O manto de silêncio comprometedor que sobre esta crise se abateu, com a cumplicidade da generalidade dos média, revela tão só o atavismo triste e suicida que se apoderou das pobres elites nacionais.

Talvez a carnavalesca demissão de Alberto João Jardim, a quem lhe foi recentemente oferecida (oferecida?!; mas então aquilo não é uma Região Autónoma?) a possibilidade de ter as Low Cost no Funchal e em Porto Santo, desencadeie um debate institucional mais alargado do que o previsto. Já não seria mau.



Notas
1. Num artigo especialmente mordaz no El País de 16/02/07 (Elocuente invitación al optimismo) Angela Molina, escreve:
"Por las intenciones de Lourdes Fernández, decidida a acabar con la deficiente contribución de los espacios institucionales, se puede predecir un futuro amable para Arco. Mientras tanto, el provincianismo y el mal gusto permanecen, intelecualmente vandalizados por políticos --podrían ser los pasmados tiburones disecados dentro de una urna, de Damien Hirst-- que se mueven en la etiqueta de la cultura antepasada."
(...)
" Pero hay más, los stands de la Comunidad de Andalucia, Extremadura, Cantabria o de la Diputación de Málaga son los resultados reales de la cortedad mental de los gobiernos autónomos y similares, que pudiendo exponer sus pinturas en los casinos municipales, prefieren ganarse el derecho a remover el ponche costumbrista de la feria".

O efeito desta dinâmica poderá comprometer ainda mais o futuro dos museus de arte contemporânea, já hoje com extremas dificuldades de captação da atenção e vontade dos poderes políticos. Não me admiraria nada que o liberalismo e a insensibilidade da dupla Lourdes Fernández-Angela Molina viesse a provocar um inesperado efeito de boomerang contra a própria viabilidade da Arco.

2. Vale a pena ler o PDF de Rui Rodrigues. A argumentação é meticulosa e demonstra sem margem para dúvidas duas coias: que o argumento de João Cravinho sobre a perigosidade da Portela não colhe quando se tem a Ota como opção alternativa, e que a decisão de avançar para o atoleiro da Ota (que custou o cargo ao primeiro ministro das finanças do governo Sócrates) não teve nenhum fundamento técnico, nomeadamente no ponto crucial da avaliação das condições meteorológicas do local, sendo por isso uma decisão meramente política. Falta, assim, explicar o que está por trás de tal política. Para mim, são duas coisas: a ignorância estratégica militante do actual governo e os poderosos sindicatos financeiros de que o mesmo parece estar refém.

OAM #174 25 FEV 07

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Sismos

Portugal, 10:35 -- 6,1 na escala de Richter


Sismo 6.1


Senti a minha casa a tremer. Um tubo de cartão caíu ao chão, prova de que a sensação traduzia um facto objectivo: a terra tremeu algures. Procurei informação no Instituto de Meteorologia. Nada. Os servidores estavam bloqueados. Busquei então informação internacional na Net. Resposta obtida no Orfeus (This list maintained by ORFEUS and EMSC contains all known institutes, organisations, observatories, universities, etc which operate seismograph stations in the region / European Mediterranean Region) -- 2 links referentes a Portugal: um para o departamento de sismos do Instituto de Meteorologia; outro, para o Instituto Superior Técnico. Respostas? Zero!

Assim vai a protecção civil neste país de opereta.



PS: (12/02/07 12:59). Na ausência de informação online actualizada por parte das instituições portuguesas responsáveis pela monitorização dos fenómenos sísmicos, bem como perante o conservadorismo informativo dos média (que só a conta gotas foram libertando a informação), funcionaram os telemóveis, que uma vez mais disseminaram dados em tempo real.

Info:
Observatório em tempo real
Os Tremores de Terra
Medidas de Autoprotecção (Serviço Nacional Protecção Civil)


OAM #173 12 FEV 2006

Portugal e o aborto 3

SIM!

Dos 8.832.628 eleitores inscritos votaram 3.851.613, i.e. 43.61%.

A legislação portuguesa obriga, estupidamente, a que 50% dos inscritos votem para que um referendo seja vinculativo. Imagine-se o que sucederia à nossa democracia se o mesmo critério fosse aplicado às eleições legislativas e presidenciais! Assim sendo, no caso do referendo de hoje, sobre o aborto até às 10 semanas, a primeira conclusão que se pode tirar é que o mesmo não é juridicamente vinculativo. Esta conclusão merece contudo ser analisada mais de perto.

Sabendo-se que há uma "abstenção técnica" na ordem dos 5 a 7 pontos percentuais, oriunda de erros nos cadernos eleitorais (eleitores falecidos e sobretudo importantes fluxos emigratórios recentes não reflectidos no cômputo nacional de eleitores), fica no ar a dúvida se na realidade não votaram mesmo 50% dos eleitores reais do país.

O "SIM" obteve 59.25% dos votos validamente expressos.
Esta vantagem de 18.5 pontos percentuais sobre o "NÃO", permite chegar a uma conclusão relevante: mesmo que todos os votos que faltam para atingir a meta jurídica dos 50% (mais um...) fossem votos do "NÃO", i.e. 6.39%, a "SIM" continuaria a sair largamente vencedor, tendo neste caso uma vantagem de 12.11%.

A validade política deste referendo alinha Portugal com a maioria europeia.
A verdade material dos resultados não pode, pelas razões acima aduzidas, oferecer grandes dúvidas ao eleitorado. Se os cadernos eleitorais fossem limpos da "abstenção técnica" (acentuada recentemente pelo novos fluxos emigratórios de longa e curta duração), ter-se-ia muito provavelmente cumprido o critério absurdo dos 50% estipulado pela lei do referendo; se todos os votantes que faltaram ao quorum deste referendo viessem a votar no "NÃO", nem por isso deixaria de vencer o "SIM" e portanto a tese daqueles que apoiam a despenalização do aborto e o apoio do Estado à sua realização em condições de dignidade e qualidade sanitária, no período que vai desde a fecundação até às dez semanas de gestação. Daí falar-se, com propriedade e justeza, da natureza "politicamente vinculativa" do resultado de hoje. Aduz ainda a este género de legitimidade o facto de se ter respeitado a vitória "não vinculativa" do "NÃO" aquando do anterior referendo sobre esta mesma matéria. Por uma questão óbvia de coerência, ter-se-ia agora que respeitar o "SIM".

O nova lei da IVG e a política orçamental da actual maioria socialista.
O referendo mostrou que o país não deixou de evoluir ideologicamente no sentido de uma convergência assinalável com os padrões racionais e democráticos dominantes na União Europeia. Apesar do peso reaccionário das religiões, sobretudo nas zonas rurais, e do atavismo natural das franjas socialmente mais desprotegidas da sociedade, a crescente urbanização e suburbanização do país, pela sua intrínseca natureza sociológica e económica, acabou por impor-se às fantasias misóginas de uma direita ideológica imbecil e hipócrita. O imediato acolhimento dos resultados do referendo por parte de Marques Mendes (líder muito fraco do segundo maior partido do arco governamental) reflecte, apesar de tudo, um saudável instinto de sobrevivência.

Quanto ao PS, terá que dar rápido andamento às expectativas criadas por esta vitória do "SIM". Não basta descriminalizar o aborto, pois o principal da tarefa está noutro lugar da política: assumir e garantir uma política de saúde à altura dos desafios decorrentes de um panorama económico-social muito preocupante. Portugal está à beira da recessão demográfica, não existe nenhuma política séria de incentivo à natalidade, a sangria da emigração regressou ao historial da nossa incapacidade política, o envelhecimento da população ameaça a estabilidade sociológica e económica do país, o aborto clandestino é uma praga. E como todos sabemos, na arena dos jogos políticos, a direita e o titubeante centro-direita nada de substancial e consequente têm a dizer sobre estas matérias. A sua visão do mundo continua a ser, infelizmente, puramente cínica e negativa.

Correndo o risco de me repetir, direi que atravessamos uma fase muito crítica da nossa existência colectiva. As principais ameaças, internas e externas, podem ser caracterizadas como longas emergências, cujos efeitos se farão sentir de forma cada vez mais dramática no decorrer dos próximos 20-30 anos: a emergência climática, a emergência nuclear bélica, a emergência energética, a emergência demográfica, a emergência alimentar e a emergência médico-sanitária. Quem não perceber isto e não agir em conformidade, perdendo tempo e dinheiro com devaneios grandiloquentes, ou insistindo nos velhos e esgotados modelos mentais da economia capitalista ("business as usual"), estará a perder estupidamente uma preciosa vantagem compeitiva: a de se preparar racionalmente para um longo inverno civilizacional.

Dados oficiais sobre o referendo

OAM #172 12 FEV 2007

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Aquecimento global

Jakarta, diluvio
Jakarta, Fevereiro 2007: mais de 340 mil desalojados pelo dilúvio

A vingança de Gaia

James Lovelock propõe a expansão massiva da energia nuclear!

Há alguns dias atrás, Stephen Hawking anunciou que o painel de cientistas responsável pelo chamado Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock), decidiu, no passado dia 17 de Fevereiro, adiantá-lo 2mn! O motivo desta decisão teve origem na avaliação dos perigos devastadores das alterações climáticas provocadas pelo homem, os quais igualam hoje, na opinião do painel, os de uma guerra nuclear. (video)

A resposta de James Lovelock foi: Hawking está a subestimar o perigo do aquecimento global!

James Lovelock, o cientista que provou a existência de um buraco na camada de ozono causado pelos fluoclorohidrocarbonetos (FCHC), e desenvolveu a chamada "Hipótese de Gaia", que assegura ser o planeta (que nomeou a partir da deusa grega da Terra, Gaia) uma espécie de organismo vivo capaz de controlar constantemente todos os seus sistemas em terra, na água e no ar, por forma a preservar a vida, acaba de anunciar que apenas a expansão massiva da energia nuclear poderá retardar a os efeitos catastróficos do aquecimento global.

Segundo o cientista de 87 anos, nem uma guerra nuclear causará maior devastação na Terra do que o aquecimento global no decorrer deste século. Nada poderá, segundo ele, deter os efeitos catastróficos do aquecimento global. Nenhum poder mundial, nenhum cientista, nenhum político, nenhum movimento de fuga em direcção ao conforto familiar, nem sequer o mercado das emissões de carbono, nem sequer a energia eólica, nem sequer os bio-combustíveis serão capazes de impedir o esvaimento da Terra. Segundo Lovelock, apenas conseguiremos retardar a catástrofe durante algum tempo. E a energia nuclear é a única alternativa disponível.

O relatório Stern, e o mais recente relatório do IPCC, que conseguiram finalmente colocar na agenda política dos governos europeus e americano o problema gravíssimo das alterações climáticas, correm o risco de radicalizar o discurso de todos aqueles que há anos vêm estudando o tema da degradação da Terra e alertando para os perigos incontroláveis dela decorrentes. No momento em que Stern propõe a incorporação desta crise na lógica do "business as usual", sugerindo a existência de lucros fabulosos a retirar com a especulação em volta do mercado de emissões de CO2, da produção de biodiesel, etc., é natural que os evangelistas da ecologia se vejam forçados a aumentar a parada dos seus avisos, por forma a contrariar os oportunismos emergentes. Pergunta-se, assim, o seguinte: deveremos dar um desconto às afirmações de Lovelock, ou considerá-las seriamente?



OAM #171 06 FEV 2007

domingo, fevereiro 04, 2007

Aeroportos 17

Cantarell
Cantarell, campo petrolífero. Foto: Víctor R. Caivano/AP

Ota: e se o petróleo mudar todas as previsões
nos próximos dois anos?

A notícia recente e inesperada da rápida exaustão do petróleo mexicano conhecido (1), com o colapso anunciado do grande campo petrolífero de Cantarell, veio relançar a discussão sobre o Pico Petrolífero, a qual, na opinião de Matthew Simmons (2), irá ofuscar dentro um ou dois anos a própria discussão sobre as alterações climáticas, devido ao impacto que terá sobre a economia mundial e sobretudo nos modelos do chamado "business as usual". Observadores de reconhecida competência, como Jim Rogers (3) e Matthew Simmons, prevêm que a subida do preço do crude irá ser retomada muito em breve, podendo atingir os 150 USD entre 2009 e 2013, e mesmo os 300 USD se nenhuma boa notícia entretanto surgir do lado da oferta e a procura continuar a crescer ao ritmo actual.

Alimentar a teimosia do novo aeroporto da Ota e do TGV Lisboa-Porto nestas circunstâncias, soma a cada vez mais evidente imprestabilidade da ideia ao perigo de um fracasso económico de proporções monumentais, de que poderá resultar, ou uma duradoura hipoteca de Portugal às empresas financeiras, industriais e de construção envolvidas no negócio, ou mesmo a dolorosa abdução da autonomia de decisão do país pelos credores que entretanto se forem perfilando no horizonte de um dívida externa incontrolável.

Portugal sofre de uma dependência energética e alimentar preocupante. A crise climática, nomeadamente por via das secas que se anunciam, porá de pantanas os nossos frágeis sistemas de prevenção e intervenção, ao mesmo tempo que empurrará boa parte das seguradoras para a defensiva mais extrema. A sangria demográfica, por via da emigração, que regressou para nossa vergonha, não poderia testemunhar mais cruamente a leviandade política que nos trouxe até aqui.

Neste contexto, para além da necessidade de tomar decisões de uma racionalidade drástica nos domínios da eficiência energética, da produção de energias renováveis, da limitação abrupta dos excessos de emissões de gases e de substâncias aceleradoras das alterações climáticas, o país vai ter que atacar muito rapidamente e com grandes doses de investimento financeiro o actual caos territorial e a completa irracionalidade das nossas principais áreas metropolitanas e cidades. Um dos elementos desta revolução, pois é disso que se trata, é a revisão completa da actual política de transportes e mobilidade. Nada se poderá fazer se não se compreender que há uma simbiose verdadeira entre a cidade e as suas redes de transportes e mobilidade, que por isso exigem uma atenção muito grande, meticulosa e democraticamente assumida. O principal entrave a esta inadiável revolução é a actual tentativa de prosseguir e mesmo acelerar de forma atabalhoada, ilegítima e prepotente com as prioridades da Ota e do TGV Lisboa-Porto, totalmente desactualizadas face aos mais imediatos e gigantescos desafios civilizacionais.

Os desafios que aí vêm não podem ser liderados com a arrogância do "posso, quero e mando" a que os políticos deste país se habituaram. Nem muito menos por primeiros ministros que da ciência política parecem conhecer apenas o voluntarismo e o contorcionismo mediático.

Ou muito me engano, ou este Sócrates terá que engolir a Ota e o TGV Lisboa-Porto de uma assentada. Tal poderá suceder quando, de um dia para o outro, talvez em 2008, passarmos da percepção da emergência climática global, finalmente em processo de mediatização acelerada, para a percepção da emergência energética aguda para que nos precipitamos a uma velocidade castastrófica.

Se então estivermos atolados em dívidas estúpidas e gigantescas, tudo será mais difícil e mais dramático.

Na suposição conservadora de que o barril de petróleo só custará 150 USD em 2017, calculámos por baixo (ver quadro) as implicações económicas e de tempo de uma deslocalização do principal aeroporto do país, de Lisboa para a Ota. Olhando para o quadro, percebe-se que as ligações aéreas entre as duas principais cidades do país desaparecerão; que o TGV não tem nenhuma justificação quando comparado com o Alfa Pendular em pleno uso das suas faculdades (a não ser servir o novo aeroporto), e que um aeroporto na Ota, criminosamente caro na concepção-construção e caríssimo para todos os que dele se servirem (pessoas e aviões), jamais será interessante do ponto de vista do novo paradigma do transporte aéreo de passageiros.





Notas

1 - Mexico's Oil Output Cools. By David Luhnow, Dow Jones Newswires 29/01/07

Daily output at Mexico's biggest oil field tumbled by half a million barrels last year, according to figures released Friday by the Mexican government. The ongoing decline at the Cantarell field could pressure prices on the global oil market, complicate U.S. efforts to diversify its oil imports away from the Middle East, and threaten Mexico's financial stability.

The virtual collapse at Cantarell -- the world's second-biggest oil field in terms of output at the start of last year -- is unfolding much faster than projections from Mexico's state-run oil giant Petroleos Mexicanos, or Pemex. Cantarell's daily output fell to 1.5 million barrels in December compared to 1.99 million barrels in January, according to figures from the Mexican Energy Ministry. Link


2 - Simmons says global oil supply has peaked. By Rhonda Schaffler, Bloomberg, 01/02/07



Matthew Simmons, chairman of Simmons & Co. International in Houston, talked yesterday with Bloomberg's Rhonda Schaffler about the need to address energy use, his view that global supply has peaked and the likelihood oil prices could reach as much as $300 a barrel. (Source: Bloomberg)

[Transcription of the first few minutes of the interview]

Q: Tell me how you draw your conclusion that at this point we've hit Peak Oil.

A: If you look at the numbers and you follow what's going on starting with Mexico's giant Cantarell field which is now in a very serious state of decline and then you look at the North Sea and you see just the UK and Norway, it's pretty obvious to me that those three areas alone could actually decline by between 800,000 and 1 million barrels a day in 2007.

That pretty well wipes out almost all the production gains coming onstream and in implicit in that it assumes that everyone else is flat.

So I think basically too many of our oil fields are too old. Too many now are in decline. The Middle East is basically out of capacity. they're some projects that are being worked upon, but most don't hit the market until 2008, 2009 and we're running out of time.

... I am firmly of the belief that over the course of the next year or two, this issue of peak oil will replace global warming as an issue that we're all worrying, debating and talking about.


3 - Rogers Says Oil Will Rise to $100 After 'Correction'. By Wendy Pugh and Yasumasa Song, Bloomberg.com 18/01/07

Oil will resume its march toward $100 a barrel after a 'correction', said Jim Rogers, who predicted the start of the commodities rally in 1999.

I'm just not smart enough to know how far down it will go and how long it will stay, but I do know that within the context of the bull market, oil will go over $100; It will go over $150. Whether that is in 2009 or 2013, I don't have a clue, but I know it's going to happen. Link

OAM #170 04 FEV 2007